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A natureza da Ação Humana Racionalidade, Intencionalidade e Livrearbítrio em John Searle e Harry G. Frankfurt

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Academic year: 2021

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MESTRADO EM FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

A natureza da Ação Humana

Racionalidade, Intencionalidade e

Livre-arbítrio em John Searle e Harry G. Frankfurt

Mónica Liliana Costa Ferreira

M

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Mónica Liliana Costa Ferreira

A Natureza da Ação Humana

Racionalidade, Intencionalidade e

Livre-arbítrio em John Searle e Harry G. Frankfurt

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Filosofia Contemporânea orientada pela Professora Doutora Sofia Gabriela Assis de Morais Miguens

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

2020

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A natureza da Ação Humana

Racionalidade, Intencionalidade e

Livre-arbítrio em John Searle e Harry G. Frankfurt

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Filosofia Contemporânea orientada pela Professora Doutora Sofia Gabriela Assis de Morais Miguens

Membros do Júri

Professor Doutor (escreva o nome do/a Professor/a)

Faculdade (nome da faculdade) - Universidade (nome da universidade)

Professor Doutor (escreva o nome do/a Professor/a)

Faculdade (nome da faculdade) - Universidade (nome da universidade)

Professor Doutor (escreva o nome do/a Professor/a)

Faculdade (nome da faculdade) - Universidade (nome da universidade)

Classificação obtida: (escreva o valor) Valores

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Sumário

Declaração de honra ... 1 Agradecimentos ... 2 Resumo ... 3 Abstract ... 4 Introdução ... 6

Capítulo 1 – Ação ou simples ato? ... 15

1.1 A estrutura da ação ... 18

1.2. Racionalidade ... 25

1.3. O problema do livre-arbítrio ... 27

1.4 O problema mente-corpo ... 36

1.5 Consciência e intencionalidade ... 41

Capítulo 2. – A liberdade da vontade como chave para a compreensão da racionalidade da ação ... 49

2.1 John Searle: será que o livre-arbítrio encontra espaço no fisicalismo e no funcionalismo? ... 49

2.2 O compatibilismo de Harry Frankfurt e o compatibilismo clássico - o Princípio das Possibilidades Alternativas ... 53

2.2.1 Harry Frankfurt: liberdade e a noção de Pessoa ... 66

2.3 De que falamos, afinal, quando falamos de responsabilidade moral? ... 70

Considerações finais ... 73

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Declaração de honra

Declaro que a presente tese é de minha autoria e não foi utilizada previamente noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores (afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-plágio constitui um ilícito académico.

Porto, 30 de setembro de 2020 Mónica Liliana Costa Ferreira

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Agradecimentos

Porque somos fruto de memórias, vivências e aprendizagens, e sem dúvida que vamos encontrando na nossa vida pessoas que contribuem para tal, o meu primeiro agradecimento é dirigido à minha orientadora, Professora Sofia Miguens, minha referência desde os meus jovens tempos de licenciatura nesta faculdade e a quem devo tanta aprendizagem e referência na minha vida académica e profissional.

Aos meus alunos! Por eles me esforço diariamente e porque acredito que só as mentes críticas e reflexivas podem mudar o mundo. E por eles jamais desistirei!

À minha irmã Gabriela, que me enche de orgulho diariamente. Ao Simon, minha âncora, sem dúvida.

Aos meus pais, referências na minha vida.

Não posso deixar de referir a minha “Tia Linda”, uma das pessoas mais importantes da minha vida e com quem partilho tantos momentos filosóficos.

Aos meus amigos mais próximos, com quem tenho o privilégio de partilhar a minha vida.

À minha “família alargada”… meus companheiros em tantas horas durante a redação deste trabalho.

O meu agradecimento final à Direção e colegas do Colégio do Rosário. Esta escola fez de mim melhor professora e melhor profissional. Serei eternamente grata por fazer parte desta família.

E conforme referi acima, somos fruto de memórias, vivências e aprendizagens. Mesmo aqueles que já partiram estão sempre presentes e marcaram a nossa vida de uma forma incontornável. E não posso deixar de os relembrar e honrar.

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Resumo

Com o presente trabalho pretendemos desenvolver a questão da racionalidade e da intencionalidade da ação humana no âmbito da filosofia da ação, seguindo a perspetiva de dois autores contemporâneos, John Searle e Harry Frankfurt. Noções centrais de pessoa, racionalidade, causas e intenções serão analisadas nos dois autores, sendo fundamental a ideia de que só podemos falar em ação racional do ponto de vista da possibilidade de uma liberdade da vontade. Será, ainda, explorado o conceito de livre-arbítrio, conceito fundamental para a compreensão da racionalidade e intencionalidade na ação humana, não tanto numa perspetiva metafísica, mas, sobretudo em relação às implicações práticas do comportamento. Em tom de conclusão, deveremos refletir sobre a ética do agir de acordo com os contributos destes autores.

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Abstract

This thesis will explore the questions of rationality and intentionality within the philosophy of action from the perspective of two contemporary authors: John Searle and Harry Frankfurt. Concepts such as person, rationality, causes and intentions will be comparatively analyzed between the authors. One fundamental claim is that we can only talk about rational action from a possible perspective of freedom of the will. We also explore the concept of free will, fundamental to understand the rationality and the intentionality of the human action, not so much in a metaphysical perspective, but, mainly in the perspective of the practical implications of behavior. In conclusion, we should reflect on the ethics of acting based on the insights according of these authors.

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Introdução

Neste trabalho iremos elucidar alguns conceitos fundamentais relativos à racionalidade e intencionalidade, fundamentais na compreensão da especificidade da ação humana, bem como outros conceitos correlacionados com os mesmos (livre-arbítrio), explorando reflexivamente as teses dos filósofos americanos John Searle e Harry Frankfurt.

Antes de mais, apresentamos brevemente os dois autores sobre os quais o presente trabalho se centrará. John Rogers Searle nasceu no dia 31 de julho de 1932 em Denver. É professor da Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA). É membro da Academia Americana de Artes e Ciências e da Academia Europeia de Ciência e Arte. Dedicou-se inicialmente à linguística e à filosofia da linguagem e, posteriormente, à filosofia da mente. Notabilizou-se ao propor a experiência mental do Quarto Chinês, na qual criticava a hipótese da Inteligência Artificial Forte, de acordo com a qual dotar um sistema do programa apropriado é dotá-lo de mentalidade genuína. O próprio Searle caracteriza-se como um racionalista biológico, sendo a sua obra uma forte crítica a outras correntes da filosofia da mente, tais como o funcionalismo. Neste autor, encontramos uma riqueza e amplitude filosóficas bastante interessantes, desde a filosofia da mente, a filosofia da ação, filosofia da linguagem1 e, na sua mais recente obra2, considerações sobre uma ontologia social e sobre a natureza dos corpos sociais.

Harry Frankfurt, nascido a 29 de maio de 1929 na cidade de Langhorne, Pennsylvania, é, atualmente, professor emérito de filosofia na Universidade de Princeton. Obteve o doutoramento em 1954 pela Universidade Johns Hopkins. No seu trabalho são visíveis as influências, sobretudo, de Descartes e Kant. Além da história da filosofia e da epistemologia, tem ainda como áreas de interesse a filosofia moral, a filosofia da mente e a filosofia da ação, em particular os temas da liberdade da vontade e do amor.

Numa nota inicial, parece fundamental elucidar os leitores acerca da pertinência deste trabalho e acerca do porquê deste tema em concreto. A filosofia da ação3 é

certamente uma das disciplinas que mais interessa do ponto de vista da discussão 1 Nomeadamente sobre os atos de fala.

