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“Vai manter a tradição…”: memórias e identidades da família Caçote na cidade de Jardim do Seridó/RN.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE- UFRN CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ- CERES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES- DHC

ROSÂNGELA SILVA SOUZA

“Vai manter a tradição…”:

MEMÓRIAS E IDENTIDADES DA FAMÍLIA CAÇOTE NA CIDADE DE JARDIM DO SERIDÓ/RN.

CAICÓ 2016

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ROSÂNGELA SILVA SOUZA

“Vai manter a tradição…”:

MEMÓRIAS E IDENTIDADES DA FAMÍLIA CAÇOTE NA CIDADE DE JARDIM DO SERIDÓ/RN.

Monografia apresentada ao Curso de História Bacharelado, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-CERES, para obtenção do título de Bacharel em História.

Orientador: Prof. Dr. Joel Carlos de Souza Andrade

CAICÓ 2016

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ROSÂNGELA SILVA SOUZA

“Vai manter a tradição…”:

MEMÓRIAS E IDENTIDADES DA FAMÍLIA CAÇOTES NA CIDADE DE JARDIM DO SERIDÓ/RN

Aprovada em: _____/_____/_______

BANCA DE DEFESA

__________________________________________________________________________ _

Professor Dr. Joel Carlos de Souza Andrade

Departamento de História do CERES- UFRN (Professor Orientador)

__________________________________________________________________________ _

Professor Dr. José Pereira de Souza Junior Departamento de História do CERES- UFRN

__________________________________________________________________________ _

Professor Dr. Helder Alexandre Medeiros de Macedo Departamento de História do CERES- UFRN

CAICÓ, 2016

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Dedico este trabalho a minha Mãe, sua vontade repentina de me ver formada não permitiu que eu desistisse.

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AGRADECIMENTOS

A princípio, podemos pensar que o trabalho do historiador é solitário, muitas vezes é, realmente. Mas, por trás de inúmeros textos e discussões historiográficas existem pessoas que nos ajudam a construir nossa pesquisa e, ao mesmo tempo, a realizar um sonho.

Muitas pessoas contribuíram decisivamente para que este trabalho pudesse tornar-se realidade. Embora esteja correndo o risco de alguma omissão e esquecimento, gostaria de registrar publicamente alguns sinceros e especiais agradecimentos.

Agradeço aos meus pais. Grandes foram às lutas, maiores as vitórias. Muitas vezes, pensei que este momento não chegaria. Queria recuar ou parar. No entanto, vocês sempre estiveram presentes. A emoção é forte. Não cheguei ao fim, mas apenas ao início de uma caminhada. Todo caminho percorrido até hoje, dedico à senhora minha mãe querida, Maria Rosânia de Azevedo Silva, mãe, protetora, guerreira e amada, esse sonho não poderia ser realizado sem sua ajuda. José Carlos dos Santos Souza, pai, trabalhador, honesto, soube me educar, seu jeito de ser muitas vezes com pensamentos negativos me ajudou a persistir e acreditar nos meus sonhos. Obrigada, vocês me fizeram uma pessoa de bem, apesar de seu pouco estudo, me possibilitaram uma educação digna de diplomas da vida.

Minha gratidão se estende a todos meus familiares, destacando alguns: Carliana Silva Souza da Cunha, irmã, cúmplice e amiga de todas as horas, digna de seus esforços, ao seu esposo Jarian Nascimento da Cunha, cunhado/amigo. Agradeço também aos meus tios, primos e primas. Em especial a Hamilton Azevedo da Silva, que sempre acompanhou meus estudos acreditando no meu futuro. Grata a minha prima Swênia Cruz Dinoá, por me ajudar a concluir de forma significativa esta pesquisa. Obrigada também por fazer parte de minha vida, Felipe Figueiredo Alves, pelas suas horas de paciência, carinho e companheirismo. Minha querida e amada vovozinha materna, Maria Rosalina de Azevedo Silva, digna de seus traços do tempo. Minha guerreira (In memorian) vovó paterna, Maria José dos Santos, hoje descansando em um reino de paz. Minha querida Negra do Rosário, para sempre perpétua, Inácia Maria da Conceição In memoriam, bisavó.

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Alguns amigos foram importantes, pois, estivemos juntos no decorrer do tempo da pesquisa, onde pude contar com seu apoio e incentivo, assim, como tem sido ao longo de minha vida. São eles: Patrícia Carla Medeiros Martins, Ricarcia Maria de Macedo e Jessica Rosana da Silva Cezino.

Aos amigos acadêmicos Arthur Antones de Araújo, Joyciana da Silva Medeiros, Valmon Alves de Souza e todos amigos de sala, e corredores, meu muito obrigada. Da mesma forma, duas pessoas foram muito preciosas durante esse tempo acadêmico, e sei que nossa amizade será eterna, assim, sou grata à querida amiga Marianne Shirley Azevedo do Patrocínio, a qual o destino colocou em minha vida, lembro de todas as nossas longas conversas, desde a nossa infância, sei que não foi por acaso que você entrou mais uma vez em minha vida, obrigada por tudo. Agradeço também a Gleyze Soares Macedo de Oliveira, amiga de faculdade e para a vida inteira.

Ao Departamento de História, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte -UFRN, Ceres Caicó, não só pelo que pude aprender com os Professores, mas também pelo apoio que recebi, de todos, durante esses quatro anos de ingresso. Minha gratidão, em particular, ao professor Diego Marinho de Góis, pela paciência e incentivo, o que me fez não desistir de minha pesquisa.

Meu sincero reconhecimento ao meu orientador, Professor Doutor Joel Carlos de Souza Andrade, o qual me dedicou confiança e sanou as minhas dúvidas. Agradeço, também, aos membros da Banca de Qualificação sendo este José Pereira de Souza Junior e Helder Alexandre Medeiros de Macedo.

Meu agradecimento a todas as escolas públicas pelas quais passei, e me fizeram uma pessoa de bem. Apesar da pouca estrutura e dificuldades, aprendi o básico e necessário para hoje esta aqui.

Essa pesquisa não seria possível sem a colaboração e disponibilidade dos entrevistados, desde já, o meu muito obrigado, em especial aos Caçotes.

Por fim, agradeço ao meu bom e amado Deus, que nunca me abandonou. Sei que me abençoou afortunadamente para a conclusão desta pesquisa, ao lado de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião.

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“Eu vim de lá do interior, aonde a religião ainda é importante, lá se alguém passa em frente da matriz, se benza e pensa em Deus, e não se sente vergonha de ter fé”

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar a devoção a Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião, estruturada na Irmandade do Rosário, em Jardim do Seridó/RN, nosso recorte espacial. O estudo traz à tona, a discussão sobre memórias e identidades desta Irmandade. Nessa reflexão, a devoção é compreendida como um processo de construção da coesão grupal, que tem como catalisadores os aspectos simbólicos voltados à família Caçote. Dentre os aspectos analisados, destacam-se o contexto em que a irmandade estava inserida e suas transformações ao longo do tempo, gerando uma perda de tradição, ocasionando mudanças. Destacar os tempos mais antigos dos Caçotes na festa e o olhar para hoje tendo a história Oral como base do nosso trabalho. Contamos com a colaboração de quatro menbros da familia Caçotes, sendo eles homens e mulheres, jovens e idosos que vivenciaram e vivenciam a festa em seu tempo. Será enfocada, principalmente, a família Caçote como construtores de sua própria história, ressaltamos a importância da tradição que rodeia esta família através da oralidade. Os Negros do Rosário, através do ritual festivo- com suas danças e cânticos, relembram o seu passado.

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ABSTRACT

This study aims to analyze the devotion to Nossa Senhora do Rosário and San Sebastian, structured in the Irmanadade do Rosário in Jardim do Seridó / RN, our spatial area. The study brings out the discussion of memories and identities of this Brotherhood. In this reflection, devotion is understood as a process of building group cohesion, which has as catalysts symbolic aspects related to Caçote family. Among the aspects analyzed, it is highlighted the context in which the brotherhood was inserted and its transformations over time, generating a loss of tradition, causing changes. The earliest times of Caçotes in the party and the look at today: The Oral history was the basis of our work. We had the collaboration of four Caçotes, being they men and women, young and old who have lived and live the party in his time. It will be focused mainly to Caçote family as builders of their own history. We emphasize the importance of the tradition that surrounds this family through orality. The Black People of the Rosary - through the festive ritual - with their dances and songs, recall his past.

