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FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

LÉIA ROSA DOS SANTOS

MARIA SÍMBOLO DE DEUS E DA MULHER:

Estudo das Imagens de Maria na Teologi a da Libertação

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO – UMESP

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

LÉIA ROSA DOS SANTOS

MARIA SÍMBOLO DE DEUS E DA MULHER:

Estudo das Imagens de Maria na Teologia da Libertação

Orientador:

Prof. D r. Etienne Alfred Higuet

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às

exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Religião para obtenção do grau de Mestre.

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO – UMESP

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________

Prof. Dr. Etienne Alfred Higuet UMESP

___________________________________

Prof. Dr. Antônio Carlos de Melo Magalhães UMESP

_________________________________________

Prof.ª Dr.ª Luiza Etsuko Tomita Escola Dominicana de Teologia – EDT

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DEDICATÓRIA

Aos amigos e amigas católicos (as) com os quais tive o prazer de conviver em respeito mútuo e recíproco nas diferenças religiosas.

A mulheres e homens que lutam por uma sociedade e igreja com práticas mais igualitárias e que lutam também contra os efeitos da segregação racial, da discriminação social e do preconceito sexual.

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AGRADECIMENTOS

“Chamar o nome de Jesus, o nome de Maria ou de um santo de que se é devoto, é como um bálsamo que faz bem para o corpo todo, para a vida que habita em cada um de nós”.

Ivone Gebara e Maria Clara Bingemer

Meu agradecimento, antes de tudo, vai para minha mãe que não hesitou em insistir para que fôssemos alfabetizados e à minha irmã Rita pelo constante incentivo à leitura.

À Prof.ª Elizabeth Paiva e aos Profs. Jone Nunes e Jorge Nery, do Seminário Teológico Batista do Nordeste, cuja visão crítica serviu de grande inspiração teológica.

Agradeço ao corpo docente da UMESP, pelo constante apoio, especialmente aos Profs. Drs. Lauri Wirth, Antônio Magalhães e Geoval da Silva.

À funcionária Ana Fonseca.

Minha gratidão ao IEPG pelo apoio financeiro desde o início do curso até à sua conclusão e por ter acreditado em nossa pesquisa.

Agradeço a Tânia, prima, irmã e amiga, pela paciência, pelo apoio moral e incentivo nos momentos difíceis, pela compreensão e tolerância de conviver com os livros espalhados pelos dois pequenos cômodos da casa.

Agradeço principalmente ao meu orientador, Prof. Dr. Etienne Higuet, pela paciência e pelas importantes observações, as quais foram decisivas para o desenvolvimento da pesquisa.

Enfim, meus agradecimentos a todos quantos contribuíram direta ou indiretamente no desenvolvimento desta pesquisa. Obrigada.

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SIGLAS USADAS

AL América Latina

NT Novo Testamento

TL Teologia da Libertação / Teologia Latino-americana da Libertação

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SINOPSE

A figura de Maria está em processo de emancipação, de uma Maria divinizada e pura, para uma Maria concreta, humana e mulher. Sua emancipação vem em decorrência das conquistas e vitórias que as mulheres de hoje têm buscado e alcançado. Claro que essas mudanças vêm ocorrendo restritamente em uma determinada linha teológica, que a partir de uma hermenêutica libertadora e a partir do feminino como ele se mostra pra nós hoje, pensa Maria como figura (mulher) concreta. Mas, como símbolo religioso, ela será sempre Virgem, Mãe e Esposa, e as novas interpretações serão sempre um esforço de superar o modelo de mulher ideal projetado no simbolismo de Maria, vista com os óculos do patriarcalismo. Parale la a essa nova interpretação do simbolismo religioso mariano, encontra-se a estrutura do feminino como nova chave hermenêutica para se pensar Deus, perspectiva que revela a transcendência divina e sua humanidade presente também na figura da mulher. Deus-Mãe é um termo bastante utilizado nos círculos populares, a partir da leitura bíblica de textos veterotestamentário e também está restrito às academias, acepção que dificilmente se pronunciará no âmbito religioso evangélico e na sociedade, pois a cultura ainda está impregnada de patriarcalismo, onde a supremacia masculina inibe de se pensar o feminino como estrutura que transcende sua natureza humana.

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ABSTRACT

Mary’s figure is going through an emancipation process; from a divine and pure Mary to a concrete, woman and human Mary. Her emancipation is a result of the achievements and victories that women today have sought and pursued. It is evident that these changes have occurred exclusively in one determined theological trend, that using a liberating hermeneutic and the feminine as it is shown to us today, thinks Mary as a concrete figure (woman). However, as a religious symbol, she will always be a Virgin, a Mother and a Wife, and new interpretations will always be an attempt to overcome the model of an ideal woman projected in Mary’s symbolism seen through the lens of a patriarchal structure. Parallel to this new interpretation of the religious symbolism of Mary, is found the structure of the feminine as the new hermeneutic key to think about God, a perspective that reveals the divine transcendence and the humanity present in a woman’s figure as well. God-Mother is a very well used term in popular circles, from a biblical reading of the Old Testament texts and is also restrict to the academy, meaning that will hardly be used in an evangelical religious realm and in society, for the culture is still impregnated with patriarchal structures where man’s supremacy hinders the feminine thought as a structure that transcends its human nature.

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SUMÁRIO Dedicatória ... 4 Agradecimentos ... 5 Siglas usadas... 6 Sinopse ... 7 Abstract ... 8

M ARIA, SÍMBOLO DE DEUS E DA MULHER: INTRODUÇÃO GERAL AO TEMA ... 18

CAPÍTULO I. A FIGURA DE MARIA NA AMÉRICA LATINA ... 19

1. Maria, a esperança de um povo novo

Introdução ... 20

1.1. Proposta antropológica de Gebara e Bingemer ... 20-21 1.2. Teologia Marial ... 22-24 1.3. Dogmas ... 24-26 1.4. Maria no continente latino-americano ... 26-28 1.5. As autoras concluem ... 28 Considerações pessoais ... 28-29

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2. O feminino e Maria

Introdução ... 30-31 2.1. O feminino revelador do divino ... 31-33 2.2. Jesus, um feminista (?) ... 34-35 2.3. Proposta antropológica de Leonardo Boff ... 35-36 2.4. Feminino – caminho de Deus para o homem ... 36-39 2.5. Análise simbólica dos dogmas em Leonardo Boff ... 39-41 2.6. A solidariedade e mediação universal de Maria ... 41-42 2.7. O mito como acesso à realidade ... 42-44 Observações a respeito do texto. A união hipostática de Maria:

uma hipótese, segundo Boff ... 44-46

3. Mariologia popular

Introdução ... 46-47 3.1. Maria na Teologia da re ligiosidade popular Latino-americana... 47-50 3.2. Maternidade popular latino-americana ... 50-52 3.3. A Maria da América Latina ... 53-55 3.4. Conclusões do autor ... 56 Considerações pessoais sobre o texto ... 56-58 Síntese do capítulo ... 58-61

CAPÍTULO II. MARIA, SÍMBOLO DE DEUS ... 62 Introdução ... 62

1. Manifestação do sagrado

Introdução ... 62-64 1.1. Imagens e símbolos ... 64-66 1.2. Símbolos da fé ... 66-68 1.3. O símbolo religioso ... 68-71 Considerações a respeito dos textos ... 72-74

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2. Maria, símbolo da fé

Introdução ... 75-77 2.1. Maria, símbolo religioso ... 78-81 2.2. Feminino: imagem e semelhança de Deus ... 82-84 2.3. Maria, a mulher ícone do mistério ... 84-86 2.3.1. Significado teológico da maternidade ... 86-88 2.3.2. Significado antropológico da maternidade ... 88-89 2.4. Considerações a respeito da posição de Bruno Forte ... 89-90 Síntese do capítulo ... 90-92

CAPÍTULO III. A EMANCIPAÇÃO DA MULHER A PARTIR DA

FIGURA DE MARIA ... 93

Introdução ... 93 A. Algumas barreiras para a emancipação da mulher ... 93-96

1. O Magnificat ... 96-102 2. O Fiat ... 102-108 3. A linguagem religiosa ... 108-114 Síntese do capítulo ... 114-115 Considerações pessoais ... 115-116 CONCLUSÃO ... 117-119 BIBLIOGRAFIA ... 120-121

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INTRODUÇÃO

As novas formas de pensar Deus e, tudo que está relacionado a ele, têm sido para a hermenêutica um trabalho singular. Olhar para o mundo de hoje sob novas perspectivas teológicas contribui significativamente para novas releituras do próprio pensar teológico: a fé, Deus, o homem e, agora, ainda que timidamente, a mulher. Neste sentido, apontamos para uma perspectiva mais paradigmática como foco de interesse sobre a emancipação da mulher, já que durante séculos e, ainda hoje, o feminino enquanto objeto de análise, ainda habita a periferia do discurso teológico. Pois, a Teologia sempre esteve atrelada à Cristologia e, conseqüentemente, à Teologia da Salvação que é lida única e exclusivamente a partir de um “modelo próprio” – que é Cristo, único mediador entre Deus e nós. Esta nova ênfase possibilitará uma nova experiência mariológica no campo hermenêutico, e Maria poderá ser considerada veículo da revelação e salvação de Deus no mundo como experiência emancipadora da mulher e do indivíduo de forma libertadora.