2 Da Realidade Física à Realidade Humana (2020).

3 “A filosofia da ação começa por ser, no seu ponto mais básico, a tentativa de problematização de uma

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filosófica, tendo em conta que envolve inúmeras outras problemáticas a ela associada, nomeadamente a Ética e a Moral. Porquê? Consideremos o seguinte: ao falarmos de racionalidade e intencionalidade, em que pensamos? Comumente, pensamos numa pessoa dotada de liberdade, com a capacidade de fazer escolhas livres, consciente dessas mesmas escolhas, e que é, como tal, também responsável moralmente pelas suas ações. Deste modo, é fundamental a correlação entre os conceitos de racionalidade, intencionalidade, pessoa, liberdade da vontade e responsabilidade moral. Ainda assim, diferentes autores apresentam posições completamente diferentes, talvez até controversas, acerca desta correlação. É este o caso, nomeadamente, de Harry Frankfurt. Faz parte integrante da sua posição compatibilista a defesa da ideia segundo a qual o Princípio das Possibilidades Alternativas, quase sempre tomado como central na discussão do livre-arbítrio, não tem a forma que lhe é usualmente atribuída4.

Relativamente ao Problema das Possibilidades Alternativas, referimo-nos à obra

An Essay on Free Will (1983) de Peter van Inwagen. Este autor recorre ao Argumento

da Consequência para defender a incompatibilidade entre o determinismo e o livre-arbítrio: se o mundo é causalmente determinado, onde há espaço para o livre-arbítrio? Na referida obra, Inwagen expõe o argumento a favor do incompatibilismo da seguinte forma:

“Se o determinismo for verdadeiro, então os nossos atos são consequência das leis da natureza e outros eventos remotos passados. Mas não depende de nós o que aconteceu antes de nascermos, nem as leis da natureza dependem de nós. Deste modo, as consequências dos factos relatados (incluindo os factos presentes), não dependem de nós.”5 (Inwagen, 1983, p. 56).

Numa perspetiva determinista, a ideia central sublinha o facto de haver um conjunto de situações ou eventos que não dependem, de todo, do agente. Assim sendo, não podendo o agente interferir nessas situações ou eventos, resta-nos as consequências de não poder ser livre ou não ser dotado de livre-arbítrio, nem, tão pouco, podermos ser moralmente responsáveis pelas consequências dos nossos atos.

4 No sentido em que não é interpretado da forma mais correta, segundo o autor. 5 Tradução nossa.

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Em termos metodológicos, respondemos a esta questão por duas vias: compatibilista e incompatibilista. A perspetiva compatibilista defende que o livre-arbítrio é compatível com determinismo, a perspetiva incompatibilista o contrário.

Usualmente chamados de determinismo moderado à tese compatibilista, e libertismo e determinismo radical, embora teses completamente diferentes, derivam de uma perspetiva incompatibilista. Harry Frankfurt é um compatibilista (talvez o mais conhecido compatibilista humeano contemporâneo). Para o autor se, de facto, o determinismo for verdadeiro,

“ninguém poderá agir de forma diferente como agiu (…), ninguém tem o poder de realizar o que seja que não foi realizado (…), ninguém pode escolher sobre o que seja (…), em síntese, se o determinismo for verdadeiro, não existe livre-arbítrio.” (p. 107).

No entanto, na mesma obra, após análise exaustiva do mesmo argumento, acaba por se render à importância do livre-arbítrio:

“Eu disse antes, na presente secção, que eu deveria perguntar o que rejeitar o livre-arbítrio significaria para nós, sem perguntar o que a negação do mesmo poderia acarretar do ponto de vista lógico. A resposta é: alguém que rejeita o livre-arbítrio é condenar-se a si próprio a uma vida de inconsistência lógica perpétua. Quem rejeita o livre-arbítrio adota uma teoria geral sobre o ser humano que é contraditória com palavras e atos. Talvez soe pior do que é realmente. Temos visto que parece a melhor opção a adotar por aqueles que consideram que têm evidências de que não temos livre-arbítrio. Quando descrito abstratamente, aquele que rejeita o livre-arbítrio pode ser descrito como uma figura cómica. Mas isso ocorre, em parte, porque supomos que a contradição palavra por ato não é uma característica inevitável da vida. (…) Mas qualquer um que negue a existência do livre-arbítrio deve, invariavelmente, contradizer-se a si próprio com uma monótona regularidade.”6 (p. 160).

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Efetivamente, Inwagen acaba por concordar que, do ponto de vista ético-moral, aceitar apenas que somos causalmente determinados, ao mesmo tempo que rejeitamos todas as formas de livre-arbítrio, comportam consequências, de facto, indesejáveis.

É comum pensarmos que uma pessoa é moralmente responsável pelo que realizou, apenas e só se, tivesse tido a oportunidade de realizar outra ação qualquer. No entanto, para Frankfurt, ser dotado de livre-arbítrio é muito mais complexo do que isso, não se trata apenas de uma questão de compatibilidade ou incompatibilidade entre determinismo e livre-arbítrio. Ser livre é, para Frankfurt, ter a capacidade de determinar as nossas vontades. Deste modo, Frankfurt originou nova discussão, apresentando situações hipotéticas, ou experiências mentais de agentes que, conforme ele argumentou, embora não pudessem ter agido de outro modo, ainda assim seriam moralmente responsáveis pelas suas ações. Daremos particular atenção a essa discussão. Por outro lado, Searle defende que há uma “causalidade própria” para o livre-arbítrio (Costa, 2006). Aliás, veremos mais à frente a posição crítica deste autor relativamente à questão do livre-arbítrio. Em Freedom and Neurobiology - Reflections

on Free Will, Language, and Political Power (2007) - segundo capítulo7, Searle começa exatamente por referir que, ao fim de longos anos de reflexão em torno deste problema, afinal, os progressos não foram assim tantos. Para Searle, quando se trata de explicar um determinado comportamento humano, usamos conceitos, tais como “agiu livremente” ou “agiu de forma voluntária”, ao mesmo tempo tornando estes conceitos incompatíveis com conceções deterministas. O autor explora o exemplo de alguém que vota num determinado candidato. Por que razão o faz? Quais os motivos? Certamente o agente foi capaz de dar resposta a esta questão, no sentido em que é sabe apresentar motivos ou razões. Ele poderia ter votado noutro candidato, na situação em que se manteriam intactas todas as outras condições. Dadas as causas que operaram no agente, não teve de votar nesse candidato, mas sim no anterior. Searle cita a razão como explicação da ação deste agente, não está a fazê-lo de modo causalmente eficiente. Neste ponto, Searle parece enquadrar-se numa perspetiva libertista (Fernandes, 2015). Mas Searle considera haver aqui uma contradição. Por um lado, nós temos a experiência da liberdade. Por outro lado, consideramos difícil desistir da visão segundo a qual, porque todo o evento tem uma causa, e porque as ações humanas são eventos, as ações humanas devem ter explicações causais suficientes. No entanto, fará sentido colocar ao

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mesmo nível este ato de estar neste momento a escrever esta tese e a chuvada e vendaval que ocorreu na minha aldeia? Mais uma vez, explicar o livre-arbítrio à luz da compatibilidade e incompatibilidade entre livre-arbítrio e determinismo não será a resposta mais adequada. Searle irá enquadrar o problema do livre-arbítrio enquanto problema neurobiológico.

As teses destes dois autores serão examinadas de forma mais aprofundada ao longo dos próximos capítulos.

Do mesmo modo que a discussão que até aqui levantamos tem pertinência do ponto de vista ético-moral e, portanto, prático, ela tem também pertinência ao nível de uma ontologia dos conceitos. Do que falamos quando falamos do conceito de pessoa? O que implica este conceito? A quem (ou o quê) limitamos este conceito? E intencionalidade? O que significa um agente agir de forma intencional? Os conceitos de pessoa e de intencionalidade remetem por sua vez para o conceito de racionalidade (quase que de uma forma à senso comum remetemos para tal). Como tal, se falamos em racionalidade, temos de começar por definir e delimitar conceitos. Isso ocupará a primeira parte deste trabalho. Mais especificamente, consideraremos a racionalidade de um agente enquanto pessoa e aquilo que é ser pessoa de acordo com os nossos dois autores. Consideraremos também aquilo de que falamos quando falamos em racionalidade (O que é uma ação racional?), explanando as perspetivas de Searle e de Frankfurt.

