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Mulheres em seriados: configurações

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A coleção Bahianas é um espaço de divulgação destituído dos símbolos de dominação. Trás resultados de estudos teóricos que possibilitam uma análise crítica da condição feminina, das relações de gênero e do feminismo enquanto momento social, assmi como, de documentos que contribuam para o resgate da memória

feminina e estudos que abordem a inserção das mulheres nas diversas manifestações culturais.

Ivia Alves e Alvanita Almeida

resolveram nos dar um presente.

Sim, porque não é todo dia

que temos acesso a textos de

alta qualidade, escritos de

maneira leve e descomplicada

e produzidos por experts

de reconhecida trajetória

acadêmica sobre o que amamos

assistir na tv: seriados que

acompanhamos com muito

interesse e que tornam as nossas

noites mais ricas, a salvo da

estéril programação televisiva

da tv aberta no Brasil. A Coleção

Bahianas, ao assumir o projeto

deste livro, cumpre o seu papel

de abordar questões teóricas

e políticas que articulam a

academia e os movimentos

sociais, vez que é inegável a forte

inserção dos seriados nas mentes

e corações de um número cada

vez maior de pessoas, infl uindo

em seu cotidiano, ditando

moda,disseminando ideias,

enfi m, forjando identidades.

Destacando seriados

investigativos, o livro

é especialmente interessante

na medida em que ilumina

personagens femininas

em ambientes masculinos,

retratadas como querem seus

criadores; estariam essas

mulheres contemporâneas

reafi rmando os estereótipos que

nos aprisionam há séculos ou,

de modo alternativo, estariam

sendo “desviantes”, mostrando

possíveis saídas, apontando para

diferentes possibilidades de

exercitar sua condição feminina?

Graças a Ivia e Alvanita, ao fi nal

da leitura, teremos a chance de

responder a essas perguntas e

fazer outras, quem sabe para

obrigá-las a nos dar outro

presente...

Ângela Ma ria Freire de Lima e Souza

Mulheres em Seriados

Confi gurações

Alvanita Almeida e Ivia Alves (Org)

Mulheres em Seriados

Confi gur ações

17

COLEÇÃO

Bahianas

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MULHERES EM SERIADOS configurações

(4)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Reitor

João Carlos Salles Pires da Silva Vice-Reitor Paulo Cesar Miguez de Oliveira

Assessor do Reitor Paulo Costa Lima

NÚCLE DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES SOBRE A MULHER

FFCH/UFBA

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Diretora

Flávia Goullart Mota Garcia Rosa Conselho Editorial

Alberto Brum Novaes Angelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby Alves da Costa Charbel Ninõ El-Hani Cleise Furtado Mendes Dante Eustachio Ramacciotti Evelina de Carvalho Sá Hoisel José Teixeira Cavalcante Filho Maria Vidal de Negreiros Camargo

Financianciamento NEIM Diretora Márcia Macêdo Vice-Diretora Silvia Lúcia Ferreira Comissão Editorial Alda Britto da Motta Ana Alice Alcântara Costa Cecília M. B. Sardenberg Enilda R. do Nascimento Ivia Alves Silvia Lúcia Ferreira Coordenação Editorial Executiva Eulália Azevedo Ivia Alves Maria de Lourdes Schefler Silvia de Aquino Ângela Maria Freire de Lima e Souza

(5)

Alvanita Almeida Ivia Alves

Mulheres

em seriados

configurações

COLEÇÃOBahianas,17 Salvador | EDUFBA/NEIM/CNPq | 2015

(6)

2015, Autores

Direitos para esta edição cedidos à Edufba. Feito o Depósito Legal.

Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

Projeto gráfico capa e miolo Alana Gonçalves de Carvalho Martins

Editoração Tiago Silva dos Santos

Revisão

Larissa Lacerda Nakamura Normalização Adriana Caxiado

Editora da UFBA Rua Barão de Jeremoabo s/n - Campus de Ondina 40170-115 - Salvador - Bahia Tel.: +55 71 3283-6164 Fax: +55 71 3283-6160 www.edufba.ufba.br edufba@ufba.br Editora filiada à NEIM Estrada de São Lázaro 197 - Federação 40210-630 - Salvador - Bahia Tel.: +55 71 3237-8239 www.neim.ufba.br neim@ufba.br

Mulheres em seriados: configurações / Alvanita Almeida, Ívia Alves (Organizadoras)- Salvador : EDUFBA,/NEIM/CNPq, 2015. 216 p. -(Coleção Bahianas, 17)

ISBN 978-85-232-1394-7

1. Mulheres. 2.Televisão – Narrativas. 3. Mulheres – Representação - Mídia. 4.Mulheres na Comunicação de massa - Análise. I.Almeida, Alvanita. II. Alves, Ívia. III. Universidade Federal da Bahia. Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher. IV.CNPq.

CDU - 305 CDD -305.4

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SUMÁRIO

7 INTRODUÇÃO

t

31 MULHERES NO COMANDO Ivia Alves 41 NO COMANDO

mulheres no comando na mídia televisiva Alvanita Almeida

51 AS REPRESENTAÇÕES DE MULHERES EM POLICE WOMAN, CSI E DEPOIS

Ivia Alves

65 A INCLUSÃO DAS “DIFERENTES” NAS SÉRIES TELEVISIVAS

Ivia Alves

81 AS DIVERSAS REPRESENTAÇÕES DAS MULHERES NA DÉCADA DE NOVENTA

Ivia Alves

91 A REPRESENTAÇÃO DA MULHER EMANCIPADA EM SEX

AND THE CITY I Ivia Alves

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103 A REPRESENTAÇÃO DA MULHER EMANCIPADA EM

SEX AND THE CITY II:

as herdeiras de Sex and the City Ivia Alves

119 REPRESENTAÇÕES DE MULHERES EM SERIADOS INVESTIGATIVOS

as novas parcerias Ivia Alves

135 BELEZA, PROFISSÃO E MATERNIDADE

configuração da mãe em The Good Wife Alvanita Almeida

147 AS MULHERES E A SEXUALIDADE NA SÉRIE

THE GOOD WIFE

Ângela M. F. de Lima e Souza e Ivia Alves

165 KALINDA SHARMA

força e mistério em uma personagem feminina de The

Good Wife Alvanita Almeida

175 GLORIA SHEPPARD E ALICIA FLORRICK

a construção discursiva de mães em séries de televisão

Alvanita Almeida

185 VELHAS HISTÓRIAS, NOVAS LEITURAS

a bela do século XXI Alvanita Almeida

199 AS MULHERES NAS SÉRIES POLICIAIS DE PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO

Ivia Alves e Alvanita Almeida

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INTRODUÇÃO

Ivia Alves Alvanita Almeida

Para o público que gosta de séries

Este capítulo introdutório foi escrito para os fãs de séries de TV, que começaram a acompanhá-las recentemente e querem ter o prazer de conhecê-las melhor.

A maioria dos jovens, atualmente, demonstra preferir as sé-ries do que novelas e principalmente tornam-se seguidores de narrativas policiais, como observamos nos comentários de sites e blogs que se dedicam a comentar o gênero. Por isso, resolvemos escrever este livro para um público interessado em séries televi-sivas, mas que não estão interessados nos intricados estudos aca-dêmicos, embora tenhamos que utilizar algumas delas que serão logo explicadas.

No geral, fazemos um estudo das representações de mulheres que aparecem neste tipo de série (em um gênero que se acredi-tava, essencialmente, do gosto masculino) mas sem esquecer de fazer um estudo sobre a narrativa e como ela vem se modificando ao longo do tempo para se adequar ao contexto atual.

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Apesar de estarmos pensando especialmente nos aficionados pelas séries, entendemos que um público mais acadêmico tam-bém pode se interessar pelo que propomos.

A TV e outras mídias como entretenimento

Um ramo muito comum que se manifesta tanto nas narrativas televisivas quanto em muitos formatos digitais como os vide-ogames e páginas da internet é a necessidade de compreensão dos procedimentos, um reconhecimento por parte dos consu-midores de que qualquer modo de expressão acompanha pro-tocolos específicos e que para engajar-se completamente em tais formatos deve-se dominar seus procedimentos de base. Jason Mittell (2012)

Lemos em algum livro de um autor francês dos anos de 1970, que em pouco tempo as pessoas não precisariam trabalhar todos os dias nem também 40 ou 44 horas por semana, mas a questão que nos impressionou é que o autor dizia que ainda não havia se desenvolvido lazeres que fossem capitalizados como consumo, como gasto. E então uma perguntava para a outra, mas não há praias, jardins, conversas? No entanto, percebemos que isso não seria o “ideal” para uma sociedade capitalista, porque todos es-ses lazeres podiam ser feitos sem se gastar dinheiro. Atualmente, alcançamos o tempo em que o lazer se transformou em consu-mo, seja com as viagens turísticas, seja sem sair de casa, com as televisões pagas e com a própria internet, celulares, Ipad etc.