O objetivo desta pesquisa não é divinizar Maria, mas como símbolo de Deus, mostrar que ela, assim como Jesus, desempenhou um papel importante nos desígnios da salvação de Deus para a humanidade, conforme relatos dos textos bíblicos. Tanto Cristo como Maria, ambos se pertencem, um está vinculado ao outro e subsistem reciprocamente. Maria é símbolo de um Deus que se humaniza, se comunica, um Deus que quer ser mãe e mulher.

Para mim, falar de Maria é um desafio muito grande, pois nasci em um lar cristão batista embora minha formação escolar primária tenha sido numa escola católica, mesmo sem a aprovação de meu pai, minha mãe, ao contrário, não se importava, para ela o importante era sermos alfabetizados. Contudo, meu pai nos advertia severamente para não cantarmos os hinos ensinados, nem tampouco rezar suas preces, mas lembro-me até hoje da canção entoada todos os dias nas vozes das freiras e dos coleguinhas antes das aulas, que marcou minhas lembranças, eis um trecho da canção:

mãezinha do céu, eu não sei rezar, eu só sei dizer que quero te amar (...)

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Fiz Teologia num seminário confessional e o amor por Maria nasceu há pouco tempo, quando consegui descentralizar a salvação divina no modelo único: Jesus e, em minha concepção, Maria passou a ter um novo significado. Concordo com a afirmação da teóloga protestante presbiteriana,Tina Beattie:

todos nós temos o direito de nos relacionar com Maria de uma maneira que nos ajude a aprofundar nossa fé e a expressar nossa humanidade. Ela representa um rico manancial para a espiritualidade da mulher e para a redescoberta dos elementos negligenciados da feminilidade na Igreja (...) Ao encontrar Maria mais uma vez, os homens encontram uma parte de si mesmos que precisam possuir. Ela oferece aos homens a oportunidade de recuperar os aspectos maternais de sua própria natureza, e às mulheres, a oportunidade de resgatar o senso de autonomia e de auto-estima diante de Deus1

Hoje, como teóloga evangélica e como mulher, percebo que a figura de Maria no discurso teológico e pastoral no âmbito evangélico guarda um profundo silêncio e, para mim, a figura de Maria é uma peça central para nossa salvação em Deus. Acredito que a ausência não só de Maria, mas a ausência de metáforas femininas no discurso teológico e pastoral solidifica as interpretações literais dos textos a respeito das mulheres, os quais lhes foram pejorativamente associados. E compreendendo que nós mulheres estamos rotuladas e estereotipadas como culpadas, sedutoras, impuras, criação inferior ao homem e em conseqüência disso, devemos ser submissas, percebo que a figura de Maria, neste sentido, no âmbito evangélico, também está submissa a Cristo, pois ele é a expressão máxima da revelação de Deus. Penso que a ausência de Maria em nossa comunidade justifica a ideologia controladora desse discurso: a submissão de Maria a Cristo e, conseqüentemente, a submissão da mulher ao homem. Exclui-se Maria, a bem-aventurada e assim exclui-se também a mulher – culpada pelo pecado da humanidade.

Acredito que as igrejas evangélicas precisam atualizar seu discurso sobre a mulher no que diz respeito à sua dignidade, autonomia e espiritualidade, levando em consideração as conquistas atuais. Penso ainda, que Maria, como símbolo de Deus, nos ajudará a superar essa grande lacuna, pois a salvação divina focada na figura masculina de Jesus fica incompleta, e refletindo a figura de Maria a partir de alguns teólogos e teólogas da Teologia da Libertação, busco argumentos plausíveis para compreender que a figura de Maria também é fonte da reve lação divina para a fé cristã evangélica, há muito banida pela reforma protestante, que considerou qualquer

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representação simbólica ou imagem esculpida como idolatria. Ainda hoje se percebe que uma boa parte dos evangélicos tem verdadeira aversão a Maria, pois sua figura está atrelada ao catolicismo e tudo que vem associado ao catolicismo para alguns evangélicos é idolatria. Acredito que a figura de Maria não deveria estar única e exclusivamente ligada ao catolicismo tendo em vista que ela foi chamada de be m-aventurada, disse Fiat ao refletir sobre os planos de Deus e tendo em vista também que ela é Mãe de Jesus Cristo.

No entanto, ao ignorar a figura de Maria, anula -se também a presença do feminino como imagem e semelhança de Deus, nega-se à mulher a representação do feminino na divindade e a humanidade divina no corpo da mulher e, inclusive, exclui-se também a presença da mulher na liturgia e na pastoral.

Então, é a partir da Teologia Católica que a figura de Maria serviu de fonte de inspiração para pensar nessa figura mais cultuada e adorada de toda a AL. Como fruto da nossa reflexão teórica, observamos que a TL pensa a figura de Maria a partir da emancipação da mulher no contexto atual, pois, o desenvolvimento do pensamento cristão não promoveu por meio da figura de Maria a emancipação da mulher nem como imagem e semelhança de Deus, tal como se apresenta nas Escrituras Sagradas, nem como veículo de salvação divina. Por isso, pensamos junto com os(as) teólogos(as) da libertação o inverso, ou seja, a emancipação da mulher no contexto atual como fator primordial para pensar a figura de Maria e libertá- la do cativeiro da idealização e da marginalização. Assim sendo, estaremos simultaneamente olhando para a figura de Maria e a estrutura do feminino em seus relevantes aspectos emancipadores.

Assim, objetivamos também, apresentar uma visão panorâmica de alguns autores da TL, suas principais concepções teológicas e a promoção/libertação das mulheres a partir da figura de Maria, enfatizando seus aspectos libertadores, mas a partir do feminino, tal como se apresenta para nós hoje: em pleno processo de emancipação.

A opção pelo tema veio em decorrência do conteúdo estar sempre se referindo à mulher como imagem e semelhança de Deus e a Maria como figura originária desta imagem. Portanto, o tema da pesquisa satisfaz e traduz o seu objetivo. Quanto à opção pelos autores, buscamos aqueles que atendessem ao nosso objetivo. Claro que outros autores poderiam contribuir para o desenvolvimento da nossa pesquisa, mas devido aos nossos critérios: relevância para o tema proposto e objetivo, inclusive a acessibilidade às fontes determinaram sua escolha. Não entraremos nas questões teóricas a respeito de gênero, entretanto, utilizaremos outras correntes do

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pensamento teológico, como, por exemplo, a Teologia Feminista, por seu conteúdo se prender efetivamente a uma visão emancipadora e libertadora da mulher. Dividida em três capítulos, apresentaremos a seguir as linhas gerais do caminho a percorrer.

No primeiro capítulo não faremos uma análise dos textos nem uma exegese meticulosa dos fatos bíblicos associados à Maria, mas a partir de teólogas(os) da TL: Ivone Gebara e Maria Clara Bingemer (1987), Leonardo Boff (1979) e Antônio González Dorado (1992), faremos uma síntese dos seus pensamentos, apresentando uma visão geral e observando o que eles trazem de novo ao pensarem a figura de Maria a partir do feminino e do contexto latino -americano. Subdividimos este capítulo em três partes.

Na primeira parte, intitulada de “Maria a esperança de um povo novo”, sintetizaremos os pensamentos das teólogas Ivone Gebara e Maria Clara Bingemer. Nesta síntese absorveremos ao máximo os pensamentos dessas teólogas, expondo os grandes eixos dessa sistematização para uma Teologia Marial. Primeiro, suas propostas antropológicas; segundo, a Teologia Marial; terceiro, os dogmas; e quarto, Maria no continente latino-americano. Na segunda parte, intitulada “o feminino e Maria”, sintetizaremos os pensamentos do teólogo Leonardo Boff, subdividindo-os em sete tópicos: primeiro, o feminino revelador do divino; segundo, Jesus um feminista(?); no terceiro, as propostas antropológicas do autor; no quarto, o feminino – caminho de Deus para o homem; no quinto, uma análise simbólica dos dogmas nos pensamentos do autor; no sexto, a solidariedade e mediação universal de Maria; sétimo, o mito como acesso à realidade; e por fim, concluiremos a síntese dos pensamentos de Leonardo Boff sobre a união hipostática de Maria: uma hipótese, segundo Boff. Na terceira parte, intitulada “Mariologia popular”, sintetizaremos os pensamentos de Dorado em três momentos: primeiro, Maria na Teologia da religiosidade popular latino -americana; o segundo, sobre a maternidade popular latino-americana; e por fim, a Maria da AL, indicando como a cultura contribui (negativamente) na Teologia da fé popular.