É ainda indubitável que estas questões têm outro tipo de implicações que transcendem as questões morais, nomeadamente ao nível jurídico. No entanto, estas não serão objeto de discussão no presente trabalho.

Por último, gostaríamos de revelar uma motivação pessoal no empreendimento deste trabalho. Talvez o principal motivo da redação deste trabalho sejam as suas implicações pedagógicas junto dos alunos do Ensino Regular Secundário. De momento, a filosofia da ação ocupa parte do programa de Filosofia do 10.º ano sendo – esta é um convicção justificada pelos vários anos enquanto professora – a temática que mais acrescenta ao espírito critico dos alunos, quer pela sua complexidade, quer pela possibilidade de se discutir inúmeros casos práticos que permitem o diálogo, discussão e investigação filosóficas.8 Do nosso ponto de vista, mais do que uma discussão

8 De notar que, de acordo com as novas Aprendizagens Essenciais, “a disciplina de Filosofia deve ser

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hermenêutica ou uma exploração da Metafísica inerentemente relacionada com a filosofia da ação ou com a Ética, interessa-nos, sobretudo, os impactos destas problemáticas ou as questões práticas, aliás, núcleo central do nosso trabalho pedagógico e estratégico junto de um público-alvo tão jovem e assaz questionador. Qual seria o interesse de uma compreensão teórica dos conceitos e das teses se não fosse a sua aplicação em situações reais ou hipotéticas? Por que motivo teria de ser a filosofia desfasada, complexa e distante do ser humano? Qual a riqueza e importância da filosofia se não fosse a sua pertinência na discussão dos problemas que dizem respeito à humanidade e o seu contributo para uma vida eticamente mais desejável?

Assim, face ao exposto, serão as seguintes as linhas de organização deste trabalho.9 No primeiro capítulo, iniciaremos uma hermenêutica de conceitos,

desenvolvimento de um pensamento autónomo, consciente das suas estruturas lógicas e cognitivas, e capaz de mobilizar o conhecimento filosófico para uma leitura crítica da realidade e o fundamento sólido da ação individual e na sua relação com os outros humanos e não humanos.” De sublinhar ainda “a disciplina de Filosofia, ao colocar o aluno como aprendente ativo e responsável, contribui para que seja questionador, investigador, crítico, organizador, informado e autoavaliativo ao facilitar o desenvolvimento: de um pensamento crítico capaz de mobilizar o conhecimento filosófico e as competências lógicas da filosofia para formular questões de modo claro e preciso, de usar conceitos abstratos para avaliar informação, de validar teses e argumentos através de critérios sólidos, de avaliar os pressupostos e implicações do seu pensamento e o dos outros e de comunicar efetivamente na busca de solução de problemas que se colocam nas sociedades contemporâneas; cuidador de si e dos outros; através de um pensamento e ação éticos e políticos que mobilizem conhecimento filosófico para compreender, formular e refletir sobre os problemas sociais, éticos, políticos e tecnocientíficos que se colocam nas sociedades contemporâneas, e seu impacto nas gerações futuras, discutindo criticamente as teorias que se apresentam para a resolução desses problemas e assumindo gradualmente posições autónomas devidamente fundamentadas e capazes de sustentar uma cidadania ativa; respeitador da diferença, ao ser capaz; de um pensamento e ações inclusivos, capaz de acolher a diferença individual e cultural num mundo globalizado, a partir da compreensão das razões axiológicas pelas quais as pessoas pensam e agem de formas diferentes; criativo, ao ser capaz; de um pensamento estético sobre a arte e diferentes formas de manifestação cultural; de propor soluções alternativas para problemas filosóficos que lhe são colocados. Na análise metódica do texto filosófico, no trabalho oral, nas produções escritas, em trabalho colaborativo ou individual, as atividades devem ser orientadas para que o aluno desenvolva competências de problematização, conceptualização e argumentação, culminando na produção de um ensaio filosófico.” Disponível em:

https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/Aprendizagens_Essenciais/10_filosofia.pdf

9 Esta organização foi pensada em termos pedagogicamente estratégicos, desde uma análise objetiva do

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nomeadamente, a ação humana: do que falamos quando falamos em ação humana? Como distinguimos uma ação de um simples ato ou fazer? O que é realmente uma ação? Na continuação deste capítulo será, ainda, fundamental compreender o conceito de racionalidade, quais os sentidos de racionalidade disponíveis, nunca desviando a mira dos autores que nos interessam, em grande medida, nesta discussão. Por último, o sentido de intencionalidade terá de ser relacionado com os conceitos anteriores.

No segundo capítulo, e assumindo que entendemos a ação humana enquanto racionalidade e intencionalidade, será primordial explicar a sua relação com a liberdade da vontade, assumindo que um agente dotado de tal é capaz de realizar ações suscetíveis de serem explicadas racionalmente, porque tiveram intenções como causas. Neste capítulo em concreto, entraremos mais aprofundadamente, nas perspetivas de J. Searle e H. Frankfurt. Analisando as propostas deste último, chamaremos à atenção para a forma que assuma a problemática compatibilista bem como para a crítica ao Princípio das Possibilidades Alternativas. Teremos em conta o facto de os nossos dois autores abordarem a problemática de forma diferente, tendo, no entanto, como ponto comum, a importância da responsabilidade moral.

John Searle, em Mente, Cérebro e Ciência (2018), discute o problema do livre-arbítrio e as várias perspetivas sobre o mesmo, concluindo que não há provas suficientes para sustentar de que forma estados mentais intencionais podem interferir com o mundo físico sem ser através de relações causais de tipo determinista. Ao mesmo tempo, também conclui que a inexistência dessa explicação não elimina uma autoperceção fundamental dos seres humanos como livres (com autodeterminação da vontade).10 Já Harry Frankfurt, em Freedom of the Will and The Concept of a Person (1971), propõe uma definição de livre-arbítrio compatível com um universo determinista.11 O autor sugere que, mesmo sendo o universo determinista, podemos fazer as nossas escolhas

10 “A experiência da liberdade é uma componente essencial de qualquer caso do agir com uma intenção.

Não podemos abandonar a convicção de liberdade, porque essa convicção está inserida em toda a ação intencional normal e consciente. E usamos essa convicção para identificarmos e explicarmos as ações. Este sentido de liberdade não é apenas uma característica da deliberação, mas é parte de qualquer ação, seja premeditada ou espontânea.” (Searle, J. (1987). Mente Cérebro e Ciência. Lisboa: Edições 70, pp. 117-118).

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livremente.12 No referido capítulo seremos mais precisos relativamente à conceção de livre-arbítrio defendida pelos dois autores, ou melhor dizendo, o conceito de liberdade da vontade.

Sintetizando, e no sentido de orientar o leitor, iremos expor as principais teses de Searle relativamente ao problema da relação mente-corpo e a sua proposta em relação às noções de consciência e intencionalidade, culminando com a sua consideração em relação ao problema do livre-arbítrio. Em Harry Frankfurt, incidiremos, sobretudo, a nossa reflexão na crítica à conceção clássica do problema da compatibilidade e incompatibilidade do livre-arbítrio e do determinismo, focando-nos no Princípio das Possibilidade Alternativas, sublinhando, neste autor, a importância da liberdade da vontade como chave para a compreensão da complexidade do agir humano. Nas considerações finais, será nosso objetivo evidenciar um confronto teórico dos dois autores, salientando os seus contributos filosóficos, mas também as insuficiências das suas teses.

Nunca é viável dar um trabalho filosófico por concluído: seria contrário à sua própria natureza. Assim, inevitavelmente, deixaremos algumas questões em aberto. Será que assumir uma ação humana enquanto racional, explicada por intenções e fruto da liberdade da vontade do agente, é sempre suficiente para considerar esse agente como sendo moralmente responsável? Será que podemos assumir a culpabilização de um agente, mesmo numa situação em que o agente não poderia ter agido de outra maneira? Quem apresenta a resposta mais apropriada? Searle ou Frankfurt? Estaremos satisfeitos com a solução proposta por Searle? Não se trata de um jogo sobre quem ganha mais adeptos ou simpatizantes, mas sim, do ponto de vista filosófico, de analisar qual dos dois autores apresenta uma resposta mais abrangente para mais casos (hipotéticos ou não).