Embora o trecho acima sirva de mote para introduzir o assun-to do lazer, não é deste que nós queremos falar. Também não é sobre este retângulo (a TV de plasma ou com display de cristal líquido (LCD), que se pendura na parede) ou mesmo como fun-ciona a relação anunciantes e programação, mas sobre as séries,

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que têm se tornado uma febre entre os mais jovens e também está interessando a muitos adultos.

Até que ponto as séries ou seriados1 (como são chamados no

país) seduzem o público que assiste “fanaticamente” à TV? Prin-cipalmente, agora que várias outras ferramentas (computador,

Ipad, laptop, tablet e smartphone) difundem também tais

pro-gramas de TV e há, por outro lado, a facilidade da pessoa cons-truir sua programação pela internet ou mesmo pelos canais que só existem na web ou na TV por assinatura.

Não creio que exista, aqui, no Brasil, uma pesquisa sobre esta tendência do público preferir assistir séries, incluindo as razões dessa escolha. Mas basta verificar na internet quantos sites e blo-gs existem para os entusiastas deste gênero (que caiu no gosto do público) ou páginas nas redes sociais que têm especialistas ou não em crítica com vários seguidores. Também, não se deve esquecer dos fanzines, muitas vezes produzidos pelos adolescentes, repa-ginando, refazendo cenas de suas séries preferidas ou se inspiran-do nos personagens para abrir novas narrativas paralelas à trama dessas séries.

Sem dúvida, tem-se uma vaga ideia de que a grande maio-ria dos jovens (principalmente, a geração de 30 anos para baixo) não só assistem como acompanham, traduzem episódios para downloads, criam locais de discussão. Mas a entrada da TV por assinatura com os vários canais destinados a esse gênero narra-tivo ficcional, bem como a liberdade de oferecimento dos episó-dios em vários horários na semana ajudou demais sua audiência. Enquanto na TV aberta as séries estrangeiras, principalmente as produzidas nos EUA, são programadas para depois das 23 horas, na TV por assinatura, elas passam em vários horários, pela ma-nhã, pela tarde, à noite e na madrugada.

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Em geral, na temporada de estreia do ano, cada episódio é exi-bido mais de quatro vezes durante a semana. E diferentemente das novelas que subjugam o público a se prender diariamente durante determinado horário (considerado o horário nobre), os episódios inéditos das séries são exibidos uma vez por semana, nos vários horários citados, oferecendo flexibilidade não só de horários, mas também de diversos temas, e para além do gosto, para diversas gerações.

Diferentemente da TV aberta que sobrevive essencialmen-te das propagandas “na hora do inessencialmen-tervalo”, a TV paga pode ou não conter propagandas nos intervalos da sua programação. No entanto, as séries norte-americanas já vêm formatadas para tais intervalos2, visto que elas são destinadas na sua maioria a canais

abertos. Existem exceções quando se trata de séries já produzidas pelos canais fechados de assinantes, como, por exemplo, a HBO, ou quando se trata de séries inglesas, que em geral têm a duração de 60 minutos.

A TV por assinatura aparece com a finalidade de oferecer um poder de escolha ao espectador por ter uma programação espe-cífica do seu interesse e não seguir uma programação “restrita, distribuída em horários limitados, e sem acesso a conteúdos”. (MITTELL, 2012) Assim, cada canal, em geral, passa a ter uma programação inteiramente de um gênero, de um tipo de progra-mação. Há canais de filmes, de séries, de futebol, de esportes, de documentários. Os canais de filmes e séries são segmentados por tipo de filme e por geração (infantil, criança, adolescentes, jo-vens, adultos) e seus interesses3. Atualmente, alguns canais

es-2 Na realidade, a parte mais importante da TV é a hora do intervalo, no qual passam as propagandas que sustentam o alto custo de uma emissora. A programação, ou os programas servem apenas para seduzir o espectador e induzi-lo a assistir as propagandas (a hora do intervalo). Não é por acaso que há vários preços para cada horário da programação, sendo o mais caro deles o chamado horário nobre (das 20 às 22 ou das 21 às 23 horas).

3 O público-alvo de consumo, aquele que consome coisas, mercadoria e objetos é também determinado. Desde a criança (que exige realizar seu desejo com as finanças dos pais) até 49

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tão oferecendo programações para mulheres adultas (neste caso, entenda-se donas de casa) e há canais para homens, sendo o pri-meiro deles, no país, o FX, além de canais que exibem fantasias sexuais, ou filmes adultos (pornográficos) etc. Alguns canais de filmes subdividem -se por gênero e por geração: há canais para jovens, para adultos ou por tipo de gênero como filmes românti-cos, comédias, dramas de ação, ficção científica, dramas, policiais, terror, e clássicos (filmes anteriores a 1980/90). Também há ca-nais de música com os clipes, documentários, com grande diversi-dade temática de ritmos, canais de notícias, com ou sem programas de entrevistas, com um expert na área, dirigido por âncoras, seja de economia, de política, ou de situações focais do momento, bem como as chamadas revistas eletrônicas. Esses programas têm o aparente formato de uma revista impressa com quadros varia-dos, focados em música, literatura, teatro, livros etc.4 Cada vez

mais aparecem canais específicos, por assinatura5, e destinados

a gostos, interesses, geração diferentes como realities shows.6

Os realities shows foram programas criados por seu baixo custo e a depender do tema atraem vários espectadores que podem in-teragir com sua votação para escolha de candidatos. Aqui ainda não se tem canais étnicos como existem nos EUA, mas proliferam canais religiosos.

anos. É este o público alvo até agora. Não se sabe se, com o avanço da idade das pessoas da sociedade, haverá possibilidade de ampliar para a geração idosa.

4 Alguns exemplos (e que também existem na TV aberta) dessas revistas são Metrópolis (TV Cultura)

5 Foram chamados, inicialmente, TV por assinatura, depois TV a cabo (acesso por cabos fixos ou rede de fibra ótica é mais comum no Brasil a TV por assinatura. Portanto, embora sejam diferentes os processos, o nome mais conhecido é TV por assinatura, que aqui usaremos. 6 Reality show é um tipo de programa televisivo baseado na vida real. Podemos então falar de

reality show sempre que os acontecimentos nele retratados sejam fruto da realidade e os

visados da história sejam pessoas reais e não personagens de um enredo ficcional. Exemplo deste é o programa mundialmente conhecido Big Brother, criado em 1999 por John de Mol.

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A ampliação dos canais por assinatura se deu no final de 1978, nos EUA7, abrindo possibilidade para canais de programas

religio-sos, bem como para realities shows. Mas à medida que as séries e filmes se tornaram muito dispendiosos, com a crise econômi-ca que atravessa o Ocidente, e com a aceitação por grande parte da população televisiva, houve a entrada em massa dos realities

shows, que por sua vez barateou a programação.

Assim, são cada vez mais difundidos canais em TV por assina-tura que oferecem escolhas variadas e servem ao interesse do as-sinante que encontra seu nicho ou seus nichos de entretenimento.

Com a ideia de que o tempo livre deve ser consumido pelo en-tretenimento (pago), a TV se tornou o centro deste lazer, saindo do móvel da sala diante de um sofá onde toda a família assistia para um quadro na parede em vários cômodos da casa. Segundo Marialva Barbosa (2007), “a televisão se constitui[u] na principal mediação cultural da contemporaneidade. O mundo cotidiano se torna uno a partir de temas, afetos e sensações observados na tela da TV”.8

A ideia de entretenimento, hoje em dia, prevalece ou predo-mina com uma programação para entretenimento, com progra-mas leves, comédias, dramédias, como uma forma de descanso do desgaste e frustrações do dia a dia do espectador, mas também podem existir canais com uma programação de conhecimento e de reflexão.