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Viva Nossa Senhora do Rosário! Viva São Sebastião! Viva as pessoas de bem! Viva a boa sociedade, tronco, ramos e raízes1!

Imagem 1 - São Sebastião e Nossa Senhora do Rosário na sede da irmandade. Data:2014

Créditos: Diego Marinho de Góis

1

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO 1–A VIDA RELIGIOSA NA CIDADE DE JARDIM DO SERIDÓ/RN ... 15

1.1. Irmandade-Local de fé ... 16

1.2. A festa ... 23

1.3. A dança ... 26

CAPÍTULO 2 – AS MEMÓRIAS QUE OS MEMBROS DA FAMÍLIA CAÇOTE CONSTRUÍRAM DA FESTA ... 32

2.1. Irmandade, da qual era irmã ... 33

2.2. Tradições dos Caçotes ... 41

2.3. Lembranças que os Caçotes construíram da festa ... 43

CAPÍTULO 3 – A NÃO PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA CAÇOTE NA FESTA……...45

3.1. As mudanças do tempo ... 45

3.2. A festa hoje ... 47

3.3. Os mais novos na festa ... 50

CONSIDERAÇÕES FINAIS ………53

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa se configura por diversos motivos. Primeiramente, por questão pessoal, já que, a autora é natural da cidade de Jardim do Seridó/RN, além de pertencer à família Caçote, nosso foco de pesquisada. E por ter uma vasta relação desde criança, convivendo com a irmandade e frequentando a festa até os dias atuais. Quando conhecemos a pesquisa local, feita por Diego Marinho de Góis, sobre os Negros do Rosário, na cidade de Jardim do Seridó/RN, percebi que minha família era muito importante e precisava cada vez mais ser pesquisada. Devido a este fato, meu foco principal voltou-se para a família Caçote, uma das famílias pertencentes à Irmandade do Rosário, na cidade de Jardim do Seridó, tendo como padroeiros Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião.

O objetivo central desta pesquisa é conhecer, primeiramente, um pouco das características da religião que rodeiam esta família, desde a formação da irmandade até os dias atuais. Compreender como os Caçotes mantém viva suas tradições, destacando as mudanças que ocorreram com o tempo. Além de investigar a importância da festa para a família Caçote, e seus laços com a Irmandade atravez de suas memórias e identidades.

Desse modo, a problematização principal e buscar entender a seguinte questão: Memória, identidade e tradição. Não se trata de destacar a irmandade como um todo, e sim destacar um agente presente nela, a família Caçote. Portanto, como os Caçotes de Jardim do Seridó-RN conseguem manter viva sua tradição levando em conta as transformações que ocorreram ao longo do tempo?

A pesquisa se deu através de um levantamento histórico, a partir de bibliografia local existente, Diego Marinho de Góis2 e Bruno Goulart Machado Silva3, proporcionando respostas e ocasionando perguntas, ou seja, preenchendo lacunas e, ao mesmo tempo, formando outras.

2

GÓIS, Diego Marinho de. Entre estratégias e táticas: enredos das festas dos Negros do Rosário em Jardim do Seridó-RN. Monografia de Graduação em História – Departamento de História e Geografia, UFRN, Caicó, 2006.

3 SILVA, Bruno Goulart Machado. “Negro Veio é um Sofrer”: Uma etnografia da subalternidade e do subalterno numa irmandade do Rosário- (2012).

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Iniciamos, tomando como referência o livro A Invenção do Cotidiano: artes de fazer, de Michel de Certeau4. Além disso, a partir de uma vasta bibliografia sobre memória, em particular: Alistair Thomson5, Jacques Le Goff6, PaulThompson7, Joel Carlos de Souza Andrade8, entre outros, que, ao longo da pesquisa, foram se encaixando em pensamentos e reflexões, objetivando discutir a construção das memórias dos Caçotes. Estruturando mais ainda nossa pesquisa, fazemos leituras sobre pesquisas voltadas a irmandades, como: Cecilia Mais Borges9, Caio César Boschi10 e João José Reis11.

É importante ressaltar a importância das fontes orais para a constituição desta pesquisa, as quais foram o alicerce do nosso trabalho. Decorrente disso, utilizamos a metodologia da História Oral12, a qual ajudou a obter conclusões e fazer reflexões para esta pesquisa. Para além, nossas principais fontes de pesquisa são as entrevistas feitas com os próprios Caçotes. O trabalho com fontes orais consistiu em uma série de passos: preparar entrevistas, contatar o entrevistado, gravar o depoimento, transcrever e analisá-los.

A oralidade nos permite pensar e refletir, encontrando respostas ou selecionando pontos importantes. No caso das nossas entrevistas, vale pensar o quanto ela foi importante e nos ajudou a levantar pontos e questões. Ao falar, os narradores nos transmitiram de alguma forma, o quanto é importante narrar.

A história oral e o tempo presente, sem dúvida, contribuem para a (re) construção da história e da memória dos grupos sociais. A sua reconstrução não é um processo simples, devemos estar atentos aos diversos sentidos, esquecimentos e

4CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 1994. 5

THOMSON, Alistair. Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a história oral e as memórias. In: Projeto História. São Paulo: PUC, nº 15, 1999.

6LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: EDUNICAMP, 1995.

7THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. 2. ed. Rio de Janeiro: XXXXX, 1992. 8

ANDRADE, Joel Carlos de. Os Filhos da Lua: poéticas sebastianistas na Ilha de Lençóis-MA. Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Federal do Ceará: Fortaleza, 2002.

9BORGES, Célia Maia. Escravos e libertos nas Irmandades do Rosário: devoção e solidariedade em Minas Gerais – séculos XVIII e XIX. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2005.

10

BOSCHI, Caio César. Os Leigos e o Poder . São Paulo: Ática, 1986; e SCARANO, Julita. Devoção e

Escravidão: a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantino no século

XVIII. São Paulo: Nacional (Coleção Brasiliana), 1976.

11REIS, João J. A morte é uma festa: Ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p.58.

12Segundo Verena Alberti, a História Oral é uma metodologia de pesquisa e de formação de fonte, para fins de estudar a contemporaneidade. Surgiu em meados do século XX, após a invenção do gravador de fita e consiste na realização de entrevistas com pessoas que participaram ou testemunharam acontecimentos do passado e do presente. (PINSKY, 2008, p. 155)

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silêncios que pode haver, sendo a memória sempre seletiva. Através dos depoimentos orais, podemos reconstruir o passado e também relacioná-lo com as construções do presente. Assim, percebemos que as história oral e do tempo presente são fundamentais para analisarmos as problemáticas da reconstrução da memória. É, pois esse o caminho a ser percorrido na presente pesquisa, em torno da memória dos Caçotes.

Discutiremos alguns pontos principais como “irmandade”, “laços de parentesco”, “memórias”, “identidades”, “tradição” e “oralidade”, os quais se estendem em capítulos.

O trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro, A Vida Religiosa na

Cidade de Jardim do Seridó/RN, preocupamo-nos em apresentar um contexto histórico

sobre surgimento e formação da Irmandade do Rosário. Fazemos uma breve pesquisa com relação à festa, desde sua preparação a novenas e procissão, assim como os rituais festivos, dentre eles a dança, administrada pelos Caçotes e o Reinado.

No segundo capítulo, As Memórias que os Membros da Família Caçote

Construíram da Festa, preocupamo-nos em fazer um balanço sobre as memórias dos

mais velhos, mais uma vez dando ênfase à história oral. Neste capítulo, se tem um olhar mais voltado aos Caçotes, em particular à Senhora Inácia, como exemplo de tradições e memórias.

E por último, no terceiro capítulo, A Não Mais Participação da Família Caçote

na Festa. Lançamos algumas perguntas para tais mudanças que ocorreram com o tempo

e, assim, destacamos os mais novos na festa.

A intenção deste estudo é ajudar a preencher algumas lacunas no que se refere às mudanças do tempo, ocorridas na família Caçote.

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CAPÍTULO 1

A VIDA RELIGIOSA NA CIDADE DE JARDIM DO SERIDÓ/RN

Ó minha mãe, Senhora do Rosário, Rainha sois, quero vos coroar. Hoje protesto neste Santuário, até morrer vos hei de sempre amar.13

Imagem 2 - Negro do Rosário em frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição.

