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Jesus e o Apocalipse

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Academic year: 2020

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pocalipse é uma palavra grega que significa revelação. Uma revelação da realidade, da história, da vida feita a partir da fé, da iluminação pela palavra de Deus, da confiança na presença de Jesus no meio da co-munidade. Uma revelação que fortalece a resistência coletiva e a coragem de doar a vida no testemunho de Jesus ressuscitado.

A revelação apocalíptica se dá por meio de símbolos e linguagens, sonhos e visões especiais, que funcionam como senhas ou códigos que

jesus e

Cleide Lazarin**

Resumo: o Apocalipse é o Livro mais alegre e celebrativo do Novo Testamento, mesmo trazendo a dura realidade da perseguição do im-pério romano sobre as comunidades apocalípticas, que eram pequenas e enfrentavam, com resistência dinâmica e criativa, um império forte e prepotente. É o livro que mais fala da presença de Jesus no meio das comunidades e o identifica com diversos nomes. Aqui serão destacados apenas quatro: Senhor, Cordeiro, Cristo e Jesus.

Palavras-chave: Revelação. Prostituição. Abominação. Comunidades apocalípticas originárias.

o apocalipse*

* Recebido em: 05.08.2011. Aprovado em: 16.08.2011.

* Mestranda em Ciências da Religião na PUC Goiás. Pós-Graduada em Assessoria Bíblica pela EST, São Leopoldo (RS). Bacharel em Secretariado Executivo pela UFBA, Salvador (BA).

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a comunidade sofredora, marginalizada e levada entende e através deles reanimar e fortalecer a fé que se encontra esmorecida por causa da per-seguição e violência imperial.

O Livro do Apocalipse foi escrito por um prisioneiro na Ilha de Patmos (Grécia). É palavra profética: “Feliz o leitor e os ouvintes das palavras desta profecia...” (Ap 1,3). Foi escrito em torno do ano 90 dC, época em que o imperador romano Domiciano perseguia violentamente os cristãos. Foi escrito com sangue de cristãos – homens e mulheres que preferiram a morte à liberdade do império.

A chamada “liberdade” consistia em manter as indefiníveis e infin-dáveis despesas do império romano e adorar o imperador e/ou o império. Se os/as subalternos não se rebelassem, viveriam a “pax romana”.

Os catecúmenos eram preparados não somente para o batismo, mas também para entregar a vida no testemunho da palavra de Deus e de Jesus ressuscitado (morte/martírio).

No Novo Testamento é o Livro que mais acentua a presença de Jesus no meio das comunidades sofredoras e perseguidas. É contundente às palavras finais de Mateus (28,20): “Eis que estarei convosco até a consu-mação dos tempos”. A certeza da presença de Jesus nas comunidades e na história fez do Apocalipse um Livro de oração e profunda profissão de fé.

O Apocalipse com toda segurança e clareza mostra onde está o projeto de Deus e onde está o projeto da besta. Onde está a dimensão humana e onde está a relação bestial. Onde está a vida e onde está a morte. Onde está a verdade e onde está a mentira.

A APOCALÍPTICA

A explosão do pensamento apocalíptico aconteceu no século II, durante o reinado de Antíoco IV Epífanes entre os anos 175 e 164 aC. Nesta época a classe sacerdotal de Jerusalém era corrupta. Em 167 aC, Antíoco, com o apoio de Menelau invadiu a cidade de Jerusalém o Templo (Dn 11,31). O Templo, na tradição hebraica era muito importante.Por causa desse evento houve uma reação religiosa, política e militar por parte dos israelitas. Tornou-se uma luta armada em nome de Iahweh (FERREIRA, 2012, p. 136).E desde então deu-se início à perseguição dos fiéis (2Mc 4,1-7,42) e o povo se viu entregue à violência.A situação de perseguição, violência e mortes fez crescer as ideias apocalípticas entre o povo. As grandes visões de Daniel surgiram nesta época.

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A tradição oral da apocalíptica teve início no período da domina-ção grega (333 a 63 aC) e a escrita, em geral, aconteceu no período da dominação romana (63 aC. a 135 dC). Estes escritos eram muito lidos no ambiente judaico cristão e de certa forma retratam em parte, o modo de pensar no tempo de Jesus. O movimento apocalíptico alcançou seu ponto alto nas comunidades cristãs, no tempo durante as duas guerras judaicas de 70 e 135 dC.