12 A principal intenção do autor é explicar a possibilidade de fazer de podermos ter agido de outro modo e

quais as suas implicações. Note-se que até ao célebre artigo de Frankfurt (1969) “Alternate Possibilities and Moral Responsability”, o Princípio das Possibilidades Alternativas ganhava alguma simpatia. Por outras palavras, a questão culmina no problema da responsabilidade moral, no sentido em que um agente é moralmente responsável pelas suas ações caso tivesse a possibilidade de agir de outro modo. Por outro lado, Frankfurt defende que podemos simplesmente deixar toda esta discussão de lado, pois é possível separar a questão da responsabilidade moral da questão das possibilidades alternativas. Para o autor, é possível ser moralmente responsável por uma ação, mesmo que o agente não tivesse tido a oportunidade de agir de outra forma.

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Esperamos que, o que se segue, forneça elementos suficientes para a avaliação do leitor. E, acima de tudo, trazer à tona mais dados para uma reflexão e diálogo filosóficos em torno de uma das questões mais pertinentes da filosofia, ou seja, o problema do livre-arbítrio e as suas implicações práticas/ético-morais.

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Capítulo 1 – Ação ou simples ato?

Pedagogicamente, a nossa tendência é começar por introduzir uma distinção entre ações e atos (agir e fazer – embora nem sempre a distinção possa ser tão intuitiva quanto parece; aliás, a linha parece, por vezes, bastante ténue).13 Ao falarmos em ações propriamente ditas, envolvemos este conceito numa rede conceptual onde assumimos que só estamos perante uma ação quando um agente (uma pessoa, um ser humano), se autointitula autor dessa ação (reconhece-se como tal), o que implicou algum tipo de consciência e intencionalidade, ao mesmo tempo que partimos do pressuposto que esse agente foi livre na prossecução dessa ação (por outras palavras, simplesmente agiu porque quis ou teve a possibilidade de não o fazer). McGinn (2011) apresenta os seguintes exemplos: “(…), erguer o braço para acenar a alguém e o de um braço se levantar devido a um espasmo muscular.” (p. 204). Facilmente identificamos uma ação quando agente ergue o braço para acenar a alguém e, certamente, não identificamos uma ação no segundo caso. Onde reside a diferença? Seguindo a linha de raciocínio do autor, temos um agente ativo no primeiro caso e um agente passivo no segundo. Parece uma equação, simpaticamente, simples e eficaz (o próprio McGinn assume esse simplismo), mas parece ser elucidativo para estas considerações iniciais. Tomemos, então, como referência esta noção de um agente que se pressupõe ser ativo nos seus movimentos corporais dirigidos a algo, a alguém ou para um determinado objetivo, tomando estes aspetos constitutivos de uma ação (ao contrário de simples movimentos corporais

13 Ao esclarecer esta distinção junto dos meus alunos, uso, por vezes, um interessante excerto de Savater

em As Perguntas da Vida (2010): conta uma pequena história de alguém que, numa viagem de comboio, sem querer e de forma absolutamente distraída, atira o bilhete pela janela. Que desculpa dar agora ao revisor? Explicitando o excerto apresentado, estar distraído e simplesmente atirar o bilhete pela janela é algo que eu faço – faço de forma mecânica, automática, de forma inconsciente, etc. Não estava atento ao que estava a fazer, nem tão pouco consigo enumerar motivos ou razões para explicar o que acabei de fazer. No entanto, se disser que atirei o bilhete da janela porque o quis fazer, independentemente das razões ou motivos, estava perfeitamente consciente do meu ato e realizei-o de forma livre e voluntária. Neste caso, agi, realizei, de facto, uma ação. Parece um exemplo demasiado simplista, no entanto, é elucidativo para o nosso público-alvo em concreto. A partir daqui trabalhamos outras situações hipotéticas. A grande questão, normalmente, culmina no problema da responsabilidade moral (as referidas questões ético-práticas que derivam deste problema).

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mecânicos, involuntários ou algo que lhe aconteça). Ainda assim, será necessário acrescentar outros ingredientes na explicação de uma ação (e sem esquecer que nos referimos à ação humana propriamente dita, ou seja, agentes cognitivos humanos). McGinn (2011) acrescenta:

“Mas não parece plausível restringir a distinção entre ativo e passivo – entre aquilo que uma criatura faz ou inicia e o que meramente lhe acontece – a agentes equipados intelectualmente. (…). Além disso, os adultos executam movimentos que dificilmente serão considerados intencionais, como agitar os dedos ou bater os pés, e que, no entanto, contam como ações. Podemos tentar acomodar estas últimas ações alegando que se trata de casos em que há a degeneração de ações racionais praticadas com uma intenção; e é possível sustentar esta alegação, sugerindo que tais ações sem qualquer objetivo, praticadas por um agente cujas ações são tipicamente intencionais e racionais.” (pp. 204-205).

Deste modo, o autor acentua a ideia de que uma ação não é simples movimento corporal pois implica algum tipo de intencionalidade do agente.14

Ora, tendo em conta os elementos apresentados, parece simples identificar uma ação enquanto acontecimento desencadeado por um agente livre, de forma intencional e voluntária. Nesta intencionalidade está implícita a racionalidade do agente. Deste modo, contrastamos uma ação com um simples ato ou fazer. Por exemplo, pestanejar é algo que fazemos, mas, filosoficamente falando, não parece nada de interessante. Escorregar numa casca de banana ao vir para a faculdade também não nos permite retirar algum tipo de ilação filosoficamente complexa (quanto muito, ganhamos umas nódoas negras no joelho). E por que motivo assumimos este desinteresse pelo conceito de fazer? Porque efetivamente nem tudo o que fazemos ganha o estatuto de ação propriamente dita. Mas porquê? Porque o problema reside exatamente na consideração do sujeito ou agente enquanto ser racional, capaz de tomar decisões, de agir voluntariamente de acordo com as suas intenções. Ora, qual a consequência deste entendimento? Se a decisão de realizar X ao invés de Y resultou de uma decisão livre, que partiu exclusivamente da vontade livre do agente (e que teve oportunidade de fazer outra coisa

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que não apenas X ou Y15), então esse agente deverá ser responsabilizados pelas consequências das suas ações. Este é o problema da responsabilidade moral.

Para além da distinção proposta tendemos, por norma, a fazer a distinção entre ações e acontecimentos: “Se o dia clareia e amanhece, diríamos que é algo que simplesmente acontece; do mesmo modo, se uma pedra rola de uma montanha, constatamos o acontecimento; mas se alguém a chutou, tendemos a considerar que nesse caso estamos diante de uma ação” (Cadilha e Miguens, 2011, p. 2).

Muitos autores16, na hermenêutica da explicação do conceito de ação, referem o domínio do mundo interior do sujeito. É neste sentido que falamos em intenções ou razões – intenções ou razão para que o agente tenha realizado X em vez de Y, por exemplo.

Para Searle, como veremos mais à frente neste trabalho, explicar uma ação é fornecer as suas causas, sendo essas causas estados psicológicos.

15 Falaremos da questão das Possibilidades Alternativas mais aprofundadamente no segundo capítulo. 16 Donald Davidson, Elizabeth Anscombe, etc.

