CAPÍTULO 5- CONCLUSÕES, IMPLICAÇÕES E SUGESTÕES DA INVESTIGAÇÃO 5.1. Introdução
No presente capítulo apresentamos as conclusões de cada um três estudos realizados nesta investigação (5.2.), de acordo com os objectivos a que nos propúnhamos. Em seguida, salientamos algumas consequências que este trabalho terá, porventura, no ensino das Ciências Físicas e Naturais, particularmente, no ensino da Química (5.3.). Por último, sugerimos alguns estudos que poderão dar continuidade a esta investigação (5.4.).
5.2. Conclusões da Investigação
As conclusões da investigação vão ser sistematizadas em função dos objectivos propostos para a investigação.
O primeiro objectivo tinha a ver com as percepções que os professores de C.F.Q., a leccionar o 3ºCiclo, fazem relativamente às suas as práticas no que concerne à inclusão de B.D. na sala de aula. Os resultados obtidos, com o questionário e com a entrevista aplicados a professores, indicam que:
- cerca de um terço dos professores refere ter recorrido à B.D. para leccionar conteúdos de Química e apenas um professor, entre oito entrevistados, declarou ter utilizado a B.D. como ferramenta didáctica;
- os temas de Química leccionados com recurso à utilização da B.D., incidiram, no caso dos professores questionados e professores entrevistados, basicamente, no tema “Regras de Segurança no Laboratório”, embora os professores questionados referissem ter utilizado a B.D. em diversos temas e conteúdos programáticos de Química do Ensino Básico.
O segundo objectivo centrava-se nas opiniões de professores e de alunos relativamente à utilização de B.D. nas aulas de Química. A sua consecução foi alcançada através da aplicação de um questionário aplicado a alunos e professores (estudo centrado nos hábitos de leitura e potencialidades da B.D. no ensino da Química). Os resultados indicam que:
- cerca de 75% dos professores consideram a B.D. como recurso didáctico
Muito Importante ou Importante; as razões avançadas para esta tomada de
posição assentam no facto de considerarem a B.D. um meio apelativo/imaginativo/motivador e, como tal, com um grande potencial para auxiliar os alunos na compreensão de conteúdos de Química. Os professores entrevistados, na sua maioria, corroboraram estas opiniões tendo apresentado argumentos idênticos;
- os professores entrevistados referem que a elevada importância atribuída à B.D., como recurso didáctico pelos professores questionados, é um indicador positivo para se utilizar mais vezes a B.D. na sala de aula;
- as razões fundamentais, indicadas pelos os alunos e professores para uma futura utilização da B.D., no Ensino da Química, foram: aumentar a motivação para o estudo da Química; facilitar a aprendizagem/compreensão dos conteúdos; diversificar os meios na sala de aula;
Pelo supramencionado, parece existir um consenso favorável entre os professores e os alunos envolvidos no estudo para a utilização de B.D. na sala de aula. Assim, e apesar dos argumentos avançados pelos alunos e professores envolvidos no estudo no sentido de considerarem a B.D. com um potencial elevado para ser utilizado como recurso didáctico em Química, parece-nos que a B.D. é ainda um meio subaproveitado, uma vez que a utilização deste recurso, na sala de aula, no âmbito desta disciplina, é ainda marginal.
O terceiro objectivo tinha como propósito identificar os assuntos científicos veiculados pela B.D., em particular pelos livros do Tio Patinhas. Os resultados obtidos, através da aplicação de grelhas de análise, dão a indicação que:
- 41 (89,1%) livros, dos 46 livros analisados, têm assuntos científicos. Em que 27 (58,7%) integram conteúdos de Química, 10 (21,7%) fazem referências à Ciência e 25 (54,3%) mencionam assuntos sobre os Cientistas;
- os assuntos de Química encontrados nos livros do Tio Patinhas foram os temas designados por: Substâncias Químicas, Reacções Químicas,
integram assuntos de Ciências actuais e menos actuais. A sua abordagem faz-se de um modo, quase sempre hilariante, mas em conformidade com a funcionalidade que têm para o senso comum, ou seja, transmitindo ideias “certas”, à excepção dos ácidos que são tratados como sendo substâncias “perigosas”; dos metais, que são abordados de uma forma “utópica”( transformar qualquer metal em ouro);
- os livros do Tio Patinhas analisados transmitem imagens da Ciência como: capaz de resolver os problemas da sociedade, descobrir/criar produtos novos, estar dependente de opções económicas, estar em constante construção, relacionada com a Tecnologia e por vezes apresentada como um pretexto, por vezes em benefício próprio e para fazer qualquer coisa; - a maioria dos livros do Tio Patinhas analisados faz referência aos
Cientistas, apresentando-os, na maior parte das vezes, como “génios” e/ou
como pessoas “malucas” e/ou “loucas”, que trabalham, quase sempre num laboratório, que revelam atitudes de índole científica na forma de trabalhar, ou seja, são apresentados com características muito diferentes de pessoas consideradas “normais”.