Alguns aspectos caracterizam a apocalíptica e a diferenciam das outras tradições: sonhos e visões; eventos cósmicos que atingem a terra toda e todo o cosmos; imagens, símbolos metafóricos; periodização da história; trono, tribunal; o “dia de Iahweh”; divisão do mundo em dois planos – o “de cima” e o “de baixo”.

As imagens apocalípticas são linguagens simbólicas que revelam que o momento é de resistência e de se ter esperança. É hora de firmar-se no projeto comunitário no seguimento de Jesus.

A apocalíptica é uma literatura oral ou escrita que surge na história judaica e cristã em época de perseguição e mortes. Tem por finalidade fortalecer a resistência das pessoas violentadas pelo império. Em tempos de tensão e repressão tão violenta foi necessário criar uma forma de comunicação que protegesse as lideranças e as comunidades originárias. JESUS O SENHOR, CORDEIRO, CRISTO E JESUS

NAS COMUNIDADES APOCALÍPTICAS

As comunidades apocalípticas reconhecem a presença de Jesus como: Senhor, Cordeiro, Cristo e Jesus.

O termo Senhor, kyrios em grego (Ap 1,10; 4,11; 17,14; 19,16; 22,20), sofreu influência de sentido, do ambiente em que surgiu na civilização helenista. Significa poder e autoridade, especialmente o poder de dispor de pessoas e objetos. Assim esse termo é usado para identificar o dono de escravos, para o legislador ou conquistador de povos subjugados, para o chefe de família ou dono de uma casa, para o tutor de um menor e raramente para o dono de uma propriedade.

A partir do século I aC passa a ser utilizado como uma designação honorífica dada aos deuses e aos reis. Com o início do Império Romano sob o governo de Augusto, pelo ano 33 aC, o título passou a ser aplicado aos Césares.

O uso de Kyrios nos evangelhos sinóticos é uma palavra comum, uma forma de tratamento utilizada para Jesus, refletindo o costume aramaico e equivale a “senhor” em linguagem coloquial.

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A utilização do termoKyrios a Jesus provavelmente teve origem nas comunidades originárias do cristianismo (Rm 10,9; 1Co 12,3; Fl 2,11) e tem a tonalidade de inovação litúrgica e aclamação. A missão dos apóstolos é a de anunciar que Jesus é o Senhor (2Co 4,5). Os cristãos são, portanto, escravos/servos do Senhor a quem devem servir (Rm 12,11; Ef 6,7; Cl 3,24). Ele, o Senhor, aponta a missão que os apóstolos devem desempenhar (1Co 3,5) e aos cristãos, seu modo de vida (1Co 7,17) e governa a vida dos apóstolos (1Co 16,7). É a Ele que os cristãos entregam sua vida (2Co 8,5). É para Ele que os cristãos vivem e morrem, porque a finalidade de sua vida foi a de fazê-lo Senhor dos vivos e dos mortos (Rm 14,8-9). Ele é o único Senhor de todos – judeus e gregos (Rm 10,12).

O termo Cordeiro (Ap 5,6.12; 6,16; 7,10; 12,8; 14,1.4; 17,14; 19,7; 21,23; 22,3)é um título que surgiu provavelmente de uma combinação da aplicação a Jesus da imagem do Servo de Iahweh (Is 53,7), que também aparece em At 8,32 e da imagem do Cordeiro Pascal encontrada em Jo 19,36.

O título Cordeiro é aplicado a Jesus 28 vezes no Livro do Apocalipse de uma forma muito particular e não se encontra semelhança em outras citações no Novo Testamento. É apresentado como o cordeiro sentado no trono e glorificado (Ap5,8.12-13; 7,9s; 15,3; 22,1.3), irado (6,16)., vitorioso na guerra (17,14), o juiz que possui o livro da vida (13,8; 21,27).