No segundo capítulo, intitulado “Maria símbolo de Deus”, faremos uma abordagem teórica sobre os símbolos religiosos a partir das teorias de Haight (2003), Tillich (1985) e Eliade (1991 e 1992). Ao analisarmos teoricamente o símbolo religioso, apontaremos para Maria como símbolo de Deus e conseqüentemente, símbolo da mulher. Este capítulo está subdividido em três partes: primeiro, Maria, símbolo de Deus, pois Deus se manifestou em sua carne; segundo, Maria símbolo da fé, proclamada como bem-aventurada que manifesta o caráter de Deus; e terceiro,

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Maria, a mulher ícone do mistério, a partir da teoria de Bruno Forte (1991), teólogo europeu, observaremos que Maria está subordinada a Cristo em função de sua maternidade divina.

No terceiro capítulo, apresentaremos uma visão geral da figura de Maria a partir dos nossos teólogos básicos da TL em diálogo com outros teólogos e teólogas, especialmente Elizabeth Johnson, que traz uma importante contribuição a respeito de Deus sobre o uso da linguagem, alguns desses autores não falam exclusivamente da figura de Maria, mas teoricamente pensam a mulher como imagem suficiente para revelar o divino. Aqui, falaremos da emancipação da mulher a partir da figura de Maria. Este capítulo está subdividido em três partes: primeiro, a partir da compreensão doMagnificat e sua importância para o contexto da AL e seus efeitos no pensamento dos oprimidos do mundo moderno – Deus está ao lado dos oprimidos; segundo, o Fiat revela a responsabilidade e autonomia de Maria como mulher e mãe diante dos desígnios divinos; e finalmente, a linguagem religiosa revela sua parcialidade ao falar sobre Deus unicamente como Pai, Deus mãe é uma palavra (quase) impronunciável. O predomínio da linguagem cristã sobre o símbolo influencia profundamente o conceito de Deus como Pai, e não valoriza a humanidade plena da mulher, conforme observa Johnson.

A transcendência divina pode ser pensada tanto a partir da estrutura masculina, quanto a partir da estrutura feminina, as polarizações ficam por parte dos preconceitos e estereótipos da cultura e da sociedade. Assim, hoje, a Teologia tenta usar a linguagem de maneira menos sexista e exclusivista. Por isso, ao nos referirmos a “Maria como símbolo de Deus e da Mulher”, não queremos fazer uso do pensamento da Teologia atual que agrega ao caráter masculino de Deus “características femininas”, nem nos apropriarmos das teorias a respeito da terceira pessoa da Trindade – o Espírito Santo que é considerado em seu gênero gramatical como feminino: ruah, para justificar a dimensão feminina de Deus. Posições criticadas pela Teologia Feminista, em particular pela teóloga Elizabeth Johnson, que fornece respaldos suficientemente convincentes e compreensíveis de que atribuir características femininas a Deus não promove a humanidade plena da mulher, além do mais são característicasestereotipadas2, mas deve -se pensar Deus a partir da própria mulher numa perspectiva inclusiva e libertadora.

De um lado, ao examinar esses autores e suas produções teóricas (teológicas) em que aparecem as formulações de crítica ao “tradicional” modo de pensar a figura de Maria, em que se

2 JOHNSON, Elizabeth A. Aquela que é: o mistério de Deus no tratado teológico feminino. Petrópolis, RJ: Vozes,

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afirmam de outro lado, a interdependência e autonomia do seu caráter, por outro lado, a recuperação do discurso de emancipação a respeito da mesma questão, no sentido de perceber como aqueles saberes, ao serem vinculados ao sistema patriarcal, inviabilizaram a imagem da mulher como símbolo do divino, e atualmente tornou-se ao mesmo tempo poderoso símbolo de apropriação do feminino para a emancipação da mulher como imagem do divino, já que durante muito tempo a figura de Maria revelava apenas o modelo de mulher idealizada pelo patriarcalismo. A presença/ausência feminina no trabalho teológico (tradicional) vem sendo marcada, no decorrer da história, por idéias relacionadas a uma suposta natureza feminina, que a TL tem procurado romper.

A inclusão do feminino na TL como objeto de reflexão teológica tem contribuído significativamente para um questionamento social, eclesial e teológico a partir de uma perspectiva libertadora. Nos autores supracitados encontramos elementos para uma linguagem inovadora a respeito de Maria e do feminino, são teólogos e teólogas que incluem em seus discursos despidos de preconceitos a inserção do feminino como sujeito, parte constitutiva da TL. Este novo rosto que figura Maria a partir do feminino, que também é marginalizado, começa, então, a fazer parte do pensar teológico, não como idealizou a tradição, mas Maria é Mulher com todas as ambigüidades que lhe são inerentes. Contribuem também como fontes inspiradoras para refletir a presença do feminino no trabalho teológico, a partir de uma reflexão desprendida das idéias relacionadas a uma suposta “natureza feminina”, rompendo assim com os conceitos culturais no que diz respeito às “verdades” sobre Maria no contexto da AL.

Encontramos pontos de contatos para uma Teologia Marial libertadora e atual acerca das “verdades marianas”, por exemplo, a partir da perspectiva do Reino conforme sugerem Gebara e Bingemer, que é entender que Deus não privilegia um modelo da humanidade que deva salvar a todos, neste caso a figura masculina representada na pessoa de Jesus , mas tanto a realidade masculina quanto a feminina é receptora e integralmente apta para salvar e ouvir a voz de Deus. E na perspectiva do Reino não há lugar para o patriarcalismo que projeta no homem o modelo e caminho para se chegar até Deus, ao contrário, “é afirmar que a salvação e a criação de Deus sempre se mostraram inseparavelmente presentes no homem e na mulher”3.

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Eles comunicam de maneira mais ampla com os diversos ramos da cultura secular, tornando possível o diálogo entre Teologia e cultura, Teologia e sociedade e uma possível práxis teológica efetiva.

Portanto, a reflexão mariológica a partir de uma sistematização à luz da nova emergência do feminino e do processo de emancipação do homem/mulher, oprimido/a da AL, contribuirá para uma sociedade mais justa e uma Igreja cuja doutrina seja menos opressora das mulheres e dos marginalizados em geral.

A partir deste quadro de reflexões mais libertadoras do feminino e da Mariologia, podemos pensar a figura de Maria como símbolo de Deus e da Mulher. E assim, criando asas para que, livre do domínio do patriarcalismo, dos seus ditames, da sua soberba, do seu império reinante na cultura, possamos também romper com os estereótipos e também com determinados componentes culturais que têm marcado ao longo da sua história.

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CAPÍTULO I

A FIGURA DE MARIA NA AMÉRICA LATINA

Neste primeiro capítulo, o objetivo central é sintetizar as obras dos nossos quatro teólogos(as) da TL: Ivone Gebara e Maria Clara Bingemer (1987), Leonardo Boff (1979) e Antonio González Dorado (1992), e apresentar uma visão panorâmica das suas principais concepções sobre a figura de Maria. Com o intuito de observar o que eles trazem de novo ao pensarem a figura de Maria a partir do feminino e do contexto latino-americano.

Este capítulo está subdividido em três partes. Na primeira parte, intitulada de “Maria a esperança de um povo novo”, sintetizaremos a obra das teólogas Gebara e Bingemer, primeiro, suas propostas antropológicas; segundo, a Teologia Marial; terceiro, os dogmas; e quarto, Maria no continente latino-americano.

Na segunda parte, intitulada de “O feminino e Maria”, sintetizaremos os pensamentos do teólogo Leonardo Boff, subdividindo-os em sete tópicos: primeiro, o feminino revelador do divino; segundo, Jesus um feminista (?); no terceiro, as propostas antropológicas do autor; no quarto, o feminino – caminho de Deus para o homem; no quinto, uma análise simbólica dos dogmas nos pensamentos do autor; no sexto, a solidariedade e mediação universal de Maria; e por fim, o mito como acesso à realidade. Concluiremos esta síntese fazendo observações pessoais a respeito do texto (A união hipostática de Maria: uma hipótese, segundo Boff).

Na terceira parte, sintetizaremos os pensamentos do teólogo Dorado sobre a “Mariologia Popular” em três momentos: primeiro, Maria na Teologia da religiosidade popular Latino-Americana, que abarca os três primeiros capítulos, salientando a gênese da Teologia popular; no segundo, sobre a maternidade popular Latino Americana, analisaremos os capítulos quatro e cinco, observando como a figura de Maria se incorpora neste continente, e por fim, do capítulo seis ao oitavo, a Maria da AL, que está associada ao contexto de opressão, mas com a finalidade de libertar-se a ponto de ser considerada como Mãe da libertação.