7 Na realidade, desde 1940, já existia este tipo de TV para locais onde não chegava o sinal da TV aberta, nos EUA.

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O gosto pela narrativa: o desenvolvimento das

narrativas ficcionais no drama televisivo

Desde que o mundo se conhece, uma história bem contada serve de deleite ou prazer para um público ávido de novidades. As narrativas fazem parte da vida em comunidade desde tempos dos quais nem temos registro. Os chamados contos de encanta-mento, contos maravilhosos datam de mais de 30 séculos. Na Ida-de Média, essas narrativas fizeram o Ida-deleite e o terror das pessoas, com fórmulas conhecidas como o “Era uma vez...” ou “Naquele tempo...”. Este modelo que vem de longe e provoca muita curio-sidade de saber de mundos ou pessoas não conhecidas nos leva a falar do contador de histórias. As crianças gostam e esse hábito se repete pela vida adulta. O suporte, o formato ou o tipo de gêne-ro independe: seja o livgêne-ro, suporte impresso que se desenvolveu em romances publicados por capítulo em jornais (os folhetins9) e

também em revistas (podendo ser seriada ou publicando contos), seja o rádio com as radionovelas10, seja o cinema (filmes), seja a

TV (que começou com adaptações de livros e peças de teatro) que tomou rumo com sua própria linguagem e gêneros.

A programação inicial das televisões abertas flutuava entre matéria de narrativas de quadros cômicos (esquetes) ou narrati-vas seriadas seguindo o formato das radionovelas, até chegar aos seriados episódicos11.

9 Os folhetins surgiram em Paris no século XIX. Em 1836, o jornal La Presse começou a publicar romances seriados. O mais popular folhetim no Brasil foi a publicação de A moreninha (1839), de Joaquim Manuel de Macedo. Vide <http://idkwitm.blogspot.com.br/2011/06/bla.html>. Acesso em 20 de ago. de 2014.

10 As radionovelas contavam com atores que narravam as histórias e os efeitos sonoros transformavam a narrativa mais realista, e captavam a atenção de seus ouvintes. Vide <http:// idkwitm.blogspot.com.br/2011/06/bla.html>. Acesso em 20 de ago. de 2014.

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Formação de um público fiel

No artigo de Camilla Prado Furuzawa (2013), seguindo os au-tores Lipovetsky e Serroy (2009), um dos motivos para o triunfo das séries é o fato delas se apoiarem em personagens recorrentes, interpretados pelos mesmos atores, que ganham a simpatia do público. O espectador se afeiçoa a seu herói e espera com expec-tativa a cada semana um novo episódio. “A ligação do espectador com o herói é o que sustenta o sucesso da série.”

Também com o hábito e frequência na escolha do tipo de série, a pessoa vai se acostumando às suas particularidades ou peculiari-dades narrativas. Por exemplo, quem é adepto da série CSI (Crime Scene Investigation), traduzida para o português como Investi-gação criminal (da cena) está mais acostumado ou mais propenso a observar os detalhes de um relato por jornalistas de crime, no seu cotidiano, porque tem conhecimento dos exames realiza-dos na cena do crime por técnicos forenses de forma que podem deixá-lo descrente com relação a depoimentos de testemunhas. Lógico que o testemunho de quem viu o crime ainda é válido, porém sua descrição pode ser falha. Mas os exames forenses nunca falham. É isso que a série deixa como um subtexto, inclusive mostrando casos em que há uma discrepância entre a testemunha e o exa-me da cena do criexa-me. Parece que, desde que a série foi criada, a escolha de jovens por esse tipo de profissão nos EUA aumentou sensivelmente, segundo relatos de revistas.

Da mesma forma, o adepto de séries policiais é atraído pelas “articulações temáticas”, os jargões12 das falas de policiais,

inves-tigadores e técnicos (que em seus diálogos mostram-se de lugares

12 Jargão significa código linguístico próprio de um grupo sociocultural ou profissional com vocabulário especial, difícil de compreender ou incompreensível para os não-iniciados. (IINSTITUTO ANTONIO HOUAISS, 2004)

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diferentes, com a fala oral de seu grupo, bem como o modo de ver e de contar um crime).

Tais peculiaridades da fala e mesmo da narração indepen-dem dos gêneros, mas tem que ser criada uma “verossimilhança” (convenção de veracidade) ou de ficcionalidade da narrativa.13

Da narrativa convencional à narrativa

complexa nas séries policiais

Quadro 1 - Os policiais podem ser dirigidos pelas tramas (plot-driven) ou dirigidos pelapersonalidade dapersonagem (character-driven)

Tipos

Procedimentos de investigação de evidências; Investigação de análise de ossos da vítima;

Interrogatórios de suspeitos (dentro e fora do protocolo da polícia); Especialista em conseguir confissões;

Herói – a narrativa está focada no herói ou anti-herói, no desenvolvimento psicológico do protagonista;

Policial de procedimentos investigativos (mais comum)

Há todo tipo de narrativa ficcional nas séries. No entanto, seus criadores e roteiristas vão cada vez mais tornando suas narrativas (o modo de contar) mais complexas. Embora elas ainda sigam um esquema proveniente da literatura ou do cinema, cada vez mais a TV se apropria desta última linguagem ou já está criando a sua própria.

Assim, os espectadores, que cada vez mais querem interagir, in-clusive entre si, começam a precisar de certa competência para decodificar tais narrativas.

Segundo o estudo de Jason Mitell (2012), neste longo esclareci-mento,

As transformações tecnológicas aceleraram esse deslocamen-to de muitas maneiras. Durante os primeiros 30 anos, o meio

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televisivo era essencialmente controlado por redes de televisão que ofereciam uma programação restrita, distribuída em horá-rios limitados, e sem acesso a conteúdos. Na medida em que ele retorna abafado pelos direitos de uso, os programas passaram a ser exibidos fora de ordem, contribuindo para que as nar-rativas episódicas incluíssem uma apresentação em série qua-se aleatória. Desde a popularização da transmissão a cabo e do equipamento de videocassete no início dos anos 1980, a balança pendeu mais para o lado do controle do espectador a prolifera-ção de canais contribuiu para a repetiprolifera-ção rotineira de programas de modo que os espectadores pudessem acompanhá-los atra-vés de reprises veiculadas cronologicamente ou ainda pudessem ver aqueles [episódios] que perderam diversas vezes durante a semana. As tecnologias que permitem variação no tempo da exibição, como os videocassetes e gravadores de vídeo digitais, possibilitam aos espectadores escolherem quando querem as-sistir a um programa. E, um dado mais importante no sentido da construção da narrativa, eles podem rever episódios ou par-tes deles para analisar momentos complexos. Enquanto séries selecionadas foram vendidas em fitas de vídeo durante anos, o tamanho compacto e a qualidade visual dos DVDs levaram a uma explosão de um novo modelo de como assistir televisão, em que os fãs, acompanhando uma temporada por vez de um deter-minado programa (como as tentativas muitas vezes relatadas de assistir uma temporada inteira da série 24 horas para recuperar seu enquadramento temporal diegético) são encorajados a ver múltiplas vezes o que antes era uma forma de entretenimento essencialmente efêmera.

[...] Utilizando as novas tecnologias para gravar programas em casa, os DVDs, e a participação online, os espectadores assumiram um papel ativo no consumo de uma televisão nar-rativamente complexa, contribuindo para que ela prospere no seio da indústria midiática. (MITELL, 2012)

Cada tipo de gênero narrativo, seja drama policial, ficção cien-tífica, jurídico etc., seja comédia (sitcom ou crítica da sociedade) tem seus modelos de estrutura que se tornaram estáveis como um modo de prender o público. As séries pouco se modificam para

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que seu público a aceite e como produto comercial televisivo seja consumido, não enfrentando risco de inovações, fato que é um risco para sua audiência. (GARCÍA A GARCIA; GOMEZ MARTI-NEZ, 2009)

A estrutura convencional

As séries, acompanhando as formas narrativas mais conhe-cidas do texto escrito, principalmente no gênero policial, apre-sentam um modelo linear em termos de disposição cronológica da estória (a estrutura de início, meio, clímax e fim), bem como de composição de seus personagens (inicialmente, quase perso-nagens chapados (planos), sem nuances psicológicas, até mais ou menos 1980). Daí em diante, passou-se a dar mais ênfase à con-figuração dos detetives, evidenciando seus preconceitos, suas disputas, seus problemas externos à profissão, os quais poderiam influir no seu comportamento. O(s) detetives, os policiais deixam de ter a aura de heróis para tornarem-se pessoas comuns. Isso deu uma alavancada na série policial de investigação e esse tipo de personagem complexo perdura até hoje. Uma das primeiras séries a explorar esse homem comum, bastante observador e inteligente foi NYPD Blue (Nova Iorque contra o crime) (1993-2005), embora já existissem alguns experimentos anteriormente. Esse formato consegue atingir grande audiência, dado o caráter da produção televisiva, mesmo que se possa rever depois. Mas é preciso apre-endê-la completamente no momento mesmo em que se assiste.