Data:1999. Créditos: AC Júnior

É com esse ponto/música que pedimos licença a Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião, aos Caçotes vivos e mortos para (re)contar suas histórias. Antes de iniciarmos o estudo sobre a família Caçote14, a análise, propriamente dita, do tema central desta pesquisa, é importante apresentarmos alguns aspectos históricos da vida religiosa na destacada Jardim do Seridó, e seus laços com a irmandade e com as festas

13 Parte retirada do Hino de Nossa Senhora do Rosário. HINO- Amor, amor a virgem eu amparo em cujas mãos inteiro me entreguei. A vós, ó Mãe, de quem sou filho caro, meu coração fiel conservarei.

Ó minha mãe, senhora do Rosário, Rinha sois, quero vos coroar. Hoje protesto neste Santuário, até morrer vos hei de sempre amar. Amor, amor, pois sois minha esperança, que me sustente em meio de

aflições. A vós, ó Mãe, com plena confiança, sempre valeis a quem tem precisões. Amor, amor, que nos abtendes graça e do mal feito o celestial perdão. A vós, ó Mãe, cujo amor nos alcança, amor de Deus por vossa intercessão.

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de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião. Começaremos por descrever, de forma breve, a chegada e formação desta Irmandade a partir da fé e devoção, que serão convenientes para compreendermos as influências da família Caçote no processo de formação da festa. Muitos fatores foram determinantes na formação desta irmandade, dentre eles, a fé, a devoção, a origem social, e até mesmo a naturalidade15. Assim, tais informações expressaram nitidamente os contornos de uma religiosidade local, suas articulações com a fé e a força da oralidade. Em Jardim do Seridó/RN, a irmandade do Rosário é tida como referência de fé e encontro entre “irmãos”, aspectos que a representa.

Como exemplo desta rica experiência, temos a família Caçote como principais protagonistas. Uma história viva pela memória dos mais velhos. Mais adiante, veremos esta forte influência e a participação desta família, compreendendo através da fala dos narradores os principais aspectos que rodeiam suas memórias.

1.1-Irmandade-Local de fé

Eu desde que eu nasci fui bem na irmandade…16 As irmandades religiosas surgiram e se desenvolveram na América Portuguesa, ao longo do processo de colonização, tendo como modelo as organizações fraternais portuguesas disseminadas na Idade Média17.

As irmandades eram associações de leigos que possuíam uma devoção comum e cuja finalidade eram a ajuda mútua, socialização e diversão. Para João José Reis, as Irmandades funcionaram como um espaço de construção de identidade e de alteridade18.

Ao longo do tempo, foram se espalhando pelo Brasil. Acompanhadas por uma tradição africana, os negros misturaram o catolicismo com sua religião local, carregada de símbolos, rituais e significados. Muitos foram os devotos de Nossa Senhora do Rosário, destacando-se os negros como maioria de seus adeptos. Esses indivíduos encontravam, nas irmandades, espaços para reconstruir suas identidades sociais e

15Informações retiradas a partir da narrativa dos entrevistados.

16Inácia Maria da Conceição, 90 anos, entrevista realizada em 2006, na cidade de Jardim do Seridó. Fonte: Diego Marinho

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BORGES, Célia Maia. Escravos e libertos nas Irmandades do Rosário: devoção e solidariedade em Minas Gerais – séculos XVIII e XIX. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2005.

18 REIS, João José. Identidade e Diversidade étnicas nas Irmandades negras no tempo da escravidão. In:

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religiosas, buscando dignidade e respeito. Com isto, grande número de adeptos e devotos construíram laços entre si, formando manifestações tidas como culturais.

No Brasil, a partir de 1930, os estudos do mestre Luís da Câmara Cascudo incorpora o folclore a manifestações culturais. O trabalho do folclorista foi pioneiro no estudo da cultura popular, destacando questões voltadas para a cultura social e popular. De certa forma, para Cascudo, a cultura popular não podia ser confundida com o folclore. O folclore sim abre novos espaços para os Negros do Rosário, e suas manifestações culturais. Observamos que as culturas sociais e populares foram se espalhando e ganhando espaço, cada qual com seu significado e gênero diferenciados, que, de certa forma, se aproxima entre si19.

Isso implica dizer que, as diversas culturas populares existentes no Brasil se destacaram, em primeira instância, com o folclore, onde muitos grupos de pessoas faziam uma “ação” ou qualquer outra atividade do gênero, para demonstrar suas vontades.

A irmandade, dessa forma, deve ser facilmente classificada dentro do termo cultura popular e manifestação cultural. Para Hall, o termo Cultura popular se entende como uma noção dialética, isso significa dizer que a cultura popular não é algo dado e estático, mas construído na prática da vida social, manifestações culturais por uma variedade de agentes20.

Em Jardim do Seridó, a Irmandade foi construída pelos devotos e apoio da Igreja21, desenvolveu-se uma religiosidade com expressiva produção ritual, que teve como destaque famílias de origem negra como principais devotos. Integrar-se à

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CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 9. ed. rev. atual. e ilust. São Paulo: Global, 2000.

20HALL, Stuart, “Notas sobre a desconstrução do Popular”. “Que negro é esse na cultura negra?” e “Reflexões sobre o molde de codificação/decodificação:uma entrevista com Stuart Hall”. In:SOVIK, Liv(org). Da diáspora: identidades e Mediações culturais. Belo horizonte. Editora UFMG,2008. 21 Segundo a Revista Jardim do Seridó, “A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário foi fundada em 1863 por Joaquim Antônio do Nascimento, tendo como primeiro batedor de caixa Luís Joaquim de Santana, tambor-mor Marcelino da Boa Vista e capitão de lança Francisco do Logradouro”, p. 8. Porém, a criação da Irmandade como sociedade religiosa, com estatuto regulamentando o funcionamento, só ocorreu através da Lei nº 951, de 16 de abril de 1885, da Assembleia Legislativa da Província do Rio Grande do Norte. Esta Lei constituída de 13 artigos, dispõe sobre a estrutura que esta Irmandade devia seguir. O artigo 1º institui a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição; enquanto que o inciso 2º, distribui os cargos, sendo um juiz, uma juíza, um tesoureiro, um procurador e um escrivão. Nos artigos seguintes, têm-se as obrigações que cada membro devia cumprir. E‟importante acrescentar, que atualmente esta Lei não é do conhecimento da referida Irmandade, pois os “irmãos” seguem a tradição oral, passada de geração a geração, a partir da memória dos “mais velhos”. Em anexo, copia na integra desta Lei.

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Irmandade era de fundamental importância para os habitantes daquela região. A Irmandade funcionava como espaço de sociabilidade, instrumento de relativa autonomia em que lhes era possível a ação coletiva e a (re)construção de identidades. Embora aderissem ao catolicismo, os negros não deixaram de manifestar suas matrizes culturais, seja na forma de assimilações simbólicas dos santos, ou na coroação de reis e rainhas, ou mesmo nas folias, organizadas para participarem das festas em homenagem àqueles aos quais devotavam culto especial.

Na referida Jardim do Seridó/RN, a população não ignora as questões voltadas para uma tradição propriamente dita, mas se acredita em mitos e histórias contadas22. Percebemos, nas duas falas adiante, que muito se construiu. E é nesse sentido, que Goulart destaca em sua pesquisa que:

Segundo Sebastião Arnóbio, secretário da paróquia de Jardim do Seridó, e historiador da cidade, o culto a São Sebastião se deu porque o ano da primeira edição da festa, 1863, havia uma epidemia de cólera[…]. Como o mês do santo é janeiro, próximo à festa da irmandade que é realizada nos finais e começos do ano, adotou-se, também, a devoção a ele, por parte da irmandade, como forma de pedir o fim da epidemia em troca de uma festa em sua devoção. (GOULART, 2012,p.11)23

Já na narrativa a Senhora Dona Inácia, destaca o que seus avós contavam sobre a história da chegada à devoção a Nossa Senhora do Rosário, na cidade de Jardim do Seridó, sendo como:

-Eu mesmo num sei dizer, meus avós falava que ela apareceu numa serra. Aí, foram buscar com mourda, chegava butava e ela voltava pra traz, pra o mesmo lugar. Depois, foram buscar umas caixinhas, essas caixinhas de tambor, com espontão. Aí, foi buscar e trouxeram e botaram na Igreja e ela ficou, aí, ficaram chamando de Nossa Senhora do Rosário. Porque queriam que fossem buscar.24

22

Utilizada essas expressões a partir das reflexões feitas em minha pesquisa.

