• Nenhum resultado encontrado

O passado, a identidade e as teias do governo. : estudos sobre os entrelaçamentos das práticas de produção do conhecimento arqueológico e de construção da identidade nacional salazarista

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O passado, a identidade e as teias do governo. : estudos sobre os entrelaçamentos das práticas de produção do conhecimento arqueológico e de construção da identidade nacional salazarista"

Copied!
674
0
0

Texto

(1)

O P

ASSADO

,

A

I

DENTIDADE E AS

T

EIAS DO

G

OVERNO

.

E

STUDOS SOBRE OS ENTRELAÇAMENTOS DAS

P

RÁTICAS DE

P

RODUÇÃO DO

C

ONHECIMENTO

A

RQUEOLÓGICO E DE

C

ONSTRUÇÃO DA

I

DENTIDADE

N

ACIONAL

S

ALAZARISTA

Dissertação apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto para obtenção do grau de Doutor em Arqueologia, sob a orientação da Professora Doutora Susana Oliveira Jorge

(2)
(3)

ÍNDICE

Índice...i

Agradecimentos...vii

Resumo/Abstract...xi

Apresentação...1

PARTE I - O Estado-Nação, a Identidade Nacional e a Arqueologia...11

Capítulo 1 - A Construção dos Estados-Nação e das Identidades Nacionais na europa durante os séculos XVIII, XIX e XX...13

1. Introdução...15

2. Nações e Modernidade...21

2.1. Ernest Gellner...21

2.1.1. O Nacionalismo, a Nação e o Estado...21

2.1.2. A Criação da Cultura Nacional ...23

2.1.3. A Antiguidade dos Factores Nacionais...25

2.2. Eric Hobsbawn ...26

2.2.1. A Questão Nacional...27

2.2.2. O Protonacionalismo...29

2.2.3. A Invenção das Tradições...30

2.3. Benedict Anderson...31

2.3.1. Comunidade Imaginada...32

2.3.2. A Língua, a Soberania e o Tempo...33

2.3.3. As Origens da Consciência Nacional...36

2.4. Michael Herzfeld...37

2.4.1. A Cultura, o Compromisso Cultural e a Intimidade Cultural...38

(4)

2.5. Montserrat Guibernau...42

2.5.1. As relações entre o Nacionalismo, a Nação e o Estado...43

2.5.2. A Identidade Nacional, o Simbolismo e o Ritual...44

2.5.3. O Nacionalismo, o Racismo e o Fascismo...45

3. Nacionalismo e pré-Modernismo...48 3.1. Anthony D. Smith...48 3.1.1. Identidade Nacional ...48 3.1.2. Nações e Etno-Simbolismo...50 3.1.3. Nacionalismo...52 3.2. Joseph R. Llobera...55

3.2.1. A Nação como um património medieval ...55

3.3. Luís Reis Torgal...58

3.3.1. A Pátria, a Nação e o Estado...58

4. Estado e Nação...61

4.1. Christopher Pierson...61

4.1.1. Recursos e Meios dos Estados Modernos...61

4.1.2. O Estado e a Modernidade ...67

4.2. Michael Mann...72

4.2.1. As sociedades como redes de poder organizado ...72

4.2.2. As quatro fontes e organizações de poder...73

4.2.3. As Cristalizações do Estado Moderno...75

4.2.4. A importância do Estado Militarista na formação do Estado-Nação...77

4.3. José Antonio Maravall...78

5. Identidade Nacional e Saber...80

5.1. John Hutchinson...80

5.1.1. As Especificidades do Nacionalismo Cultural...80

5.1.2. Os Nacionalistas Culturais como Inovadores Morais ...82

5.2. Ludmilla Jordanova...84

5.2.1. Ciência e Nacionalidade...85

5.3. Anne-Marie Thiese...86

5.3.1. A Nação e a Identidade Nacional...87

5.3.2. A Identificação dos Antepassados...89

5.3.3. O Folclore...91

(5)

5.4. Tim Edensor...92

5.4.1. A Cultura Popular, o Quotidiano e a Identidade Nacional...93

5.4.2. A Matriz e a Redistribuição da Identidade Nacional...94

6. Considerações Finais...96

Capítulo 2 - A Prática Arqueológica e as dinâmicas do Estado-Nação...99

0. Abertura...101

1. Introdução...117

2. O Nacionalismo e a Institucionalização da Arqueologia...118

2.1. Profissionalização: técnica, estatuto social e nacionalidade...120

2.2. O conhecimento arqueológico, a etnicidade e as dinâmicas de distribuição da Identidade Nacional...128

2.3. A disseminação mundial da arqueologia ...131

3. A Arqueologia, o Estado-Nação e o Património...135

3.1. A emergência da Arqueologia e a construção do Mundo das Nações...136

3.2. O rizomático movimento das Técnicas de Conservação e de Produção de Património...154

3.3. O Mundo Conservado, a Identidade e a Arqueologia...161

4. Considerações Finais...165

Capítulo 3 - Perspectivas sobre a Identidade Nacional Portuguesa...167

1. Introdução...169

2. Portugal como Nome...175

3. O Nome e a sua Mitologia: Eduardo Lourenço...183

3.1. Introdução...183

3.2. O Simbólico, o Mitológico e a Identidade em Eduardo Lourenço...184

3.3. Os Conflitos Matriciais da Mitologia Portuguesa...190

3.3.1. O Desejo de Singularidade...191

3.3.2. A Decadência...194

3.3.3. A Profecia...197

3.4. Nota Final ...199

4. O Nome e a sua Subjectividade: José Gil...201

(6)

4.2. O Enclausuramento do Sentido, o Síndroma de Liliputh e o Esvaziamento da Palavra...203

4.3. A Norma, o Medo e o Terror ...207

4.4. A Subjectividade, o Biopoder e a Avaliação...213

4.5. Nota Final...216

5. Considerações Finais ...218

PARTE II - Contributos para uma discussão das relações entre a Arqueologia e a Identidade Nacional durante o Estado Novo...221

Capítulo 4 - A Identidade entre os movimentos da Ideologia e da Biopolítica durante o Estado Novo...223

1. Introdução...225

2. A Produção do Mundo...230

3. A Ideologia enquanto Prática de “Animação” do Mundo...234

3.1. Hannah Arendt: a “Tirania da Lógica” e a “Verdade Vazia”...234

3.2. Slavoj Žižek: A Ideologia, a Realidade e o Real...239

4. Interioridade, Exterioridade e Identidade...246

4.1. A Solidão e a Identidade Individual...246

4.2. O Estado e a Identidade Nacional...250

5. A Nacionalidade como Disciplina...257

6. A Biopolítica e o Governo da Identidade Nacional...271

6.1. Governamentalidade...271

6.2. A Biopolítica do Estado Novo: O Sacrífico, a Herança e a Identidade...280

7. Considerações Finais...288

Capítulo 5 - A Portugalidade do Portugal Salazarista...293

1. Introdução...295

2. A Fabricação do Homem Novo Estadonovista...297

3. A Cristalização da Portugalidade Salazarista...310

3.1. Eixos de Significação...310

(7)

3.1.2. Os Eixos Povo-Família e Deus-Império...318

3.2. Crença e Biopolítica...323

3.3. A Maquinação (da) Ética...328

3.4. Preceitos Eugénicos e Movimentos Estéticos...334

3.4.1. O Monumento ao Esforço Colonizador Português...340

3.5. Conhecer na Portugalidade Salazarista...350

3.5.1. Aprender a ser-se português: folhear os livros e caminhar nas exposições ...355

3.5.2. O Estilo Português de 1940...370

3.6. As práticas discursivas durante o Estado Novo e a Retórica Salazarista...377

4. Considerações Finais...390

Capítulo 6 - Fragmentos da ínfima e infinita teia em que se pratica a arqueologia...403

1. Os entrelaçamentos da teia...405

1.1. Nota Introdutória...405

1.2. Dispositivo Estético e Interrogatividade...406

1.3. Áurea: uma abordagem às “interrogações” na portugalidade salazarista...408

1.4. Práticas de Si, Sujeito e Identidade...415

1.5. As práticas de si e a Identidade em Áurea...425

1.6. Áurea e António Augusto Mendes Corrêa...428

1.6.1. Jogos de Citação...429

1.6.2. Infames detalhes e grandiloquentes narrativas...440

1.7. A Arqueologia entre a Saudade e a Profecia...449

1.8. Nota Final...453

2. Fragmentos da Prática Arqueológica...454

2.1. Nota Introdutória...454

2.2. A Narrativa do Homem Estadonovista...455

2.2.1. A sedentarização da História na paisagem salazarista...455

2.2.2. O Passado da Lusa Grei...462

2.2.3. Os episódios da saga...468

2.2.4. Da mecânica da narrativa às engrenagens do Presente...477

2.2.5. A disciplina da Narrativa e os Espectros...486

(8)