Em geral, essas séries são mais perceptíveis ao espectador mais exigente. As características dos protagonistas não são dadas imediatamente, mas ao longo dos episódios, configurando seus perfis. Por isso, apenas os que acompanham assiduamente conse-guem perceber tais aspectos.

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As séries de narrativas convencionais mantêm uma estrutu-ra quase fixa, sempre a narestrutu-rativa é cronológica, episódica, isto é, subdividida em episódios isolados, cuja estória (trama) se en-cerra no mesmo episódio. Podem narrar duas ou três tramas e essas estórias podem ser paralelas, ou criar um contraponto ou mesmo uma interferir na outra, mostrando outra perspectiva do fato, mas sempre concluindo no mesmo episódio. Chamam-se de séries episódicas, porque cada episódio tem a necessidade de fechamento(s) da(s) estória(s) e embora se desenvolva em 20 a 24 episódios, a audiência pode deixar de assistir um ou mais capítu-los durante a longa temporada. Mas para não acontecer isto com frequência, tais séries mantêm arcos narrativos longos que vão se desenvolvendo ao longo da temporada ou mesmo da série, e arcos menores, que podem ser sobre a vida ou problemas pontuais dos personagens fixos ou sobre as tramas de um crime ou investiga-ção. A série CSI usa muito desta estratégia, como já foram utiliza-das em Nova York contra o crime, JAG (1995-2005) e atualmente em NCIS (2003 - presente), para citar algumas.

O grande arco da série assegura a fidelidade do espectador pelo tipo de série policial, pela configuração psicológica gradativa dos personagens fixos, pelas suas estórias de vida particular.

Esse tipo de narrativa cronológica, mesmo tendo um esque-ma convencional: o passado (quando tem testemunhas ocula-res do crime ou conhecem o criminoso), o pocula-resente, início da narrativa com o crime que instiga a investigação no presente progressivo cuja resolução pode se dar em um ou mais episódios, tem seu desfecho que pode ou não jogar para o futuro (prisão e processo judicial).

No entanto, essa narrativa pode perfeitamente fazer uso de

flashback14 ou interpolação de eventos ocorridos anteriormente,

14 Flashback também é um termo muito utilizado no cinema, é a interrupção de uma sequência cronológica narrativa pela interpolação de eventos ocorridos anteriormente, é uma forma de

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mas nunca utilizado de forma que o espectador perca o entendi-mento do percurso cronológico. Às vezes, há maiores inovações, apresenta-se uma cena enigmática do presente e volta-se toda a trama para o passado. Uma das melhores explorações desta téc-nica se apresenta em CSI, primeiro episódio da décima tempo-rada, quando a câmera passeia lentamente por todo o pessoal do departamento enquanto se veem tiros, estilhaçamento de vidros, pessoas caindo. São dois minutos e dezessete segundos nesta ex-ploração, sem som e apenas com a música de fundo. E o episó-dio se volta para 48 horas antes. Esta tragédia que acontece no laboratório retorna dentro da narrativa explicando sua função.

Ainda podem usar sequências oníricas, de sonhos ou de situ-ações que se passam no pensamento de um personagem, ou mes-mo contar a mesma estória por pontos de vista diferentes, isto é, como cada personagens assistiu ao fato. Um exemplo desse tipo de narrativa, se dá no assassinato do marido de Mac ao Tenente Coronel do Corpo de Marines Sarah “Mac” Mackenzie da série JAG (1995-2005).15

A narrativa complexa

As narrativas complexas aparecem mais em redes fechadas, TVs pagas pela exigência dos assinantes, que querem assistir

sé-mudança de plano temporal. É um recurso muito utilizado em vários gêneros cinematográficos, normalmente vistos em filmes policiais e drama. Também conhecida como analepse, o

flashback é uma técnica narrativa onde a ação do filme é interrompida momentaneamente para

mostrar uma ação ou situação do passado, relacionada com o que ocorre no presente narrativo. Vide: <http://www.significados.com.br/flash-back/>. Acesso em 22 set. 2014.

15 A série foi baseada inicialmente em dados dos militares de apoio de Hollywood, usando como fundo outros filmes conhecidos, incluindo Top Gun, The Hunt for Red October e Clear and

Present Danger. Pouco tempo depois, o Departamento de Defesa reconheceu os valores

positivos da série e garantindo seu apoio militar, inclusive permitindo aos produtores acesso às instalações militares e seus equipamentos. JAG - Ases Invencíveis incorpora desde o princípio ações militares em missões como, por exemplo, na Guerra da Bosnia, no ataque da Destructor Cole, os atentados de 11 de setembro de 2001 e a guerra seguinte contra o terrorismo. Durante os ataques de 11 de setembro, a série obteve sua maior audiência, chegando ao décimo posto.

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ries mais reflexivas. Como tais redes, em geral, não dependem do financiamento das propagandas, elas podem ousar e experimen-tar. Basta verificar o sucesso de The Sopranos (1999-2007), da HBO ou de Mad Men (2007- presente) da AMC (American Movie

Classics).

As séries produzidas para estas redes procuram desenvol-ver narrativas com temas originais e também utilizam demais as narrativas complexas, com episódios serializados ou que se apre-sentam, aparentemente, episódios descontínuos. Como séries se-rializadas, temos The Killing (AMC, 2011), 24 Horas (2001-2010),

The Bridge (2013- presente), Homeland (2011), The Americans

( 2013 - presente), The Leftlovers (2014 - presente).

Por causa da serialização, o espectador pode assistir a um episódio isoladamente, mas para ele compreender toda a tra-ma, ele terá que assistir aos episódios anteriores ou não perder os seguintes. Em Mad Men, que trata da emergência da propa-ganda, cada temporada avança em um ou dois anos, que vai sendo marcado por um comentário histórico, ou por um fato cultural. É aparentemente uma narrativa descontínua, mas existem arcos dramáticos sobre a vida dos personagens. Tam-bém, quem acompanha a série toma conhecimento do movi-mentado ambiente socioeconômico-cultural da década de 1960. É o mesmo princípio utilizado na série inglesa Downton Abbey (2010 - presente) que a audiência acompanha em cada temporada as mudanças ocorridas na sociedade inglesa e a decadência eco-nômica da aristocracia, desde a Primeira Guerra Mundial de 1917. Essas narrativas ao mesmo tempo são episódicas e seriali-zadas. O uso do cruzamento de tempos (passado, presente, fu-turo) e espaços (ações da trama em locais diferentes) ou então a existência de um personagem narrador são experiências que vêm, aos poucos, se deslocando para as narrativas ficcionais da TV aberta norte-americana no período do verão, quando as

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narrativas têm mais ou menos de 10 a 13 episódios. Em geral, seus personagens mantêm uma ambiguidade psicológica, onde o bem e o mal não estão bem situados. Entre algumas séries com esse perfil, tivemos Reunion (2005-2006) e Damages (2007–2012) que misturava tempos, locais e personagens no presente e no passado.

Outras séries dependem de um acompanhamento, porque além de serializadas, operam com vários planos temporais e geo-gráficos e para apreensão da sua construção narrativa é preciso se-guir capítulo por capítulo até o final, como em Lost (2004-2010). Foi o tipo de série (do gênero ficção científica, aventura) da qual não era possível ver apenas um episódio ou ver episódios espar-sos. A sequência narrativa precisava ser acompanhada a cada epi-sódio e seguir a temporada seguinte.

Formação e adesão do público aos policiais

Vamos dar uma ênfase neste livro às séries do tipo policial. Na verdade, a narrativa policial tem sua origem na literatura. No século XIX, romances como o já clássico Sherlock Homes caí-ram no gosto do público a ponto de se tornarem uma produção em série. Foram escritas várias situações que o famoso detetive tinha que resolver.

Nos policiais norte-americanos, o tom da narrativa é rea-lista e o modo de se encontrarem os criminosos, embora quase sempre siga a mesma estrutura, apresenta elementos que dão pistas ao espectador. Dá para perceber na narrativa o passado (seja em flashback ou por falas de testemunhos), até o presente da ação, mesmo que se esteja vendo/assistindo no “nosso” tem-po presente (que é outro, tem-porque é o presente no qual se assiste a série).16

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Esse tipo de estrutura torna a audiência conhecedora de como vai se desenvolver a narrativa e pelo conhecimento adere a ela, principalmente, empenhados pela curiosidade e pelo interesse no desvendamento do crime.