23 SILVA, Bruno Goulart Machado. “Negro Veio é um Sofrer”: Uma etnografia da subalternidade e do subalterno numa irmandade do Rosário- (2012).

24 Inácia Maria da Conceição, 90 anos, entrevista realizada em 2006, na cidade de Jardim do Seridó. Fonte: Diego Marinho

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Nas duas falas, podemos perceber uma narrativa voltada para as “histórias contadas” sobre a origem e formação da fé em Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião. Ambas as narrativas nos proporcionam pensar como a população da referida cidade acredita em uma fé e devoção forte, por parte dos mais velhos e por promessas a serem cumpridas, fazendo uso de uma devoção católica ritualística. Todas voltadas para uma importância simbólica.

Nesse sentido, a análise das maneiras de sociabilidade, engendradas na irmandade aqui em questão, seguirá a proposta de autores que discutem conceitos como memória coletiva e memórias esquecidas, ambas voltadas para uma “tradição”25 bastante forte entre os negros do Rosário e a Irmandade.

Caio César Boschi26, aponta que, as irmandades foram uma “força auxiliar, complementar e substituta da Igreja”, sendo responsáveis, entre outras coisas, pela difusão do culto aos santos, pela evangelização dos fiéis e pela construção dos templos. Isso afirma dizer que, as irmandades foram uma ação substituída da Igreja, mesmo assim, sem perder as relações e os paradigmas expostos por ela.

As irmandades religiosas possuíam como finalidade o culto a um santo católico, o aumento desta devoção e a proteção dos seus irmãos. Dentro delas, os irmãos se responsabilizavam pelas suas devoções, mantendo uma relação familiar entre ambas, sem se preocupar com a origem propriamente dita.

Irmandade refere-se à fraternidade, laço de parentesco entre irmãos e/ou amizade afetuosa e íntima entre pessoas diversas27. Neste contexto, pode se dizer que a Irmandade do Rosário, na cidade de Jardim do Seridó/RN, é composta por conceitos referentes a laços entre pessoas e grupos, neste caso, a família Caçote, assim como as outras famílias que fazem parte da irmandade possuem um laço afetuoso entre si. Observamos, não apenas a importância da Irmandade para a família Caçote, como também a importância dos “irmãos” presentes na festa.

25Está se discutindo o conceito de tradição de Paul Zumthor, entendido não como algo fechado, estático, mas aberto e em constante movimento, indefinidade estendida, no tempo e no espaço, das manifestações variáveis de um arquétipo.Cf.: ZUMTHOR, Paul. Op. Cit., p.143.

26

BOSCHI, Caio César. Os Leigos e o Poder . São Paulo: Ática, 1986; e SCARANO, Julita. Devoção e Escravidão : a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII. São Paulo: Nacional (Coleção Brasiliana), 1976.

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Para que uma irmandade funcionasse, era preciso encontrar uma igreja que a acolhesse ou construir uma própria. Era comum que um mesmo templo acomodasse diferentes irmandades, que veneravam seus santos patronos em altares laterais.

Na irmandade em questão, a Igreja e a elite apoia até hoje a irmandade, toda a população apoia os negros com doações ou quaisquer ajudas, a Igreja não foi diferente fazendo uso de um catolicismo com “dotes” diferentes.

Na fala de Antônio Canuto, mais conhecido como Motor, percebemos esse apoio e influência por parte da Igreja e da elite local.

-É, e a Igreja. A Igreja apoia a gente, muito, muito bem, ela acolhe a gente muito bem, que ela faz a festa com a gente, aí ela reza a missa nas casas, ela faz muita coisa pra irmandade do Rosário[…].Então, a festa aqui dá muita gente, a elite da cidade também, né, ajuda bastante28.

A irmandade em questão, foi formada com a ajuda da Igreja e pelos devotos, a partir de doações, foram os próprios negros que a construíram. Dona Inácia rememora, em sua fala, que sua bisavó contava como foi o processo de formação, mesmo diante das dificuldades.

-É, vem dos meus avós, mas eu não sei como foi porque carregavam tijolo, teia, tudo nos ombro, nas mãos, pra construir a casa, sabe?. Mas, eu não sei dizer, sei que foi começado no tempo de meus avós.29

A jovem Jardelly, atual “Rainha Perpétua”, também Caçote, 23 anos, lembra as histórias contadas por sua bisavó, Dona Inácia.

-Então, a família Caçote foi uma das co-fundadoras da irmandade, com Antônio Caçote, que era católico, era o bisavô de Dona Inácia, então é a irmandade de hoje, ela vem sendo perpetuada por isso, devido à família Caçote, que vai iniciar com a família Dantas e com os negros da Boa Vista, e

28Antônio Canuto do Nascimento Filho (Motor), 58 anos, entrevista realizada em 06/01/2016 na cidade de Jardim do Seridó/RN.

29 Inácia Maria da Conceição, 90 anos, entrevista realizada em 2006, na cidade de Jardim do Seridó. Fonte: Diego Marinho. (Entrevista cedida).

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o fato de ter integrantes da família católica, dá essa importância ainda de permanecer com tradição dentro da irmandade30.

Nessas duas últimas narrativas, podemos perceber a presença da fé diante de tais dificuldades. Outro ponto em destaque, é a importância da oralidade para ambas as falas, estas, por sua vez, em tempos diferentes. Na fala da senhora Dona Inácia, ela relata a história contada pelos seus avós, na narrativa da jovem Jardelly, ela faz uso de histórias contadas pelos mais velhos, inclusive pela sua avó Inácia. Outro ponto importante a ser observado, é a questão da família Caçote para a origem e formação da festa. Mais adiante, discutiremos o conceito de oralidade presente na família Caçote.

Como referência, o livro de Michel de Certeau, A Invenção do Cotidiano: artes de fazer31, nos proporciona entender esse “homem ordinário”. Essas “maneiras de fazer” constituem as diversas práticas, através das quais usuários se apropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural. É neste contexto que, este estudo volta-se para uma história dos marginalizados, ou seja, para aquelas pessoas pouco vistas pela sociedade.

Como já apresentado, podemos perceber que a irmandade foi construída com muitas dificuldades, vale ressaltar que a Igreja também contribuiu e influenciou para sua formação, diante de tais dificuldades os negros a mantiveram viva, hoje, ela é vista como “histórica”, rodeada pelas memórias dos mais velhos. Ressaltamos que, a irmandade passou por algumas mudanças com o tempo, mas isso não implica dizer que ela está mais “fraca”32, pelo contrário, percebemos que, diante de tais mudanças, ela se mantém viva desde o tempo dos avós de dona Inácia.

A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião ainda se mantém “viva” na cidade de Jardim do Seridó/RN, muitos foram os membros que dela participaram. Pessoas de todas as origens, condições, idade e sexo eram aceitos, desde que fossem devotas aos santos e tivessem compromisso com a irmandade. A família Caçote se destaca nesta, responsáveis pela dança da festa, destacavam-se também em outras funções.

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Jardelly Lhuana da Costa Santos ,23 anos, entrevista realizada em 06/01/2016, na cidade de Jardim do Seridó.

31 CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. 11ª ed. Petrópolis: Vozes, 1994. 32 Termo utilizado pela autora para designar por exemplo- Que a festa esta menos visitada e/ ou com menos negros do Rosário.

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Imagem 3 - Santos na casa do Rosário de saída para procissão. Data: 2012

Créditos: Robson Pires Xerife.

A sede da Irmandade “Casa do Rosário”33

, está localizada no centro da cidade de Jardim do Seridó/RN, uma casa a moldes antigos e bastante conservada, nela se obtém muitas memórias através das variadas fotografias fixadas nas paredes largas e altas, um local bem arejado com portas e janelas e poucos objetos. São muitos os Negros do Rosário que se reúnem lá no período da festa, para alguns, serve de estadia.