2.3.1. Práticas dos Monumentos: Restaurar e Celebrar...492

2.3.2. Práticas do Museu: a colecção e a escavação...504

2.3.2.1. Vila Nova de São Pedro: práticas de discurso sobre o quotidiano e inquéritos da escavação...506

3. Considerações Finais...541

Epílogo...553

PARTE III - Cartografias da pesquisa...563

Capítulo 7 – Rumo a uma revisão...565

1. Introdução...567

2. Os Lugares...568

3. As Práticas...576

4. A Escrita...590

Capítulo 8 – Rumos sem métrica...603

1. A Crono-Metria...605

2. A Bios-Metria...609

3. A Compreensão...613

4. A Temporalização...619

(9)

AGRADECIMENTOS

Desde de 2005 que ando nisto; a fazer a tese. Desde aí que um mal-de-thése surgia como pretexto para fazer determinadas coisas e deixar de fazer outras. Não sei se sofri desse mal-de-thése, mas sei que o usei como desculpa. A maior parte das vezes para andar nisto; a fazer a tese. Tenho a impressão que as pessoas me compreendiam neste jogo e dispunham-se a jogá-lo. Apresentavam a sua disponibilidade e, assim, iam fazendo a tese comigo. Daí os agradecimentos. Um agradecimento à disponibilidade de cada um para o jogo. Uma disponibilidade, ou distintos modos de estar disponível, que me foram oferecendo e que eu tentei usar e transformar da melhor maneira. Vou, então, tentar fazer um elenco das pessoas, enunciando também o modo como recebi a sua disponibilidade, esperando que as pessoas se reconheçam neste meu agradecimento. Um reconhecimento que torne feliz a memória dos anos em que andei nisto; a fazer a tese.

A Prof. Doutora Susana Oliveira Jorge é a orientadora deste trabalho. Da sua disponibilidade em orientar-me fui recebendo a sua resistência. Uma resistência que, fazendo a tese, foi o modo de me relacionar perante o ímpeto que surge da imensidão de possibilidades, do número incomensurável de coisas a fazer e de coisas a acontecer. Uma resistência onde aprendi uma arte do rigor e uma arte do compromisso. E de viver entre os seus paradoxos.

As interpelações do Prof. Doutor Vítor Oliveira Jorge fizeram-me mexer. Entrar em movimento. Num movimento onde compreendi a necessidade e a beleza de se cartografar, de desenhar e quebrar constelações; de fazer perigar a mão e os seus traços.

A Prof. Margarita Díaz-Andreu do Departamento de Arqueologia da Universidade de Durham (UK) foi marcando o tempo de elaboração deste trabalho, apoiando-me generosamente em diferentes etapas da sua realização. Saliento “generosamente” porque reconheço que, nas múltiplas revisões e críticas que foi fazendo à pesquisa que desenvolvi (nomeadamente, num estágio na Universidade de Durham), mais do que uma atitude de supervisão, parecia existir uma generosidade que recebi como incentivo ao desenvolvimento do meu trabalho. Tal foi também a minha experiência com o Prof. Julian Thomas, num estágio que realizei no Departamento de Arqueologia da Universidade de Manchester (UK).

A Ana Vale fez com que as coisas que foram acontecendo desde o início deste trabalho se tornassem lendárias; não fosse a sua habilidade para saber contar essas coisas que nos iam

(10)

acontecendo. Enquanto eu andava a fazer a minha tese, a Ana andava a fazer a dela. Nestes (des)encontros fomos criando uma lenda que, talvez, só seja lenda quando partilhada por nós. Uma lenda a que foi preciso regressar continuamente, dando sentido a outras coisas que iam acontecendo e encontrando maneiras de continuar a trabalhar.

No entrelaçado desse permanente refazer da lenda – o permanente movimento que faz ir a outros lugares – aparecem outras figuras de regresso; os meus pais, as minhas irmãs, os meus irmãos, os meus sobrinhos, as minhas sobrinhas, a Alexandra Vieira e o Gino. São figuras que me foram dando tempos, avisando que para além da lenda existia um calendário. Este calendário não era um cronómetro, mas uma passagem do tempo que era necessário viver. São figuras de regresso e figuras de veleidade. Figuras de um aviso sobre o que vai restar do tempo em que andei a fazer a tese; figuras alertando para as possibilidades de não fazer a tese e, simultaneamente, para as oportunidades de a fazer.

Para além da permanência das pessoas que referi, existem outras que, ao longo do tempo em que andei a fazer a tese, foram entrando e saindo. Demorando-se, cada uma à sua maneira. Neste movimento foram trazendo coisas ao andamento da tese. A Lesley McFadyen, o Mark Knight, a Joana Alves, a Irene Garcia, o André Santos, a Teresa Silva, o Andrew May, a Lídia Baptista, o Castelo Velho, o Castanheiro do Vento, o Dr. Huet Bacelar, o Prof. Doutor Jorge Alarcão, a Dr.ª Manuela Delgado, entre outros, entraram com livros, filmes, músicas, documentos, sugestões e conversas que foram marcando o trabalho. Alguns desses elementos sei situar na dissertação que apresento; outros não consigo, mas sei que andam por lá e foram importantes. Entre estas coisas que as pessoas foram encontrando, e me ofereceram para continuar o trabalho da tese, agradeço especialmente à Andreia Arezes e à Lurdes Oliveira por terem encontrado um tempo que eu precisava, o tempo necessário para comigo lerem e corrigirem os textos que compõem esta dissertação.

Devo referir que este trabalho foi financiado por uma Bolsa Individual de Doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Este financiamento foi crucial por ter criado o conjunto de condições de trabalho necessário. A bolsa tinha a seguinte referência SFRH/BD/23281/2005, sendo financiada pelo POPH - QREN - Tipologia 4.1 - Formação Avançada, comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MCTES. A pesquisa foi feita no âmbito do Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto – Campo Arqueológico de Mértola (CEAUCP-CAM). Agradeço à Prof.ª Doutora Conceição Lopes, coordenadora desta unidade I&D, por ter tentado criar as condições necessárias à pesquisa que pretendia desenvolver. Esta pesquisa pretendeu contribuir para os

(11)

objectivos gerais de um grupo de trabalho designado “Espaços e Territórios da Pré-história”; este grupo de trabalho é liderado pela Prof.ª Doutora Maria de Jesus Sanches, a quem agradeço o cuidado com que foi tratando dos aspectos institucionais que enquadraram e viabilizaram o meu trabalho.

Concluído este elenco de agradecimentos, queria apenas referir uma certa intranquilidade perante tudo o que me foram oferecendo. Esta intranquilidade, por um lado, trata-se de um sentimento que me faz interrogar se soube usar o que me foi sendo dado. Simultaneamente, um sentimento que me faz pensar que, talvez, ainda vá a tempo de mudar alguma coisa. Esta intranquilidade, por outro lado, aparece porque, naquilo que resta do tempo em que andei a fazer a tese, gostava que houvesse a possibilidade de cada uma das pessoas referidas se reconhecer num dos traços que compõe este resto desse tempo. Sentir que as pessoas sabem que me deram coisas e, na ordem que eu fui criando neste trabalho, conseguissem reconhecer a sua importância.

(12)
(13)

TÍTULO

O Passado, a Identidade e as Teias do Governo. Estudos sobre os entrelaçamentos das Práticas de Produção do Conhecimento Arqueológico e de Construção da Identidade Nacional Salazarista.

PALAVRAS-CHAVE

Práticas arqueológicas; Práticas Identitárias; Estado-Nação; Identidade Nacional; Estado Novo.