A estrutura mais usada provém de sua origem linear que é o livro. Considerada na época em que surgiu (fins do século XIX) como uma literatura menor, secundária, vai se deslocando para o cinema e finalmente, para a TV criando um público distinto que acompanha os detalhes e as pistas e se envolve com o desvenda-mento do crime.

A estrutura original parte do crime, retornando para o passa-do através da investigação (pistas da cena passa-do crime, pessoas que testemunham ou que conhecem a vida ou os passos da vítima) jogando para o futuro ao revelar o criminoso que pode estar pre-sente ou não na trama, culminando ou não com seu julgamento.

No entanto, essa estrutura, inclusive transportada para a TV dos livros, tornou-se o primeiro formato na narrativa da TV, tanto que os detetives heróis dos livros policiais tiveram suas séries tele-visionadas como Poirot (1989 - presente)17, Sherlock Holmes, com

várias versões18, já correspondendo a um integrante da polícia,

17 O belga Hercule Poirot ou simplesmente Poirot é um grande detetive fictício e protagonista da maioria dos livros da escritora Agatha Christie, comparável apenas a Sherlock Holmes, famoso detetive da ficção policial. Seu método é dedutivo, interrogando as testemunhas. O detetive aparece em mais de 40 romances de Agatha Christie. Um grande número das obras onde Poirot aparece se tornaram filmes, séries de TV, rádio e teatro. Foi vivido no cinema por Albert Finney e por Sir Peter Ustinov e na série televisiva britânica (desde 1989) por David Suchet. Vide: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Hercule_Poirot>. Acesso em 23 ago. 2014.

18 Sir Sherlock Holmes é um personagem de ficção da literatura britânica, criação do médico e escritor Sir Arthur Conan Doyle. Holmes é um investigador do final do século XIX e início do século XX que aparece pela primeira vez no romance Um estudo em Vermelho, publicado, originalmente, pela revista Beeton’s Christmas Annual, em novembro de 1887. Sherlock Holmes ficou famoso por utilizar, na resolução dos seus mistérios, o método científico e a lógica dedutiva. Ainda hoje é um dos mais atraentes personagens dos romances policiais. Carismático e astuto, fez do método científico e da lógica dedutiva suas melhores armas. Sua habilidade para desvendar crimes aparentemente insolúveis, até mesmo para Scotland Yard, transformou seu nome em sinônimo de detetive. Vide: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Sherlock_Holmes>. Acesso em: 23 ago. 2014.

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o Inspetor Maigret (com várias versões)19, e Miss Marple,

cria-ção de Agatha Christie, representada por uma senhora madura, curiosa e observadora que desvenda crimes acontecidos na sua cidade e nos locais aos quais visita. Também Miss Marple teve sua série, produzida pela BBC entre 1984 a 1992.

Em seguida ou paralelamente aos primeiros grandes detetives, as séries televisivas foram construindo suas próprias criações. Pre-ferindo focar nos distritos policiais onde grupos de detetives inves-tigavam crimes, acrescentaram perseguições e muita ação. Eram policiais em ação, com o esquema narrativo muito semelhante ao tradicional, e, com personagens permanentes.

Só com a mudança do contexto, na contemporaneidade, é que se instala a complexa relação de vida pessoal e profissional dos de-tetives, inclusive desenvolvendo-se personagens mais complexos em atitudes e comportamentos. Começaria esta nova experiência com a série criada por Stephen Boccho, Hill Street Blues (1981-1987), com seu componente realista e dramático.

Essa série mostra o dia a dia dos agentes e o ambiente caótico em que se movem, algumas vezes sendo interrompidos ou preocupa-dos com suas vidas pessoais. Sendo uma série episódica, alguns te-mas são desenvolvidos em grandes arcos narrativos o que mantém um desenvolvimento unificado, tendo, portanto, um fio condutor.

Esse formato permanece até os dias atuais, inclusive evi-denciando conflitos entre a vida profissional e a vida priva-da dos personagens. Segundo Camila Prado Furuzawa (2013), no trabalho, há também uma forte ênfase na luta entre o fa-zer “o que é certo” e “o que funciona” em determinadas situ-ações. A narrativa é focada de forma realista, inclusive alguns 19 Inspetor-chefe Jules Maigret é um personagem de ficção de novelas policiais, o mais popular

dentre os personagens criados pelo escritor belga Georges Simenon. O comissário Jules apareceu em 75 novelas e 28 contos publicados entre 1931 e 1972, além de vários filmes para a TV, dirigidos por Pierre Granier-Deferre e também a série Maigret, produzida pela BBC entre 1960 a 1963 (62 episódios). Vide:<http://en.wikipedia.org/wiki/Maigret_(1960_TV_series)>

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temas são retirados do cotidiano, abordando questões da vida real. O ambiente do distrito policial auxilia o emprego, comu-mente, de uso de gírias para fundamentar a verossimilhança. A depender da escolha do público, pode a série apresentar em cada episódio uma série de histórias entrelaçadas, algumas das quais são resolvidas dentro do episódio, e outras ao decorrer de vários episó-dios ao longo de uma temporada ou de várias.

Atualmente, algumas partem de um fato passado sofrido pelo personagem principal, como o assassinato da família ou de um membro dela e que obrigará o personagem no seu interesse em desvendar o crime, a se juntar à polícia ou se tornar policial, de-senrolando várias temporadas sem que ele chegue ao seu objetivo. Esse é o caso de The Mentalist, e também de Castle, e Unforgettable.

Por trás dos bastidores

A leitura das séries não foi aleatória. Nós nos utilizamos de de-terminados conceitos e teorias a fim de interpretar.

Estudos específicos sobre séries de TV são pouco desenvolvi-dos no Brasil. Na maioria desenvolvi-dos casos, têm sido realizadesenvolvi-dos por profis-sionais da área de comunicação. Na área de estudos de linguagem, as produções midiáticas mais estudadas são os filmes, especial-mente, no que diz respeito às adaptações de obras literárias, assim como as telenovelas que se construíram também a partir de obras literárias.

Da perspectiva das análises apresentadas neste livro, enten-demos que as séries de TV podem ser pensadas como gêneros nar-rativos, até associadas em certa medida aos conhecidos folhetins do século XIX, dada a sua estrutura de ficção seriada. Como já foi desenvolvido em outro item, as séries organizam-se de for-ma muito semelhante às narrativas de ufor-ma forfor-ma geral, seja ela

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literária ou não, evidentemente, trazendo cada uma seus traços peculiares.

Por isso, para pensar as representações de mulheres em séries de TV, precisamos nos posicionar com relação a alguns elementos teórico-metodológicos que sustentem nossas reflexões. Assim, alguns conceitos e caminhos são aqui privilegiados.

Para entender como as séries se desenvolveram historicamen-te, são as pesquisas em comunicação que se referem aos gêneros televisivos, desde os primeiros passos desse veículo de comunica-ção que se tornou hegemônico. Na década de 1920, conseguiu-se transmitir a primeira imagem à distância e, na década de 1930, na Europa, foram veiculados os primeiros programas, consoli-dando-se aos poucos o lugar da TV. Já então formavam-se grupos poderosos no meio, como a Radio Corporation of America (RCA), British Broadcasting Corporation (BBC), Columbia Broadcasting System (CBS), National Broadcasting Company (NBC). Asa Briggs e Peter Burke, no livro Uma história social da mídia, situam o que chamam de “Idade da Televisão”, o final da década de 1940, após a Segunda Guerra Mundial, a partir de quando se multiplica o número de aparelhos vendidos e também começa a se formar uma audiência de massa, crescente a cada semana. Na década seguinte se dá a expansão de seriados, como dos sitcoms. Havia programas variados, entre os quais destacamos a primeira em formato de sé-rie: I love Lucy, em 1957. Vemos aí que as séries fizeram parte das programações de TV desde o começo.

Em 1950, a TV chegava ao Brasil pelas mãos de Assis Cha-teaubriand, e, na década de 1960, noventa países tinham es-tações de televisão, saindo do eixo Inglaterra/Estados Unidos. Os canais eram públicos inicialmente e as emissões, exceto em alguns países, eram absolutamente controladas pelo governo. A TV por assinatura, segundo a Associação Brasileira de Televisão

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por Assinatura (ABTA)20, surgiu, na década de 1940, nos Estados

Unidos, para levar programas de canais abertos a localidades em que esses sinais não chegavam com qualidade. No Brasil, a TV por assinatura chegou, efetivamente, no início da década de 1990.