A casa do Rosário é tida como de propriedade de todos os membros da irmandade. No período de festa, a casa é ainda mais visitada, os negros se reúnem e juntos saem para os eventos, missas, procissões entre outras. Alguns passam o dia na casa, fazem as refeições e dormem. A família da Boa Vista34, passa todo o período da festa na casa, sempre os três dias de estadia, só vai embora após a procissão. Podemos perceber, mais uma vez, que a casa é tida como sendo de todos, todos os “irmãos”.

Na fala de Seu Enoc, veremos que a festa é uma junção das famílias, Caçote e Dantas, pertencentes à cidade de Jardim do Seridó-RN, como também a comunidade Boa Vista, pertencente ao município de Parelhas-RN, esta última, durante o período das

33Nome dado a casa da Irmandade na cidade de Jardim do Seridó

34 Nome dado aos moradores da comunidade carombola Boa Vista cituada no municipio da cidade de Parelhas/RN. Que também fazem parte da irmandade de Jardim do Seridó.

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festividades, alguns hospedam-se em casa de conhecidos e, a sua maioria, na casa do Rosário, onde fazem estadia. Reafirmando a fala da senhora Dona Inácia, citada anteriormente, a casa é de todos os “irmãos”.

-Foi da família Caçote que é conhecido, tem daqui e da Boa Vista, vem pra aqui pra se ajuntar com a família de lá e de Parelhas, aqui de Jardim, todos os anos elas tem que vim pra aqui pra fazer a festa35.

Para os negros do Rosário, a irmandade é um local de fé, onde reúnem-se os irmãos devotos a cada ano, todos são vistos como iguais, e qualquer pessoa é sempre bem vinda. Uma casa com importância simbólica, podemos observar isso na própria fala dos narradores, cada um tem suas lembranças, representando assim uma junção de significados.

1.2 A Festa

…foi quem começou a festa, foi os Caçotes…36

…Já faz muitos anos que essa festa tem…37 As festas são comemoradas nos dias 30, 31 de dezembro e 1º de janeiro de cada ano reúne fiéis devotos de toda a cidade, além de cidades vizinhas. A festa se destaca pela quantidade de devotos e por apresentar uma festividade diferenciada daquelas dos outros padroeiros38. Reúne, além de comemorações da Igreja, “rituais”, como por exemplo, dança reinado entre outras manifestações.

A senhora Dona Inácia, 90 anos de idade, “irmã” da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, uma das mais velhas, narra a festa no tempo que ela ainda era criança.

Era assim, oh, a gente vinha pra festa, vinha tudo de pé, aí, passava a festa, papai num tinha a casa aqui não, mas todo mundo dava casa pra gente passar a festa, num sabe? Aí, agora aí eles tiravam, passavam o dia batendo, aqueles três dias batendo na caixa, aí tiravam aquele dinheiro. Aí, no dia da festa saia

35

Enoc José da Trindade, 74 anos, entrevista realizada em 06/01/2016, na cidade de Jardim do Seridó/RN. 36 Antônio Canuto do Nascimento filho (Motor), 58 anos, entrevista realizada em 06/01/2016 na cidade de Jardim do Seridó/RN.

37Enoc José da Trindade, 74 anos, entrevista realizada em 06/01/2016, na cidade de Jardim do Seridó/RN. 38

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uns com a coroa, para tirar esmola pra Nossa Senhora do Rosário, num sabe? Como agora já está sendo, aí pronto, era assim[…].39

Na narrativa da senhora Dona Inácia, podemos observar o quanto a festa era importante para todos, diante de tantas dificuldades, a família de Inácia não deixava de participar da festa. Ela destaca também, em sua fala, que eles pediam “esmolas”, até hoje ainda se tem esse hábito, todo o dinheiro arrecadado pelos negros são para as despesas da irmandade.

A semana da festa era muito aguardada a neta de Dona Inácia, Jardelly, atual rainha perpétua da irmandade, lembra como era na casa da sua avó durante a festa.

“Ah! Eu lembro muito quando a gente ainda era criança, não era da irmandade, mas, quando ela estava como rainha perpétua era o mês inteiro, o mês inteiro de dezembro era dedicado à festa, né! Quando os negros começavam a sair, ela já queria saber, todos os netos homens tinham que participar, tinham que pular, lembro muito da quantidade de netos que tinha, que vinha ônibus de São José, passando pelo sítio para trazer, e ficava todo mundo lá na família, e de cinco da tarde ela já começava botar o povo para se arrumar, ela tinha um zelo muito grande pela festa, tanto ela quanto vô Ludgero. Lembro muito disso.40 “

A partir da fala de Jardely Lhuana, podemos perceber a dedicação e a devoção da família Caçote à Festa, quando ela cita que, o “mês inteiro era dedicado à festa”, “todos os netos homens tinham que participar, tinham que pular” e o “zelo” que sua avó tinha pela festa. Em todos esses trechos de sua fala, percebemos o quanto a festa era aguardada, preparada e planejada, além da preocupação que Inácia tinha na participação de seus netos e familiares.

Na fala do senhor Enoc, podemos perceber o quanto a festa é animada. “Que eu acho muito boa a festa, é muito boa, desde quando eu entrei, tudo bom, uma festa animada41.”

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Inácia Maria da Conceição, 90 anos, entrevista realizada em 2006, na cidade de Jardim do Seridó. Fonte: Diego Marinho

40Jardelly Lhuana da Costa Santos ,23 anos, entrevista realizada em 06/01/2016, na cidade de Jardim do Seridó.

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Em alguns momentos de sua fala, Seu Enoc destaca as palavras “boa” e “animada”, ambas referentes à festa. Proporciona pensar em uma festa com bastante pessoas, em sua maioria transmitindo felicidade.

Voltamos atenção especial para as festividades em homenagem aos santos padroeiros, sendo a festa e a procissão dotada de muito preparo, adornos, sinos e músicas. A festa é preparada durante todo o mês, com terços e novenas nas casas dos fiéis, os três dias de festa são representados por missas em devoção aos Santos, dependendo do dia, se tem missa na matriz manhã, tarde e noite. O último dia, 01 de janeiro, à tarde, durante cinco horas, os fiéis se reúnem para o encerramento da festa, enquanto os negros do Rosário já se encontram na irmandade para seguir em filas, acompanhados pela procissão. Outro momento importante, após a procissão que também encerra a festa daquele ano, é a coroação, onde os reis do ano passam suas coroas para os do ano seguinte.

Imagem 4 - Membros do reinado durante a procissão. Data: 2016.

Créditos: Diego Marinho de Góis

Os reis e rainhas são figuras essenciais na festa, apresentados publicamente. Os cargos se dividem em: guardas de honra, rei e rainha do ano, rei e rainha perpétuos, juiz e juíza, escrivão e escrivã, presidente e presidenta, além de juízes e juízas perpétuos.

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Na imagem acima, percebemos os reis durante a procissão, seguindo em fila para a Igreja Matriz, todos seguem em casal, pelas ruas da cidade, enquanto os devotos os acompanham. Os cargos rituais, onde se destacam o reinado e muito adorado são vistos por todos. Não existe restrição para ocupar esses cargos, como veremos a seguir.

Sobre a rainha, Góis pergunta a Dona Inácia:

-Me diga, quem pode ser rainha?

-Qualquer uma moça, mulher ou senhora casada de bem, qualquer pode ser rainha.

-E, mas tem que ser negra, né? -É.42

Seu Enoc também afirma:

-Minha mãe dizia que, quando a rainha era nova e bonita, o ano era bom de inverno43.

Percebemos, na narrativa de Inácia, que a rainha pode ser comprometida ou solteira, que não há uma exigência maior sobre ela, destaca ainda que ela não precisa ser alguém tão importante, apenas uma pessoa de “bem”. Seu Enoc destaca a beleza, fazendo uma referência ao inverno, ou seja, algo mais simbólico.

