• Nenhum resultado encontrado

Pode a segunda pessoa falar? Uma análise do narrador no conto No seu Pescoço de Chimamanda Adichie

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "Pode a segunda pessoa falar? Uma análise do narrador no conto No seu Pescoço de Chimamanda Adichie"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

Pode a segunda pessoa falar?

Uma análise do narrador no conto No seu Pescoço de Chimamanda

Adichie

Heloisa de Souza 1 Resumo

Este trabalho foi concebido após o estranhamento da descrição do livro No seu Pescoço de Chimamanda Adichie, feito por sua editora,que o apresenta dizendo que a autora inova a linguagem pois o escreve em segunda pessoa.Texto repetido por várias revistas e sites.Após uma breve análise da linguagem do texto, perguntamos inspirados em Spivak: Pode a segunda pessoa falar? Conhecemos os conceitos de pessoa gramatical no qual a segunda pessoa é quem ouve, e que há no discurso um turno de voz: as pessoas presentes na conversa, revezam o papel de ouvinte, 2ª pessoa, e de falante, 1ª pessoa. Assim, ao falar a segunda pessoa automaticamente se torna primeira.Analisamos este discurso a partir do texto A pessoa desdobrada, de José Luiz Fiorin( FIORIN.São Paulo,1996) para tentar entender o belo texto de Chimamanda Adichie

Palavra-Chave: Literatura Pessoas Discurso Vozes Subalternidade

Abstract

This work was conceived after the strange description of the book The thing around your Neck by Chimamanda Adichie, made by its publisher, who presents it saying that the author innovates the language because she writes it in second person. Text repeated by several magazines and websites. brief analysis of the language of the text, we ask inspired by Spivak: Can the second person speak? We know the concepts of grammatical person in which the second person hears, and that there is a turn of speech in the speech: the people present in the conversation, take the role of listener, 2nd person, and of speaker, 1st person. Thus when speaking the second person automatically becomes first. We analyzed this discourse from the text The person unfolded, by José Luiz Fiorin (FIORIN.São Paulo, 1996) to try to understand the beautiful text by Chimamanda Adichie

1 Heloisa de Souza, Especialista em Língua Portuguesa- UERJ-FFP.Cursando atualmente

Especialista em Relações Étnico-Raciais na Educação Básica- EREREBA- no Colégio Pedro II- Professora da Rede Estadual do Rio de Janeiro e da Prefeitura Municipal de Itaboraí

(2)

Introdução

O livro “No seu pescoço” evidencia, mais uma vez, o grande talento da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que transporta com seu texto o leitor para uma África, especificando,, uma Nigéria, pouco difundida entre nós: intelectualizada, mesmo com as mazelas do processo colonial e da guerra civil, um país rico e com uma burguesia tradicional. Usando uma linguagem bem construída e extremamente literária, a autora parte das peculiaridades vividas por suas personagens na Nigéria,para tratar de temas universais como a solidão feminina, a dor provocada pelo racismo(fora da África),o machismo, em África e fora dela, e suas consequências dramáticas em uma sociedade patriarcal, o capitalismo feroz e sua relação direta com as lutas entre etnias na Nigéria.Essas lutas por sinal foram fruto da divisão da África pelos colonizadores europeus, no caso da Nigéria o colonizador inglês, que não respeitaram a história local dividindo o território das etnias, criando países com povos que tradicionalmente eram inimigos gerando conflitos contínuos.Os personagens e narrativas de Chimamanda são atravessados por estes conflitos, principalmente Guerra Cível Nigeriana que foi a tentativa da criação da República de Biafra, localizada no Sudeste nigeriano, local rico em petróleo, disputado também por multinacionais que aliaram-se ao governo central e aniquilaram a nova república pelo poder bélico e pela fome, esta criou imagens de crianças magérrimas, pessoas morrendo à míngua que povoaram as manchetes mundial em 1970. A literatura de Chimamanda é essa reconstrução de um povo Igbo/Ibós na África pós-colonial em todas as suas camadas sociais. Seu primeiro romance é Hibiscos Roxos, 2003, que trata da dificuldade da elite nigeriana que perdeu suas raízes, e a personagem central uma menina tenta resgatar e reconstruir esta história. O segundo romance “Meio Sol Amarelo”,(2006), narra a participação das diferentes camadas sociais e seus interesses na construção da República de Biafra,em “A coisa à volta de seu pescoço”(2009), 13 contos que falam de todos os temas anteriores e mais uma vez, traz desejo de muitos personagens de se aproximar colonizador indo morar na Inglaterra ou Estados Unidos da América, e a relação que se estabelece nestes países, como é o caso do conto que titula o livro”No seu