RESUMO

Esta dissertação é o resultado de um estudo das relações entre o conhecimento arqueológico e a construção da Identidade Nacional Portuguesa durante o Estado-Novo. Tentamos compreender o diálogo entre as práticas arqueológicas, as dinâmicas de construção de identidades e os projectos de um Estado-Nação num determinado período. Abordamos esse diálogo como uma rede de significações em que se constrói um horizonte de sentido onde é naturalizada uma determinada representação do Passado, da Identidade e da vida em comunidade. Tentamos demonstrar que, na naturalização desse horizonte de sentido, existe um ordenamento das coisas que incita a uma interpretação dos vestígios do Passado como um processo de descodificação de significados. Um processo de significação que permite encadear os vestígios do Passado no Presente. Este encadeamento constrói-se com um esquema de reprodução de herdeiros que prende a comunidade nacional a uma Identidade intemporal. Em nome dessa intemporalidade identitária são legitimados os projectos políticos que definem o Futuro dessa mesma comunidade. As práticas arqueológicas e as práticas identitárias desenvolvem-se, assim, enquanto mecanismos que suportam os projectos de governo estato-nacionais. Enquanto formas de ordenamento que, reproduzindo o horizonte de sentido onde emergiram, se estabelecem como modo de saber autorizado e modo de representação comunitária incontestável. Arqueologia e Identidade parecem, assim, fazer parte de uma visão hegemónica que reduz as coisas a uma métrica e a um leque de engrenagens com o qual se actua no Mundo. Uma métrica das coisas que parece estar para além do contexto histórico que analisámos. Nessa métrica, o Mundo torna-se uma experiência de tributação de significados encadeados que sedentarizam o horizonte de sentido. O mesmo horizonte de sentido em que emergiu essa métrica das coisas. Na parte final da dissertação tentámos, então, ver na prática arqueológica as possibilidades de afrontar essa métrica e exceder tal horizonte de sentido.

(14)

TITLE

Past, Identity, and Webs of Government: Studies on the Intertwining of the Production of Archaeological Knowledge and the Construction of Salazar’s Portuguese National Identity.

KEY-WORDS

Archaeological practice; Identity practice; Nation-State; National Identiy; Estado Novo (New State)

ABSTRACT

This dissertation is the result of a study of the relationship between the production of archaeological knowledge and the construction of the Portuguese National Identity during Estado Novo. It explores the dialogue between archaeological practice, dynamics of identity, and the projects of a Nation-State at a certain time. I consider this dialogue in terms of a network of significations that build a horizon of meaning in which it is naturalized as a particular idea of Past, Identity and Life’s Community. I demonstrate that in the naturalization of this horizon of meaning, there is an order of things that encourages an interpretation of the traces of the past as a process of decoding significations. A process that allows for the creation of meaningful traces, and that produces a chain between Past and Present. This enchainment is constructed under an ideology of inheritance, an idea that attaches the national community to a timeless identity. It is with this idea of timeless identity that political projects are legitimized, and they then go on to define future communities. Therefore, archaeological practice and identity practice become mechanisms supporting the projects of the government of the nation-state. Archaeology and Identity, through order and ‘natural state’, are established as the authorized form of knowledge and the unquestionable representation of Community. Archaeology and Identity seem, thus, to be part of a hegemonic vision that reduces things to a metric and to a range of gears that it is possible to use in the projects of the government behind the Nation-Sate. This metric of things seems to be beyond the Portuguese historical context that I have examined. Its all-encompassing nature means that the world, and its chains of reference, is lost in tautology. At the end of the dissertation, I look at the possibilities for archaeological practice to confront this metric and to exceed this horizon of meaning.

(15)
(16)
(17)

Esta dissertação é constituída por oito capítulos; cada um dos capítulos corresponde a um grupo de momentos de um percurso no qual se tentou compreender as relações entre as práticas em que se constitui o conhecimento arqueológico e as práticas em que se forjou a Identidade Nacional Portuguesa durante as décadas de 1930 e 1940. Para percorrermos essas relações, seguimos alguns dos exercícios dessas práticas. Exercícios onde a ideia de Passado emerge como interface que permite o entrelaçamento de tais práticas. Um Passado, feito objecto de estudo, sujeito a uma analítica da materialidade que constrói a artefactualidade das coisas. Um Passado, feito biografia da Identidade de um Homem Novo, que discursifica noutras paragens o projecto político estadonovista. Em cada um dos capítulos tentámos, então, ir seguindo a teia que esses entrelaçamentos endureceram. Esse endurecimento, tornado cristalino pelos movimentos de naturalização em que se forja, foi perspectivado de dois modos distintos que, formalmente, correspondem às Partes I e II. Se quisermos equacionar esses modos distintos de abordagem em termos de escala de análise, poderíamos dizer que a Parte I corresponde a uma tentativa de definir um contexto amplo para o conjunto de relações que, na Parte II, viriam a ser analisadas no período acima referido. Nestas duas primeiras partes podemos, então, ver retratados de diferentes ângulos os fragmentos dos eixos e dos movimentos em que se opera o cruzamento das práticas em discussão. Nos sentidos possíveis da fabricação desses retratos encontrámos também a possibilidade de nos pensarmos enquanto arqueólogos, isto é, fomos compreendendo que retratar um determinado andamento das coisas é abrir a possibilidade de fazer a sua experiência, nem tanto para testar a verosimilhança de uma hipótese, mas para sentir, no ímpeto desse andamento, a possibilidade de abrir uma clivagem no sentido com que fazemos as coisas. Abrir a clivagem que torna possível a criação de sentidos. Daí que, mais do que um conteúdo organizado em textos e indexado a um título, os capítulos são também momentos de um percurso onde a pesquisa, por vezes, nos olhava e interpelava, fazendo-nos repensar as possibilidades do fazendo-nosso trabalho enquanto arqueólogos. Foi na tentativa de responder a essa interpelação que foi formalizada a Parte III desta dissertação. Uma dissertação, em forma de oito capítulos divididos em três partes, que resolvemos intitular: O Passado, a Identidade e as Teias do Governo. Estudos sobre os entrelaçamentos das práticas de produção do conhecimento arqueológico e de construção da Identidade Nacional Salazarista.

O Passado, a Identidade e as Teias do Governo. Comecemos pelo “governo”; “o governo é uma correcta disposição das coisas de que se assume o encargo para conduzi-las a um fim conveniente”, escreve M. Foucault (2008 [1978]: 283) citando Le miroir politique, contenant diverses manieres de

(18)

gouverner escrito em 1567 pelo pensador renascentista Guillaume de La Perrière. O governo parece, então, tratar-se de uma prática de distribuição das coisas cuja ordem obedece a uma ideia de finalidade. Tal finalidade não se encontra apenas a jusante, porque a disposição das coisas requer a ordem desse fim conveniente. De outro modo, a condução das coisas poderia ficar comprometida. A eficácia da condução depende das derivações que consegue activar no percurso entre o ordenamento e a finalidade. Com efeito, parece ser nessas derivações que se torna possível um percurso entre um lugar inicial e um fim conveniente, isto porque as derivações exigem uma decomposição das coisas. Uma decomposição que traduz as coisas numa métrica. Nessa métrica, as coisas são trespassadas por eixos que experimentam as possibilidades de as colocar em movimento. De criar movimento. Estes eixos, segmentando as coisas, privilegiam um ou outro segmento de acordo com a mobilidade que querem impor. Governando o movimento. Entre a ordem e o fim conveniente, o governo, sendo intransigente na sua direcção, parece feito da disparidade do cruzamento dos eixos e das derivações que neles se experimentam. Neste sentido, o governo é fundamentalmente uma teia na qual são definidos movimentos e catalizadas derivações; uma teia de cálculos que, cruzando a métrica das coisas, se actualiza em novas derivações. Esta teia, porque é feita de derivações, constrói-se de modo auto-suficiente, isto é, recebendo um ímpeto inicial para iniciar o seu movimento, na direcção de cada fio que lança invoca também um movimento aleatório que, posteriormente, será segmentado para o ligar à restante estrutura. Segmentando e entrelaçando, a teia multiplica as suas derivações; multiplica as suas possibilidades de segurar o movimento das coisas entre uma origem e um fim conveniente. Foi nesta multiplicação de possibilidades que tentámos compreender o Passado e a Identidade como derivados dessa teia e, simultaneamente, como elementos constituintes das derivações de que é feita essa teia. O Passado e a Identidade foram, então, equacionados como modos de ordenamento que participam nesse governo, contribuindo com as suas ordens para novas segmentações e entrelaçamentos. Ordens que, uma vez na teia, se entrelaçam permitindo um jogo de derivações entre o Passado e a Identidade.