Entendendo as séries como produções midiáticas que pode-mos “ler” como narrativas, como “textos”, no sentido mais am-plo da palavra, os fundamentos que nos serviram de suporte são os da análise de discurso, sobretudo da análise de discurso crítica (ADC), que, da perspectiva de Fairclough e Van Dijk, tem caráter multidisciplinar. Isto é, tomando o discurso como prática social, a qual se materializa através de textos, sua compreensão envolve diferentes conhecimentos: das estruturas de linguagem, de siste-mas semióticos diferentes, da sociedade e da história.

Norman Fairlough (2001, p. 22) entende ao afirmar que “os discursos não apenas refletem ou representam entidades e rela-ções sociais, eles a constroem ou as ‘constituem’” que os sujeitos sociais são posicionados conforme os efeitos dos discursos entre os quais se movimenta. Apesar de o livro Discurso e mudança

social estar focado nos textos linguísticos, o autor afirma que é

muito “apropriado estender a noção de discurso a outras formas simbólicas”. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 23)

Para uma reflexão sobre as séries dessa perspectiva, entenden-do que os discursos aí veiculaentenden-dos são portaentenden-dores de determinadas crenças e valores, é preciso também compreender os conceitos de ideologia e hegemonia, uma vez que afirmamos em diversos momentos que, nessas produções, é veiculada uma “ideologia he-gemônica” ou dominante. Partimos, então, da discussão de Fair-lough, que se apoia em Althusser e Gramsci. Entende-se, dessa forma, ideologia como construções da realidade, “construída em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e

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que contribuem para a produção, a reprodução ou a

transforma-ção das relações de dominatransforma-ção”. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 117)21

Na busca pela compreensão dos sentidos dos textos em que se constituem as séries, é importante a percepção de que não apenas as palavras importam, embora elas sejam fundamentais, mas ou-tros elementos como as pressuposições, as metáforas, a coerência também o são. Nas análises das séries, considerando ainda ima-gens, som, caracterização de corpos, formas de vestir, silêncios, destaques de imagem, perspectiva, compreende-se que elas pre-cisam ser pensadas como um conjunto de elementos significativos. Se entendemos que a representação das mulheres nas séries estudadas é parte de um processo de construção social, obser-vamos que isso passa pelo engendramento/reconhecimento de identidades. Nesse caso, as identidades plurais femininas. Como são vistas as mulheres? Como elas mesmas se veem? Como se identificam ou não com os modelos propostos? Como são pensa-das as múltiplas identidades femininas?

Na discussão inaugurada pelas mulheres, desde a primei-ra onda feminista, ao questionarem o estatuto que lhes foi sen-do atribuísen-do, através da divisão sexual sen-do trabalho (cuidasen-dora) de forma essencialista em relação ao homem (ambiente público e privado), ao desvelar o processo histórico de subordinação a que estavam submetidas, apresentou-se o questionamento desta naturalização de papéis sociais atribuídos a homens e mulheres dentro da sociedade.

Como Simone Beauvoir (1980) em seu livro O segundo sexo afirmou: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, pois é através da sociedade que serão desenvolvidas certas características acei-tas para ser considerada uma mulher.

21 Na discussão sobre hegemonia, Fairclough apresenta um posicionamento que a apresenta como liderança, poder de uma das classes economicamente definidas como fundamentais em aliança com outras forças sociais, ou seja, é mais do que dominação das classes subalternas, é a

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As mulheres militantes, as feministas da segunda onda, de-senvolveram então uma epistemologia feminista, que colocava em xeque as interpretações para o seu lugar social. Tendo se de-senvolvido, inicialmente, nos estudos das ciências sociais e his-tória, as questões sobre a mulher foram se tornando objeto de outras áreas de conhecimento, entre as quais, a área de estudos sobre a linguagem. As perspectivas que se voltam para entender as relações sociais a partir da interpretação dos discursos cons-truídos sobre os sujeitos sociais são fundamentais, uma vez que é, através da linguagem em suas diferentes modalidades, que as pessoas se inserem no mundo social, se identificam, se organi-zam e partilham sentidos e posicionamentos.

Nessa linha, um conceito que se mantém produtivo, dentro da perspectiva das teorias feministas, em que pesem os posicio-namentos controversos, é a noção de relações de gênero e poder (Scott). Gênero aqui como categoria analítica de relações de po-der para pensar as relações sociais não se refere a sexo biológico, não é a mesma classificação das palavras pela gramática da lín-gua, mas que se pautaram de acordo com as construções sociais. Pesquisadoras como Joan Scott, Teresinha Schmidt, Heleieth Sa-ffioti debruçaram-se sobre as questões conceituais que implicam a escolha por uma análise fundamentada nas relações de gênero, apresentando o conceito historicamente e em termos metodoló-gicos. O que se evidencia, especialmente, é o caráter relacional que se constrói na interação entre os sujeitos e a historicização dessa interação que estabelece formas de comportamento para as pessoas envolvidas nesse processo.

As discussões feministas ganham força dentro da academia a partir da conceituação de relações de gênero e poder (SCOTT, 1995), e o ser mulher torna-se algo plural, problematizado ao se considerar outras categorias sociais, tais como geração, raça/et-nia, classe.

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Na psicologia, a noção de identidade de gênero está construída a partir da forma como somos engendrados/as, desde crianças, a adotar comportamentos estabelecidos socialmente para cada sexo. Mas podemos também refletir sobre essa formação de uma identidade de acordo com a percepção do mundo ao nosso redor e, sobretudo, na interação com outro. Apropriando-nos da concep-ção de identidade discutida nos textos de Hall, Woodward e Silva (SILVA, 2000), compreendemos que ela se constitui em relação com uma alteridade. Assim, nas relações de gênero, as identida-des se estabelecem a partir da negação daquilo que não se é e que é construído pelo grupo onde o sujeito está inserido. Como Simo-ne de Beauvoir coloca emblematicamente: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. A construção social reserva “características” diferentes no engendramento da mulher bem como do homem. O discurso desta sociedade produz uma introjeção “caracterís-ticas” distintivas entre pessoas passivas ou fortes, cuidadoras ou provedoras.

Quando os estudos sobre a mulher questionam uma unida-de feminina universal passando a usar o termo mulher no plu-ral, considerando outras categorias sociais nas quais as mulheres estão também inseridas, observa-se a diversidade refletida nas interseccionalides de geração, etnia, classe verificando-se que as mulheres – assim como os homens – se constituem em diferentes e múltiplas identidades.

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Referências

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Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, v. 8, p. 2-21, abr. 2007. Disponível em: <http://www.

compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/view/138/139>. Acesso em: 11 ago. 2014.

BEAUVOIR, S. O segundo sexo: a experiência vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Coord.de Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Ed. UnB, 2001.

FURUZAWA, C. P. Séries policiais: características e particularidades das narrativas policiais televisivas. Vozes & Diálogos, Itajaí, v. 12, n.02, p. 110-125, jul./dez. 2013.

GARCÍA A GARCIA, F.; GÓMEZ MARTÍNEZ, P. J. Narrativa televisiva: o ritmo na ficção audiovisual das séries de televisão. Comunicação, Mídia

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INSTITUTO ANTONIO HOUAISS. Minidicionário da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

MITTELL, J. Complexidade narrativa na televisão americana contemporânea- Narrative complexity in contemporary american Television. Matrizes, São Paulo, ano 5 n. 2, p. 29-42, jan./jun. 2012. SCOTT, J. W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.

SILVA, T. T. da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

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MULHERES NO COMANDO

1

Ivia Alves

O interesse principal deste artigo é observar como as séries de TV, produzidas, principalmente, nos países europeus e nos EUA, estão sendo lidas pelas mulheres brasileiras, sejam jovens ou ma-duras. Assim, o estudo prevê o cruzamento das categorias de gê-nero, classe, geração e os sentidos que se inserem ou se constroem no plano simbólico da cultura (da cultura brasileira inserida na cultura ocidental e globalizada) e que são exploradas nestas séries.