(3)

pescoço” e em 2013, o romance Americanah, no qual todos os conflitos da relação com a colônia é desenvolvida nas vivências e relações que a personagem central tem nos Estados Unidos, nas quais é discutido o racismo, xenofobia, desigualdade de gênero, e posteriormente seu retorno à Nigéria e seu estranhamento. Adichie lançou, nos últimos anos, textos didático/teóricos sobre feminismo e racismo. Este panorama sobre a obra dado na introdução é importante para situarmos a autora em um lugar de questionamento sócio- cultural que é fundamental para o objetivo, análise e conclusão deste trabalho.

“No seu pescoço” o conto que nomeia o livro conta a história de uma jovem nigeriana que após ganhar a loteria do Gren Card, parte para viver o sonho americano,mas as coisas não funcionam como ela imaginava.Destaca-se na linguagem do texto o fato do seu narrador dirigir-se o tempo todo à personagem principal, tratando-a como você, como estivesse falando o que se passa dentro dela:

Você pensava que todo mundo nos Estados Unidos tinha um carro e uma arma; seus tios, tias e primospensavam o mesmo. Logo depois de você ganhar a loteria do visto americano, eles lhe disseram: daqui aum mês, você vai ter um carro grande. Logo, uma casa grande. Mas não compre uma arma como aqueles americanos. ( 2017:60)

Por este uso da linguagem, quando acessamos o site da Companhia das Letras,sua editora, para buscar mais informação sobre o livro, nos deparamos com a seguinte descrição:

Publicado em inglês em 2009, No seu pescoço contém todos os elementos que fazem de Adichie uma das principais escritoras contemporâneas. Nos doze contos que compõem o volume, encontramos a sensibilidade da autora voltada para a temática da imigração, da desigualdade racial, dos conflitos religiosos e das relações familiares. Combinando técnicas da narrativa convencional com experimentalismo, como no conto que dá nome ao livro - escrito em segunda pessoa -, Adichie parte da perspectiva do indivíduo para atingir o universal que há em cada um de nós e, com isso, proporciona a seus leitores a experiência da empatia, bem escassa em nossos tempos. https://www.companhiadasletras.com.br

A informação “Escrito em segunda pessoa”, causa estranheza. Como pode um texto ser escrito pela segunda pessoa, quando durante toda a Educação Básica aprendemos que segunda pessoa é a que ouve? Qual aluno deste segmento teria esta reação. No entanto, percebeu-se que alguns sites ligados à

(4)

cultura e à literatura não reagiram da forma esperada, pois em uma breve busca, percebe-se que vários deles reverberam a fala da editora.Em alguns casos, como o site internacional “Huffpost Brasil”, há pequenas mudanças, pois tenta explicar que a escolha da linguagem justificar-se-ia pelo seu objetivo, qual seja,despertar a empatia do leitor:

Combinando técnicas da narrativa convencional com experimentalismo, como no conto que dá nome ao livro — escrito em segunda pessoa —, Adichie parte da perspectiva do indivíduo para atingir o universal e, talvez, alcançar a experiência da empatia.. (https://www.huffpostbrasil.com/)

No site da Folha de Pernambuco, o jornalista também tenta explicar o uso da “narração em segunda pessoa”:

em “No seu pescoço”, por exemplo, conto que dá nome ao livro, a autora se aventura na narração em segunda pessoa, uma inversão estilística que coloca o leitor diretamente no lugar da personagem. ( https://www.folhape.com.br/diversao)