Estudos sobre os entrelaçamentos das práticas de produção do conhecimento arqueológico e de construção da Identidade Nacional Salazarista. Este subtítulo remete-nos para o conjunto de ligações onde tentamos analisar o jogo de derivações entre o Passado e a Identidade. Abordamos as práticas arqueológicas tentando ver, na trama que se compõe nos entrelaçamentos do Passado e da Identidade, os reenvios que possibilitam o horizonte de sentido em que tais práticas emergem como modo de conhecimento do Passado e, por conseguinte, fazem emergir uma determinada representação da ancestralidade das coisas. No estudo das práticas de construção da Identidade Nacional salazarista,

(19)

procuramos o modo como essa ancestralidade se converte numa possibilidade de resignificação das coisas. Uma resignificação que participa na composição da unidade identitária do projecto político em questão. Nestes entrelaçamentos abria-se a possibilidade de pensar a sua interacção com os movimentos da prática política. Deste modo, ao Passado e à Identidade junta-se a Política enquanto participante da construção da teia onde se processam as derivações a partir das quais se governam a significação e o andamento das coisas. Esta teia, sendo feita num conjunto de práticas, é o espaço onde se vive; é o espaço onde a vida, entre os significados e os andamentos das coisas, vai ganhando os seus contornos. Assim, no estudo destes entrelaçamentos, compreendemos que estaríamos perante a construção de uma série de estratégias que possibilitam o governo da vida. Um conjunto de estratégias que possibilita dirigir a força de vida de uma comunidade na direcção dos projectos de uma unidade estato-nacional. É nesta capacidade mobilizadora da força das vidas que a Identidade Nacional encontra a sua finalidade enquanto possibilidade de ordenamento; sendo em nome desta eficácia que é promovida a sua construção. O Passado, neste contexto, aparece como biografia colectiva que naturaliza a existência dessa Identidade; reforçando a eficácia das práticas identitárias. A Política, em contrapartida, emerge como possibilidade de concretização do Futuro dessa Identidade; catalizando as forças. Neste sentido, a Identidade, o Passado e a Política podem ser compreendidos como espaços de imaginação da comunidade. Espaços de imaginação que se entrelaçam para construir histórias e geografias que seguram o curso dessa comunidade na teia. Seguram o curso dessa comunidade numa teia que, pelas derivações que os entrelaçamentos permitem, é experimentada enquanto paisagem onde se vive entre uma ordem e um fim conveniente.

Na Parte I – O Estado-Nação, a Identidade Nacional e a Arqueologia – procuramos os contextos históricos em que se forja o horizonte de sentido em que vida pode ser vivida na paisagem que referimos no parágrafo anterior. Neste sentido, interrogamo-nos acerca das condições que viabilizam uma representação colectiva a que se dá o nome de Identidade Nacional [Capítulo 1. A Construção dos Estados-Nação e das Identidades Nacionais na Europa durante os séculos XVIII, XIX e XX]. Para tal, apresentamos as ideias de um conjunto de autores que discutem a emergência do Estado-Nação enquanto configuração interna e externa das unidades que definem o mapa político actual. Neste processo de consolidação do modelo estato-nacional e, subsequente, disseminação dos procedimentos de construção de Identidades Nacionais, procuramos também as articulações destas dinâmicas com as práticas das diferentes áreas do saber. Com efeito, se a Identidade Nacional se configura enquanto possibilidade de

(20)

definir juridicamente os cidadãos que a partilham, é também a síntese de uma cultura nacional que é dada a conhecer por distintas áreas do saber. Nessa interacção, o saber é sistematizado enquanto conhecimento passível de ser aplicado na construção de uma figura de cidadão nacional, ou seja, viabilizando uma figura que não é apenas jurídica e cultural, mas uma figura onde essas dimensões se fundem. Nessa sistematização do conhecimento, assistimos a uma reconfiguração interna dessas áreas do saber que, em articulação com os desafios do contexto em que se encontram, experimentam diferentes processos de institucionalização, profissionalização e disciplinarização.

Nestes processos de delimitação institucional, profissional e disciplinar tentamos equacionar a prática arqueológica enquanto saber autorizado sobre o Passado [Capítulo 2. A prática arqueológica e as dinâmicas do Estado Nação]. Discutimos, então, nas articulações entre projectos políticos e contextos de produção de conhecimento, a emergência de um conjunto de sociabilidades condicionado por um regime de autorização forjado no cruzamento de valores da tecnocracia, da burocracia e da meritocracia. Nesta política do conhecimento parece, então, terem sido reunidas as condições para que a figura do arqueólogo emergisse enquanto agente creditado para a produção de uma verdade sobre o Passado. Da verdade sobre esse Passado constitui-se um produto intrinsecamente relacionado com a Identidade Nacional: o Património. Ou seja, pelo conhecimento arqueológico resgata-se um elemento ancestral da comunidade – uma herança – cuja verdade confere legitimidade à Identidade Nacional que o Estado-Nação promove, bem como ao saber especializado que permite o seu conhecimento. Neste jogo de reenvios naturalizam-se os ordenamentos que subjazem a estas significações, sedentarizando-se o horizonte de sentido. Neste processo de sedentarização, problematizamos, pela mão de Marc Guillaume (2003 [1980]), o modo como as práticas de conservação do Património se articulam com outras práticas e, como dessa articulação, foi sendo estabelecida uma paisagem onde os significados das coisas accionam um rede de determinados comportamentos que normalizam a vida num mundo composto por unidades estato-nacionais.

A emergência da Identidade Nacional enquanto possibilidade de representação colectiva permitiu-nos discutir, num contexto alargado, as possibilidades de entrelaçamento das práticas arqueológicas. Porém, dado que o nosso objectivo era questionar esse entrelaçamento com as práticas de construção da Identidade Nacional Salazarista, sentimos a necessidade de criar um espaço para a leitura de textos que problematizassem, a uma escala igualmente ampla, a discussão da construção Identidade Nacional Portuguesa [Capítulo 3. Perspectivas sobre a Identidade Nacional Portuguesa]. Entre as várias possibilidades de estabelecermos uma plataforma a partir da qual pudéssemos pensar tal construção, viríamos a centrar a nossa análise no pensamento de Eduardo Lourenço (1999 [1998]; 2004 [1978]) e de

(21)

José Gil (2005 [2004]; 2009). Com E. Lourenço tentamos compreender a Mitologia a partir da qual se define uma matriz identitária a que recorrem os portugueses num momento de apresentação da comunidade que constituem. Com J. Gil aprendemos que nas reactivações dessa matriz existe um jogo biopolítico no qual se definem as possibilidades de vida desses portugueses. Na análise destes dois autores encontramos, fundamentalmente, uma possibilidade de pensar a Identidade Nacional Portuguesa como o produto de movimentos de naturalização das representações de Portugal. Pela compreensão de tais movimentos encontrávamos, então, uma plataforma a partir da qual podíamos partir para a análise das relações das práticas arqueológicas com as práticas de produção da Identidade Salazarista.

A Parte II – Contributos para uma discussão das relações entre a Identidade Nacional e a Arqueologia durante o Estado Novo – corresponde a uma análise das relações entre o Passado, a Identidade e as teias do governo durante o Estado Novo, ou seja, ensaia-se a articulação de uma série de assuntos discutidos na Parte I com um contexto mais circunscrito. Tomando a Identidade como um modo de ordenamento que participa na teia do governo, começamos por discutir as possibilidades de abordar essa ordem, isto é, ensaiamos duas possibilidades de a interrogar: enquanto produto de uma construção ideológica e como dispositivo de uma estratégia biopolítica [Capítulo 4. A Identidade entre os movimentos da Ideologia e a da Biopolítica durante o Estado Novo]. Para a discussão da Identidade como Ideologia, acompanharam-nos a leitura de textos de Hannah Arendt (2006 [1961]) e Slavoj Žižez (1994; 2008 [1998]) usando-o para analisar alguns dos documentos seleccionados para a caracterização das práticas identitárias salazaristas. A análise da Identidade Nacional como estratégia biopolítica foi realizada com base na leitura de textos de Michel Foucault (1999 [1975]; 2008 [1978]; 1994 [1976]) que usávamos para compreender a operacionalidade do projecto identitário salazarista. A experimentação destas duas analíticas não se deve a uma tentativa de testar a maior ou menor eficácia de uma e outra, mas somente de ir multiplicando as leituras sobre um modo de ordenação que nos parece feito de uma multiplicidade de combinatórias. Mais do que a sistematização dessas combinatórias, interessa-nos encontrar jogos que nos permitam ver a rede de relações em que se forjam. Assim, entre uma e outra análise, a Identidade Nacional surgiu-nos como forma de representação que actualiza o laço social onde se constitui a comunidade estato-nacional portuguesa. Nessa representação, o movimento das ideias ou o adestramento e regulação da biopolítica actuam no sentido de condicionar as possibilidades da comunidade se constituir enquanto projecto.