O Cristo (Ap 1,1; 11,15; 12,10, 20,4) tal como aparece no Novo Testamento, tornou-se um nome pessoal. Na origem era um título grego a Jesus, o Messias.Contudo, o título de Messias não é suficiente para expressar quem é Jesus e sua missão. Desta forma, o Novo Testamento conferiu a Jesus diversos outros títulos, que são messiânicos no sentido de que descrevem alguns aspectos de sua pessoa e missão.

Jesus em grego Iesus corresponde ao hebraico Yeshû’a (Ap 1,1; 22,6a.16; 19,10). Em Mt 7,21 e Lc 2,21, alude-se ao significado do nome “Iahweh é salvação”. Salvador foi um dos títulos cristãos a Jesus. Jesus Cristo ocupa um lugar importante nos escritos do Novo Testamento.

Em Jesus está a vontade do Pai (Mt 6,10 cf Sl 143,10) a ser vivi-da e cumprivivi-da por seus seguidores e seguidoras. Ele é o caminho que leva à vida. A expressão mais profunda da fé é reconhecer Jesus como o Senhor da vida e da comunidade e não o imperador com sua pretensão de senhorio do mundo. Jesus nasceu pobre, em lugar pobre e veio para os(as) pobres, marginalizados(as) e vive para as multidões de sofredores e continua presente nos povos perseguidos e dominados pelos impérios. Jesus nasce sob a lei (Gl 4,4), mas não é a lei que salva, e sim, ele. Esse Jesus que salva, liberta, resgata a vida é presença viva nas comunidades

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apocalípticas. Mas, o ponto de atenção será a pessoa de Jesus em Ap 19,10, sem esquecer que este versículo faz parte do bloco de 17,1-19,10. JESUS EM Ap 19,10

Olhando o bloco (Ap 17,1-19,10) de maneira geral, pode-se propor a seguinte estrutura:

- Introdução ao bloco: 17,1-2: julgamento da prostituta e da pros-tituição.

A) A besta e a prostituta: 17,3-18 a) Visão da besta e da prostituta: v 3-7 b) Explicação da visão: v. 8-18.

B) Juízo da Babilônia (prostituta): 18,1-24

a) Visão do anjo poderoso: “Caiu! Caiu Babilônia. A Grande!” b) Veio então outra voz do céu

- Centro: lamentações pela queda de Roma: v. 9-19 • Lamentações dos reis da terra: v. 9-10

• Lamentações dos mercadores da terra: v. 11-17a • Lamentações da marinha mercante: v. 17b-19 b’) A voz prossegue: v. 20.

a’) Ação do anjo poderoso: v. 21-24. C) Liturgia do triunfo final: 19,1-8 a) Liturgia no céu: v. 1-5

Deus julgou a grande prostituta

Deus vingou nela o sangue de seus servos. b) Liturgia na terra: v. 6-8

Deus estabeleceu o seu reino Chegaram as Bodas do Cordeiro

- Finalização: 19,9-10 (RICHARD, 1999, p. 218-9).

O capítulo 17 traz uma nova visão (v. 3-6) apresentando o império romano como uma prostituta, por um anjo que leva o autor do Apoca-lipse ao deserto. Os v. 1-2 são uma introdução não somente ao capítulo dezessete, mas a todo o bloco (17,1-19,10). Os v. 7-18 narram a explicação que o anjo dá ao autor sobre o mistério da mulher e da besta com sete cabeças e dez chifres que a carrega. O julgamento mesmo à prostituta se dá somente no capítulo 18.

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A visão (Ap 17) da grande prostituta é como se fosse um novo come-ço – como se o autor e sua comunidade ainda não conhecessem o império romano.Há um paralelismo entre a visão de Roma-Babilônia-prostituta e a de Jerusalém-esposa do Cordeiro (Ap 21,9-27).

Pela primeira vez Roma aparece como prostituta (MESTERS; OROFINO, 2003, p. 299), como antiga Babilônia (Jr 51,13) e embriaga os habitantes da terra (Jr 51,7). Em Ap 17,2 encontramos descrito o poder do império: “Os reis da terra se prostituíram com ela (Roma) e com o vinho de sua prostituição embriagaram-se os habitantes da terra.” Os reis se prostituíram e fizeram com que o povo todo cedesse às atrações do Império, entrasse em seu projeto e se afastasse do projeto de Deus.