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1.1 A estrutura da ação

No subcapítulo 1.4 deste trabalho, as questões do dualismo mente-cérebro, usualmente tratadas na filosofia da mente, serão devidamente explanadas, de acordo com a perspetiva de John Searle. Consideramos que as questões da filosofia da mente são relevantes para a filosofia da ação. Antes de mais, importa esclarecer o que é a filosofia da mente. Esta disciplina estuda “as várias características do mental, incluindo tópicos como a consciência, memória, atenção, pensamento, crenças, imagens mentais, racionalidade, emoções, etc.” (Bizarro, 2012, p. 341). McGinn (2011), no sentido de alertar para o facto do conceito de “mente” poder referir-se às mentes de várias espécies, que não só da espécie humana, prefere substituir o termo por “fenómenos mentais” (p. 14). No entanto, o mesmo autor deixa a porta aberta para outras conceções mentais:

“Talvez após uma análise mais maturada, se conclua que as mentes de todas as criaturas são essencialmente idênticas, e, assim, o facto de nos concentrarmos no caso humano não proporciona uma noção errada do carácter da mente em geral. Devemos, contudo, estar despertos para a possibilidade de as mentes serem de muitos tipos.” (pp. 14-15).

Sem dúvida uma conceção interessante, no entanto, demasiado ampla para o propósito deste trabalho. Assim, assumimos desde logo que ao fazer referência ao conceito de mente (ou mesmo de fenómenos mentais), referimo-nos às mentes humanas. Para Miguens (2006), a relação entre matéria e pensamento nos seres humanos é a questão nuclear da filosofia da mente. Aliás, veremos esta posição em John Searle, que ocupa grande parte da obra “Mente, Cérebro e Ciência” com o problema mente-corpo. A questão que se coloca é “Como é possível que os meus pensamentos e neurónios no meu cérebro façam parte do mesmo mundo?” (p. 2). A autora enquadra esta questão numa perspetiva materialista ou fisicalista.17 Aliás, contemporaneamente,

17 De facto, este problema acompanha grande parte da história da filosofia. Em Descartes, por exemplo,

opomos o seu dualismo à perspetiva monista de Espinosa. Descartes “desnaturaliza” a consciência (res

cogitans), imaterializa a sua existência enquanto independente do corpo (res extensa) – Segunda

(26)

os problemas da filosofia da mente têm vindo a ser explorados do ponto de vista naturalista.

De facto, a história do pensamento foi evidenciando alternativas para as considerações sobre a mente, sobretudo ao tentar responder sobre o problema da mente. Sem dúvida que Descartes é um marco histórico sobre a problemática com o seu dualismo (res cogitans e res extensa, o imaterial e o material, o espiritual e o corporal, o mental e o físico). No entanto, outras considerações poderão ser igualmente válidas. McGinn (2011) refere exatamente a problemática da natureza da mente de acordo com diferentes direções:

“Do ponto de vista histórico, as perspetivas acerca da mente podem ser classificadas consoante a direção na qual consentiram ser puxadas: reclamando que a natureza essencial dos fenómenos mentais se revela apenas a partir da perspetiva do sujeito que os exemplifica («cartesianismo»); ou reclamando que a natureza real dos fenómenos mentais se manifesta apenas nas apreciações que fazemos dos estados mentais dos outros («behaviourismo»).” (p. 23).

Segue McGinn com afirmação que ambas as perspetivas são “pouco atraentes” (p. 23), sugerindo que mesmo uma conjugação de ambas também não seja a melhor solução. No entanto, será necessária uma orientação teórica, pois, sem a mesma, não será possível compreender em que consistem os fenómenos mentais.

Que conceitos “não físicos”, iremos encontrados em Searle e Frankfurt, ocorrem neste mundo “físico”? Pelo menos os conceitos de intencionalidade18, consciência19,

ação20, pessoalidade21 e racionalidade22. Segundo Searle, o cognitivismo23 deve ser

18 Tradução de “aboutness” (Miguens, 2006).

19 Estados mentais acerca de outros estados mentais, pensar, sentir-se ser, etc. 20 No sentido em que tenho razões para mover o meu corpo.

21 No entendimento de Locke – “pessoas são seres que se apercebem a si mesmos como um e o mesmo

ser, único e unificado ao longo do tempo, e como centro de ações, ações que são elas próprias descrições mentalistas de movimentos.” (p. 13).

22 Adequação meios-fins.

23 O termo ‘cognitivismo’ é por vezes usado para nomear a ciência cognitiva, i.e. o estudo interdisciplinar

da mente e da inteligência, que envolve a filosofia, a psicologia, a inteligência artificial, a neurociência, a linguística, a antropologia, a sociologia e a educação. Mas precisamente refere-se ao estudo da cognição

(27)

criticado. Searle denomina cognitivismo a conceção segundo a qual o cérebro é um computador digital. Para Searle, de acordo com tal concepção, “nem o estudo do cérebro como tal nem o estudo da consciência como tal têm grande interesse ou importância para a ciência cognitiva. Os mecanismos cognitivos que estudamos são efetivamente implementados no cérebro, e alguns deles encontram uma expressão de superfície na consciência, mas o nosso interesse está no nível intermédio onde os verdadeiros processos cognitivos são inacessíveis à consciência.” (Searle, 1992, pp. 229-230). Searle vê vários problemas aqui, desde logo a ideia, que considera errada, segundo a qual não existiria nada de essencialmente biológico acerca da mente humana.24 Para Searle, pelo contrário, a mente é essencialmente consciência, e a existência de consciência é um facto biológico (Searle, 1998). O cognitivismo está errado ao considerar que as propriedades formais são suficientes para a mentalidade.25

Para o autor, o Princípio da Conexão é fundamental pois não podemos considerar o que quer que seja como mental a não ser por relação com a consciência. Segundo este princípio,

“só entendemos como mental o que é atualmente inconsciente porque o entendemos como conteúdo possível da consciência. A consciência é a essência da mente, i.e., só entendemos alguma coisa como mental e não física porque a reportamos à consciência (senão como distinguiríamos um neurónio de uma memória?).” (Miguens, 2000, p. 5).

Em A Redescoberta da Mente (1998), Searle apresenta o exemplo de uma possível “crença inconsciente de que a Torre Eiffel se encontra em Paris.” (Searle, 1998, p. 185). Há uma intencionalidade expressa nesta minha crença, sendo que nesta crença estão implícitas aquilo que Searle chama de “condições de satisfação”, ou seja, ser intrinsecamente mental e ter uma forma aspectual26:

de acordo com um paradigma segundo o qual os estados mentais são estados simbólicos sobre os quais correm processos computacionais.

24 Com a sua famosa experiência do Quarto Chinês (retratado em Mente, Cérebro e Ciência), no Capítulo

II).

25 No Capítulo 9 de A Redescoberta da Mente, apresenta a sua crítica ao cognitivismo.

26 “Empreguei a expressão técnica da arte, “forma aspectual”, para indicar um traço universal da

(28)

“Servirão de base a uma argumentação que visa mostrar que compreendemos a noção de estado mental inconsciente apenas como conteúdo possível da consciência, como o género de coisa que, embora não consciente, e talvez impossível de trazer à consciência por diversas razões, é, no entanto, o género de coisa que poderia ser ou teria podido ser consciente. Esta ideia, de que todos os estados intencionais inconscientes são, em princípio, acessíveis à consciência, é aquilo a que chamo o princípio da conexão.” (p. 186).

Nesta afirmação, Searle sublinha a sua teoria materialista não reducionista da mente. O autor opõe o “mental” ao “neurofisiológico”, no entanto, sem assumir uma posição dualista:

“A imagem global que emerge é a seguinte: não se passa nada no meu cérebro a não ser processos neurofisiológicos, uns conscientes, outros inconscientes. De entre os processos neurofisiológicos inconscientes, alguns são mentais e outros não são. O que os distingue não é o seu carácter consciente, porque, por hipótese, nenhum deles é consciente; a diferença está no facto de os processos mentais serem candidatos à consciência, por serem capazes de causar estados conscientes. Mas é tudo. Toda a minha vida mental está alojada no meu cérebro.” (pp. 192-193).