(22)

comunidade (isto é, enquanto comunidade que continuamente reifica o laço social em função de um projecto comum) encontrávamos a acção de um regime político que, durante os anos 30 e 40, apresenta uma apetência totalitária (Rosas 2001). A nossa análise viria a circunscrever-se a este período e às dinâmicas de construção de uma Identidade Nacional correspondente a uma figura/projecto que F. Rosas (ibid.) designa por “Homem Novo Estadonovista” [Capítulo 5. A Portugalidade do Portugal Salazarista]. Nesta análise procuramos os eixos que permitiram a construção de uma paisagem cuja ordem é definida pelos eixos de significação que instituem esse “Homem Novo”; eixos decorrentes de um trabalho de depuração da memória no sentido de a dirigir aos projectos do regime (Cunha 2001). Simultaneamente, a leitura do trabalho de M. Lemos Martins (1990) sugeria-nos que essa paisagem era feita de movimentos accionados por uma trilogia de dispositivos (os dispositivos ético, eugénico e alético) cuja dinâmica operacionalizava a referida apetência totalitária do regime. Entre o ajuste de eixos de significação e a acção de dispositivos, a paisagem tornava-se um horizonte de sentido ordenado pelas palavras de Salazar; uma retórica da invisibilidade como lhe chama J. Gil (1995) que, em nome de um projecto de verdade, ia reduzindo a comunidade a uma população governamentalizada.

Foi nesta paisagem de sentido unívoco, ou seja, nesta paisagem que parecia ter esgotado as suas possibilidades de sentido, que nos interrogamos acerca do entrelaçamento das práticas arqueológicas [Capítulo 6. Fragmentos da ínfima e infinita teia em que se pratica a arqueologia]. Uma paisagem organizada por um governo das coisas; uma paisagem em que as coisas apresentam uma ordem e um fim convenientes. Uma paisagem feita de uma teia de derivações onde se torna possível o conhecimento arqueológico. Como já referimos, pela prática arqueológica são produzidos elementos patrimoniais; tais elementos, pelas dinâmicas identitárias, são significados como herança. A narratividade e a materialidade dessa herança, no regime de sentido em que emergem, são passíveis de se constituir um exemplo para a comunidade de herdeiros. Uma experimentação da exemplaridade que adestra os corpos; uma experimentação da exemplaridade que ajusta os inquéritos da prática arqueológica à constituição dessa exemplaridade. Tentamos, então, discutir essa experimentação enquanto jogo de reenvios entre a produção de um conhecimento e a sua aplicação num determinado projecto; nesse jogo de reenvios, para além de procurarmos os movimentos de instrumentalização do conhecimento, tentamos demonstrar que essa relação é possibilitada por um horizonte de sentido partilhado pelas práticas arqueológicas, identitárias e políticas. Um horizonte de sentido onde se enraíza a interrogatividade que permite o conhecimento e, por conseguinte, condiciona as possibilidades de vida que esse conhecimento pode proporcionar.

(23)

A Parte III – Cartografias da pesquisa – é uma tentativa de compreender o horizonte de sentido em que nos encontramos; é uma tentativa de revisitar a pesquisa que, aparentemente una no modo como se formaliza para ser apresentada, é feita de múltiplos momentos e interpelações que fazem da pesquisa, não um itinerário, mas um conjunto de percursos fragmentados. A Parte III é, deste modo, um exercício de delinear a topografia das possibilidades e dos limites da pesquisa que apresentamos, descrevendo os percursos que nela fizemos. Num primeiro momento, ocupamo-nos de um exercício de revisão [Capítulo 7. Rumo a uma revisão]. Neste exercício, acompanhou-nos a leitura das considerações de Michel de Certeau (1982 [1975]) acerca da “operação historiográfica”. Com este autor, ensaiamos uma revisão enquanto um modo de compreender o nosso trabalho como uma prática que decorre num lugar onde são negociados procedimentos de produção de conhecimento e é solicitada uma apresentação escrita do que foi possível conhecer. Nesta reflexão acerca do nosso trabalho foi possível perspectivar a nossa pesquisa como um modo de caracterizar o que o autor designa por “ideologia de herdeiros” (ibid.: 93) que parece ter dado sentido e operacionalizado a pesquisa arqueológica durante o Estado Novo. Esta “ideologia de herdeiros” se, por um lado, activa uma série de procedimentos que permitem a operação histórica, por outro lado, funciona como constrangimento à “produção de diferenças”. Com efeito, parece ir no sentido de condicionar a pesquisa à criação de encadeamentos que domesticam o Passado, reduzindo-o a uma sequência de elementos de Identidades e projectos do Presente. Uma sequência criada com base na descodificação de indícios e articulações de causalidade entre os significados desses indícios. Uma sequência em que as condições do Presente se sedentarizam, os sentidos do mundo se reduzem às leis dessa herança e a vida parece apenas um processo balizado em estádios.

A “ideologia de herdeiros” parece ser mais uma face do governo da métrica das coisas. A face de uma biopolítica que faz da vida um exercício de cálculo do movimento entre uma origem e um fim conveniente. O cálculo disseminado de um governo que mede cada manifestação de vida para a maximizar em derivações que perpetuam o seu ordenamento e as suas leis. Neste sentido, a expressão – caracterização de um “ideologia de herdeiros” – se, por um lado, nos permitia sintetizar o nosso trabalho, por outro lado, fazia-nos pensar os modos pelos quais essa ideologia se actualiza em determinados procedimentos da prática arqueológica em que nos encontramos. Questionamo-nos, então, acerca das possibilidades de resistir a essa ideologia e à sua métrica [Capítulo 8. Rumos sem métrica]. Procuramos pensar se, na condição de arqueólogos, a relação com o Passado tem de ser o processamento de uma descodificação de significados; um processo que, mediado pela métrica das coisas,

(24)

faz da arqueologia uma fabricação de derivações onde se transferem significados. Uma métrica que, nesse processo, se concretiza como narrativa de herdeiros ilustrada por artefactos. Procuramos, então, pensar quais as possibilidades de experiência dos vestígios do Passado. Nessas possibilidades, é imaginável privilegiar a arqueologia enquanto experiência de sentido; uma experiência onde podem irromper sentidos que interpelam as condições em que pensamos o mundo onde fazemos arqueologia.

(25)

O Estado-Nação, a Identidade Nacional

e a Arqueologia

(26)
(27)

CAPÍTULO 1 - A CONSTRUÇÃO DOS ESTADOS-NAÇÃO E DAS IDENTIDADES NACIONAIS

NA EUROPA DURANTE OS SÉCULOS XVIII, XIX E XX

(28)
(29)

1. INTRODUÇÃO

“A queda da Áustria levou a uma alteração na minha vida privada, que comecei por considerar como absolutamente insignificante e meramente formal: fez-me perder o passaporte austríaco e tive de solicitar às autoridades inglesas a sua substituição por um papel branco, um passaporte de apátrida. Muitas vezes, nos meus devaneios de cosmopolita, imaginei secretamente como devia ser maravilhoso, e tão em consonância com a minha mais profunda maneira de sentir, não ter nacionalidade, não ter obrigações em relação a nenhum país e pertencer por isso, indiferentemente, a todos eles. Porém, vi-me uma vez mais obrigado a concluir até que ponto a nossa imaginação terrena é insuficiente, e como só se compreendem inteiramente os sentimentos mais importantes quando somos nós próprios a suportá-los. Dez anos antes, ao encontrar Dimitri Mereschkovski em Paris, ouvi-o queixar-se de que os seus livros tinham sido proibidos na Rússia e, inexperiente como eu era, ainda tentei consolá-lo de forma irreflectida: que aquilo não queria dizer muito, tendo em vista a sua difusão internacional no mundo inteiro. Mas quando foram os meus próprios livros a desaparecer da língua alemã, com que clareza compreendi então o seu lamento por só poder dar a conhecer a palavra criada através de traduções, de versões diluídas e alteradas! De igual modo, só no minuto em que me mandaram entrar numa repartição inglesa, após ter aguardado na sala de espera, sentado no banco dos requerentes, compreendi o que significava a substituição do meu passaporte por um documento estrangeiro. Porque ter um passaporte austríaco foi um direito que me coube. Qualquer funcionário de um consulado austríaco ou da polícia era obrigado a emiti-lo e a entregar-mo na minha qualidade de cidadão de pleno direito. Pelo contrário, o documento estrangeiro que recebi teve de ser solicitado. Tratava-se de um favor solicitado e, além disso, de um favor que me poderia ser retirado a qualquer momento. De um dia para o outro, voltei a descer mais um degrau. Ontem ainda hóspede estrangeiro e, por assim dizer, um gentleman que aqui vivia dos seus rendimentos internacionais e pagava os seus impostos, e agora um emigrante, um refugee. Tinha resvalado para uma categoria inferior, embora não desonrosa. Por outro lado, qualquer visto para o estrangeiro que fosse posto naquela folha branca de papel tinha que ser expressamente requisitado, pois em todos os países se desconfiava daquele «tipo» de pessoas a que eu subitamente também pertencia, pessoas sem direitos, sem pátria que, quando se tornavam incómodas ou ficavam tempo de mais, não podiam ser expulsas caso necessário, nem reenviadas para os seus países de origem como as outras. Via-me sempre obrigado a pensar nas palavras que um exilado russo me tinha dito havia anos: «Antigamente o ser humano só tinha um corpo e uma alma. Hoje também precisa de um passaporte, caso contrário não é tratado como uma pessoa».