A visão tem por finalidade mostrar como será julgado esse centro de poder mundial: “Vem! Vou te mostrar o julgamento da grande prostituta!” Neste sentido, o julgamento é sinônimo de condenação. A mulher prostituta aqui aparece sentada sobre a Besta (Ap 17,3-6). Há uma modificação, na visão de Ap 13,1, Roma é a Besta e no cap. 17 a Besta tornou-se o trono que dá sustento a Roma que agora aparece como mulher.

Na descrição da cidade-mulher aparece as contradições que exis-tem no centro do poder mundial. Por um lado, concentração de poder e acúmulo de riqueza (púrpura, escarlate, ouro, pedras preciosas, pérolas). Por outro lado, Roma, a Grande Babilônia pretende ser a Deusa-Mãe do mundo, contudo, não passa de uma mãe das prostitutas e abominação da terra (MESTERS; OROFINO, 2003, p. 300).

PROSTITUIÇÃO E ABOMINAÇÃO

Prostituição e abominação são palavras conhecidas na comunidade apocalíptica pela tradição bíblica. A infidelidade a Deus é chamada de prostituição por inúmeras vezes pelos profetas (Is 1,21; 57,7-13; Jr 2,20; 3,1-4.6; Ez 16 e 23; Os 1-30). A mesma metáfora é utilizada nos livros denominados de históricos (Ex 34,16; Lv 17,7; 20,5; Nm 14,33; Dt 31,16; Jz 2,17; 8,27). Essa metáfora vigorosa é o reverso do entendimento da união com Deus e o povo de Israel. A metáfora do adultério é utilizada no mesmo sentido (Na 3,1-7; Is 23,15-18), para a profecia, a atividade comercial da grande cidade era meretrício.

A moralidade do mundo romano-helenístico concernente à pros-tituição era mais livre do que a do Antigo Oriente Médio. O intercurso sexual era considerado como parte normal e necessária a uma vida saudável e bem ordenada, e as prostitutas prestavam um serviço à comunidade tão

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bem respeitável como os serviços do açougueiro e o padeiro. Por isso, as alusões à prostituição e as advertências contra ela são numerosas, sobre-tudo nas epístolas (Rm 1,24-25; 1Cor 6,9; 5,9-12; 6,15-20; 2Cor 12,21; Gl 5,19-20; Ef 5,3.5; Cl 3,5; 1Ts 4,3ss).

A prostituição mencionada em Ap 2,14.20 está associada com prá-ticas culturais. No império romano do Oriente, muitas formas da antiga prostituição cultual sobreviveram. Babilônia (Roma) é descrita em Ap 17-19 como a grande prostituta. Esta imagem é um reflexo de Na 3,1-7.

A abominação diz respeito ao horror do devastador (Dn 9,27; 11,31). Provavelmente essas passagens foram escritas por ocasião da ereção de um altar a Zeus Olímpico no santuário do Templo de Jerusalém, fato devido a AntíocoIV Epífanes em 168 aC. (1Mc 1,54; 6,7; 2Mc 6,2).

Na literatura profética e apocalíptica é comum o recurso à univer-salização de acontecimentos particulares. Assim, neste fato se vê a profa-nação do sagrado pela ação das forças da incredulidade e da impiedade. Esse tema aparece constantemente na história. Nesse sentido Jesus alude às palavras de Daniel em Mt 24,15 e Mc 13,14 referindo-se à presença idólatra e criminosa do exército romano – devastador de Jerusalém. No Apocalipse relaciona-se ao ouro, a idolatria e o sangue dos santos e dos mártires. A mulher traz na fronte um escrito misterioso: Babilônia, a Grande, a mãe das prostitutas e das abominações da terra. Roma além de ser prostituta é mãe das prostitutas. Roma é a fonte e o protótipo de toda a idolatria que domina o Império. As abominações são as imagens da Besta, sobretudo nas moedas e nas insígnias dos exércitos romanos (RICHARD, 1999, p. 222).