A conexão encontra-se, portanto, entre o cerebral (físico) e o mental (não físico) – sem interpretações dualistas à la Descartes. Dito de outro modo, a vida mental existe e é possível porque tempos um cérebro que nos permite tal.27

fazemo-lo sob determinado aspeto e não sobre outros. Estes traços aspectuais são essenciais ao estado intencional; fazem parte daquilo que o torna o estado mental particular que ele é. A forma aspectual é mais evidente no caso no caso de perceções conscientes: pensemos, por exemplo, no que acontece quando vemos um carro. Quando o leitor vê um carro, o que produz não é unicamente um objeto a ser registado pelo seu aparelho percetivo; o leitor, tem antes, efetivamente, uma experiência consciente do objeto, de determinado ponto de vista e com certas características.” (Searle, 1998, p. 187).

27 “(…) deveríamos lembrar-nos constantemente daquilo que temos um conhecimento certo. Por exemplo,

sabemos de certeza que no interior do nosso crânio há um cérebro, que por vezes é consciente, e que a consciência, sob todas as suas formas, é causada por processos cerebrais.” (Searle, 1998, p. 284).

(29)

Para Teixeira (2016), o recurso às ditas “ciências do cérebro” deu um grande contributo às questões colocadas pela filosofia na mente, nomeadamente no que diz respeito aos fenómenos mentais. Estes não são visíveis nem mensuráveis, como outros objetos físicos. Ocorrem para nós.28 “A inacessibilidade dos fenómenos mentais torna-os essencialmente subjetivtorna-os ou privadtorna-os, (…).” (p. 17). Para este autor, para obter uma resposta mais completa, será necessário rever o problema mente-corpo. Este problema é retomado por Searle, sobretudo, em A Redescoberta da Mente (1998) e Mente, Cérebro

e Ciência (2018).

As questões da consciência não são recentes na filosofia. Contudo, com a emergência de novas teorias sobre a Inteligência Artificial, pensar sobre o que é a consciência ganha novo fôlego. Poderá um computador super eficaz pensar sobre um inúmero conjunto de itens complexos? E se assim é ganha consciência, no sentido em que os seres humanos são dotados de consciência. O Teste de Turing e a defesa da Inteligência Artificial sugere uma nova teoria, o funcionalismo.29 O funcionalismo

relaciona-se com o modelo cognitivista criticado por Searle. Para este e outros autores, máquinas não têm estados mentais. Deste modo, segundo esta consideração, nem podemos falar em ação livre num sujeito destituído de consciência. Searle, novamente com a sua experiência do Quarto Chinês, e contra todas as formas reducionistas de conceção da mente, refere que,

“para qualquer artefacto que pudéssemos construir, o qual tivesse estados mentais equivalentes aos estados mentais humanos, a realização de um programa de computador não seria por si só suficiente. Antes, o artefacto deveria ter poderes equivalentes aos poderes do cérebro humano.” (Searle, 2018, p. 55).

Há conteúdo semântico que ocorre na mente, mas não ocorre nas máquinas - pois sintaxe não é o mesmo que semântica (Searle, 1998). “A mente consiste em algo mais do que a mera manipulação de símbolos formais.” (p. 37).

28 Para McGinn (2011), em O Carácter da Mente – Uma Introdução à Filosofia da Mente, refere-se à

abordagem aos fenómenos mentais a partir de uma perspetiva de primeira e de terceira pessoa: ambas necessitam de ser integradas.

29 “Já tinha referido atrás Alan Turing. Foi ele que teve, nas palavras de Fodor, a ideia mais importante da

história acerca da natureza dos processos mentais, a única ideia que nos permite pensar no mental como não apenas representação, mas processo: a ideia de computação.” (Miguens, 2006, p. 11).

(30)

Assim, compreendendo o âmbito da filosofia da mente, analisar os conceitos-chave neste domínio, permite-nos compreender melhor uma estrutura da ação, bem como responder às questões práticas da filosofia da ação.

Neste momento interessa-nos perceber a estrutura da ação. Com o termo “ação” Searle identifica um movimento físico, uma descrição de algo (realizado por um agente consciente e racional) e o facto de o agente saber o que está a fazer. Isto traz mais uma vez a questão da consciência, já que se parte do pressuposto que o ser humano consegue identificar e explicar o seu próprio comportamento e o das outras pessoas – explicar uma ação é já identificar uma ação, é constitutivo da ação.

Ao explicar a estrutura de uma ação falamos da intencionalidade (acerca de algo).30 A intencionalidade (ou o estado intencional) requer um conteúdo (acerca de algo) e um tipo ou modo psicológico (por exemplo, quero sair de casa ou posso tencionar sair de casa – estamos a falar do mesmo conteúdo, mas expressos em diferentes modos psicológicos ou tipos). Conteúdo e modo psicológico expressam estados mentais do mundo. Outro ingrediente a acrescentar nesta dinâmica é a ideia de causação (intencional). Compreendemos o comportamento humano como voluntário e intencional – há uma conexão causa e efeito naquilo que eu faço (por exemplo, se tenho o desejo de sair de casa, posso sair, de facto, de casa).31 Searle sublinha assim a componente mental da ação, um aspeto que os behavioristas renegaram – uma ação não é um simples movimento. Searle acrescenta nesta estrutura da ação as componentes mentais e o foco na noção de intenção, já que é através desta que efetivamos uma ação.32

Searle, em relação a esta questão, sublinha, exatamente, o carácter intencional da consciência:

“A consciência tem uma sexta característica: a intencionalidade. A nossa consciência direciona-se tipicamente para objetos e estados de coisas no mundo.” (Searle, 2020, p. 32).

30 Tencionar, querer, desejar, temer, etc. são apenas mais alguns tipos de intencionalidade, segundo

Searle.

31 As intenções são causadas porque fazem acontecer coisas.

(31)

Para o autor, a intenção é conceito-chave na estrutura da ação, não sendo esta, deste modo, simples movimentos corpóreos. Neste sentido, para Searle, nem toda a consciência é intencional.33A intencionalidade reforça, assim, o carácter consciente e racional da estrutura da ação. E é sobre a racionalidade que iremos incidir no próximo subcapítulo.

33 “(….), por vezes temos sentimentos de ansiedade quando nenhuma razão há para nos sentirmos

(32)

1.2. Racionalidade

Várias são as teorias sobre a racionalidade que têm vindo a ser defendidas nos últimos anos na filosofia e noutros domínios de estudo da racionalidade, que vão desde a Teoria da Decisão Racional34 à Teoria dos Jogos.35 A questão mais relevante não se prende tanto com a explanação das teorias disponíveis sobre a racionalidade, mas, sobretudo, perceber de quer forma surgem as questões da racionalidade na filosofia da mente (porque já vimos que os conceitos que estamos a explorar neste trabalho são, também, objeto de reflexão nesta área da filosofia).

Antes de mais, começamos por considerar que um sujeito racional é, acima de tudo, “visto como tendo um conjunto coerente de preferências, estabelecidas de entre as opções que se lho oferecem” (Miguens, 2000, p, 127). Por outra palavras, um sujeito racional é capaz de tomar determinadas decisões, analisando o contexto e as alternativas possíveis. Aceitaremos esta conceção ao longo do trabalho: a inevitabilidade da racionalidade. A racionalidade é um resultado da evolução do design por seleção natural. Falar em racionalidade é falar em fenómenos mentais cognitivos.

Para McGinn (2011),

“é característica dos estados mentais representar o mundo de certa maneira e tais estados podem ser julgados corretos ou incorretos conforme o mundo seja da maneira como é representado ou não: o papel da dimensão cognitiva é adequar-se ao mundo.” (p. 199).

Deste modo, o autor enfatiza o papel ativo do sujeito na compreensão do mundo e da apropriação deste.

34 “De acordo com a Teoria da Decisão Racional o agente racional tem preferências determinadas e

ordenadas e age de acordo com elas, escolhendo por entre as opções de ação que se lhe oferecem aquela que maximiza a utilidade esperada.” (Miguens, 2000, p, 105.)

35 “A Teoria dos Jogos, elaborada no quadro da teoria da decisão racional é, uma lógica de confronto

entre agentes racionais. Foi criada nos anos 40 pelo matemático J. Von Neuman e pelo economista O Morgenstern para modelizar situações em que as escolhas e decisões de agentes racionais dependem daquilo que outros agentes racionais escolhem. (…). O Dilema do Prisioneiro é uma situação emblemática da Teoria dos Jogos e o paradigma dos jogos racionalmente prejudiciais.” (Miguens, 2000, p, 110.)