As primeiras mulheres protagonistas em séries policiais na

TV apareceram no final da década de 1980 e início da seguinte.2

A partir de 1990, entra-se no que se pode dizer que foi a “época de ouro de chefes de polícia e detetives mulheres” como uma re-percussão da sociedade do momento, que já se acostumara a ver mulheres transitando nos espaços públicos. Até então, o domí-nio masculino era marcante, provavelmente por causa da origem

1 Este trabalho foi originalmente divulgado em CD por Ferreira, Nascimento e Paiva (2003). 2 Não se pode esquecer a tentativa de representação de mulheres independentes na década de

setenta, como a série intitulada Police Woman, porém durante mais ou menos quinze anos, deixou-se de explorar tal representação, afluindo em cheio a partir do final dos anos de 1980,

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do tipo do gênero e, por outro lado, porque os primeiros policiais transpostos para a telinha eram roteiros de livros policiais e sobre grandes detetives criados por escritores e escritoras.

A onda feminista na sociedade apareceu timidamente na TV nos anos setenta com Police Woman e poucas séries depois, mas foi na comédia e na aventura que apareceram as mulheres com superpoderes, como em A Feiticeira e Jeannie é um gênio etc.

Mas a narrativa policial teve sua estrutura, seu formato desen-volvido através dos livros de literatura. Considerados inicialmen-te como uma liinicialmen-teratura de “segunda cainicialmen-tegoria”, uma liinicialmen-teratura de massa, atualmente, incorporou-se à melhor literatura, inseri-da nela por vários autores que trabalham bem com a linguagem. A TV como um veículo da cultura de massa não cria valores sobre sua programação, e assim as séries policiais como outras passaram a ter grande audiência, por diversos fatores.

Também como opera com outra linguagem, diferente da es-crita de um texto literário, que pertence a um único autor, os programas que nos atraem na programação da TV são mais com-plexos porque envolvem uma equipe de várias pessoas (nas mais variadas funções) sob o comando de um produtor, que conduz o seu produto em função da propaganda e de um público. Com a expansão das TV por assinatura, ampliou-se ainda mais o campo de programação, pois existindo vários canais, pode haver a desti-nação dos mesmos por geração, por interesse, por gênero.

***

Segundo Carvalho e Adelman e Rocha (2007), a TV é uma das mídias mais vigiadas e mais tradicionais, porque sua programação depende da “hora do intervalo”. E é este “intervalo” ou as em-presas que pagam pelo intervalo com suas propagandas é quem manda, retirando seus patrocínios quando existe pouca audiên-cia ou pelo tipo de narrativa, fazendo com que criadores e pro-dutores se moldem ao poder econômico de quem financia os altos

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custos. Fruto dessa relação promíscua ou subalterna, a programa-ção da TV não é experimental: ela se fundamenta naquilo que dá sucesso de audiência, isto é, usufrui dos frutos financeiros de quem anuncia.

Em termos comerciais, tanto as séries como a novela “das oito”, por exemplo, aparecem como forma de lazer e descanso de nossos árduos trabalhos diários, mas é a partir delas que vamos receber informações ou, como se poderia dizer, “mensagens” que atuam/modelam/forjam nossa vida cotidiana e é lógico que não é para se perceber claramente. Essas séries ou novelas são apenas o simulacro para a divulgação de um discurso dirigido e constru-ído que nos leve a reconhecer valores e sentidos simbólicos que se acoplem aos comerciais ou propagandas, pois elas estão sendo atravessadas por “mensagens” que vão construir ou reiterar sen-tidos no plano do simbólico da cultura.

Tratando-se de séries, elas estão se tornando populares no

Brasil como as novelas3, mas, para os EUA, as séries ocupam o

primeiro lugar e tanto é assim que elas são veiculadas no cha-mado horário nobre (prime time), que varia entre o horário das vinte às vinte e três horas (nos canais abertos)4.

Diferentemen-te das novelas latino-americanas e brasileiras, cada episódio de uma determinada série só é exibido uma vez por semana, levando a temporada a ter de quatro a seis meses de duração e a audiência tem maior flexibilidade de escolha e não precisa se prender ou fi-car escravizada a um horário específico. Apesar de ocupar o tem-po de seis a sete meses com um episódio semanal, uma série tem-pode durar várias temporadas e permanecer por 10 a 12 anos no ar, a depender da audiência e da publicidade que a financia. E por que abri este longo espaço para tratar de financiamentos e audiência? 3 Observe-se as várias comédias de curta duração lançadas pelo TV Globo e mesmo uma investida

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Porque são os comerciais que impõem como essas mulheres vão ser representadas e como nós, telespectadoras, seremos subme-tidas ao discurso hegemônico. Levo em consideração, neste tra-balho, a perspectiva de que as mídias interferem, engendram e enformam as identidades das pessoas na sociedade, desde o seu modo de pensar, atravessando seu comportamento e alcançando até seus desejos e seus corpos.

***

Este artigo trata das primeiras séries policiais, não norte-ame-ricanas, produzidas em 1990, quando as mudanças do formato da narrativa (cruzando vida pública e ambiente doméstico) e dos personagens principais, apresentando como protagonistas mu-lheres como chefes de polícia se consolidaram. Tanto como prin-cipais ou em dupla, as protagonistas foram sendo introduzidas e moduladas nas séries policiais até 2001, quando as representações de mulheres e as relações de gênero se modificaram totalmen-te. Assim, se torna importante aprofundar as representações das mulheres que se encontravam configuradas na década de noventa e observar se estavam apresentando correlação com as mulheres da sociedade. Mais me apropriando do discurso de três autoras, indagaria até que ponto tais representações estariam “promoven-do permanências ou rupturas nas relações sociais entre homens e mulheres e/ou nas relações entre as próprias relações entre as próprias mulheres, além de entre os diversos homens, que inte-gradamente caracterizam as relações de gênero e intra-gêneros?” (CARVALHO; ADELMAN; ROCHA, 2007) Ou, dito de outra ma-neira, como o capitalismo e a sociedade burguesa estão operan-do com as mulheres em sua diversidade, visto que a sociedade de consumo precisa construir nichos/tipos/estereótipos para fazer elas se identificarem, se refletirem, desejarem e consumirem? Ou, de forma mais simples, como o discurso dominante está enviando mensagens para modelar as mulheres.

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A razão de selecionar, inicialmente, duas séries, provenientes de países europeus e dentro do setor da polícia traduz-se por duas razões fundamentais: elas operam com as primeiras representa-ções da mulher no âmbito público policial em cargos de chefia, convivendo com homens, dentro de uma hierarquia na qual elas têm o poder de comando; e, segundo, porque, na prática social (vida real), esse foi um dos primeiros espaços a dar visibilidade à profissionalização das mulheres5. Portanto, queria começar a

re-fletir entre a ficção que se torna realidade (aos olhos dos telespec-tadores) e a representação desta realidade ou como as mulheres que trabalham se veem ali representadas.

Meu interesse é analisar o arco dentro da série que desenvolve a “vida” dessas personagens âncoras e a relação que se estabelece entre o público e aqueles personagens do núcleo permanente de um programa, que têm como função tocar para a frente o espetá-culo. Como precisam ser personagens “realistas”, isto é, constru-ídas de forma verossímil com a realidade que circunda o cotidiano dos telespectadores, é a partir desta presença e configuração que o telespectador aciona o plano simbólico da cultura.

Focando, inicialmente, nas duas séries policiais estrangeiras

Julie Lescaut e Prime Suspect, com mulheres como chefes de um

departamento de investigação da polícia, observarei os “impas-ses” de suas trajetórias. A inspetora chefe Julie Lescaut, da série

Julie Lescaut (1992-2014), produção francesa, com 22

tempora-das e 101 episódios, com 90 minutos de duração cada, uma mulher que se divorciou, porque concorreu e ganhou o cargo de chefe de uma delegacia do subúrbio de Paris e porque seu marido, tam-bém advogado, não aceita esta virada em sua vida e por causa dos horários extras que a mulher tem que fazer, relegando a casa e as duas filhas. A inspetora chefe Jane Tennyson de (1991-2003)

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pro-dução inglesa, com sete temporadas com episódios de 100 minu-tos6, é elevada ao cargo e recebe quase toda a rejeição da equipe,

que ainda se via vinculada aos métodos e comportamento do seu chefe anterior. Ambas são chefes de delegacia de investigações e comandam equipes mistas. Na série inglesa, a hostilidade da equi-pe ser comandada por uma mulher é ostensivamente mostrada, enquanto que na produção francesa, apesar de Lescaut receber questionamentos dos superiores, seu chefe imediato ameniza a si-tuação, mas os problemas de casa se misturam com as situações de investigação, criando alguns impasses. Nesta série criada por Alexis Lecaye, a preocupação está mais centrada na dupla jornada da chefe de polícia.