1.3 A Dança

…Tinha um neguei desse tamanho assim, que pula, que salta, o povo fica abismado com ele.44

42Inácia Maria da Conceição, 90 anos, entrevista realizada em 2006, na cidade de Jardim do Seridó. Fonte: Diego Marinho

43Enoc José da Trindade, 74 anos, entrevista realizada em 06/01/2016, na cidade de Jardim do Seridó/RN. 44

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Imagem 5 - Dança do espontão. Data: 2000

Créditos: AC Júnior

Destaque para a dança, por ser uma característica marcante na festa, e administrada pelos Caçotes. Na imagem, os puladores estão dançando, durante a procissão, a dança do “espontão” 45, ao som do “pífaro”46 e tambores, característica marcante de rituais. Podemos fazer uma observação entre o sagrado e o profano. Durante a procissão, os negros estão à frente, com seus rituais, sempre cultuando a fé. Logo atrás, seguem, em procissão, os católicos devotos dos santos padroeiros.

45

Espontão consiste em um bastão enfeitado com fitas coloridas em sua extremidade. Espontão, segundo Câmara Cascudo é a “denominação de uma dança guerreira, que acompanhava a procissão e festa de Nossa Senhora do Rosário(...) existe nos municípios de Jardim do Seridó e Caicó, no Rio Grande do Norte (...) um grupo de negros com espontões, uma lança e uma bandeira branca percorre as ruas, ao som de três tambores trovejantes (...). CASCUDO, Luís da Câmara . Dicionário do folclore Brasileiro. 9 ed. São Paulo: Globo, 2000. p. 21.

46Pífaro - Instrumento de sopro feito de madeira, taquara ou bambu. É um tipo de flautim, com furos ao longo do comprimento, também denominado pífano ou pife. CASCUDO, Luis da Câmara. Op. Cit., p.515.6

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A dança, o pulo e seus instrumentos foram administrados, por muito tempo, pela família Caçote. Tornando-se, assim, uma marca para a família.

Representadas por traços africanos, a dança é uma maneira de se livrar de uma luta ou guerra, ou seja, um ritual com representações de caça e luta, entre animais ou pessoas. Os objetos que constituem a dança são bastante representativos, entre eles destacam-se: a lança, o escudo, bem como, toda uma série de encenações para se livrar de algo.

É importante salientar, contudo, que a dança é uma manifestação vinda dos africanos. Como já apresentado anteriormente, os negros misturaram o catolicismo com seus dotes religiosos.

Segundo José Ramos Tinhorão essas misturas de religião se da atarvez dos negros que envolviam danças, tambores e trajes de festa, até mesmo antes de chegar ao Brasil. Mais afastados da tradição católica, frequentemente estavam associados a práticas africanas47. Após esse processo de chegada ao Brasil, foram adquirindo novos dotes, como por exemplo, acrescentar ao catolicismo suas origens africanas. Já os batuques, foram manifestações registradas no Brasil desde o século XVI.

Neste contexto de rituais festivos, ressaltamos a dança por ganhar destaque em nossa pesquisa, ao se tratar de um símbolo importante para os negros do rosário, além de conter como principais administradores os Caçotes.

“Muita coisa importante, por que quando danço, aí eu recordo, sei que to fazendo uma coisa, por que foi meu povo quem inventou aquela festa, aí pronto, eu me sinto honrado, por causa que sou um deles, né!48”

Motor narra a dança como uma forma de recordar algo que representa a origem de sua família, ou seja, de seu povo. Através de sua narrativa, podemos perceber a forte influência e importância da dança, tanto para a família de Motor, os Caçotes, quanto para a festa.

As famílias49 que participam da irmandade se dividem por administrar algumas atividades, a família Caçote se responsabiliza pela dança, um dos principais destaques

47 TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil Colonial. São Paulo: Ed. 34, 2000.

48Antônio Canuto do Nascimento Filho (Motor), 58 anos, entrevista realizada em 06/01/2016 na cidade de Jardim do Seridó/RN.

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da festa. Ao som de uma banda de pífano, constituída pelos membros do pulo e os músicos.

As batidas de caixas e bandeiras se destacam por seus rituais festivos, com danças e cânticos. Esta dança e representada por crianças, jovens e adultos, a maioria pertence à família Caçote. Na fala dos entrevistados, iremos observar a importância desta dança, além de destacar as mudanças que ocorreram com o tempo, por exemplo, o reduzido número de puladores nos dias atuais.

Contudo, os Negros do Rosário veem a dança e a música, e até mesmo o reinado, como forma de expressar a fé e devoção por Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião.

Como já falado, a festa é encerrada com a procissão do cortejo final, acompanhada com o reinado, onde, os reis perpétuos retiram a coroa dos reis daquele ano e passam para os reis que vão representar o ano seguinte.

Imagem 6 - Procissão. Data: 2016.

Créditos: Diego Marinho de Góis

A procissão se destaca pela quantidade de pessoas devotas que a acompanham com fé e devoção, seguindo pelas ruas da cidade, após seu encerramento, os devotos participam da missa em frente à Igreja, em seguida, o momento da coroação. Por fim, ao

49Os Caçotes Jardim do Seridó/RN, a família Dantas Jardim do Seridó/RN, os membros da Boa Vista Parelhas/RN

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som da banda de música Euterpe Jardinense50, seguido da queima de fogos, chega o momento do hasteamento51 da bandeira, encerrando mais um ano de festa, ao grito do Capitão de Lança52:

-Viva Nossa Senhora do Rosário! -Viva!

-Viva São Sebastião! -Viva!

-Viva as pessoas de bem! -Viva!

-Viva a boa sociedade, tronco, ramos e raízes! -Viva53

Após o grito de “viva”, todos saúdam os santos e seguem para suas residências, a partir daquele momento, os negros do Rosário seguem para a casa do Rosário, os reinados seguem em fila, enquanto os puladores e tocadores seguem dançando.

A referida festa se destaca por sua grandiosidade, apoiada pela Igreja, os negros do Rosário a compunham a com seus rituais. Observamos também, o quanto a irmandade é forte e importante, não só para os próprios negros, mas também para a cidade.

50Quem nasce em Jardim do Seridó/RN 51

Ação de hastear. Fonte: Dicionário Aurélio

52 O chefe do grupo, também chamado de Capitão de Lança, é quem comanda todo o ritual dos Negros do Rosário.

53Canto de saudações aos santos padroeiros. Versos pronunciados por Antonio “Capitão”, após o término da missa solene da festa, realizada no dia 1º de janeiro de 2016.

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CAPÍTULO 2

AS MEMÓRIAS QUE OS MEMBROS DA FAMÍLIA CAÇOTE CONSTRUÍRAM DA FESTA.

“Num dia 30 de dezembro, em algum ano desconhecido, vestida de branco, com faixa vermelha sobre o peito, percorre as ruas da pequena Jardim do Seridó, ansiosa, com terço nas mãos, em direção à Igreja, para participar de mais uma festa em devoção a Nossa Senhora do Rosário e São Sebastião.”54

Imagem 7 - Inácia (Rainha Perpétua). Data: 1997

Créditos: AC Júnior.

Imagem 8 – Dona Inácia. Data: 2002

Créditos: www.Jardimdoserido.rn.gov.br

54Descrição baseada em nossa experiências ao longo desta pesquisa, e o convivência pessoal entre a autora e sua a vó Dona Inácia.

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As características apresentadas anteriormente são referentes à Senhora Inácia, cujo objetivo, aqui, é mostrar a força e a fé que rodeiam a irmandade, de Jardim do Seridó/RN, em destaque um membro ou família da irmandade, em particular por parte dos “Caçotes” 55

. Neste capítulo, percebemos alguns aspectos importantes presentes na irmandade, composta por um grande número de participantes, e destacado um membro em particular, a senhora Dona Inácia.

Neste contexto, buscaremos recuperar a memória dos mais velhos, suas tradições e lembranças, com destaque para a família Caçote, análise propriamente dita do tema central.

2.1-Irmandade, da qual era irmã.

Ela foi muito importante na festa…56

A senhora Dona Inácia (in memoriam), já apresentada anteriormente, ganha destaque em nossa pesquisa por se tratar de um ser que demonstrava fé e devoção pelos santos padroeiros, e um compromisso pela irmandade da qual fazia parte. Era bem vista e adorada pelos irmãos, se destacou pelo zelo e cuidados perante a festa, influenciou sua família a fazer parte da irmandade, entre eles, filho(a)s, neto(a)s, bisneto(a)s, irmã(o)s, primo(a)s ou qualquer membro da família “Caçote”, sua preocupação era fazer com que essa tradição, vinda dos seus avós, não se perdesse, um exemplo para a irmandade.