Assim, os livros de B.D. analisados incluem assuntos científicos que, geralmente, fazem parte dos curricula de Ciências, do Ensino Básico, da área disciplinar das Ciências Físicas e Naturais. Os livros do Tio Patinhas analisados parecem transmitir imagens da Ciência e dos Cientistas baseadas em mitos e estereótipos e, dando portanto, uma visão da Ciência e dos Cientistas contrária aquela que é defendida por vários investigadores e pelos autores que estudam a natureza da Ciência.
O último objectivo da investigação foi centrado nas interpretações que oito alunos, oito professores e três investigadoras dão a quatro excertos de B.D. que focam assuntos científicos. Os dados recolhidos, através de uma entrevista aplicada a cada um dos grupos, indicam que:
- quase todos os alunos acatam/confiam nas informações contidas nos excertos 1 e 2, apesar dos temas Camada de Ozono e Combustão terem sido veiculados pelos meios formais e informais de aprendizagem. Esta
atitude dos alunos contrasta com a posição crítica tomada pelas investigadoras perante os excertos, o que denota que os alunos podem não se encontrar cientificamente preparados para lidar com a informação científica apresentada em contextos informais. Na análise dos excertos 3 e 4, centrados na natureza da Ciência e nas imagens dos Cientistas, os alunos, à semelhança das investigadoras, apresentam divergências com a abordagem do assunto Ciência e da imagem do Cientista contida nesses excertos. No entanto, os argumentos utilizados pelos alunos indicam que os mesmos perfilham imagens da Ciência relacionadas com a experimentação, com o método científico e apresentam imagens dos Cientistas baseadas em estereótipos, como o Cientista génio, a trabalhar no laboratório, ao serviço da comunidade, entre outras;
- os professores confirmam algumas das expectativas que tinham em relação ao desempenho científico dos alunos e revelam abordar pouco os assuntos sobre a natureza da Ciência e sobre os Cientistas na sala de aula, uma vez que, a maioria dos professores indica discutir o assunto Cientista quando abordam o método científico.
Em jeito de conclusão, a maioria dos alunos não soube lidar com assuntos científicos presentes nos excertos de B.D. analisados, acatando e/ou confiando na informação que era veiculada pelos excertos de B.D.. Os alunos revelaram não possuir argumentos para lidar com assuntos sobre a natureza da Ciência e sobre as imagens dos Cientistas, parecendo que o ensino formal das Ciências ainda não consegue abordar esses assuntos da melhor maneira, e que as imagens sobre a Ciência e os Cientistas que os alunos do presente estudo perfilham são, em grande parte, semelhantes às veiculadas pelos meios de comunicação e, portanto, inadequadas às imagens que os alunos no final da escolaridade obrigatória deveriam ter.
5.3. Implicações para a Educação na Área de Ciências Físicas e Naturais
A presente investigação, centrada nas potencialidades que a B.D. poderá ter no ensino da Química e na contribuição capital que poderá dar para ligar dois mundos que
ainda se encontram distantes, o da aprendizagem formal com o da aprendizagem informal, pode constituir um ponto de partida para uma reflexão por parte dos Educadores em Ciências (professores e autores de manuais de Ciências) acerca da maximização do aproveitamento, directo (usando a B.D.) ou indirecto (tendo em conta o que os alunos ao lerem B.D. podem ter aprendido, ideias, opiniões, imagens mentais) deste meio, na sala de aula. Assim, os resultados obtidos através dos três estudos realizados poderão ter implicações ao nível da prática lectiva levada a cabo pelos Educadores em Ciências, ao nível da integração de informação científica contida na B.D. no ensino formal e ainda ao nível da formação dos professores. Em relação ao primeiro aspecto parece-nos que:
- o facto dos alunos e dos professores envolvidos na investigação terem-se mostrado receptivos à utilização da B.D. na sala de aula e de se ter verificado que os alunos entrevistados não conseguiram lidar com a informação científica contida nos excertos de B.D., parecem-nos motivos suficientes para os Educadores em Ciências utilizarem excertos de B.D., criteriosamente seleccionados, para abordar assuntos de Química na sala de aula, diversificando, deste modo, os materiais didáctico, envolvendo mais activamente os alunos na sua aprendizagem habituando-os, assim, a lidar e a interpretar assuntos científicos em meios informais, nomeadamente na B.D.;
- pelos resultados obtidos na investigação, os alunos não perfilham concepções adequadas relativamente à natureza da Ciência e aos Cientistas e parecem “acreditar” nas imagens da Ciência e dos Cientistas divulgadas através de meios informais. Os professores fazem uma abordagem destes temas de um modo insuficiente, dada a relevância que estes assuntos devem ter no ensino formal. Neste contexto, os Educadores em Ciências poderão utilizar excertos de B.D. para discutir explicitamente estes assuntos, que nos parecem ter estado um pouco à margem do ensino formal, contribuindo para dotar os alunos, no final da escolaridade obrigatória, com imagens da Ciência e dos Cientistas consentâneas com as
que são preconizadas pelas novas filosofias das Ciências e, acima de tudo, para os preparar para o exercício de uma cidadania responsável;
- dado que os alunos questionados referiram utilizar a B.D. em todas as disciplinas que compõem o seu currículo, os Educadores em Ciências poderão utilizar a B.D. como um meio para levar a cabo estratégias interdisciplinares, nos três ciclos que compõem o Ensino Básico, uma vez que a B.D. pode ser utilizada por todas as áreas curriculares e não curriculares, no desenvolvimento das competências a alcançar pelos alunos no final do Ensino Básico.