Elas representam mulheres contemporâneas, na medida em que elas entram no mercado de trabalho, após as manifestações feministas, quando a polícia abriu a possibilidade de ingresso de mulheres na sua corporação. Chegando aos 40 anos ou mais, essas mulheres que galgaram os primeiros postos de comando, como na vida real, já não assustam a audiência nem as empresas financia-dores destes shows, porque já se tornou comum a mulher ter uma profissão e dividir o trabalho de casa com o ofício.

As séries do gênero narrativo de dramas policiais investigati-vos têm algumas especificidades. Sendo tais espaços construídos dentro de uma visão de corporação eminentemente masculina com todos os seus atributos como será a acolhida de mulheres na polícia e nas forças militares, instituições construídas ou forjadas para “homens que teriam como atributos serem lógicos, hierár-quicos, orientados para resultados, intolerantes da ambiguidade e interessados no poder como um fim em si mesmo” e, eu acres-centaria, competitivos, buscando no cargo ou função o status do comando e da hierarquia. Então, como se dá a inserção da mulher

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em postos de comando desse mundo masculino em que elas são a diferença, o outsider, mas em que alcança o mesmo poder dos homens através de concursos internos ou por merecimento, como se pode observar nas séries Lei & Ordem: Unidade de Vítimas

Es-peciais (UVE)7, Julie Lescaut e Prime Suspect, todas iniciadas nos

anos noventa e concluídas no início de 2000?8

Outro aspecto que me levou a analisar, com mais cuidado, essas séries diz respeito a que, sendo as mulheres treinadas da mesma maneira que os homens, passando pelos mesmos exames, não haveria a possibilidade ou o pretexto de se considerar que elas teriam atributos diferentes dos homens e, portanto, a cultura de “sexo frágil” não poderia ser levada em conta como um empeci-lho para que elas desenvolvessem a carreira e a ascensão a cargos mais altos da hierarquia, pois “implicaria no reconhecimento das diferenças e no reforço das desigualdades”? Mas não existem tais “marcas”, elas agem da mesma maneira, acompanhadas com suas equipes, sem que haja qualquer “marca” de diferentes sexos.

Além disso, não era mais “ousado” para a TV exibir mulheres em lugares de comando. Assim, na tentativa de se aproximar das práticas sociais contemporâneas, a visibilidade das mulheres em lugares de poder e decisão na sociedade (principalmente, nas ins-tituições do Estado) não poderia mais ser negada se é verdade que o gênero policial procura o máximo possível representar a reali-dade da sociereali-dade. E há muito tempo, a malha institucional estava sendo ocupada pela mulher e, assim, a forma realista da narrativa televisiva teria de se aproximar dessa situação, colocando as re-presentações das mulheres mais próximas das mulheres reais.

7 Título no original: Law & Order: Special Victims Unit (SVU). Também conhecida como Lei &

Ordem: UVE.

8 Exceto Lei & Ordem: UVE que, pelo seu próprio formato (espécie de documentário), enfoca mais

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Dentro de um contexto social e cultural, onde já existia uma intensa transformação, essa mudança de perspectiva ou de foco nas séries era uma forma de inovar a repetitiva estrutura estra-tificada das séries policiais, trazendo as mulheres para o coman-do de uma delegacia de investigação, centrancoman-do o foco nas suas ações como personagens principais. Outras inovações começarão a aparecer, nas séries dos anos noventa, amenizadas as relações de gênero e poder, no ambiente público e inicia-se a ampliação da vida privada, quando vão aparecer alguns “impasses”, seja colo-cando a mulher casada ou mesmo o cuidado com a casa e com os filhos.

Começaram a desvendar as complicadas relações do ambiente doméstico das mulheres e as difíceis relações de gênero e poder no casamento. Em Prime Suspect, quando Jane Tennison que já tem um casamento de 20 anos desgastado, frustra o marido quan-do perde o horário para fazer o jantar para seu futuro e potencial chefe ao dar preferência em continuar uma investigação de crime. Ao chegar em casa, muito tarde, a incompreensão do marido leva o casal ao divórcio. Logo depois, ela constata que está grávida e prefere abortar. Sendo obsessiva em desvendar os crimes que fo-ram levados a sua delegacia, Jane Tennyson sofre sabotagem pela sua equipe (basicamente composta por homens), ficando ao seu lado apenas dois dos detetives. Ao longo das temporadas, ela vai sendo aceita por sua equipe, pela sua competência e capacidade de investigar e desvendar o crime.

A dupla jornada de Julie Lescaut aparentemente é mais com-plicada, pois além de ter duas filhas, sempre se evidencia a as-simetria das relações de poder no trabalho. Logo que alcança a chefia, o seu marido advogado não está de acordo e partem para o divórcio. Ela continua com a responsabilidade da casa e de ser mãe de duas filhas ainda na faixa etária infantil, fato que será bem marcado,pela estrutura narrativa da série. Sempre começa o

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episódio com Lescaut levando as filhas para o colégio, antes de chegar à chefatura para desvendar os casos e ao final do dia, vol-tando para casa e encontrando as crianças e seus problemas. En-quanto as filhas eram crianças, ela mantém uma empregada, mas depois que a mais velha faz 15 anos, elas assumem fazer as refei-ções noturnas. Tennyson e Lescaut são mulheres fortes, decidi-das, inteligentes, capazes de conduzir suas vidas.

Quase da mesma época, a série inglesa Silent Witness (1996-2004), criada por Nigel McCrery, ousa colocar uma protagonista madura e solteira, ao mesmo tempo professora de universidade e legista. Como legista, ao examinar os corpos, ela oferece pis-tas para a polícia investigar. Harmonicamente equilibrada, tanto emocional quanto profissionalmente, Sam Ryan não encontra a mesma equivalência na vida afetiva.

Todas as três protagonistas permanecem sozinhas, mesmo tendo alguns parceiros esporádicos ao longo das séries. Começava aí a aparecer, como uma “mensagem” subliminar, a ideia de que as mulheres com sucesso na vida pública tinham reduzidas suas chances de ter uma vida afetiva estável e duradoura.

Foi a mensagem subliminar que me chamou a atenção. Então, até que ponto tais séries estavam “promovendo permanências ou rupturas nas relações entre homens e mulheres”? Se havia uma representação da mulher que trabalha fora e continua casada, em que lugar elas se encaixavam ou em que espelho elas se miravam? Que tipo de “mensagem” tais séries estava passando para as gera-ções mais novas?

Realmente, embora na época não houvesse distinção na audi-ência entre homens ou mulheres, para tais policiais, um discurso tradicional, questionando a saída da mulher para o trabalho no espaço público, já começava a se infiltrar.

Ao analisar as principais séries norte-americanas, durante toda a década de 1990, esse novo formato, seja a mulher como a

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investigadora principal ou trabalhando como uma dupla, a maio-ria delas eram representações de mulheres que escolheram con-solidar sua profissão, permanecendo solteiras ou divorciadas. O casamento continuava sendo um entrave, basta observar, para quem assiste Lei & Ordem: UVE (1999), a dificuldade dos rotei-ristas, nas últimas temporadas, de mudar o estado civil de Olivia Benson.

Referências

CARVALHO, M. G. de; ADELMAN, M.; ROCHA, C. T. da C.

Apresentação. Estudos Feministas. Artigos Temáticos: Gênero e Mídia, v. 15, n. 1, p. 125-6, 2007. Disponível em: <http://www.ieg.ufsc.br/ revista_detalhe_volume.php?id=209>. Acesso em: 22 set. 2014.

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NO COMANDO

mulheres no comando na mídia televisiva

Alvanita Almeida

A liderança não está entre os atributos considerados femini-nos. A única direção permitida às mulheres, ao longo da história recente da humanidade, pensando no mundo Ocidental, foi a da educação dos filhos, no espaço restrito do lar. Epítetos dados às mulheres tornaram-se senso comum, quando se trata de situa-ções de comando ou direção: “piloto de fogão” e “operadora de máquina de lavar” são dois dos mais frequentes e remetem a uma ideia de que é o espaço da cozinha o único em que a mulher man-da. Nas representações culturais, é no universo da casa ou de algo ligado a ele, nos quais as mulheres são representadas. No entanto, é cada vez mais comum a presença de mulheres em posição de co-mando, nas diferentes áreas profissionais, embora, em boa parte dos casos, elas sofram um tratamento diferenciado e precisem se impor nesse espaço.

Nessa atuação, as mulheres têm sido representadas nos pro-dutos culturais ocupando esses novos papéis sociais, reforçando estereótipos ou repensando-os, criticamente. Entre os diversos

Referências

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