A SIMBOLOGIA DA MULHER

O símbolo da cidade-mulher (Ap 17,15-18) mostra a destruição do domínio universal de Roma. As águas são a multidão dos povos, nações e línguas. Os dez chifres, os reis destes povos, que na verdade, aparentam submissão ao Império, mas na realidade odeiam Roma e aguardam a oportunidade de se levantarem contra a cidade prostituta.E a Besta que antes sustentava a prostituta, agora se une aos reis para despojá-la, deixá-la nua, comer suas carnes e entregá-la às chamas.

A previsão é de que a queda de Roma seja provocada pela revolta dos povos que estão dominados e explorados pelo Império. Se os povos todos se levantassem Roma não teria como resistir e seria derrotada. É bem provável que a revolta dos judeus da Palestina nos anos 60 tenha ensinado

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à comunidade e ao autor do Apocalipse que é possível o enfrentamento desde que seja unificado.

A mulher é a cidade de Roma, que estava no auge de seu poder e que reinava sobre os reis da terra (Ap 17,18). O autor só diz abertamente que é Roma após ter mostrado a derrota da cidade-prostituta. Deixa claro o contraste. Esse poder que brilha não passa de uma aparência destinada a desaparecer. É como se fosse um monstro de papel e as comunidades não podem se deixar intimidar por ele. Ela tem aparência de riqueza e de luxo, mas esconde o vazio e o roubo. Aparenta poder e divindade, mas não passa de ídolo. Aparenta segurança, contudo, esconde em seu interior a iminência de queda. Aparenta boa nutrição, mas está embriagada com o sangue dos pobres das comunidades.

Neste capítulo há mobilidade das imagens. Roma aparece com vários nomes: prostituta (Ap 17,1), mulher (Ap 17,7), Grande Babilônia (Ap 17,5). Por vezes, ela está à beira das águas (Ap 17,1), ora se encontra em cima da Besta (Ap 17,3), às vezes, sobre os sete montes (Ap 17,9). A Besta se apre-senta com sete cabeças que às vezes, são os reis (Ap 17,9), às vezes são as montanhas (Ap 17,9). E os sete reis, na realidade são oito (Ap 17,11) (MESTERS; OROFINO, 2003, p. 304).

A ideia da cidade como mulher-prostituta era comum no Antigo Testamento. Mesmo que a profecia deixe claros os motivos da prostituição, é uma imagem depreciativa para a mulher. Em se tratando de Roma, ela se apresentava ao mundo como a Deusa-Mãe e o autor do Apocalipse desmonta essa imagem. Mantém a figura da mãe, mas a denomina como mãe das prostituições. É uma análise que revela a estrutura perniciosa do Império com a divinização do estado, do imperador e da cidade de Roma. A propaganda imperialista, mesmo que falsa, favorecia e legitimava o acúmulo de riquezas em Roma (Ap 17,4; 18,3.7.11-24).

Em Ap 12 aparece uma imagem positiva da mulher. A mulher como símbolo da vida e de todos os que lutam pela vida. No capítulo 17 a imagem da mulher-prostituta é utilizada para esvaziar e criticar Roma em seu desejo de ser a Deusa-mãe. Nos capítulos 21 e 22, a imagem da mulher é a noiva, simbolizando o povo de Deus.

AMEAÇA AO IMPÉRIO

O Capítulo 18,1-24 apresenta uma ameaça ao império que se acha grande e forte.Essa leitura tem a ver com a política nacional e internacional, com a economia e a religião. Esse capítulo é uma grande celebração com

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textos de profecia e cânticos de vitória do Antigo testamento. A letra dos cantos ouvida e meditada ajudava as comunidades a entenderem melhor a realidade e não se envolverem com a propaganda do Império. O clima celebrativo acordava e ativava a memória da comunidade desanimada e perseguida. Suscitava energia vital para a luta, despertava a consciência adormecida e dava novo vigor à fé esmorecida.

Este capítulo apresenta catástrofes. A destruição de Roma traz con-sigo morte, luto, fome e fogo (Ap 18,18). As comunidades já conheciam essa realidade, quando Roma foi incendiada por Nero em 67 e quando Jerusalém foi destruída por Roma em 70.Morte, luto, fome e fogo são símbolos, vistos pelo retrovisor da história e projetados para o futuro com a finalidade de mostrar como será a destruição do mal.