O trabalho baseou-se na perspectiva da Análise Sociolinguística do Discurso, corrente que,conforme Charaudeau (2003:07),privilegia”descrever a maneira pela qual se articulam, de um lado, a materialidade da linguagem, através do estudo das marcas formais, e de outro, o sentido social,através da análise do que se entende por imaginários sociais” para compreender a escolha da linguagem da autora. Indiscutivelmente, o recurso usado por ela, o uso do discurso indireto, no qual o narrador, na tradução em português, se refere à segunda pessoa, através do pronome pessoal você,realmente aproxima o leitor do texto, contudo, dizer que o uso deste recurso caracterizaria a fala da segunda pessoa, é ferir com a regra básica do discurso e seu turno de voz. A existência do eu enunciador, pressupõe um tu -ou você-, que justifica a existência do enunciado. De acordo com Benveniste, em seu artigo "Da subjetividade na linguagem":

A linguagem só é possível porque cada locutor se coloca como sujeito, remetendo a si mesmo como eu em seu discurso. Dessa forma, eu estabelece uma outra pessoa, aquela que, completamente exterior a mim, torna-se meu eco ao qual eu digo tu e que me diz tu. (1966, p.261-2).

Compreendendo o você como actante necessário à existência do eu enunciador, entendemos que o conto em questão não caracteriza a fala desta segunda pessoa, mas justifica a existência da enunciação. No artigo” A pessoa Desdobrada” no qual

(5)

Fiorin discute conceitos de Greimes sobre os mecanismos com que o enunciador instaura no enunciado pessoas,espaços e tempos, chega a seguinte conclusão sobre narração a qual lançamos mão para concluir este tópico: “O que é importante ressaltar é que, por definição, só se pode narrar em primeira pessoa, já que é sempre um eu que fala.”(1995:13)

A coisa a volta do seu pescoço:

Às vezes, você se sentia invisível e tentava atravessar a parede entre o seu quarto e o corredor e, quando batia na parede, ficava com manchas roxas nos braços. Certa vez, Juan perguntou se você tinha um namorado violento, pois ele daria um jeito nele, e você deu uma risada misteriosa.

À noite, algo se enroscava no seu pescoço, algo que por muito pouco não lhe

sufocava antes de você cair no sono (Pág.61)

A sensação incômoda vivida pela personagem, também foi vivenciada por nós: a escolha do pronome você aproxima o leitor da trama, o faz sentir, no caso do fragmento acima, deitado naquela cama, sufocado pela situação. Assim, a subjetividade do eu fundamenta-se na existência do outro que ouve a narrativa sobre sua própria vida. Mas por que a escritora, uma reconhecida feminista não usou o eu para que esta personagem, mulher negra nigeriana contasse a própria história? O Objetivo era apenas transportar o leitor para o texto? No livro Pode o subalterno falar? (2010), a indiana Gayatri Chakravorty Spivak questiona o lugar da fala do sujeito que está à margem, como o colonial, o subalterno. Os subalternos são, portanto, aqueles que estão nas camadas mais baixas da sociedade e são excluídos de representação política e legal e não podem ser membros plenos do estrato dominante (SPIVAK, 2010), neste conto, a personagem central, é de origem pobre, manda metade de seus ganhos para ajudar a família na Nigéria sobrevivendo com muito pouco no país do consumo. A pobreza como fruto de um processo genocida de colonização. Poderia ela ter voz? Seria ouvida? Por que o texto foi construído de modo que a narradora falasse por ela,”desse voz”, em outras palavras, permitisse que ela falasse?