(33)

Referimos no primeiro parágrafo deste capítulo que o conceito de racionalidade tem grande implicação nas discussões em torno da filosofia da mente. No entanto, também seria redutor referir apenas tais implicações. Sem dúvida que devemos referir as implicações ao nível ético-moral. Neste ponto, podemos destacar as perspetivas deontológicas e utilitarista (por exemplo, autores como Kant e Mill), éticas de maximização racional, bem como implicações ao nível da filosofia política, sobretudo com a perspetiva de John Rawls, sendo aqui a justiça uma questão de racionalidade: quais os princípios justos serão mais racionais escolher?

Tendo em conta as questões colocadas, entende-se, de imediato, as referidas implicações práticas nas questões relacionadas com a estrutura da ação humana. Seria deveras interessante e bastante pertinente enquadrar as questões do domínio político. No entanto, correríamos o risco de perder o fio condutor das nossas conclusões. Deste modo, os nossos contributos dirão, sobretudo, respeito às análises dos autores que propusemos, Searle e Frankfurt, sobretudo na discussão em torno do problema do livre-arbítrio. Assim, ao longo deste trabalho, serão evidentes as implicações ao nível da filosofia da mente e na ética.36

36 Segundo Miguens (2001), conceitos inerentes à filosofia moral estão, também, implícitos na teoria da

mente, sobretudo no que diz respeito aos conceitos de pessoa e ação, enquanto conceitos normativos (p. 387). Ao longo deste trabalho iremos explorar, em grande medida, o conceito de vontade livre. Falar em vontade livre é, também, pensar em controlo, decisão e racionalidade (p. 395). E relativamente à racionalidade, referimo-nos à característica específica de agentes cognitivos (Miguens, 2004, p. 15). Mais relevante ainda, a reflexão implícita neste trabalho prende-se, especificamente, com o problema mente-corpo, a especificidade da ação humana no domínio da consciência e intencionalidade.

Os autores referidos (Kant, Mill e Rawls) seriam, certamente, autores bastantes relevantes do ponto de vista ético e político. No entanto, com o objetivo de não perder a objetividade da nossa linha de raciocínio, optamos por não explorar os mesmos.

(34)

1.3. O problema do livre-arbítrio

O problema do livre-arbítrio foi analisado de uma forma bastante interessante por Peter van Inwagen em 1983 em An Essay on Free Will. O autor mostra-se claramente um incompatibilista: a discussão não deve ser colocada em termos de saber “se temos livre-arbítrio”, mas sim perguntando se o livre-arbítrio é compatível com o determinismo.37 Para Inwagen não é. Inwagen propõe o Argumento da Consequência:

P1 - Se o determinismo for verdadeiro, então os nossos atos são consequência das leis

da natureza e de eventos ocorridos num passado remoto.

P2 - Não depende de nós o que aconteceu antes de nascermos, nem as leis da natureza

dependem de nós.

C - Deste modo, as consequências destes factos (incluindo os nossos próprios atos), não

dependem de nós.

Simplificando o argumento numa forma de inferência válida semelhante a um silogismo hipotético38 teremos o seguinte raciocínio:

P1 - Se o determinismo for verdadeiro, então os nossos atos são consequência das leis

da natureza e de eventos ocorridos num passado remoto.

P2 - Se os nossos atos são consequência das leis da natureza e de eventos ocorridos

num passado remoto, então as consequências das leis da natureza e de eventos ocorridos num passado remoto não dependem de nós.

C – Se o determinismo é verdadeiro, então as então as consequências das leis da

natureza e de eventos ocorridos num passado remoto não dependem de nós.

Esta conclusão estabelece que, se o determinismo é verdadeiro, então o livre-arbítrio é falso. Nós não escolhemos realmente; não podemos interferir nem nas leis da natureza nem nos eventos do passado. Não existe responsabilidade moral perante as consequências dos nossos atos, pois os mesmos dependem das leis da natureza e de

37 Frankfurt, por outro lado, posiciona-se do ponto de vista do compatibilismo. 38 P → Q, Q → R ⸫ P → R

(35)

eventos ocorridos num passado remoto. O próprio Inwagen refere que se trata de um bom argumento (Inwagen, 1983, p. 56).

Da forma como está expresso o argumento parece-nos, à primeira vista, um argumento simples. Mas será assim? Dizer que o determinismo é verdadeiro é afirmar, de imediato, que o livre-arbítrio é falso? É, efetivamente, o livre-arbítrio incompatível com o determinismo? Se assim for, podemos assumir duas posições distintas: o determinismo radical ou uma posição libertista. No entanto, embora sejam posições incompatibilistas, do ponto de vista do determinismo radical, se o livre-arbítrio é falso, então não há espaço para a responsabilidade moral. Por outro lado, do ponto de vista do libertismo, se o determinismo é falso, então existe espaço para a responsabilidade moral.

Analisando as opções, mesmo do ponto de vista ético, assumir uma tese determinista radical comporta muitas consequências ou outras teses “pouco agradáveis”… Será o ser humano, de facto, uma marioneta? Será que tudo o que “faz” é fruto das leis da natureza e dos acontecimentos ou eventos ocorridos no passado? Numa visão oposta, será que, de facto, as leis da natureza não interferem nas escolhas e ações do ser humano?

Em Thinking About Free Will (2017), obra onde mantém o debate entre a eventual compatibilidade entre o livre-arbítrio e o determinismo, Inwagen reforça a ideia de que o agente é responsável pelas consequências dos seus atos, mas não propriamente pelos atos em si e que o Princípio das Possibilidades Alternativas é falso.39 No entanto, uma vez que que a responsabilidade moral requer a presença de livre-arbítrio, Inwagen teve de apresentar outros princípios alternativos ao Princípio das Possibilidades Alternativas. Assim, uma pessoa é moralmente responsável por um certo estado de coisas, apenas se o estado de coisas se verifica e se existiu um tempo no qual ela poderia ter agido de tal maneira que esse estado de coisas não se teria verificado.40

39 Falsidade, segundo o autor, demonstrada por Frankfurt.

40 Embora não tenhamos pretensão em explorar em demasia estes conceitos, fará sentido apresentar

brevemente a seguinte distinção apresentada pelo autor: estados de coisas são diferentes de eventos concretos. Vejamos o exemplo “Assassinato de César”, enquanto evento concreto, depende de um conjunto de estados de coisas – estados de coisas enquanto proposições ou diferentes eventos.

(36)

Efetivamente, o que realmente preocupa o autor é a relação entre o livre-arbítrio41 e a responsabilidade moral: do ponto de vista do compatibilismo, aceita-se a ideia que o agente possa agir de forma diferente ou de outro modo. No entanto, num entendimento incompatibilista, esses momentos não são tão frequentes. É aqui que reside o problema.

Num mundo determinado não há espaço para a responsabilidade moral, admitindo, segundo Inwagen, que o Princípio das Possibilidades Alternativas seja verdadeiro em conjugação com o incompatibilismo. Dito de outro modo, se o determinismo é verdadeiro, e se um estado de coisas se verifica, então nenhum agente é moralmente responsável por esse estado de coisas. Ao mesmo tempo, se assim for, segundo Sutil (2020) Inwagen admite, também, ser legítimo afirmar que o livre-arbítrio é incompatível com o indeterminismo – o Argumento da Mind.42 Assim, toda e qualquer

escolha do agente seria apenas fruto do acaso, e não uma escolha racional livre. Neste sentido, como resolver as questões morais? Que implicações estariam em causa? Como punir um agente? As leis morais são um produto da sociedade que permite regular e orientar os comportamentos dos agentes. Num mundo indeterminista nada disso faria sentido, o que nos leva a rejeitar esta conceção. Ainda assim, o problema não fica resolvido com o incompatibilismo.