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1. MARIA, A ESPERANÇA DE UM POVO NOVO

Introdução

“Maria, mãe de Deus e mãe dos pobres”, esta é uma obra elaborada por duas teólogas latino -americanas que objetivam superar os modelos antropológicos que há muito “presidiu a elaboração mariológica e teológica”, conforme explicitam as autoras. A temática é tratada a partir de “uma nova perspectiva antropológica”, que é: humanocêntrica, unitária, realista e pluridimensional, para a elaboração da Teologia Marial. O livro está organizado em seis capítulos, precedido de uma introdução, cujo trecho poético lembra sofrimento e escravidão: “Maria dos oprimidos”. Mas, ao mesmo tempo revela a esperança de um “povo” que tem uma mãe sob a imperativa súplica: “Liberta os filhos teus...”4. Trata-se, então, de uma análise teológica feita a partir da realidade de um povo, tendo em vistas sua emancipação. O subtítulo da obra é bastante significativo: “um ensaio a partir da mulher e da AL”. Temos aí dois discursos: a Mulher e a América Latina, os quais servem de ponto de partida para o desenvolvimento das análises dessas teólogas.

Mulher e AL talvez reflitam a mesma realidade expressiva de marginalização, esta por ser

um país de terceiro mundo, onde as desigualdades sociais são cada vez mais acentuadas e aquela por representar o grupo dos oprimidos e excluídos neste continente.

1.1. Proposta antropológica de Gebara e Bingemer

É neste contexto de marginalização e opressão que as reflexões dessas autoras se situam. Assim, ao analisarem o pensamento da “antropologia tradicional”, propõem uma nova abordagem antropológica já no primeiro capítulo, intitulado “Por uma nova perspectiva antropológica”, com o objetivo, no entanto, de superar os discursos da antropologia androcêntrica, dualista, idealista e

4

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unidimensional, os quais, segundo elas, conseqüentemente, contribuíram para o contexto atual da nossa sociedade. Destes, destacaremos o idealismo platônico, o qual trouxe sérias conseqüências para a humanidade, dividindo-a em dois mundos, cujo um deles é inalcançável (utópico). Este mundo “desejado e projetado” é paradoxal às nossas realidades existentes, causando uma grave miopia que se esforça em enxergar unicamente: “o outro mundo”, o “outro eu”, a “outra realidade”. Cegueira esta que faz com que as pessoas tornem-se incapazes “de ver, enxergar, sentir a presença interpelante do ‘homem da mão seca’, da ‘mulher sofrendo de fluxo de sangue’ em meio à multidão”5.

Ao romper com essa moldura antropológica idealista, na qual Maria é vista “nas suas qualidades sobre- humanas, nas suas virtudes dignas de imitação, na sua capacidade de ternura ilimitada e no seu amor sem fim”6, torna-se em um modelo inalcançável. Gebara e Bingemer pretendem elaborar uma “Teologia Marial” que mine as bases estruturais dessa figura que antecipadamente já está “pronta” e supostamente inquestionável. A proposta dessa perspectiva antropológica é humanocêntrica, unitária, realista e pluridimensional. Ao propor uma antropologia com características humanocêntricas: “homem e mulher como centro da história”, elas apontam, assim, a possibilidade de se elaborar uma “Teologia Marial que recupere a ação histórica das mulheres em favor do Reino de Deus e que, em conseqüência, faça justiça a Maria, às mulheres, aos homens, em fim, à humanidade criada à imagem e semelhança de Deus”7.

Entretanto, seria necessário articular com uma antropologia que “seja capaz de ultrapassar a experiência do “homem” como experiência normativa para todo o comportamento humano”8. Assim sendo, elas propõem (já que a mulher não é mais “consumidora” da Teologia, mas começa também a “fazer Teologia” e ligado a esse momento de consciência e emancipação da mulher) uma “antropologia feminina, ou mais precisamente feminista”9. Esta antropologia Teológica visa incluir a mulher como parte da revelação divina, que quer reconhecer em Maria a esperança da presença divina para todos homens e mulheres marginalizadas. Deus também se manifesta no mais simples e desprezados de todos os povos, sua presença não é limitada aos poderosos, mas abrange o ser humano em geral.

5

GEBARA, I. BINGEMER, M.C., Op. Cit., 17.

6

Op. Cit., p. 18.

7 Op. Cit., 14. 8 Op. Cit., p. 22. 9

(22)

1.2. Teologia Marial

No terceiro capítulo, ao falarem sobre Maria na Sagrada Escritura, elas pensam o conceito “Reino de Deus” como “central e fundador de uma nova maneira de abordar o papel de Maria na história de nossa fé”10. Mostrando que nas expressões do Reino, ambas as imagens

masculina e feminina representam um elo que nos liga à figura da nossa salvação: Deus. O Reino

de Deus não é um Reino aristocrático em que o outro é excluído, ao contrário, é um Reino participativo e convidativo a todos quantos desejem lutar contra as forças opressoras, estes estarão aptos a participarem desse “movimento”: mulheres e homens quer sejam ricos ou pobres, negros ou brancos, índios e mestiços. Um Reino que rejeita a discriminação social, rejeita a segregação racial e o preconceito sexual (Gl. 3.28).

Por isso, segundo essas teólogas, fazer Teologia Marial a partir da perspectiva do Reino é entender que Deus não privilegia um modelo da humanidade que deva salvar a todos, neste caso a figura masculina representada na pessoa de Jesus . Mas, tanto a realidade masculina quanto a feminina é receptora e integralmente apta para salvar e ouvir a voz de Deus. E na perspectiva do Reino não há lugar para o patriarcalismo que projeta no homem o modelo e caminho para se chegar até Deus, ao contrário, “É afirmar que a salvação e a criação de Deus sempre se mostraram inseparavelmente presentes no homem e na mulher”11. Fatos estes presentes nas figuras simbólicas de Adão e Eva, Maria e Jesus.

Gebara e Bingemer afirmam, ainda, que “fazer Teologia Marial a partir da perspectiva do Reino não é simplesmente “falar de uma figura feminina contrapondo-a a uma figura masculina”, é muito mais que simplesmente revelar as “excelências” realizadas em Maria, ou falar do seu amor, sua dedicação e entrega a Deus, “mas porque sem ela, sem a dimensão que ela representa, fica faltando uma metade de nós, uma metade da humanidade e, conseqüentemente, uma metade da divindade”12, ou seja, a divindade estaria revelada pela metade (grifo meu). E este Reino se revela tanto no homem quanto na mulher de maneira complementar e relacional.

Em decorrência da extrema valorização do masculino, encobriram-se de várias formas os modelos femininos que contribuíram efetivamente na história e em vários contextos (um exemplo

10 GEBARA, I. BINGEMER, M.C., Op. Cit., p. 44. 11 Op. Cit., p. 48.

12

(23)

atual desta supervalorização masculina em detrimento da feminina é a hierarquia institucional eclesiástica em alguns segmentos religiosos). Entre essas mulheres, que as autoras denominam de “mulheres geradoras ou portadoras da salvação do povo”, estão: Míriam, Ana, Rute, Judite e Ester. Mostram, então, que elas foram mulheres bíblicas que expressaram os modos de viver coletivos, foram símbolos de um povo que cantou a vitória, que viveu à beira da extinção, povo frágil, estéril, mas esperançoso. Para Gebara e Bingemer, os heróis não vencem sozinhos, mas as lutas são sempre marcadas pela coletividade, pela presença de mulheres e homens e de pessoas oprimidas que não aparecem no cenário. Centralizar a vitória em uma figura é esquecer do outro que deu sua vida em prol dessa coletividade. Por isso, no Reino de Deus não cabe o ego ísmo, a ganância, mas o que é mútuo e ao mesmo tempo recíproco.

E é a partir dessas mulheres, “imagens do povo”, que as autoras caracterizam a figura de Maria como “Herdeira da tradição de seu povo e inovadora de suas esperanças”13. Ao afirmarem que “Deus nasce de uma mulher”, expressão para o mesmo “valor teológico” de que “Deus se faz carne em Jesus”, ambas vêem a “encarnação” como “experiência de cada mulher e de cada homem”14. Como herdeira da tradição, a figura de Maria revela o rosto de um novo povo que nasce a partir da “experiência presencial do Espírito Santo”. Não mais uma figura em quem se manifestou o poder de Deus, mas a mulher que simboliza “a presença salvífica e criadora de Deus no meio do povo”15.

Ao situar a figura de Maria em seu contexto histórico, tendo em conta que a perspectiva da Teologia neste continente é elaborada a partir do seu contexto “sócio -economico-cultural”, ressaltam que: “sem por isso deixar de lado o componente mistérico e transcendente”16. E ao se referirem à “mulher no tempo de Maria”, as autoras vão afirmar que Maria é uma mulher que existiu em um contexto de condição inferior ao homem “marcada mesmo pela sua

corporeidade”17.