As catástrofes nivelam as pessoas, fazendo desaparecer as diferenças e todas se tornam iguais no sofrimento, na solidariedade e na ajuda. O Apoca-lipse não quer a destruição pela destruição, mas a quer de forma simbólica da igualdade diante de Deus e diante da vida. Não projeta a destruição do mundo casa comum, mas do mundo das injustiças.

O domínio romano sobre muitos povos, multidões, nações e línguas (Ap 17,15) fazia com que todos pagassem pesados tributos e exigia que o culto imperial fosse implantado, fazendo do imperador o senhor universal.

As tropas romanas garantiam a sobrevivência das grandes cidades por meio dos saques, impostos, taxas, tributos e muito trabalho escravo. A maioria das guerras realizadas por Roma tinha por finalidade angariar escravos para servirem como remadores de navios e trabalharem nas minas e nas pequenas fábricas, como: tecidos, couros, metais, etc.

Roma viveu no auge de seu apogeu. Transpirava riquezas: muito ouro, vestes de púrpura, pedras preciosas, pérolas, joias (Ap 17,4; 18,11-13), contudo era apenas uma pequena minoria que vivia bem, sugando as regiões subjugadas. A população, em sua maioria, formada por escravos, trabalhava para garantir o conforto e a riqueza da elite.

As comunidades apocalípticas eram pequenas e enfrentavam um Império prepotente e no auge de sua força. Necessitavam de muita fé e coragem para dizer que esta cidade prostituta e parasita iria cair na ruína e na desgraça e então destruída.

São quatro os cânticos que ajudaram as comunidades a rezarem e manterem viva a fé e que apontam as causas da queda do Império.A queda por meio das catástrofes anunciadas são aviso a todo poder totalitário – se o Império Romano foi destruído, o império neoliberal e outros também serão destruídos pelos mesmos motivos1.

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O capítulo 19 possui duas partes bem distintas. A primeira (Ap 19,1-10) é a continuação da celebração do capítulo 18. Aqui se conclui a descrição da queda de Roma anunciada pelo segundo anjo (Ap 14,8). Na segunda parte (Ap 19,11-21) dá-se início à descrição da derrota definitiva do poder do mal, anunciada pelo terceiro anjo em Ap 14,9-11.

O capitulo 18 mostra os comerciantes arruinados com a perda de seus bens. O Ap 19,1-10 é de alegria e gratidão. Mostra o lado positivo da queda de Roma, vê nela um ato da justiça divina e um convite ao louvor (Ap 19,1-6). A justiça divina não só julga, mas também faz a jus-tiça acontecer. Roma foi para o fundo mar e o povo de Deus foi para o coração do Cordeiro a fim de ver a sua esposa (Ap 19,7-8).

O Apocalipse é um dos livros mais alegres da Bíblia. Os perse-guidos, em sua pobreza vivem uma felicidade quer os poderosos, em sua riqueza, não entendem e nem conseguem experimentar. Mesmo em meio à perseguição e morte, a comunidade apocalíptica tem a certeza de estar na mão de Deus. A alegria se manifesta em canto de ação de graças e louvores a Deus. No decorrer do Apocalipse aparecem sete bem-aventuranças. As bem-aventuranças mostram que a visão de Deus é diferente da visão do império (MESTERS; OROFINO, 2003, p. 318).

A maior parte dessas bem-aventuranças podem ser acréscimos colocados pelo redator final do Apocalipse, que as utilizou como forma de unir entre si as diversas partes do livro2.

Em Ap 19,9 há um grande anúncio: “Felizes os que foram convidados para o banquete das núpcias do Corodeiro!” E até hoje, em todas as celebrações se repete este anúncio-convite: “Felizes os convidados para a Ceia do Senhor!” (MESTERS; OROFINO, 2003, p. 318). Trata-se simbolicamente, do casamento entre Deus e a comu-nidade, já presente na tradição bíblica (Is 62,1-9; Sl 45; Mt 22,1s; Lc 14,15. Embora a noiva esteja preparada e vestida (Is 61,10) a cerimônia fica em suspenso até o capítulo 21, enquanto se anuncia: Felizes e bem--aventurados os convidados para a festa das núpcias do Corodeiro. Jesus ressuscitado se une à nova humanidade na aliança de justiça e de amor. O casamento é o sinal da aliança confirmada e consumada: a união dos seres humanos com Deus.