Consideremos agora um autor que, tal com Peter van Inwagen, deixa uma marca nas discussões do livre arbítrio, mas uma marca bem diferente. Harry Frankfurt reacende o debate em torno do problema do livre-arbítrio quando afirma que a responsabilidade moral pode ser compatível com o determinismo. É possível separar o livre-arbítrio da responsabilidade moral (Sutil, 2020). A responsabilidade moral não pode depender do livre-arbítrio. Podemos então afirmar que Inwagen não concordaria com esta conceção, pois, para o autor, os dois conceitos surgem dependentes um do outro.

Inwagen sublinha o carácter “misterioso” do problema do livre-arbítrio: é certo que possa ser incompatível com o determinismo e a mesma conclusão podemos retirar em relação ao indeterminismo. Como resolver este dilema?

41 Inwagen apresenta como casos genuinamente livres quando o agente vacila entre opções, lutas morais e

tensão entre valores – dilemas ou quando está implícito algum tipo de indecisão, mas que parte do agente a decisão final.

(37)

Não é, de todo, uma questão simples nem é fácil a obtenção de uma resposta. Se não fosse assim não seria sequer uma questão filosófica pertinente. Veremos no subcapítulo 2.2, de uma forma exploratória, o que Frankfurt acrescenta ao problema, bem como de que forma, para o autor, faz mais sentido colocar o problema do livre-arbítrio. Mas antes desse percurso exploratório, fará todo o sentido expor algumas das ideias centrais de Searle a propósito deste problema. Neste ponto, teremos como obra de referência Da Realidade Física à Realidade Humana (2020), obra esta que, de uma forma sintética, revê algumas teses já incorporadas em obras anteriores, ao mesmo tempo que apresenta um percurso antropologicamente interessante, desde as considerações biológicas do funcionamento da mente e da consciência a uma “ontologia da civilização humana” (Searle, 2020, pp. 207-225).

Searle, ao contrário de Frankfurt, não coloca o problema do livre-arbítrio em termos de compatibilidade ou incompatibilidade com o determinismo, mas sim, de uma forma menos evidente, em termos de “ausência de condições suficientes causais” (Searle, 2020, p. 292). Para o autor, efetivamente, o livre-arbítrio goza de estatuto de problema filosófico, pelo que a questão de partida dever ser “em que circunstâncias temos arbítrio”? (p. 282). Searle responde apenas que estamos na posse de livre-arbítrio quando “há realmente uma escolha entre alternativas genuínas” (p. 282), ou seja, se sentirmos que, de facto, estamos a exercer o nosso livre-arbítrio. Diremos que parece uma resposta um quanto vaga. Em que circunstâncias ou situações temos a certeza que a nossa escolha foi efetivamente livre? Em que circunstâncias podemos dizer, de forma perentória, que a nossa escolha foi livre ou que em determinado momento vivenciamos esse sentimento?

Na sua explanação, Searle direciona a discussão em torno do problema do livre-arbítrio, procurando responder se existe decisão racional livre. No desenvolvimento do seu raciocínio, Searle fala em “hiatos”, hiatos entre crença e desejo e tomada de decisão, bem como um hiato entre a decisão e o início do movimento corporal que inicia a ação:

“Suponha-se que uma pessoa tem razões a favor de uma tomada de decisão. Tem, por exemplo, uma crença e um desejo, por um lado, e a tomada real de decisão, por outro. E depois há outro hiato entre a decisão e o início da ação mais o movimento corporal.” (p. 283).

(38)

Searle acrescenta um outro hiato “na ação ao longo do tempo” (p. 283). O que o autor quer sublinhar é que todas as ações são intencionais e contínuas, ou seja, explicar a ação humana não é igual a explicar o processo de digestão.43 O que Searle pretende sublinhar é o carácter complexo, intencional e racional da ação humana: pensar numa possível ação e passar para a sua concretização não deve ser entendida de uma forma mecânica ou automática.44 Neste sentido, Searle parece colocar a tónica no livre-arbítrio rejeitando, ao mesmo tempo, o determinismo. No entanto, Searle não assume esse caminho.

No capítulo 4 de Intencionalidade (1999)45, relembrando as considerações sobre a causalidade ao jeito de David Hume, aplicando o exemplo da bolha de bilhar, afirma:

“quando testemunhamos esta cena, não vemos efetivamente, nem observamos de alguma outra forma, quaisquer conexões causais entre o primeiro e o segundo evento. O que observamos, na verdade, é um evento seguido de outro evento.” (pp. 150-151).

Ou seja, assumimos alguma forma de regularidade universal nos eventos ocorridos repetidamente. Ainda assim, não parece ser uma explicação totalmente confortável para Searle, tendo em conta estamos a falar da ação humana e o nosso agir ser de um tipo diferente de outros eventos ocorridos, quanto mais não seja porque temos “consciência de estarmos a afetar causalmente o nosso meio ambiente.” (p. 153). Ao mesmo tempo, sublinha o autor, assumir esta interpretação humeana nas regularidades universais (da relação causa efeito entre os mais diversos eventos que o correm no mundo), é assumir formas de dualismo. Há uma causalidade intencional nas ações humanas que não se encontra noutros eventos (p. 159):

43 Exemplo do próprio autor (p. 283).

44 Searle exemplifica com a ação de votar nos democratas. À primeira vista parece uma ação livre, ainda

assim, posso ter em mim essa ideia, mas tenho de tomar uma decisão. Não há automatismos ou imediatismos neste processo; há um continuum neste processo a que Searle chama de intenção na ação. No fundo, como se o hiato fosse um só: entre a ideia inicial e a ação em si. Deste modo, Searle sublinha o papel da intenção.

(39)

“Sei, por exemplo, o que me faz beber o gole de água: estava com sede; mas quando digo isso, não estou comprometido com a existência de qualquer lei causal, mesmo se, de facto, acreditar que existem tais leis. Além disso, em cada caso, o meu conhecimento da verdade dos contrafactuais não deriva do meu conhecimento de quaisquer leis correspondentes, ou mesmo do conhecimento de que tais leis existem.” (p. 159).

Simplificando, o que Searle parece defender, quando refere o hiato entre eu querer ou intencionar realizar uma ação e a realização da ação em si, se este hiato for uma ilusão significa que sim, o determinismo é verdadeiro (p. 283). No entanto, que provas temos desta ilusão? Se for, de facto uma ilusão, a que conclusões chegamos?46

Recolocando a questão inicial acerca do problema do livre-arbítrio, Searle propõe iniciar o problema com uma inversão, ou seja, ao invés de perguntar pela veracidade do livre-arbítrio, por que não perguntar pela veracidade do determinismo? Retomando o conceito de hiato, Searle inaugura um novo problema: será que este hiato não será, antes, uma ausência de condições causalmente suficientes? Interpretaremos de uma forma esquematizada as respostas alternativas apresentadas pelo autor:

a) A liberdade é uma ilusão e não temos livre-arbítrio, ou seja, tudo está determinado.

b) O livre-arbítrio existe porque nem todo o mundo natural é determinístico47 (a mecânica quântica prova que o indeterminismo é um facto).

“Contudo, de que serve tudo isto aos seres humanos?” (p. 290), questiona Searle. Efetivamente, a segunda hipótese só nos indica que a aleatoriedade existe no mundo físico, o que não parece ser grande novidade, do nosso ponto de vista. Aliás, esboçando já algumas críticas a Searle, não parece suficientemente contraditório conjugar a

46 Anos a fio na nossa prática pedagógica demonstraram que, não é logo na primeira premissa que os

alunos estão dispostos a aceitar esta ideia ilusória do livre-arbítrio. De imediato conseguem entender quais as consequências de uma tese semelhante. No fundo, e de uma forma bem simplista, o que resta do mundo e da humanidade se o livre-arbítrio não passar de uma ilusão? Todo um trabalho pedagógico e crítico se segue desta questão fundamental.

47 Searle, com esta ideia, pretende defender que existem algumas partes da natureza em que as causas não

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