É a partir dos dados histórico e contextual da vida de Maria que se faz Teologia na AL, para que se revele e se mostre a presença, a atuação, a solidariedade e coletividade das mulheres efetivamente. Enumeradas as condições que inferiorizam as mulheres vividas na época de Maria,

13

GEBARA, I. BINGEMER, M.C., Op. Cit. p. 54.

14

Op. Cit., p. 55.

15 Op. Cit., p. 57. 16 Op. Cit., p. 60. 17

(24)

as autoras denominam de “anátema”18. Basta citarmos um desses anátemas, que é “ter seu ciclo biológico mensal considerado como impureza”19. Assim, ao percorrerem pelos evangelhos, Atos dos Apóstolos, Gálatas e o Apocalipse, as autoras vão tecendo fio por fio até chegarem ao ponto em que as possibilidades indiquem para uma Teologia Marial.

1.3. Dogmas

Gebara e Bingemer no quarto capítulo fazem uma releitura dos “dogmas mariais e seu novo significado a partir dos pobres e a partir do ‘espírito’ do nosso tempo”, mas lidos a partir do contexto do continente latino -americano. Segundo as autoras, os dogmas constituem-se uma “questão ecumenicamente delicada, moralmente espinhosa e teologicamente desafiante”20. Em primeiro lugar, definem o que significa para elas o “verdadeiro sentido do dogma”. O significado de dogma não tem o mesmo sentid o que teve na definição do Concílio Vaticano I, o qual ficou reduzido a “proposições dogmáticas”, mas seu conceito e sua significação devem ser buscados nas suas “origens mais remotos, na ‘Igreja Primitiva...’ (At 15.28)”21.

Em virtude da abrangência do assunto deste capítulo, passaremos rapidamente pelos demais dogmas e nos deteremos no dogma da “Maternidade”. Em suas reflexões, o primeiro dogma é o da “Maternidade divina”, o qual “possui profundas e sólidas referências escriturísticas”. “O termo grego que sintetiza o mistério de fé contido no dogma – THEOTÓKOS – Mãe de Deus”22. Mediante o exame do conjunto dos textos neotestamentários, elas reafirmam que a Maternidade de Maria é divina e que muitas vezes são descritos sob os “mais significativos símbolos do AT”, por exemplo, em Lucas, “a nuvem que acompanhava o povo e envolvia a tenda da Aliança (Ex 40.34), significa que seu interior está repleto da glória de Javé (...)”. E, “a maternidade divina de Maria a torna assim, segundo Lucas a nova Arca da Aliança (Lc 1.39-44, 56)”23.

18

GEBARA, I. BINGEMER, M.C., Op. Cit. Ibidem.

19 Op. Cit., p. 62. 20 Op. Cit., p. 104. 21 Op. Cit., p. 105s. 22 Op. Cit., p. 110. 23 Op. Cit., p. 112.

(25)

Esta compreensão, entretanto, ajuda a estabelecer possíveis pontos de contatos com a nova insurgência da mulher na sociedade, já que anteriormente a função da mulher era a procriação, principalmente na cultura judaica na qual a mulher que não fosse mãe era marginalizada. Embora a maternidade de Maria e sua maneira de viver (virgem, santa e mãe), tenham produzido a passividade das mulheres em geral, hoje a maternidade passa a ser uma opção. Mas, não vamos entrar no mérito dessa discussão, falaremos disso mais tarde. As autoras citam também os concílios, em que aparecem as formulações sobre a maternidade: Constantinopolitano I, Éfeso e Calcedônia, e atualmente, “o Concilio Vaticano II”, na elaboração do seu documento: “a Constituição Dogmát ica Lumen Gentium”. Elas ressaltam o significado que o Concílio deu à maternidade, do seu profundo significado “à salvação humana como um todo”24.

Ao contrário do valor explícito que tinha (tem) a maternidade na cultura judaica, a

Virgindade não tinha (tem) o mesmo valor significativo, não apresentava (apresenta) um valor

singular. A esterilidade era considerada uma humilhação, e a realização da mulher estava no simples fato de ser mãe. E é nesta situação de humilhação e desprezo que o Filho de Deus nasce. A Virgindade, simbolicamente significa um novo ser gerado, para viver as experiências do Reino, possibilidade esta, que se “... abre para homens e mulheres de todos os tempos e de todas as épocas a perspectiva de um novo nascimento”. E assim “a criatura humana é, pois, diante d’Aquele que a criou, como um terreno virgem e inexplorado, onde tudo pode acontecer”25.

O terceiro dogma, que as autoras denominam de a “Cheia de Graça”, é o da “Imaculada Conceição”. A proclamação do dogma da Imaculada Conceição aconteceu em um “contexto sociocultural modernista e contexto eclesial antimodernista”. Fixado em 1854, por Pio IX. Para as autoras, a declaração desse dogma, isentando Maria do pecado original, “vem confirmar de certa forma a postura da Igreja da época, de não querer se imiscuir no modernismo, considerado o grande pecado do momento”26.

E por fim, a “Vitoriosa e Senhora Nossa: A Assunção” que é o dogma mais recente, “definida e proclamada solenemente por Pio XII, a 1º de novembro de 1950”. Assim como esse dogma trouxe esperança para os fiéis na época do seu estabelecimento, época das duas guerras

24 GEBARA, I. BINGEMER, M.C., Op. Cit. p. 114. 25 Op. Cit., p. 121s.

(26)

mundiais, assim também como “imagem e início da Igreja do futuro, sinal escatológico de esperança e de consolo...”27, para o povo de hoje.

1.4. Maria no continente latino-americano

O quinto capítulo, intitulado “Algumas tradições de culto a Maria na AL”, é também uma análise do contexto histórico do nosso continente, com o objetivo de mostrar as diferentes relações e os aspectos dessa devoção no período das conquistas. Dividido em sete partes, este capítulo não ressalta unicamente os aspectos negativos da colonização, mas a grande influência que a figura de Maria exerceu, o que significou para os conquistadores e conquistados. Marcado pelo período colonial o continente latino-americano sofreu as conseqüências das conquistas ibero-portuguesas, que conquistou e destruiu os “infiéis” e sua idolatria de culto indígena à deusa-Mãe. Por meio da violência, a imagem de Maria foi usada pelos colonizadores para legitimar suas conquistas e sobrepor sua tradição religiosa, massacrando e destruindo a cultura dos índios e negros, brutalmente conquistados. Embora, ainda com resistência, a cultura espanhola e portuguesa foi se impondo, havendo posteriormente “uma integração sincrética entre as grandes divindades dos índios, e também dos negros com o cristianismo”28. Veremos mais detalhes dessas conquistas na terceira parte deste capítulo, ao tratarmos da “Mariologia popular”.

As devoções a Maria na AL marcam um relacionamento em que o povo espera alcançar as graças. Ao falar das “aparições, curas e milagres”, as autoras destacam duas figuras centrais neste contexto: “A aparição de Nossa Senhora de Guadalupe”, e a “Senhora da Conceição Aparecida: ‘salva’ das águas para salvar o povo”. O tema é tratado dentro da perspectiva teológica. “Maria é “viva em Deus” e, por isso, vive de maneira especial na esperança histórica dos povos crentes”29. “O maravilhoso, o milagre, a cura acontecem na ordem da materialidade ou corporeidade humana”30. A aparição de Nossa Senhora de Guadalupe tem “lugar privilegiado na Mariologia Latino-Americana”, ela não é uma imagem “encontrada ou esculpida”, sua

27

GEBARA, I. BINGEMER, M.C., Op. Cit. p. 137.

28 Op. Cit., p. 151. 29 Op. Cit., p. 157. 30

(27)

aparição foi “sobrenatural”31. O objetivo das autoras “é lembrar a profundidade da experiência religiosa que se dá em Guadalupe...”32. Quanto a aparição de Nossa Senhora da Conceição Aparecida , salva das águas do Rio Paraíba pelo pescador João Alves, essa figura envolve “uma tradição popular, segundo a qual ela foi objeto de uma ‘pesca milagrosa’”33. “Trazida pelo colonizado r português: uma Virgem branca, mas a Virgem encontrada nas águas é negra”34. Posteriormente proclamada como Padroeira do Brasil.

As autoras concluem esta parte percebendo a impossibilidade de “falar dos múltiplos rostos latino-americanos de Maria”. E que seria necessário fazer uma peregrinação “sobretudo nos ‘lugares santos’ da devoção, visitar “Luján na Argentina, Chiquinquirá na Colômbia”, enfim, Gebara e Bingemer sugerem a leitura da obra de Ruben Ugarte, na qual pode ser encontrada a “síntese histórica das diferentes devoções mariais latino -americanas”35.