Aqui também aparece a nova humanidade como cidade perfeita. Mostra assim a beleza da aliança com Deus. A humanidade é a esposa, o reverso da prostituta. A cidade agora reflete a presença de Deus.

Em Ap 19,10 o autor se coloca de joelhos em adoração ao anjo que anuncia a bem-aventurança. E este lhe diz que se deve adorar somente a

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Deus. O mesmo se repete em Ap 22,9. Aqui também se dá a conclusão da seção de 17,1-19,10, não apenas da liturgia.

Ap 19,10 também diz que “o testemunho de Jesus é o espírito da profecia”. Isto revela que o autor do Livro do Apocalipse é um profeta e que pertence a uma linhagem de profetas. A Igreja do Apocalipse é conduzida por profetas. A ordem do anjo para adorar somente a Deus exige que os dirigentes das comunidades sejam considerados somente como servidores. Por mais extraordinária que seja a revelação dos profetas, a adoração se dirige somente a Deus e não a seus servos -os profetas. O apocalipse é muito coerente. Da mesma forma que aplaca a adoração e divinização do imperador e do império, também impede que isso aconteça em relação àIgreja e suas lideranças.

JESUS E SUA MENSAGEM

No Novo Testamento o Livro do Apocalipse é o que mais acentua a presença de Jesus nas comunidades sofredoras e perseguidas, remetendo-as às palavras finais de Mateus (28,20): “Eis que estarei convosco até a con-sumação dos tempos”. A certeza da presença de Jesus na comunidade e na história fez do Apocalipse um livro de oração e profunda profissão de fé.

Jesus está presente nas tradições apocalípticas das comunidades origi-nárias. Sua pregação tem forma de profecia oral. Elementos sapienciais às vezes estão ligados à expectativa apocalíptica.Deve-se buscar o Reino de Deus, assim como se deve buscar a sabedoria (Mt 6,25ss) (THEISSEN, 2002, p. 300).

Jesus viveu inserido nos acontecimentos de seu tempo e foi um resultado de tudo o que aconteceu antes dele. A tradição bíblica liga-o ao passado da história de Israel (BOFF, 2001, p. 80-1).Como membro do povo hebreu, com uma experiência de Deus muito particular e singular, portador de sonhos e utopias, amadurecido com as experiências religioso-políticas da escravidão egípcia, do exílio babilônico, da linhagem profética, de mártires e poetas. Foi filho de Míriam (Maria). Sua origem divina não anulou sua condição histórica. Mostrou um Deus-abba com características de mãe, pelo sentido que confere a tudo o que faz, pelo cuidado para com as pessoas sofredoras, pelo carinho às crianças, pelo amor e amizade para com Marta, Maria e Lázaro e pela sensibilidade diante do lírio dos campos e da vinha.

Jesus foi um ser humano concreto que caminhou e peregrinou pelas estradas da Palestina anunciando a Boa Nova de que todos somos filhas e filhos de Deus e estamos a serviço de um Reino construído e alicerçado sobre a justiça a partir dos pobres e marginalizados, do amor

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incondicional, da fraternidade/sororidade universal, da solidariedade e da partilha, do perdão e da paz sem limites.

Como muitos outros artesãos e camponeses de seu tempo, Jesus viveu na resistência contra o comercialismo rural de Roma nas terras mais férteis daGaliléia. Os conflitos mais fortes vividos por Jesus e seu povo eram da acirrada oposição por parte do judaísmo ao internacionalismo cultural grego e ao imperialismo militar romano.Em termos de visão de mundo, Jesus foi um apocalíptico. A visão e compreensão do mundo de forma apocalíptica estavam presentes em muitas pessoas e até comuni-dades no tempo de Jesus e posteriormente.

O pensamento apocalíptico se refere a uma verdade escondida e que aos poucos vai sendo revelada. A revelação é de que está próximo o fim dramático da ordem do momento e que surgirá nova ordem, com nova configuração, à qual será chamada de Reino de Deus. Que será o “dia do Senhor”.