Quanto à formação de professores parece-nos necessário que:
- dado que os alunos indicaram percepcionar assuntos científicos contidos na B.D. e que esse tipo de aprendizagem, de um modo directo ou indirecto, influencia o seu conhecimento científico, os professores na sua formação, inicial ou contínua, devem tomar consciência da importância que os meios informais têm, em termos de aprendizagem científica, e serem sensibilizados para a inclusão fundamentada de fontes com informação científica na sala de aula, nomeadamente da B.D.. Desta maneira, poderão diversificar os recursos didácticos na sala de aula e, possivelmente, conseguir aumentar o interesse e a motivação dos alunos pelo estudo das Ciências, em particular da Química, pois, especialmente após a generalização da gestão Flexível do Currículo, cabe-lhes a função de gestores desse próprio currículo;
- com base no facto dos professores entrevistados terem mostrado dificuldades em lidar com assuntos sobre a natureza da Ciência e sobre os Cientistas, a sua formação, inicial ou contínua, deve ser alvo de cursos de formação onde se dê prioridade à reflexão/discussão sobre as imagens de Ciência e dos Cientistas no sentido de conseguirem implementar estratégias na sala de aula em conformidade com concepções adequadas sobre estes dois assuntos.
5.4. Recomendações para futuras Investigações
No sentido de encontrar respostas a algumas questões levantadas pela análise de dados obtidos nesta investigação, propomos que se realizem, no futuro, investigações que estão relacionadas, de um modo directo, com as conclusões do presente trabalho:
- analisar livros de B.D. (Tintim, Astérix, entre outros), diferentes dos considerados nesta investigação, com vista a encontrar referências a assuntos de Química, à natureza da Ciência e a imagens dos Cientistas e, posteriormente, comparar os resultados obtidos nessa análise com os obtidos no caso dos livros do Tio Patinhas, enriquecendo/complementando, assim, a informação obtida no presente trabalho;
- conhecer a(s) razão(ões) e a(s) “fonte(s) de inspiração”, a nível de texto e imagem, que levam os autores de B.D. a integrarem assuntos de Ciências nos seus livros, para perceber se as imagens da Ciência e dos Cientistas que eles concebem estão ou não associadas às suas concepções sobre a natureza da Ciência e dos Cientistas;
- conhecer se efectivamente a utilização de um modo sistemático de B.D., no ensino da Química, permite aos alunos melhorar o seu conhecimento científico, sobre as Ciências e os Cientistas e ainda aumentar a motivação dos alunos para o estudo deste assuntos.
- construir B.D. centrada em várias problemáticas científicas através da realização de uma acção de formação- um Workshop- para professores de Educação Visual, de Língua Portuguesa e de Ciências, particularmente professores de Ciências Físico-Químicas, e autores de para ser aplicada em sala de aula e prosseguir com a validação da mesma junto a alunos e a professores e com a avaliação da sua eficácia enquanto recurso didáctico; Sugerimos, também, algumas investigações que estão indirectamente ligadas ao presente trabalho:
- conhecer se a utilização da B.D. poderá ser um veículo importante para servir de comunicação, nos processos de ensino e de aprendizagem e como forma de transmitir conhecimentos científicos, aos alunos com necessidades educativas especiais, nomeadamente aos que apresentam
perturbações da fala e da linguagem, (uma vez que é um meio que integra dois tipos de linguagens -verbal e visual);
- utilizar a informação científica contida nos excertos de B.D. para a avaliação do conhecimento científico dos alunos, uma vez que, de acordo com as Orientações Curriculares para o 3º Ciclo do Ensino Básico, devem ser criados novos instrumentos para aumentar a ênfase da avaliação das competências dos alunos desenvolvidas em experiências educativas diferenciadas e, desta forma, poder avaliar os alunos, no que diz respeito às suas competência na interpretação de assuntos científicos, em contextos informais.
Esperemos que esta investigação promova uma reflexão didáctica/pedagógica dos professores de Ciências, particularmente os de Química, no sentido de alterarem, de algum modo, a sua prática diária e a sua rotina, uma vez que, como é referido pelo Ministério de Educação (2000, p.3) “(...) os professores constituem uma componente essencial no Sistema Educativo e, sem a sua colaboração e disponibilidade para introduzir as mudanças necessárias [...] esta corre o risco de ficar somente no papel”.