Às vezes, você se sentia invisível e tentava atravessar a parede entre o seu quarto e o corredor e, quando batia na parede, ficava com manchas roxas nos braços. Certa vez, Juan perguntou se você tinha um namorado violento, pois ele daria um jeito nele, e você deu uma risada misteriosa.(62)

(6)

Ela se sente desconfortável, sente-se invisível em uma sociedade que é totalmente diferente da sua na educação alimentar, na educação das crianças, nas relações familiares. Fato curioso é que só depois de conhecer o branco que mais tarde seria seu par, que é revelado seu nome Akunna, que em Igbo significa “fortuna do pai”, é na relação com o outro que ela vai tomando forma e força, em oposição,é usado apenas o referente, pronome indicador de terceira pessoa ele para citá-lo. Sua existência, no entanto se torna necessária para o autoconhecimento de Akunna. A relação com este homem, branco, rico, representação do colonizador, apesar das críticas veladas que o enunciador faz questão de mostrar e que personagem percebe fazerem ao casal, esta relação acaba por libertá-la e seu desconforto com a vida e o país estrangeiro começa a dissipar:

Ele pegou sol demais e sua pele ficou da cor de uma melancia madura, e você beijou suas costas antes de passar hidratante nelas.

Aquilo que se enroscava ao redor do seu pescoço, que quase sufocava você antes de dormir, começou a afrouxar, a se soltar.”(65)

A insegurança que começa logo na chegada aos Estados Unidos provocada pelo assédio do tio vai acabando na medida em que se sente mais à vontade com o branco que ela domina. Sente-se segura até para anunciar seu endereço para seus parentes na Nigéria, torna-se assim nova referência para eles nos Estados Unidos, muito em função da decepção que “ tio” provoca em todos. A demora em se reerguer entretanto tem uma consequência: ao ter retorno de sua carta, fica sabendo da morte do pai, fato ocorrido há seis meses. Resolve então aceitar a ajuda do namorado para retornar à sua origem.

Os dois sentimentos apontados ao longo do texto, desconforto e insegurança, não justificariam sua falta de voz, ou melhor, que a voz Kuanna fosse tomada por outra pessoa para narrar toda sua trajetória? Ao chegarmos a esta conclusão, outra questão surge: de quem seria esta voz? Quem verdadeiramente nos conta a história da protagonista? Como o estudo da língua justificaria esta escrita. Estas questões são respondidas pela análise do discurso2. Analisando o discurso usado,

2 Para compreensão deste conceito, cito aqui a explicação dada por Maria Emília Amarante Torres Lima, em

seu artigo:Análise do discurso e/ou análise de conteúdo “A análise do discurso tem definições bem variadas e bastante amplas, como “a análise do uso da língua”, “o estudo do uso real da língua, pelos locutores reais

(7)

compreende-se como este texto se articula com a história, com o contexto histórico que o produziu. Encontra-se as marcações para compreender esta mulher que precisa encontrar o outro para se definir como pessoa e reconhecer a importância da sua própria origem. O discurso é assim fundamental para a produção de sentidos, segundo Fiorin(1990,p.177)

o discurso deve ser visto como objeto linguístico e como objeto histórico. Nem se pode descartar a pesquisa sobre os mecanismos responsáveis pela produção do sentido e pela estruturação do discurso nem sobre os elementos pulsionais e sociais que o atravessam. Esses dois pontos de vista não são excludentes nem metodologicamente heterogêneos. A pesquisa hoje precisa aprofundar o conhecimento dos mecanismos sintáxicos e semânticos geradores de sentido; de outro, necessita compreender o discurso como objeto cultural, produzido a partir de certas condicionantes históricas, em relação dialógica com outros textos.(Fiorin,1990)

Tem-se assim o fato da escolha do ponto de vista do narrador ser um mecanismo essencial para que discurso ganhe essa dimensão histórica que atravessam a narrativa. Mas a pergunta persiste: neste jogo que constrói o texto, quem tem voz?