Inácia era neta de Luiz Caçote, um dos primeiros a construir a irmandade e formar a festa, o qual, depois de falecido, teve seu posto de chefe herdado pelo pai de Inácia, o senhor Antônio Caçote. Inácia narra, em sua entrevista57, que entrou para a irmandade ainda criança, ela destaca que foi de interesse pessoal, mas seu pai também a influenciou. Após casada com Sr. Ludgero, teve seis filhos, dentre eles, três mulheres e três homens, influenciados, desde a infância, a fazer parte da irmandade.58 O cargo de chefe também passou para seu Ludgero. Ambos assumiam o posto de chefes, onde cuidavam da irmandade e eram respeitados por todos.

55 Caçotes, apelido dado a uma das famílias presentes na irmandade do Rosário, em Jardim do Seridó/RN. 56Antônio Canuto do Nascimento Filho (Motor), 58 anos, entrevista realizada em 06/01/2016 na cidade de Jardim do Seridó/RN.

57GÓIS, Diego Marinho de. Entre estratégias e táticas: enredos das festas dos Negros do Rosário em Jardim do Seridó-RN. Monografia de Graduação em História – Departamento de História e Geografia, UFRN, Caicó, 2006.

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Ao perguntar à senhora Dona Inácia porque ela entrou na irmandade, perceberemos aspectos voltados para uma tradição herdada de seu avô.

-Porque quis mesmo. Tinha vontade, papai era chefe da Festa de Nossa Senhora do Rosário, aí a gente acompanhava, a gente tudinho acompanhava ele[…]. Porque a gente quer acompanhar por que vinha do meu avô, pediu pra papai não deixar. Aí, ele também pediu pra gente não deixar, e assim a gente vai continuando.59

Na narrativa da senhora Inácia, sempre está presente uma tradição forte, ela destaca com muita facilidade a questão da família perante a irmandade, quando esta afirma “ele pediu para a gente não deixar” e “vai continuando”, percebemos, mais uma vez, a questão da “tradição” 60 e “oralidade” 61, no caso relacionado à família de Inácia.

Neste contexto, é destacada a pesquisa local feita por Góis, onde, o mesmo, a partir de entrevistas também realizadas com os Caçotes, destaca a família como uma forte influência para as festas, o autor dá destaque também à senhora Inácia, sendo ela uma das principais “guardiãs da memória”62. Seguimos a linha de pensamento de Góis, quando este afirma que, “O pai de Dona Inácia aparece em sua narrativa não só como “qualquer um” ou “ninguém”, mas como o chefe da Irmandade”.63

(Góis, 2009, p.27 ), o autor busca na narrativa da Senhora Inácia uma importância para sua família. No decorrer da pesquisa, Góis relembra as primeiras participações na festa, sendo elas como “fragmentos de memória”64.

59 Inácia Maria da Conceição (in memoriam). Jardim do Seridó-RN, 28 de jan. 2005. (Entrevista Inédita de Diego Marinho de Gois p.25). Matriarca da família “Caçote”, a Senhora Inácia nasceu em 1915, sendo filha de Antônio Francisco da Trindade e Isabel Maria da Conceição. Segundo relata, seu “avô nasceu no cativeiro”. Toda a sua família é apelidada de “Caçote” em virtude do seu avô Luís, que recebeu esta denominação do seu senhor, porque ele pulava muito nas festas dos negros, semelhante a um “caçote”: pequeno batráquio comum na fauna do Seridó. Embora tenha participado das festas em questão desde o tempo de criança, somente em 1933 foi que Dona Inácia lavrou seu nome na Irmandade do Rosário, juntamente com seu marido Ludgero José dos Santos (in memoriam).

60 Esta se discutindo o conceito de tradição de Paul Zumthor, entendido não como algo fechado, estático, mas aberto e em constante movimento, indefinidade estendida, no tempo e no espaço, das manifestações variáveis de um arquétipo.Cf.: ZUMTHOR, Paul. Op. Cit., p.143.

61

Segundo Verena Alberti a História Oral é uma metodologia de pesquisa e de formação de fonte, para fins de estudar a contemporaneidade. Surgiu em meados do século XX, após a invenção do gravador de fita e consiste na realização de entrevistas com pessoas que participaram ou testemunharam acontecimentos do passado e do presente. (PINSKY, 2008, p. 155)

62

LE GOFF, Jacques. Op. Cit., p. 429.

63 GÓIS, Diego Marinho de. Entre estratégias e táticas: enredos das festas dos Negros do Rosário em Jardim do Seridó-RN. Monografia de Graduação em História – Departamento de História e Geografia, UFRN, Caicó, 2006. P.31.

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Todavia, no capítulo anterior discutimos uma historicidade acerca de uma irmandade, a qual consiste em laços afetuosos entre irmãos, ou seja, as três famílias que constituem a irmandade: família Caçote, família Dantas e a comunidade Boa Vista, Parelhas/RN. Compreendemos as festividades e ações compostas por essas famílias, fazendo um balanço acerca de entrevistas e leituras, resumimos de forma breve e clara, a historicidade da formação de uma irmandade. Adentramos aqui, em um estudo mais específico. Discutiremos, adiante, a família Caçote como foco de pesquisa, ressaltando a história oral e o conceito de tradição.

Na pesquisa feita por Goulart, ao perguntar a origem do apelido Caçote, Sebastião Arnóbio afirma que: “O nome veio de uma espécie de sapo que pulava muito. Como a dança do espontão se assemelhava a um pulo, alguém fez a associação e o apelido permaneceu ao longo do tempo65”. Os negros têm orgulho do seu apelido Caçote. Para alguns, é uma identidade, onde a origem desse nome pouco importa, o apelido sempre é acrescentado ao nome, como por exemplo, Antônio Caçote, Sebastião Caçote e Inácia Caçote. Para alguns, caso o marido tenha o apelido Caçote em seu nome, sua esposa também deve acrescentá-lo.

Adentramos em especial na família Caçote, dando destaque à senhora Inácia Maria da Conceição e o senhor Ludgero José dos Santos, naturais de Jardim do Seridó/RN, ambos in memoriam, pelo fato dos mesmos terem obtido grande destaque e importância dentro da irmandade, como também em todas as entrevistas. Baseado nisto, meu objetivo aqui é mostrar a importância da irmandade para algum “irmão” ou “irmã”. Portanto, veremos, de forma breve e clara, alguns aspectos voltados para a família Caçote em questão, sempre vinculados à festa e à irmandade da qual faziam parte. Discutiremos, também, alguns conceitos, como por exemplo, a “tradição” e “oralidade” presente nas narrativas apresentadas.

Seguindo esta linha acerca das discussões apresentadas, percebemos a relação que a família Caçote teve e tem com a festa, desde a sua origem e formação. Não adentraremos, mais uma vez, em uma historicidade já apresentada, mas discutiremos, a partir da fala dos narradores “Caçotes”, os pontos característicos desta família.

Entre todas as falas dos nossos narradores, podemos perceber a presença da senhora Dona Inácia:

65SILVA, Bruno Goulart Machado. “Negro Veio é um Sofrer”: Uma etnografia da subalternidade e do subalterno numa irmandade do Rosário- (2012). p.16.

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-Ela foi muito importante na festa, ela acompanhava tudo, tudinho, a festa, quando tava tudinho, eu trabalhei com ela, Dona Inácia, com ela com Ludjerio. Foi muito importante pra festa do Rosário […] Dona Inácia, ela é filha de tio Antônio Caçote, irmão de meu avô, aí foi quem começou a festa sabe, aí pronto, aí por isso que ela tomou conta da festa também, por causa que ela teve a honra do pai dela, né!66

-Pronto, foi ela que butou, aí eu saí da festa. Aí, ela botou e disse: Enoc, o senhor vai ficar no lugar de Esmerado, você não bebe, é muito bonita a festa, eu fiquei no lugar de Esmerado, já faz uns 17 anos ou mais, que eu sou rei perpétuo67.

Em ambas as falas, pode-se perceber que, Dona Inácia tinha certo “poder” perante a irmandade, Enoc cita que ela foi quem o colocou na irmandade, ela o convenceu a entrar, destaca também “você não bebe”, “a festa é muito bonita”, como uma forma de torná-lo significativo e despertar algum interesse. Na fala de Motor, ele descreve o tempo que trabalhou com ela, destacando que “foi muito importante pra festa do Rosário”, “ela teve a honra do pai dela”, nesta última parte da fala, percebemos, mais uma vez, a questão da tradição, vinda desde o pai de Inácia, como uma forma de honrar a família, sempre destacando sua relevância.