No sexto capítulo, sobre a figura de “Maria e as maravilhas de Deus no meio dos pobres”, as autoras ressaltam a importância das CEBs como a “concretização de um projeto de Igreja”. Mas em nota de rodapé justificam que não se trata de colocar “o povo das CEBs ao lado ou à frente do povo simples em geral”. Esse novo modo de ser Igreja constitui-se em vivência “original de tomada de consciência de seu lugar no mundo e sua potencialidade de luta”36. É pensar a Igreja a partir da perspectiva do Magnificat, o canto de libertação dos pobres de todos os tempos que Lucas colocou na boca de Maria, mulher pobre, marginalizada, excluída, mas escolhida para ser Mãe do Filho de Deus e hoje considerada mãe do povo pobre do continente. As CEBs enfatizam a figura de Maria junto às classes populares na Igreja e na sociedade, a mulher que carregou em seu ventre e deu luz ao “Libertador dos pobres”. Em um continente marcado pela exclusão, opressão, derramamento de sangue, é preciso ouvir a voz de Maria e o que ela continua nos falando hoje: de plenitude de vida e de libertação.

A partir do Magnificat, a voz libertadora que soa a favor da vida e de uma sociedade igualitária, não pode “ser entendido como algo que canta por e para si mesma enquanto indivíduo, mas também para o povo messiânico, o povo que suspira e geme pelas promessas do

31

GEBARA, I. BINGEMER, M.C., Op. Cit. p. 165.

32 Op. Cit., p. 166. 33 Op. Cit., p. 179. 34 Op. Cit., p. 180. 35 Op. Cit., p. 183. 36

(28)

Senhor Deus”37. Por isso, o Magnificat deve permanecer como o canto dos oprimidos que anseiam pela erradicação da estrutura patriarcal que discrimina, que exclui e que explora homens e mulheres pobres, negros, índios, mestiços etc., para incluí- los, também, no projeto do Reino de Deus. O mistério de Maria deve continuar sendo lido dentro “de seu contexto de opressão, luta, resistência e vitória”, afirmam as autoras. Mas com um novo discurso teológico “a partir da experiência e da prática concretas”38.

1.5. As autoras concluem

“Uma nova Teologia Marial, aponta para o ‘mistério de Maria’ com ‘uma nova palavra para o mundo’”. E esse mistério “diz que o mundo não é apenas palco sinistro de uma tragédia absurda, onde vencedores e vencidos são sempre os mesmos, mas lugar da esperança de vitória...”39. O mistério de Maria também “traz uma nova palavra sobre Deus”, luz que brilha “para todos os oprimidos do continente Latino -Americano”.40

Considerações pessoais

Se na perspectiva do Reino, conforme mostraram Gebara e Bingemer, a salvação está presente tanto no homem quanto na mulher, logo, Maria e Cristo constituem-se veículos da revelação/salvação de Deus no mundo. Elas afirmam que “A Teologia Marial a partir do Reino de Deus não pode ser pensada em função da Cristologia, de forma a diluir aquilo que é próprio à maneira feminina de viver e proclamar o Reino”41.

Com efeito, Maria tem presença participativa no meio dos pobres, ela não se constitui uma mulher completamente passiva, unicamente como “a encantadora Mãe de Jesus, mas ela é, acima de tudo, ‘operária’ na messe do Reino, membro ativo do movimento dos pobres, o mesmo

37

GEBARA, I. BINGEMER, M.C., Op. Cit. p. 191.

38 Op. Cit., p. 196. 39 Op. Cit., p. 200. 40 Op. Cit., p. 201. 41 Op. Cit., p. 49.

(29)

de Jesus de Nazaré”, na qual a divindade também está presente. É nesta perspectiva que essas teólogas rompem com o modelo limitado de “seu passado, ou seja, uma versão de submissão a seu Filho, expressão da submissão da mulher à ordem estabelecida pelo sistema patriarcal vigente”42, para a elaboração da Teologia Marial. Esta leitura dará uma nova visão a respeito de Maria, tanto para os que só conseguem ver sua humanidade, tanto para os que não conseguem ver sua transcendência.

O rosto de Maria é visto nos diferentes contextos da AL, bem como suas aparições, curas e milagres. Maria, a Padroeira latina-americana tem nomes e identidades próprias em cada cultura. Ela é a mulher representativa das diversas marias latino-americanas, é a figura que engloba os injustiçados, os marginalizados, os pobres, os negros, os índios, os quais também são imagens e semelhanças de Deus.

A Teologia Marial elaborada por essas mulheres não é pensada única e exclusivamente em função da Cristologia. Elas afirmam também que “Mariologia e Cristologia são formas de exprimir a novidade sempre poética, sempre inédita da ternura e da justiça que acontecem na mulher e no homem que buscam amar para além de seus limites”43. Incluir a mulher nessa realização e nos ideais do Reino exige que se tenha coragem e força, perseverança e confiança para lutar contra as forças do reino das segregações, dos modelos hierarquizados, dos ideais do patriarcalismo e de todas as forças contrárias à justiça do Reino.

“Maria, mãe de Deus e mãe dos pobres”, ainda, clama hoje em favor de seus filhos contra as injustiças, a discriminação, o preconceito e a dominação racial e sexual. Maria é Mãe, protetora, auxiliadora, intercessora e tantos outros adjetivos carregados de plenos significados revelados neste Continente de maneiras particulares.

42 GEBARA, I. BINGEMER, M.C., Op. Cit. p. 50. 43

(30)

2. O FEMININO E MARIA

Introdução

A mulher hoje tem conquistado espaços relevantes na sociedade e desenvolvido suas capacidades emotiva, intelectual e intuitiva não mais de maneira negativa, como lhes foram atribuídas tais características pejorativamente. É interessante notar que as funções que as mulheres têm ocupado em nada as tornam inferiores ou subalternas ao homem, sua capacidade em nada fica devendo à capacidade masculina. E é esse avançar feminino que mina a hierarquia patriarcal e promove sua emancipação.

O livro de Leonardo Boff, intitulado “O Rosto Materno de Deus: ensaio interdisciplinar sobre o feminino e suas formas religiosas”, analisa a pertinência do feminino na elaboração da Teologia. Para Boff, “quase não se explorou o feminino como acesso a Deus”44. Convencido de que o feminino não fora ainda assumido como caminho para se pensar a Mariologia, Boff o assume. Sua proposta é a partir de uma nova reflexão sobre as perspectivas tradicionais que a fé nos legou a respeito de Maria, mostrar teo logicamente que o feminino também constitui um caminho do homem para Deus e de Deus para o homem.

O feminino também possui igual dignidade que o masculino, baseado na leitura de Gênesis 1. 27. Sendo o masculino e o feminino imagem e semelhança de Deus, tanto um quanto outro, observa Boff, serve de “arquétipo supremo”45. E no quinto capítulo analisa teologicamente o feminino a partir de algumas perspectivas, para que o próprio feminino manifeste sua pertinência teológica. Portanto, o autor busca a partir do feminino, entender radicalmente, o significado transcendente de Maria.

Ao introduzir o assunto, ressalta que mundialmente a cultura, a sociedade está passando por transformações. “De uma sociedade patriarcal, assentada sobre o pré-domínio do varão e da racionalidade, está passando para uma sociedade pessoal, centrada sobre a força nucleadora da

44 BOFF, Leonardo. O rosto materno de Deus: ensaio interdisciplinar sobre o feminino e suas formas religiosas

Petrópolis, RJ: Vozes, 1979, p. 15.

45

(31)

pessoa e do equilíbrio de suas qualidades”46. Neste contexto, há uma retomada a respeito da “valorização da intuição, o feminino e de tudo o que afeta e concerne à sua subjetividade”, o império da racionalidade agora se vê de frente do ‘arracional’ como realidade própria”47. E também tem a ver com a “pertinência teológica”. Cabe à Teologia contribuir de maneira “crítica” e não mais “ingênua”, e a partir daí romper com as idéias culturais.

2.1. O feminino revelador do divino

Na primeira parte de sua reflexão, Boff coloca a questão do “feminino como princípio organizador da Mariologia”, acerca do qual persiste uma complexa discussão teológica. Boff traça os caminhos teoló gicos que têm presidido essa discussão, no entanto, destacaremos apenas dois desses. Um primeiro caminho dos sete que Boff analisa: “se recusa a perguntar pelo desígnio secreto de Deus”; e um segundo caminho argumenta que é legítimo a unidade de sentido nos acontecimentos marianos, “mas não se deveria, apesar disso, elaborar um tratado específico de Mariologia”48. Segundo Boff, esses caminhos são insuficientes para se chegar a uma análise sistemática da Mariologia, então, um caminho que supera essa insuficiência para Boff seria o “feminino”. Para ele, “importa que a mario-logia seja teo-logia. Em outras palavras: ao se falar de Maria deve-se falar de Deus”49. Deste modo, o “centro seria Deus e não mais Maria, ou o homem, ou o feminino ou mesmo Cristo”. O autor então questiona: “Que significa Maria para Deus?”. Ou ainda, “que significa o feminino para Deus? Se Maria for considerada a expressão suprema do feminino, não se poderá então dizer que Deus ‘se realizou’ a si mesmo maximamente em Maria?” Dessa forma, se abriria um novo horizonte sobre “a maneira de Deus se autocomunicar e se auto-realizar”50.