Considerações finais

Negando a possibilidade da segunda pessoa ter voz, indagamos de novo: Quem fala por Kuanna? Começamos a responder usando novamente Fiorin para construir nossa reflexão:

Tudo está claro. O narrador é sempre um eu, que se enuncia ou não; as personagens são o eu, o tu ou o ele. No entanto, nem tudo é tão simples. As relações entre as pessoas neutralizam-se, são flutuantes e intercambiáveis.(1996:16)

As relações das pessoas tanto do enunciado quanto da vida real não são simples! São deveras “flutuantes e intercambiáveis”. Quantas vezes nos dirigimos à segunda pessoa usando o pronome de terceira “Fala para ele que não quero conversa”,

em situações reais”. Sobretudo nos países anglo-saxões, muitos aproximam a análise do discurso da análise conversacional, considerando o discurso como uma atividade fundamental interacional. Essas definições, bastante vagas, dificultam a distinção da análise do discurso de outras disciplinas que também estudam o discurso. Maingueneau (1998, p. 13-14) prefere especificar a análise do discurso como a disciplina que, em vez de proceder a uma análise lingüística do texto em si, ou uma análise sociológica ou psicológica de seu contexto, visa articular sua enunciação sobre certo lugar social. Ela está, portanto, relacionada aos gêneros de discurso trabalhados nos setores do espaço social (um café, uma escola, uma loja...) ou aos campos discursivos (político, científico...)”(LIMA,2003)

(8)

quando o “ele” está ao nosso lado? A mobilidade da linguagem a torna flexível adequando-se à situação de fala, ao contexto vivido pelo falante. Citamos um ele no lugar de você (forma mais usada pelos falantes do sudeste), mas também poderia ser ele significando eu,ou vice-versa. Fiorin ainda destaca uma terceira possibilidade:

A terceira possibilidade é a de um tu com valor de eu. Não se trata de o narrador tratar-se por tu, em pontos localizados do texto, como o faz muitas vezes Aires, no Memorial. É o caso raríssimo de o narrador dirigir-se a si mesmo como tu ao longo de quase toda a obra.(1996:16)

Finalmente, seguindo os passos de Fiorin, chegamos às nossas respostas. Há um grande erro em reverberar o textos, como o da editora, sem uma reflexão mais profunda, ou uma simples checagem dos fatos - está aí todo processo eleitoral de 2018 no Brasil para nos comprovar isso.Porém esta declaração sobre a fala de uma segunda pessoa, não está restrita ao texto da Chimamanda, parece que virou moda esta conceituação pois encontra-se com facilidade em vários textos da internet esta descrição de narrador!

Defende-se aqui que “No seu pescoço” está escrito em primeira pessoa. A autora deu sim voz à protagonista, pois é ela que, pela subjetividade3, fala de si: o Eu não pelo tu, mas pelo Você( you na língua original). Todo o texto se apresenta assim como um monólogo, uma reflexão sobre suas expectativas ao chegar nos Estados Unidos, sua trajetória lá e a justificativa do seu retorno à Nigéria. O tempo estabelecido na narrativa não é o pretérito apresentado na enunciação, pois

3 Entende-se aqui por subjetividade a definição de José Luiz Fiorin no artigo “A pessoa desdobrada”: A

enunciação deve ser analisada ainda como a instância de instauração do sujeito. Benveniste, em seu célebre artigo "Da subjetividade na linguagem", diz que a propriedade que possibilita a comunicação e, portanto, a atualização da linguagem é que é "na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito, uma vez que, na verdade, só a linguagem funda, na sua realidade, que é a do ser, o conceito de ego" (1966, p.259). A subjetividade é a "capacidade de o locutor pôr-se como sujeito" e, por conseguinte, a

subjetividade estabelecida na fenomenologia ou na psicologia é apenas a emergência no ser de uma propriedade fundamental da linguagem: "é 'ego' quem diz 'ego'. Encontramos aqui o fundamento da 'subjetividade', que se determina pelo estatuto lingüístico da 'pessoa'" (p.259-60). O eu existe por oposição ao tu e é a condição do diálogo que é constitutiva da pessoa, porque ela se constróina reversibilidade dos papéis eu/tu. "A linguagem só é possível porque cada locutor se coloca como sujeito, remetendo a si mesmo como eu em seu discurso. Dessa forma, eu estabelece uma outra pessoa, aquela que, completamente exterior a mim, torna-se meu eco ao qual eu digo tu e que me diz tu." A categoria de pessoa é essencial para que a linguagem se torne discurso. Assim, o eu não se refere nem a um indivíduo nem a um conceito, ele refere-se a algo exclusivamente lingüístico, ou seja, ao "ato de discurso individual em que eu é pronunciado e designa seu locutor" (1966, p.261-2). O fundamento da subjetividade está no exercício da língua, pois seu único testemunho objetivo é o fato de o eu enunciar-se (p.261-2).2