Nesse contexto, percebemos o quanto os “irmãos” admiram e reconhecem uns aos outros, podemos perceber novamente a questão dos laços, presente entre os membros da irmandade68. A partir das narrativas apresentadas, observamos laços, admiração e respeito por parte dos Caçotes com relação a Inácia.

Como já destacado anteriormente, Inácia era esposa de seu Ludgero, ambos faziam parte da irmandade, Seu Ludgero foi chefe, administrador e organizador da irmandade, considerado muito importante por todos. Vale salientar a presença de Ludgero na fala de Seu Enoc, destacando-o como chefe, cargo herdado por Antônio Caçote, já citado anteriormente.

66Antônio Canuto do Nascimento Filho (Motor), 58 anos, entrevista realizada em 06/01/2016 na cidade de Jardim do Seridó/RN.

67Enoc José da Trindade, 74 anos, entrevista realizada em 06/01/2016, na cidade de Jardim do Seridó/RN. 68

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-Essa festa era, foi começada pelo meu bisavó Luiz Caçote, aí, morreu e passou pra meu avô, Antônio Caçote. Aí, de lá veio de lá pra cá, o mais velho ia morrendo e botando os mais novo, aí ficou pra Dudujero69.

É sempre presente, a questão da “tradição”, aonde “o mais velho ia morrendo e botando o mais novo”, neste meio tempo em que os mais velhos iam morrendo, o senhor Ludgero, que já era da irmandade, assumiu o posto de chefe.

Podemos perceber entre outras coisas, que a família Caçote, aqui destacada, tem uma grande preocupação em repassar essa tradição, os mais velhos, por sua vez, influenciam os mais novos a participarem da festa, sempre mostrando uma preocupação em evitar a perda de tradições.

Neste contexto de tradição dos mais velhos, destacamos a neta de Ludgero e Inácia, a jovem Jardelly, já apresentada anteriormente. São relevantes, mais uma vez, as tradições e oralidade, hoje, por parte da família Caçote.

-Também. Eu acho que, quando ela estava viva e que ela tentava, de mesmo que sendo em oposição, repassar isso para os netos, eles meio que acatavam, nem que fosse pelo respeito a ela, mas acatavam, eles faziam com que eles estivessem lá dentro e, de certa forma, passar a conhecer e começasse amar também. E agora, como ela não está mais, não há mais aquela exigência, não há mais aquele tronco velho que era quem legitimava a participação, então poucos são os que realmente conhecem, poucos são se realmente dizem que originam da família Caçote, isso vai fazendo com que vai se perdendo. Não há mais preocupação para repassar isso70.

Observa-se que, Jardelly Lhuanadestaca o fato de que, quando sua bisavó Inácia era viva, a presença dos Caçotes era mais forte, ou seja, hoje não há mais uma preocupação para repassar isso, neste caso, ela justifica as mudanças ocorridas com o tempo, na família, em decorrência do falecimento de sua bisavó, pois, ela tinha cuidava para que todos da família fizessem parte da festa. Percebemos que, para alguns membros da família Caçote, essa tradição continua presente, mas, para Jardelly, ela vem se modificando com o tempo, ou seja, perdendo seu destaque. Mais adiante, adentramos nas questões voltadas para a mudança do tempo.

Jardelly Lhuana justifica esta perda devido à ausência da oralidade, a qual foi aumentada após o falecimento de sua bisavó, contribuindo para uma ausência de

69Enoc José da Trindade, 74 anos, entrevista realizada em 06/01/2016, na cidade de Jardim do Seridó/RN. 70Jardelly Lhuana da Costa Santos ,23 anos, entrevista realizada em 06/01/2016, na cidade de Jardim do Seridó.

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tradições. Seu Enoc justifica que, para não perder tanto esta tradição, ele tem certo prazer em repassar isto, ou seja, em contar suas histórias para outras pessoas.

[…] o povo vem, tira foto de nós pra levar pra longe. Aqui em casa, um dia, eu estava aqui, aí vinha uma menina da rua, aí disse, pia você aqui, já veio de longe, você olhou todo canto tem dessa região você tá aqui[…].Tem, todo canto tem. Aí, veio o povo tudim perguntar, essa menina daqui pergunta , perguntou tudinho aqui como era, eu disse como começou, do jeito que foi começada a festa, fundada pelo meu bisavô, gravou pra depois passar pra eu ver. Eu disse, será que eu sei, não o senhor diz o que o senhor sabe, da festa tudim, da irmandade tudim71.

Seu Enoc demonstra que tem um prazer em narrar, “dar” e “receber”, ou seja, contribuir, repassando suas histórias e, ao mesmo tempo, fica orgulhoso quando vê as pessoas comentando sobre suas entrevistas, pois, quando ele afirma que “o povo vem tirar foto de nós pra levar pra longe”, ele percebe a importância de sua fala. Ao afirmar que, ”vinha uma menina da rua, aí disse, pia você aqui”, “pergunta tudim como era” “gravou pra depois passar pra eu ver”, em todos esses momentos ele demostra o quanto as pessoas o procuram para saber a história da festa e da irmandade, e ele fica muito feliz em contribuir com isso.

Na narrativa de seu Enoc, percebemos, mais uma vez, a importância da oralidade, para ele é uma forma de contribuir com o próximo, destacando o poder da voz. Para Thomson,72 uma forma de dar voz às experiências, contribuindo assim, para novas histórias.

O testemunho oral gera novas histórias, e a criação de novas histórias, por sua vez, pode literalmente contribuir para dar voz a experiências vividas por indivíduos e grupos que foram excluídos das narrativas históricas anteriores ou foram marginalizados. (THOMSON,1999,p.69)

Através do pensamento de Thomson, percebemos que, o ato de narrar nos proporciona pensar em novos espaços, construindo novos conhecimentos. Como vimos, o senhor Enoc, sabe que está contribuindo, através de sua narrativa, para novas histórias, ou seja, de alguma forma ele entende a força que tem a oralidade. A história

71Enoc José da Trindade, 74 anos, entrevista realizada em 06/01/2016, na cidade de Jardim do Seridó/RN. 72

THOMSON, Alistair. Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre a história oral e as memórias. In: Projeto História. São Paulo: PUC, nº 15, 1999.P.69.

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oral tem papel importante para a construção da sociedade, a história oral é uma história construída em torno de pessoas. (THOMPSON, 1992, p.44).

São muitos os contextos e reflexões que obtemos através da oralidade, Halbwachs nos faz pensar algumas delas, como por exemplo:

Toda a arte do orador consiste talvez em dar àqueles que ouvem a ilusão de que as convicções e os sentimentos que ele desperta neles não lhes foram sugeridas de fora, que eles nasceram deles mesmos, que ele somente adivinhou o que se elaborava no segredo de suas consciências e não lhes emprestou mais que sua voz. (HALBWACHS, 1990, p.47)

Tem-se, assim, certo contraponto nas proposições do autor, que defende, no geral, a memória como um fenômeno passivo e/ou alusivo, mas reconhece que há forças e sentido na voz, mesmo existindo conflitos. Formando assim, reflexões que nos fazem pensar nesta arte do orador como sendo um fenômeno de contrapontos e sentidos, muitas vezes significativo.

Segundo o autor Barros, “a imprecisão da história oral” não nos deve enganar, também existem espaços dissimulados que se escondem na documentação escrita, contornando silenciosa e falsamente, revelando segredos que o próprio autor do texto não pretendia revelar, mas que escaparam através da linguagem, dos modos de expressão, da súbita iluminação que se espalha pelo texto quando o confrontamos com outro nesta prática que é, hoje, chamada de intertextualidade.

Desta forma, Barros destaca a oralidade como um meio que historiadores possam utilizar para escrever a História, onde tem oportunidade de estar próximos aos protagonistas de fatos históricos, por mais que alguns estudiosos ignorem essa fonte.

Como vimos, para os Caçotes, essas memórias dos tempos mais antigos estão sempre presentes em suas narrativas, para alguns, os “tempos bons” eram os tempos mais antigos.

Referências

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