Na segunda parte, a qual é composta de quatro capítulos, Boff analisa profundamente o feminino do ponto de vista científico, filosófico e teológico, destaca alguns obstáculos epistemológicos concernentes ao feminino. Citamos apenas três desses, os quais julgamos ser os

46

BOFF, Leonardo, Op. Cit. p. 13.

47

Op. Cit., p. 14.

48 Op. Cit., p. 24s 49 Op. Cit., p. 31. 50

(32)

mais interessantes para o desenvolvimento do nosso tema. O primeiro obstáculo é o monismo sexual – a experiência da mulher como indivíduo ainda não se revela independente nem plenamente devido às determinações culturais. Embora teoricamente se afirme a libertação da mulher, de fato aconteceu, mas em muitos setores a mulher ainda permanece marginalizada e sempre associada às atividades domésticas, é sua função cuidar dos filhos e do lar, pois isso é sua competência. Como afirma Boff: “Esta situação infra-estrutural repercutiu no nível supra-estrutural, aparecendo uma compreensão da mulher como apêndice do varão ou uma manifestação diminuída dele”, e ainda, “É a partir do varão que se realiza, plenamente, a natureza humana; a mulher na medida em que se associa a ele”51.

O segundo obstáculo tem a ver com a “ontologização de manifestações históricas” – está ligada à dominação do homem sobre a mulher, sua submissão e dedicação doméstica tornam-se “atributos da própria natureza feminina”. Então, “Atribui-se à natureza aquilo que é produto da história, resultado das práticas humanas e do jogo dos interesses”52. E uma terceira perspectiva é a “exaltação do feminino : a mulher eterna – os estereótipos ligados à mulher, dos quais a figura de Maria é representativa – mulher do sim submisso, resignada, modesta e anônima. Tais “qualidades” ditas femininas, de certa forma, impedem “a mulher de descobrir sua verdadeira vocação e suas possibilidades históricas” 53, ressalta o autor.

No terceiro capítulo, partindo de uma compreensão do feminino a partir de uma aproximação analítica, Boff afirma a “diferença varão- mulher”, e ao mesmo tempo sua “reciprocidade”. Analiticamente, ao comparar os cromossomos da mulher e do varão verifica-se que “o sexo-base é o feminino”; “o masculino é induzido a partir daquele feminino, fato que desautoriza o mitológico ‘princípio de Adão’”54. E mais adiante, hipoteticamente irá dizer que o “feminino surge como uma perfeição”55. No entanto, o “homem é sempre varão e mulher”. Mas a ciência não consegue captar todo o mistério que envolve o varão e a mulher56.

No capítulo quatro, o autor faz uma análise do feminino a partir de uma reflexão

filosófica. “O humano articulado em varão e mulher revela-se dentro de uma estrutura

51

BOFF, Leonardo, Op. Cit. p. 42.

52 Op. Cit., p. 44. 53 Op. Cit., p. 45. 54 Op. Cit., p. 49. 55 Op. Cit., p. 74. 56 Op. Cit., p. 60.

(33)

profundamente dialética”57. Porquê a ciência não decifra quem é o homem, o pensar filosófico tenta responder sobre o mistério que reside o varão e a mulher. Ou seja, a estrutura ontológica existente em cada ser humano, que segundo Boff consiste no “e”. “Ser ele e mais o diferente dele com o qual comunga”58. Embora diferentes, o masculino e o feminino são realidades recíprocas.

No quinto capítulo busca analisar o feminino a partir de uma “meditação teológica”, a partir de cinco perspectivas: 1) pertinência da meditaçãoteológica; 2) o que dizem as escrituras e a tradição da fé sobre o feminino; 3) princípios para uma antropologia teológica do feminino; 4) Deus no feminino – o feminino em Deus; e 5) Maria, antecipação escatológica do feminino em sua absoluta realização: uma hipótese. Qual seria então a pertinência teológica do feminino para revelar o transcendente?

O autor, primeiramente, ressalta a responsabilidade da Teologia em refletir sobre a presença do feminino e de Deus.

A Teologia, como a palavra o sugere, reflexiona a partir de Deus. Interroga o feminino sob duas modalidades: até que ponto o feminino constitui um caminho do homem para Deus e até que ponto o feminino se apresenta como um caminho de Deus para o homem. Em outros termos: até que ponto o feminino revela Deus e até que ponto Deus se revela no feminino59.

Tendo em vista que a dimensão feminina é inerente a Deus e que o “feminino possuiria uma profundidade divina” (discurso filosófico), a questão teológica acerca do feminino se daria, então, a partir de uma “ruptura existencial da fé num Deus encarnado em Jesus Cristo (Filho) e ‘espiritualizada’ na vida dos justos (Espírito Santo)”. Isto implicaria “num corte epistemológico instaurando um discurso próprio...” A Teologia, então, colocaria seu discurso no nível da fé, e é a partir deste eixo que Boff apresenta seu discurso, e a pergunta se reformularia: “Como o feminino é revelador da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espír ito Santo? Como a Trindade Santíssima se revela a si mesma no feminino?”60.

57

BOFF, Leonardo, Op. Cit. p. 64.

58 Op. Cit., p. 65. 59 Op. Cit., p. 73. 60

(34)

2.2. Jesus, um feminista (?)

Boff considera que nas Escrituras Sagradas existem alguns textos antifeministas, ao fazer uma revisão hermenêutica desses textos, demonstra com clareza como os relatos de Gênesis interpretados de maneira masculinizante atribuíram à mulher um lugar secundário e, conseqüentemente, a rejeição do feminino como acesso a Deus. Por exemplo, o relato da criação de Eva. Para Boff, “o sentido intencionado pelo autor sagrado é mostrar a unidade do varão e da mulher e fundamentar a monogamia. Entretanto, esta doutrina, que em si deveria superar a discriminação da mulher, acabou por secundá- la”. Um outro relato é o da “Queda (Gn 3. 6-7)”. Este quer demonstrar a presença do mal, ou como esclarece Boff: “o relato mítico quer etiologicamente mostrar como o mal está do lado da humanidade e não do lado de Deus”61. Mas, ao contrário, o texto contribuiu significativamente para marginalizar a mulher, ou seja, o feminino ficou submetido às idéias masculinizantes do judaísmo cristão.

Para Boff, as boas novas de Jesus se situam neste cenário de idéias antifeministas, embora ele (Jesus) tenha sido um “feminista”, suas idéias não proporcionaram alterações significantes para a emancipação da mulher, ainda “social e religiosamente discriminada”. Claro que Jesus, como observa Boff, não fez nenhuma “pregação explicita de libertação da mulher; mas colocou um princípio libertador geral que incidiu sobre a situação de dominação feminina”. Jesus quebra vários tabus, por exemplo: “mantém profunda amizade com Marta e Maria (Lc 10. 38); e contra o ethos do tempo, conversa publicamente e a sós com a mulher samaritana junto ao poço de Jacó, causando admiração até dos discípulos (Jo 4. 27)”62. E conclui, dizendo que “as atitudes e a mensagem de Jesus significaram uma ruptura com a situação imperante e uma grande novidade nos quadros daquele tempo”. E observa também que “As instâncias econômicas, política e cultural não haviam sofrido ainda aquelas transformações que permitissem a assimilação da revolução antropológica (ideológica) inaugurada por Jesus”63.

Entretanto, Boff observa também que o cristianismo não deu continuidade a esta ruptura, prova disto é que no NT existem as ambigüidades. Ao mesmo tempo em que mostra a igualdade, fala também da submissão ou desigualdade64, mostrando também as tensões, ambigüidades,

61

BOFF, Leonardo, Op. Cit. p. 77.

62 Op. Cit., p. 78. 63 Op. Cit., p. 79. 64

(35)

conflitos e as lacunas da ideologia dos seus sucessores, e Paulo é um exemplo claro: “por um lado assume a novidade introduzida por Jesus acerca da igualdade da mulher, por outro, não consegue fazê- la valer em sua cultura e passa a refletir a submissão da mulher: ‘não há varão, nem mulher, todos são um em Cristo’” (Gl 32. 28)”65. Ao concluir, afirma que “na história posterior os textos de Paulo que refletem a cultura imperante discriminatória fossem invocados como palavra de revelação e assim legitimassem a dominação do varão sobre a mulher”66.