E de facto: talvez nada dê uma ideia tão clara do gigantesco retrocesso sofrido no mundo desde a Primeira Guerra Mundial como as restrições à liberdade de circulação das pessoas e a redução dos seus direitos de cidadãos livres. Antes de 1914, a Terra era de todos. Cada um ia para onde queria e ficava o tempo que quisesse. Não havia autorizações, permissões, e divirto-me sempre ao ver o espanto dos mais jovens quando lhes

(30)

conto que, antes de 1914, andei pela Índia e pela América sem passaporte e sem nunca ter visto sequer um passaporte. Uma pessoa entrava num meio de transporte e apeava-se sem perguntar nada e sem que nada lhe fosse perguntado; das centenas de papéis que hoje são exigidos, não era preciso preencher um único. Não havia nem permits, nem vistos, nem maçadas; as mesmas fronteiras que, devido à desconfiança patológica de todos contra todos, estão hoje transformadas numa barreira de arame farpado, com funcionários alfandegários, polícia, postos da guarda, não eram mais do que linhas simbólicas que se atravessavam com a mesma descontracção com que se passa o meridiano de Greenwich. Só depois da guerra é que o mundo se viu abalado pelo nacional-socialismo, e o primeiro fenómeno visível desta epidemia espiritual do nosso século foi a xenofobia: o ódio ao outro ou, pelo menos, o medo do outro. Em todo o lado as pessoas protegiam-se do estrangeiro, em todo o lado ele se via excluído. Todas as humilhações outrora criadas exclusivamente para os criminosos eram agora infligidas ao viajante antes da viagem e durante a viagem. Uma pessoa tinha de se deixar fotografar do lado direito e do lado esquerdo, de perfil e de frente, com o cabelo tão curto que deixasse a orelha à vista; tinha de tirar as impressões digitais, primeiro só do polegar, depois de todos os dez dedos e, além disso, de apresentar certificados, certificados de saúde, de vacina, de boa conduta, boas referências, tinha de poder apresentar convites e endereços de parentes, tinha de oferecer garantias morais e financeiras, de preencher e assinar impressos em triplicado, em quadruplicado, e se faltasse um único elemento nestas pilha de folhas, estava tudo perdido.

Todas estas coisas podem parecer ninharias. E à primeira vista, pode até parecer niquento da minha parte mencioná-las. Mas foi com estas «ninharias» absurdas que a nossa geração desperdiçou absurdamente um tempo precioso e irrecuperável. Quando faço contas aos muitos formulários preenchidos nestes anos, às declarações prestadas antes de cada viagem, às declarações de rendimentos, de divisas, às passagens de fronteiras, às autorizações de permanência e às autorizações de saída, às participações de chegada e às participações de saída, às muitas horas passadas nas salas de espera dos consulados e de outros serviços, aos muitos funcionários que vi à minha frente, amáveis e indelicados, aborrecidos e enervados ao máximo, às muitas revistas e aos interrogatórios a que fui submetido nas fronteiras, só então sinto quanta dignidade humana se perdeu neste século que, nos nossos sonhos crentes de juventude, víamos como sendo um século de liberdade, como o advento de uma era de cosmopolitismo. Quanta da nossa produtividade, da nossa criatividade, do nosso pensamento nos foi roubado por todas estas insignificâncias improdutivas e simultaneamente humilhantes para a alma! Durante estes anos, cada um de nós se dedicou mais ao estudo de determinações administrativas do que das obras do espírito; o primeiro caminho a tomar numa cidade estrangeira, num país estrangeiro já não levava, como outrora aos museus, às paisagens naturais, mas sim a um consulado, a uma repartição da polícia, onde se solicitava uma «autorização». Quando estávamos juntos, os mesmos que outrora haviam recitado poemas de Baudelaire e debatido problemas com espírito apaixonado, apanhávamo-nos a falar de affidavits e de permit, e se era melhor requerer um visto de permanência ou um visto de turista; nesta última década, conhecer uma pequena funcionária de um consulado, que

(31)

nos abreviasse o tempo de espera, tornou-se maus importante para vida do que a amizade de um Toscanini ou de um Rolland. Constantemente éramos obrigados a sentir, com a nossa alma nascida em liberdade, que nos consideravam objectos e não sujeitos, que nada nos era dado de direito e que tudo dependia das boas graças das autoridades. Era-se constantemente ouvido, registado, numerado, examinado, carimbado, e ainda hoje, enquanto incorrigível cidadão de uma época mais livre e de uma república mundial sonhada, sinto cada um desses carimbos no meu passaporte como um ferrete, e cada pergunta e cada revista a que fui submetido como uma humilhação. São só ninharias, sempre só ninharias, eu sei, são ninharias numa época em que o valor da vida humana caiu ainda mais a pique do que o valor da moeda. Mas só anotando estes pequenos sintomas é que o tempo vindouro poderá registar o verdadeiro estado clínico das condições espirituais e das perturbações espirituais que se foi apoderando do nosso mundo no período compreendido entre as duas guerras mundiais.

Talvez eu tenha sido mal habituado no passado. Talvez a minha sensibilidade também se tenha vindo a exacerbar cada vez mais, devido às mudanças ocorridas abruptamente nos últimos anos. Qualquer forma de emigração causa já, por si só, inevitavelmente, uma espécie de desequilíbrio. Perde-se – e também isto tem de ser vivido, para ser entendido – algo do nosso aprumo, quando não se tem o solo pátrio debaixo dos pés, fica-se mais inseguro, mais desconfiado de si próprio. E não hesito em confessar que, a partir do dia em que tive de passar a viver com documentos ou passaportes que eram de facto estrangeiros, nunca mais consegui sentir que pertencia a mim próprio. Ficou para sempre destruído algo daquela identidade natural com o meu eu original e verdadeiro. Tornei-me mais reservado do que era conforme à minha natureza, e hoje sinto constantemente – eu, o cosmopolita de outrora – a obrigação de ter de estar agora particularmente grato por cada lufada de ar que subtraio a um povo estrangeiro, sempre que respiro. Quando penso com a cabeça fria, vejo efectivamente o absurdo destas manias, mas quando é que a razão alguma vez conseguiu triunfar do sentimento! De nada me serviu ter educado o meu coração, ao longo de quase meio século, a bater com o cosmopolitismo de um citoyen du monde. Não, no dia em que fiquei sem passaporte, descobri, aos cinquenta e oito anos de idade, que aquilo que se perde com a nossa pátria é mais do que um pedaço de terra limitado por fronteiras.”

O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu

Stefan Zweig (2005 [1942]: 447-452)

Existem momentos que refazem o nosso compromisso com a paisagem. São momentos em que a alteração da moldura do sentido torna claro o nosso desajustamento perante o mundo. O movimento onde se esboçam, compõem, dispõem e revelam os significados que atribuímos às coisas instaura uma paisagem em que as superfícies e as fronteiras se movem, refazendo a paisagem e o nosso movimento. A expectativa de um percurso é subitamente superada pelo espanto de uma nova ordem. Esse novo

(32)

movimento, substituído ao que desejávamos, é imperativo nos seus ininteligíveis momentos. A viagem é uma outra viagem e a paisagem que desejávamos não é mais visitável pelo percurso que fazíamos. Stefan Zweig viveu numa época em que as linhas traçadas no globo transformaram, no período de uma geração, as relações entre as pessoas e as paisagens. “O mundo de ontem” descreve o embate dessas transformações na primeira pessoa. Na passagem que apresentamos, S. Zweig perspectiva essas transformações através do seu passaporte. Neste documento cruzam-se as diferentes escalas em que se processaram essas transformações. Desde a dura institucionalização das fronteiras políticas, que doravante estabeleceriam um novo modelado da paisagem, à burocracia que essa paisagem exige aos viajantes, é toda uma nova dinâmica que instaura o mundo de hoje. No passaporte de S. Zweig misturam-se as transformações que aconteceram na sua vida, um registo perpetuamente actualizado. Tal como os poderes que o naturalizaram enquanto elemento da Identidade.