O movimento apocalíptico e Jesus faziam uma leitura especial e par-ticular dos acontecimentos. Entendiam que a situação do mundo conhecido da época tinha chegado a tal ponto de degradação que estaria próximo do fim. Mas, Deus decidiu intervir de forma libertadora eliminando da face da terra todas as maldades e inaugurando o Reino de justiça, de amor e de paz e eliminando a pax romana que oprimia e silenciava as pessoas. E isso se dará por meio de Jesus junto às comunidades. Daí se entende o caráter radical e urgente da pregação e prática de Jesus. Sua mensagem é dirigida a toda a humanidade e não somente aos seus compatriotas.

Jesus assumiu a visão apocalíptica como poderia ter incorporado outra qualquer, também influente em seu tempo. É importante para seus seguidores e seguidoras entender sua experiência.

A experiência originária de Jesus se expressou por um sonho – o Reino de Deus; por uma prática – a libertação; por uma mensagem – o Pai nosso e o pão nosso; por uma ética – amor e misericórdia sem limites; por um destino – a execução do libertador e por uma antecipação – a ressurreição apenas iniciada. Os escritos do Novo Testamento, especial-mente os evangelhos e outras expressões de diferentes formas, intelectual, artística e ética, são buscas de compreensão, interpretação e tradução dessa experiência de Jesus (BOFF, 2011, p. 88-9).

CONCLUSÃO

O Livro do Apocalipse é uma revelação da força do testemunho da palavra de Deus e de Jesus ressuscitado na comunidade. Revelou a

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potência romana como aparência e a fraqueza escondida atrás do luxo, da prepotência, da violência, da perseguição, da tortura e morte dos cristãos.

O Apocalipse mostra que Roma além de ser prostituta é mãe das prostitutas e de todas as abominações da terra. É fonte de toda a idolatria que domina o Império. Utiliza-se de imagens conhecidas na tradição bíblica para mostrar que o império não passa de uma farsa que domina povos e nações, ricos e pobres.

Por meio de um imaginário criativo prevê a queda de Roma pela revolta dos povos dominados e explorados pelo Império. Acredita que se os povos todos se levantarem Roma não tem como resistir e será derrota-da. É possível que a revolta dos judeus da Palestina nos anos 60, e todas as lutas da história de Israel,tenham ensinado à comunidade e ao autor do Apocalipse que é possível o enfrentamento desde que seja unificado. JESUS AND THE APOCALYPSE

Abstract: the Apocalypse is the most joyful and celebrative Book of the New

Testament, even bringing the hard reality of the persecution of the Roman Empire on the apocalyptic communities, which were small and faced with dynamic and creative resistance , a strong and arrogant empire. It is the book that speaks most of Jesus’ presence among the communities and identify with different names. Here will be posted only four, Lord, Lamb, Christ and Jesus .

Keywords: Revelation in history. Women simbology. Abomination. Community originals apocalyptics

Notas

1 a) Arrogância presunçosa de sua força (Ap 18,7); b) Luxo extremado (Ap 18,16); c) Domínio do mercado: organiza tudo para acumular e consumir (Ap 18,19); d) Escraviza a vida (Ap 18,13); e) Persegue e mata o crente e não crente (Ap 18,24); f) Idólatra, não aceita Deus e é morada de demônios (Ap 18,2); g) Difunde a idolatria e embriaga a terra com uma propaganda planejada (Ap 18,3) (MESTERS; OROFINO, 2003, p. 314).

2 “Feliz o leitor e os ouvintes das palavras desta profecia, se observarem o que nela está escrito, pois o Tempo está próximo” (Ap 1,13); “Felizes os mortos, os que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham” (Ap 14,13); “Feliz aquele que vigia e conserva suas vestes para não andar nu e deixar que vejam a sua

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vergonha” (Ap 16,15); “Felizes aqueles que foram convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro” (Ap 19,9); “Feliz aquele que participa da primeira ressurreição” (Ap 20,6); “Feliz aquele que observa as palavras da profecia deste livro” (Ap 22,7); “Felizes os que lavam suas vestes para terem poder sobre a ár-vore da vida e para entrarem na Cidade pelas portas” (Ap 22,14) (MESTERS; OROFINO, 2003, p. 319).

Referências

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