2.3. Proposta antropológica de Leonardo Boff

Tendo em vista essa leitura antifeminista, Boff propõe seis princípios para uma antropologia teológica do feminino. Os três primeiros princípios equilibram paralelamente as relações humanas entre si e a divindade: primeiro, a partir da “igualdade criacional do varão e da mulher”. Este princípio já estava presente na antropologia judaica cristã. Boff resgata o pensamento “original” do autor bíblico. Por exemplo, o texto de Gênesis 1.27 é uma afirmação “contra o espírito antifeminista” em que o escritor sagrado, de forma contundente, afirma: “Deus criou o ser humano (humanidade) à sua imagem (...) criou-os varão e mulher”. “Esta imagem de Deus só é completa quando refletida nos dois sexos”67. O texto revela a igualdade criacional do varão e da mulher. O segundo princípio tem a ver com a “reciprocidade varão-mulher”. Para Boff “o relato mais arcaico do Gênesis (2. 18-23), apesar de sua conotação masculinizante, deixa claramente entrever a diferença e também a reciprocidade varão- mulher”. “Quando Deus decide criar a mulher diz, num modismo tipicamente hebraico: vou dar ao varão alguém que lhe será um vis-à-vis e semelhante a ele (Gn 2. 18)”68. Varão e mulher se complementam e são recíprocos. O terceiro princípio diz respeito ao “feminino: revelação de Deus”. Sendo o feminino também veículo da revelação de Deus , sua presença aparece também na linguagem feminina. “Deus e Cristo são personificados na temática feminina da Sabedoria (Pr 8. 22-26; Si 24. 9; 1Cor 24. 30)”. Mulher e Sabedoria estabelecem entre si uma estreita correlação, ocorrendo uma transmutação simbó lica entre uma e outra. “Ou Deus é comparado com a mãe que consola (Is 66. 13), mãe

65

BOFF, Leonardo, Op. Cit. p. 80.

66 Op. Cit., p. 83. 67 Op. Cit., p. 87. 68

(36)

incapaz de esquecer o filho de suas entranhas; Jesus se compara como a mãe que quer reunir os filhos sob a sua proteção (Lc 13. 34)”69.

Estes três últimos princípios mostram a confluência do feminino no plano do mistério divino. No quarto princípio, a iniciativa da fé de mulheres que estiveram presentes na vida de Jesus e que permaneceram fiéis nessa nova aliança, vale ressaltar alguns exemplos: “É pelo Fiat de Maria que o Salvador entra no mundo; são elas que permanecem fiéis ao pé da cruz, quando os discípulos haviam fugido (Mt. 27. 56); são elas as primeiras testemunhas da ressurreição (Mt 28. 19-20). Em João a mulher ocupa uma função constitutiva da salvação: é a mãe de Jesus que introduz o primeiro milagre em Caná (Jo 2.11)”70. O quinto é o princípio feminino da salvação”, onde é ressaltada a figura de Maria que “representa para a fé cristã não apenas a plenitude de realização do feminino em suas distintas manifestações ligadas ao mistério da vida como a virgem e a mãe, pelo fato de ser a virgem- mãe de Deus encarnado e estar relacionada intimamente ao Espírito Santo”. Mas, por causa da “relação ontológica entre Maria e Jesus. A carne que ela forneceu a Jesus é carne do próprio Deus. Há, pois, algo do feminino de Maria assumido hipostaticamente por Deus mesmo”71. O sexto e último princípio mostra que “a plenitude da mulher não está no varão, mas em Deus ”. A mulher e o homem criados como imagem e semelhança de Deus não pode se furtarem à responsabilidade de ser para Deus pessoas distintas e recíprocas. Deus imbuiu homens e mulheres aptos a serem totalmente realizados como pessoas humanas. E conclui: “A destinação última do varão e da mulher é Deus mesmo”72.

2.4. Feminino – caminho de Deus para o homem

A partir desse quadro de análise dos princípios antropológicos, Boff norteia-se teologicamente a partir dos dados atuais acerca do feminino, não mais do ponto de vista da Sagrada Escritura, mas mediante a aproximação sócio-analítica e da reflexão filosófica. Com

69

BOFF, Leonardo, Op. Cit. p. 89.

70 Op. Cit., p. 89s 71 Op. Cit., p. 90. 72

(37)

efeito, afirma que masculino e feminino enquanto recíprocos são pertinentes para a reflexão antropológica, a qual “não pode se fechar nem se fundar sobre si mesma; ela se sente reenviada a um movimento mais profundo que coloca uma questão última: que é, finalmente, o homem em sua expressão masculina e feminina”73. E conclui, dizendo que se o ser humano se constitui imagem e semelhança de Deus, por esta lógica devemos admitir “que Deus é prototipicamente masculino e feminino”74.

Ainda, neste contexto, ao discutir sobre “O feminino: caminho de Deus para o ser humano”, Boff é hipotético. Então, se existe um feminino em Deus, ele não afirma se existe, ele interroga: “Podemos falar de um feminino em Deus? É-nos lícito invocar a Deus como minha Mãe, assim como aprendemos do Senhor a invocá- lo como nosso Pai?”75.

Sem desconhecer a complexidade que marca esta questão, busca compreender melhor alguns aspectos das práticas libertadoras das mulheres, do cristianismo e da Teologia. O aprofundamento desta temática é importante, pois, se as “Escrituras e a Tradição da fé comumente não nos apresentam um Deus como Ela, mas como Ele”, um Deus totalmente masculino: Deus Pai e Deus Filho, então, esse possível deslocamento: de se invocar Deus como “Mãe”, como “Ela”, neste contexto de tomada de consciência da própria mulher, ou como é função da teologia refletir a “partir do discurso racional da fé”, que segundo Boff “deve aprofundar e conscientizar os limites de tais afirmações”76, ou ainda, de uma “correta hermenêutica teológica”, como bem denomina, para despatriarcalizar “nossa representação do mistério trinitário”. “O masculino e o feminino encontram em Deus seu protótipo e sua fonte. Deus- feminino serve de arquétipo supremo para a mulher como Deus- masculino para o varão”77.

Boff observa que nos últimos anos tem surgido no contexto da libertação da mulher: “Deus-Mãe”. E aodescrever “Deus, princípio Último de toda feminilidade” questiona, em que sentido pode-se “falar de um feminino em Deus”?78. “Pai, Filho e Espírito Santo exprimem realidades divinas enquanto princípio sem origem, sendo que o Filho é uma realidade autocomunicada como verdade e o Espírito Santo ao comunicar-se a si mesma produz aceitação

73

BOFF, Leonardo, Op. Cit. p. 93.

74 Ibidem. 75 Op. Cit., p. 94. 76 Op. Cit., p. 95. 77 Op. Cit., p. 102. 78

(38)

amorosa no receptor”79. Termina, afirmando que Deus “pode ser experimentado e invocado como meu Pai e minha Mãe, nosso Pai e nossa Mãe”. E ao questionar: “qual o sentido último do feminino?”, sua primeira resposta é que “o feminino, na ordem da criação, encontra o seu sentido em revelar o Feminino de De us mesmo, porquanto tudo o que existe, naquilo que é e na forma como é revela Deus”80; uma segunda resposta apontada é que “afeta Deus diretamente” é que “Deus cria o diferente, na ocorrência o feminino, para ele poder se autocomunicar a este diferente”81. Boff conclui, dizendo que é tarefa do Espírito Santo “divinizar hipostaticamente o feminino, direta e explicitamente e de forma implícita o masculino”82.

A quinta perspectiva, neste quadro de análise, é sobre “Maria, antecipação escatológica do feminino” em sua absoluta realização. A hipótese do autor irá sustentar que “Maria” é essa “antecipação escatológica do feminino em sua absoluta realização”83. Então, para explicitar essa antecipação escatológica, ele parte de sete pressupostos: primeiro, “o ser humano tem a possibilidade ontológica de ser unido hipostaticamente a uma Pessoa divina”; segundo, tem a ver com a plena realização de felicidade humana no céu; terceiro, “a natureza humana assumida pelo Filho Eterno é simultaneamente masculina e feminina (Gn 1. 27)”; quarto, “assim como o masculino foi divinizado diretamente convém que o seja também o feminino de forma direta imediata; quinto, “Deus pode divinizar o feminino, porque tanto em Deus quanto no feminino existe esta possibilidade”; sexto, o fato de ter sido Maria e não qualquer outra mulher a assumida hipostaticamente (...) protótipo feminino realizado de forma absoluta”; sétimo e último, é que “o divinizador do masculino (e feminino) foi o Verbo; o divinizador do feminino (e do masculino) é o Espírito Santo”84.

Para finalizar este quadro de análise em que retrata a união hipostática de Maria, ou seja, a encarnação do Espírito Santo em Maria, Boff evita usar o termo “ encarnação” por ser um “termo técnico da cristologia” e utiliza o termo “espiritualizar”. Sustenta “que Maria não só recebeu os efeitos da intervenção do Espírito Santo em sua vida – como qualquer outra pessoa, apenas numa

79

BOFF, Leonardo, Op. Cit. p. 102.

80 Op. Cit., p. 103. 81 Op. Cit., p. 104. 82 Op. Cit., p. 105. 83 Op. Cit., p. 106s. 84 Op. Cit., p. 107.

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