(9)

começa com no pretérito imperfeito “Você pensava” termina com o pretérito perfeito ”você abraçou-o apertado por um longo, longo momento, e depois soltou.” : é um agora, ali no aeroporto, no exato momento que Kuanna despede-se de seu homem branco. Ali uma subjetividade fica estabelecida: a personagem tem sua jornada de descoberta: Kuanna tem voz, fala de si e para si, para dar significados ao mundo, às ações, às relações, a fim de compreender e encontrar seu lugar. Pois deve o subalterno falar e ser ouvido!

Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. No seu Pescoço. In: ________. No seu pescoço. Tradução de Julia Romeu. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. p. 60-66. _________________Meio sol Amarelo.São Paulo.Companhia das Letras,2017 ________________Americanah. .São Paulo.Companhia das Letras,2014 ________________Hibiscos Roxos. .São Paulo.Companhia das Letras,2011 BENVENISTE Da subjetividade na linguagem. In: Problemas de Lingüística Geral

I. 3 ed. São Paulo: Pontes, 1991

CHARAUDEAU,Patrick.Prefácio In:PAULIUKONIS,M.A.L. &GAVAZZI,texto Discurso.Rio de Janeiro,Lucerna,2003

GREGOLIN, Maria do Rosario Valencise. A análise do discurso: conceitos e aplicações. ALFA: Revista de Linguística, v. 39, 1995 - A análise do discurso Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/107724>.

FIORIN, José Luiz. A pessoa desdobrada.Alfa.São Paulo,1996. Disponível em:

https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/3968

__________Tendências da análise do discurso..Estudos Linguísticos,v.19.p.173-179,1990.

LIMA,Emília Amarante Torres, Análise do discurso e/ou análise de conteúdo,2003- Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p. 76-88, jun. 2003.Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista

(10)

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulartde Almeida, Marcos Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: EditoraUFMG, 2010. Sites https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=14306 https://www.huffpostbrasil.com/2017/07/25/no-seu-pescoco-de-chimamanda-ngozi-adichie-e-um-convite-a-emp_a_2304 https://www.folhape.com.br/diversao/diversao/diversao/2018/02/07/NWS,58075,71 ,552,DIVERSAO,2330-LIVRO-SEU-PESCOCO-REUNE-CONTOS-SOBRE-CULTURA-PRECONCEITO.aspx

Referências

Documentos relacionados

• Existe relação entre a força de preensão palmar máxima e o nível de desempenho das habilidades de controle de objetos em crianças de seis e sete anos de idade no teste

As principais observações deste estudo são que o emprego do tmx na dose de 40mg/dia por via oral durante 60 dias diminui a fibrose, não altera o conteúdo de

Em outubro de 2007 professores e alunos participaram do curso de extensão sobre métodos alternativos para ensino e pesquisa, coordenado por Mônica Vianna, da biociências, e

A avaliação da atual matriz produtiva do território Sul Sergipano com o uso de indicadores dará elementos para a construção de um estilo de produção familiar de base ecológica,

Com relação ao horário de maior concentração de ocorrências (Figura 3), o cenário climático do período de maior ganho energético (12 às 16 horas) implica uma maior

Fig. Jurassic-Cretaceous geological evolution for the West Gondwana and its relationship with zeolite-cemented sandstone. A) During the Jurassic, quiescence periods without

=ica claro# pela leitura da carta# que ela &lt;oi escrita a uma congrega$ão cristã composta tanto de  judeus como de gentios&#34;  Favia muitos &gt;udeus em 7oma naquela época'

Embora os mecanismos neurobiológicos envolvidos na memória para situações aversivas não estejam completamente esclarecidos, o complexo basolateral da amígdala parece exercer um