As reflexões do escritor sobre a sua nacionalidade servem-nos de prelúdio a este ponto onde tentámos fazer um elenco de uma série de questões sobre a Identidade Nacional. S. Zweig considera a nacionalidade como uma parte de si, uma imanência que se vê subitamente interrompida pela conjuntura política. A tristeza e o desolamento que se encontram nestas páginas antecedem o seu suicídio. Com a sua nacionalidade austríaca são igualmente dilacerados os movimentos e as paisagens de uma Europa em vésperas do Holocausto. De uma Europa crente no carácter civilizado das suas nações e nos valores do seu progresso. Crenças e valores que produziram conjuntos de cidadãos aglutinados pelas leis que daí decorrem e cristalizados em Estados-Nação. Um mapa político que pretendia garantir as especificidades dos cidadãos enquanto povos civilizados. A civilização da Liberdade e da Felicidade proclamada nas Constituições.

A edificação deste mapa político e do sentimento da nacionalidade constituiu uma das mais marcantes transformações ocorridas no mundo contemporâneo. O seu estudo comporta uma série de questões que tentaremos enumerar neste capítulo. Questões em redor dos conceitos de: Nação, Nacionalismo, Estado, Nacionalidade, Cultura Nacional, Cidadania e Identidade Nacional. Na selecção e organização destas questões, optámos por as apresentar privilegiando a sua indexação aos autores que as colocam. Esta decisão prende-se ao facto dos estudiosos da “nacionalidade” reproduzirem um esquema de associação entre as questões que torna mais interessante considerá-las no interior do programa de cada um dos autores. A outra possibilidade seria a de descontruir a pesquisa (e o modelo) de cada um dos autores e proceder à sua comparação. Esta discussão teria muito interesse se não considerasse a evolução do pensamento de cada um dos autores seleccionados. Por exemplo, se numa fase inicial é

(33)

possível considerar um antagonismo entre as obras de Ernest Gellner e Anthony D. Smith no que diz respeito ao carácter moderno ou pré-moderno da Nação, nos últimos textos assiste-se a um esbatimento dessa discrepância. Os autores vão considerando os propostas dos seus interlocutores para chegar a uma conclusão consensual: se é certo que nas alterações dos últimos quatro séculos é possível estabelecer uma série de linhas de mudança, tais linhas não formam um modelo único que possa ser aplicado de modo monolítico a cada um dos países. Neste refazer das posições iniciais em função de propostas antagónicas, os autores complementam-se na discussão. Sem deixar de lado o núcleo duro da sua proposta, integram as críticas perspectivando-as em novos ângulos.

Simultaneamente, mantendo os autores como forma de dar coesão às questões que colocam, foi-nos também possível aperceber da especificidade das problemáticas que os autores privilegiam na sua pesquisa e cruzá-las com as questões que animam o nosso estudo. Assim, com as análises de Ernest Gellner, Eric Hobsbawm, Benedict Anderson, Michael Herzefeld e Montserrat Guibernau tentámos sistematizar as principais dinâmicas sociais e históricas que, desde o século XVIII até aos dias de hoje, estão associadas ao Nacionalismo, à construção de um mapa político composto por Estados-Nação e respectivas Identidades e Culturas Nacionais. Anthony D. Smith, Joseph Llobera e Luís Reis Torgal alertam-nos para importância dos condicionalismos pré-modernos no estabelecimento e intensificação dessas dinâmicas. Em todos estes autores existe uma preocupação em distinguir os componentes do binómio Estado-Nação, privilegiando a análise do segundo. O trabalho de Christopher Pierson, Michael Mann e José Antonio Maravall desloca a ênfase para o Estado (a sua composição e dinâmicas). Por último, John Hutchinson, Ludmilla Jordanova, Anne-Marie Thiesse e Tim Edensor questionam o papel do “Saber” (e das figuras a que está associado) nesta construção. Nestes autores existe uma preocupação em compreender a Nação como o catalisador da institucionalização de novos objectos de estudos e disciplinas que, no seu desenvolvimento, contribuem para a cristalização da nacionalidade enquanto horizonte de sentido onde se desenvolvem práticas identitárias colectivas.

Por último, resta-nos alertar para o facto do grupo de autores seleccionados não corresponder a uma amostra do que se faz no âmbito do estudo da Identidade Nacional. Embora se numa fase inicial da pesquisa fosse essa a nossa intenção, a volumosa literatura sobre a temática, bem como a sua articulabilidade com outras questões, obrigou-nos à redução do número de autores e à escolha dos que mais nos estruturaram o modo de conceber o estudo. Assim, o capítulo que se apresenta é mais o nosso percurso para delinear um saber sobre a Identidade Nacional. Um percurso onde se procurou modos de

(34)

criar fracturas neste objecto de estudo, seguir o impulso do pensamento dos autores, tentar formar um ponto de vista e compreender o ímpeto das nossas interrogações.

(35)

2. NAÇÕES E MODERNIDADE

2.1. Ernest Gellner

No sentido de definir as diferenças entre o período anterior ao Estado-Nação e o mapa político criado pela era dos Estados-Nação, Ernest Gellner (1993 [1983]: 202-203) faz uma comparação entre a obra dos pintores Oskar Kokoschka e Amadeo Modigliani. O jogo insólito de cores e texturas da obra de O. Kokoschka, onde o cruzamento das figuras e dos planos de horizontes produz um imbricado de onde emerge a “obra”, serve de metáfora ao mapa político antes do Estados-Nação. Um complexo jogo de relações entre aspectos religiosos, políticos, administrativos, morais que anima uma divisão em constante mutação da descontínua realidade política. Em contrapartida, as superfícies planas e as linhas que definem as figuras nítidas e delineadas de A. Modigliani, figuras em sobreposição a um plano ou a outras figuras, são comparáveis ao mapa político do Estados-Nação. Um mapa constituído por fronteiras contínuas que delimitam territórios associados a Estados e Culturas nacionais. Entre uma e outra imagem, existe um processo de fabricação de culturas nacionais em associação interactiva com a criação de um mercado, de um estado, de uma comunidade e de um ordenamento do território. Um processo de homogeneização no interior das fronteiras que produz coerência, superfícies planas, figuras nítidas no mapa político mundial (ibid. 204-207).

2.1.1. O Nacionalismo, a Nação e o Estado

O nacionalismo, segundo E. Gellner, é um princípio político que advoga uma correspondência entre unidade nacional e unidade política. O desenvolvimento deste princípio expressa-se no “sentimento nacionalista” e no “movimento nacionalista”. Por sentimento nacionalista deve entender-se estados de indignação causados pela violação desse princípio ou estados de celebração da sua concretização. O movimento nacionalista trata-se de uma acção dirigida em função desses sentimentos (ibid.: 11). O nacionalismo trata-se de uma teoria de legitimidade política, onde os detentores do poder devem estar em concordância com o resto da população, podendo ser encarado como um princípio ético e universalista que deseja “preservar a diversidade cultural do sistema político internacional pluralista e de reduzir

(36)

tensões internas dentro de cada Estado” (ibid.: 12).

Na definição de nacionalismo, E. Gellner salienta a sua dependência relativamente a outros dois conceitos: o de Estado e o de Nação. O Estado é uma forma de regulação das dinâmicas da vida em comunidade, sendo que dessa actividade pode surgir, por parte da comunidade ou segmentos dela, uma série de movimentos nos quais o nacionalismo se inclui (ibid.: 14-16)1. Considerando a relação do Estado com a natureza, a tipologia e a distribuição do trabalho, o autor reconhece três fases no estabelecimento das sociedades estatais: a fase pré-agrária, a fase agrária e a fase industrial. Na fase pré-agrária não estavam reunidas as condições para a emergência do Estado. Na fase agrária embora existissem as condições para a sua emergência, trata-se de um estádio opcional. As comunidades podem optar pelo Estado enquanto forma de regulação, mas a sua principal característica, é a sua grande variabilidade. Na fase industrial, o Estado deixa de ser opção e passa a ser uma condição que estrutura a comunidade (ibid.: 16-17). Voltando ao nacionalismo, E. Gellner sublinha que este apenas pode ocorrer em sociedades estatais, desta forma, trata-se de um fenómeno circunscrito no tempo e em associação com condicionalismos históricos que, apesar da sua variabilidade, estão relacionados com os modos de produção e distribuição de riqueza.

A definição de nação é, para para este autor, mais problemática. Dificuldade que advém do modo como, no mundo contemporâneo, parece quase impossível entender um estatuto extra-nacional de um indivíduo, isto é, sem nação. E. Gellner salienta que facilmente se concebe uma comunidade sem Estado (um “estado de natureza”, por exemplo), em contrapartida, a nacionalidade é representada como algo intrínseco. “Tudo isto parece óbvio, mas infelizmente não é verdade. Contudo o facto de ter acabado por

parecer tão obviamente verdade constitui realmente um aspecto – talvez a essência – do problema do

nacionalismo. (…) As nações, tal como os Estados, são uma contingência e não uma necessidade universal” (ibid.: 18-19). Enquanto fenómenos circunstanciais, E. Gellner interroga-se da sequência entre eles, admitindo que o Estado precede a Nação que, muitas vezes, emerge sem o “consentimento” deste. No sentido de tentar uma definição que lhe permita prosseguir a discussão, propõe uma definição provisória assente numa visão cultural e voluntarista:

1 Partindo da definição de Max Weber, Gellner propõe que o Estado seja entendido como “uma elaboração importante e bastante específica da divisão do trabalho. Onde não existe divisão do trabalho não se pode sequer começar a falar de Estado. Todavia, nem toda e qualquer especialização constitui um Estado: este representa a especialização e a concentração próprias da manutenção e da ordem. O Estado é aquela instituição ou conjunto de instituições especialmente consagradas à manutenção da ordem (quaisquer que sejam as suas outras funções). O Estado existe onde existiam instituições especializadas na manutenção da ordem, como as forças policiais e os tribunais, separadas do resto da vida social. Essas instituições são o Estado” (Gellner, 1993 [1983]: 15).

(37)

• “Dois homens pertencem à mesma Nação se e só se partilharem a mesma cultura, a qual representa, por seu turno, um sistema de ideias, signos e associações, bem como modos de comportamento e comunicação;

• Dois homens pertencem à mesma nação se e só se se reconhecem como pertencentes a uma mesma nação. Por outras palavras, as nações fazem o homem. As nações são os artefactos das convicções, lealdades e solidariedades do homem. Uma simples categoria de indivíduos (por exemplo, os habitantes de um dado território ou os que falam uma determinada língua) transforma-se numa nação se e quando os membros dessa categoria reconhecem firmemente uns aos outros determinados direitos e deveres mútuos em virtude da qualidade comum de membros dela. É esse reconhecimento mútuo, enquanto membros do grupo, que os transforma numa nação, e não os outros atributos comuns, quaisquer que eles sejam, que distinguem essa categoria dos que não são membros dela” (ibid.: 19-20).

2.1.2. A Criação da Cultura Nacional

A dimensão cultural que E. Gellner reconhece na nação permite-lhe pensar uma sintonia entre uma determinada cultura e um determinado Estado-Nação. Admitindo que a definição de cultura é problemática, o autor interessa-se mais em observar o que a cultura faz do que discutir a sua definição (ibid.: 20). Assim, compara a cultura nas sociedades “agro-letradas2” e nas sociedades “industriais3

questionando-se acerca do modo como as suas características questionando-se articulam com os poderes institucionais. Com baquestionando-se nesta distinção, tenta demonstrar que a passagem para as sociedades industriais comporta um movimento de regulação exercido sobre os aspectos culturais que, visando a consolidação das dinâmicas industriais, permitiria a criação das culturas nacionais. Com o estabelecimento de um Estado forte e centralizado, associado a um processo de industrialização crescente e à emergência dos movimentos nacionalistas, a diversidade cultural (típica das unidades políticas das sociedades “agro-letradas4”) é substituída por um movimento de homogeneização cultural ou pela emergência de uma cultura dominante. Neste processo, a

2 “A sociedade agro-letrada corresponde a um tipo existente há, aproximadamente, cinco milénios e que, apesar da diversidade de formas, tem algumas características básicas comuns. Na sua grande maioria, os cidadãos são produtores agrícolas vivendo em comunidades fechadas, dominados por uma minoria, cujos principais atributos são a organização da violência, a manutenção da ordem e o controle do saber oficial da sociedade, que a certa altura é objecto de escritos sagrados” (Gellner ibid.: 30).

(38)

cultura serve de participante mediador e unificador dos elementos que poderiam por em causa a unidade do Estado-Nação.

As sociedades “industriais”, ao contrário das sociedades “agro-letradas”, comportam uma generalização de acesso à instrução (ao saber letrado) sendo essa uma condição para o seu estabelecimento. A instrução, por sua vez, permite uma multiplicação de elites, baseadas em atributos técnico-profissionais, que promovem a mobilidade social dos indivíduos. Essa mobilidade depende também da existência de uma plataforma de comunicação na qual os indivíduos possam gerir as oportunidades na definição de um percurso social. A instrução define uma dinâmica social assente num regime meritocrático funcionando como modo de integração social. Deste modo, pelas expectativas que cria e pela sua acção formadora, a instrução funciona como elemento uniformizador da cultura nacional5. Saliente-se que a

Identidade Nacional não é apenas um discurso sobre as raízes culturais, mas uma instância que integra os desafios económicos. As elites sócio-profissionais produzidas pela instrução são exemplo disso mesmo. Assim, a instrução trata-se de uma estratégia de integração que tanto uniformiza o corpo social como

4 “No mundo a que estamos a referir-nos, as culturas multiplicam-se, mas as suas condições não incentivam, geralmente, aquilo que pode ser designado por «imperialismos culturais», ou seja, os esforços de qualquer cultura para dominar ou expandir-se de forma a preencher uma unidade política. A cultura tende a ser marcada, quer horizontalmente (pela casta social), quer verticalmente, para definir comunidades locais muito pequenas. Os factores que determinam as fronteiras políticas são totalmente diferentes dos que determinam os limites culturais. Por vezes, as clerezias esforçam-se por expandir a zona de uma cultura, ou melhor, a fé que para ela codificaram; por vezes, os estados lançam-se em cruzadas e agressões legitimadas pela fé. No entanto, estas não são as condições normais e generalizadas na sociedade agrária” (Gellner ibid.: 27).

5 “Entre os seus pré-requisitos funcionais encontram-se a alfabetização universal e um elevado grau de sofisticação numérica, técnica e geral. Os seus membros são e devem ser móveis e estar prontos para mudar de uma actividade para a outra e possuir esse treino genérico que lhes possibilite seguir os manuais de uma nova actividade ou ocupação. No decorrer do trabalho devem comunicar constantemente com uma grande quantidade de outras pessoas, com as quais não têm muitas vezes qualquer ligação prévia e com as quais a comunicação deve, consequentemente, ser explícita, em vez de depender do contexto. Devem também ser capazes de comunicar através de mensagens escritas, impessoais, descontextualizadas, destinadas àqueles a quem são dirigidas. Assim, estas mensagens devem ser transmitidas no mesmo meio de comunicação linguístico e gráfico comum e standardizado. O sistema educacional que assegura este feito social desenvolve-se e torna-se indispensável, mas deixa, ao mesmo tempo, de deter o monopólio do acesso à palavra escrita: a clientela é coextensiva à sociedade em geral e a possibilidade de substituição de indivíduos dentro do sistema por outros diz respeito ao sistema educacional, tanto ou mais que a qualquer outro segmento da sociedade. Alguns professores e investigadores importantes podem ser talvez únicos e insubstituíveis, mas o professor médio ou o mestre-escola podem ser substituídos, com a maior das facilidades e muitas vezes com pouco ou nenhum prejuízo, por indivíduos que não estejam na carreira docente. // Quais são as consequências de tudo isto para a sociedade e para os seus membros? Tipicamente, para a maioria dos homens, a sua capacidade de emprego, segurança e auto-estima depende agora da «educação», e os limites da cultura em que foram educados são também os limites do mundo em que podem respirar moral e profissionalmente. A educação do homem é, sem dúvida, o investimento mais valioso e, de facto, confere-lhe identidade. O homem moderno não é leal a um monarca, a uma terra ou a uma fé, o que quer que isto queira dizer, mas sim a uma cultura. É, de uma forma geral, castrado. A condição de mameluco tornou-se universal. Nenhum dos laços importantes o unem a um grupo de parentesco, nem interferem entre ele e uma comunidade cultural mais vasta e anónima” (Gellner ibid: 60-61).

Referências

Documentos relacionados

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

As análises serão aplicadas em chapas de aços de alta resistência (22MnB5) de 1 mm de espessura e não esperados são a realização de um mapeamento do processo

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

Formação entendida como um processo dinâmico no qual o docente esteja consciente das singularidades da atividade e possa, a partir do conhecimento acumulado e de suas práticas éticas

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

(IPO-Porto). Moreover, we attempted to understand how and in which patients sFLC can be used as a differential marker in early disease relapse. Despite the small cohort, and the