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O Projeto Redentorista de Modernização do Sertão

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Academic year: 2021

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Eduardo Gusmão de Quadros**

Resumo: o processo de modernização em Goiás tem sido estudado privilegiando a

cons-trução de Goiânia e a, conseqüente, transferência da capital do Estado. Ele ocorreu, certamente, em muitas dimensões – políticas, econômicas, sociais, cul-turais – mas esse marco não é tão válido quando se estuda o catolicismo. O mu-nicípio de Campinas é que foi chave para que a modernidade atinja o campo religioso goiano. Isso devido à presença dos padres missionários redentoristas que vieram da Alemanha e ali se instalaram desde os finais do século XIX.

Palavras-chave: Catolicismo. Modernidade. Goiás. Nação.

A

ideia de que a modernidade se afirmou contrapondo-se à esfera religiosa é co-mumente encontrada na literatura acadêmica. A tese afirma que o mundo da tec-no-ciência se desenvolve em proporção inversa á presença da crença religiosa. Esta última teria entrado em declínio, portanto, com o processo de moderniza-ção. Os clássicos da teoria social fundamentaram essa secularização necessária e, ainda hoje, ela permanece debatida (WERNER, 2010).

Max Weber foi um dos pensadores mais refinados a correlacionar estritamente às duas tendências. Nos estudos acerca da ética protestante e o espírito do

capitalis-mo, propusera “o grande processo histórico-religioso do desencantamento do mundo” como algo progressivo (2004, p. 96). A racionalização da ética, sua aplicação intra-mundana, o impulso ativo e transformador dos sujeitos sociais restringia cada vez mais o domínio dos representantes da Deus. O raciocínio é

O PROJETO REDENTORISTA DE MODERNIZAÇÃO DO SERTÃO*

–––––––––––––––––

* Recebido em: 20.12.2014. Aprovado em: 18.01.2015.

** Doutor em História pela Universidade de Brasília. Professor da Universidade Estadual de Goiás. Agradecemos à FAPEG que financiou esta pesquisa e deu o apoio necessário para sua apresentação no congresso da AHILA em Berlim.

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confirmado em sua análise da ética econômica das religiões universais, onde a contraposição surge enquanto um princípio heurístico:

Quanto mais sistemático o pensamento sobre o sentido do mundo, mais racio-nalizado o mundo em sua organização externa, mais sublimada a vivência cons-ciente dos conteúdos irracionais do mundo; o que constituía o conteúdo espe-cífico do religioso começou a converter-se, de forma estritamente paralela, em

algo menos mundano, mais distante de toda a vida organizada (WEBER, 1997,

p. 422).

Como se vê o que está por trás da oposição é a identificação do conteúdo religioso com o irracional e o pensamento sistemático com o elaborado pela razão. Weber era um racionalista convicto, acreditava na ciência e no poder liberador dos valores iluministas. Afirma-se com o progresso humano a ação cada vem mais racional.

Verdade que esta poderia ser originada por concepções religiosas (WEBER, 1999, p. 15). Todavia, o intelectual alemão não vê possibilidade de a religião ser intrinseca-mente racionalizada, principalintrinseca-mente devido à presença da magia. Toda tradição religiosa guardaria algo de mágico, uma tentativa de manipulação de forças irra-cionais que é igualmente irracional. A classe sacerdotal, por sua vez, impediria a

evolução para um nível mais ético e universal, assegurando para si o controle da comunicação com a divindade (WEBER, 1997, p. 85). Visando vantagens, em última instância, extra-mundanas, o sagrado é, sobretudo irracional1.

Tais oposições entre racional e irracional, magia e religião, intra e extra-mundano, local e universal denunciam certo etnocentrismo das concepções weberianas. Ele isola um tipo de razão como critério para julgar as outras e, no fundo, tem a história do cristianismo ocidental, particularmente o de veio protestante, como o auge da evolução religiosa. Em que pese o euro-germano-centrismo de suas concepções, Weber colocou em diversos trabalhos a religiosidade como um elemento que possibilitou o surgimento da modernidade, seja ela econô-mica, política ou dos valores sociais. Nesse trabalho, buscamos estudar tais relações, partindo da tese de que o catolicismo contribuiu positivamente para a modernização em Goiás. De modo mais específico, trataremos dos principais agentes deste projeto modernizador do sertão: os religiosos da Ordem do San-tíssimo Sacramento Redentor, provindos da Baviera nos fins do século XIX. A AUTONOMIZAÇÃO DAS ESFERAS

O chamado desencantamento do mundo atingiu também as instituições. Isso significou uma maior independência entre os profissionais do sagrado e os demais

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gru-pos da configuração social. Na verdade, autonomia completa não há, mas uma menor área de intercessão entre, por exemplo, a esfera religiosa e a política. Nesses rearranjos, buscam-se novos equilíbrios no jogo de forças que ordena os vínculos sociais.

Pode-se dizer, assim, que o campo político surgiu no século XVI, quando o poder dos reis suplementou o eclesiástico na Europa. O mercado econômico se eman-cipa, conforme Karl Polany (2000), durante o século XVIII. Invertendo o ra-ciocínio, poder-se-ia igualmente afirmar que o religioso foi sendo depurado, ligando-se mais restritamente ao que é classificado como sobrenatural. A dife-renciação social seria progressiva nas transformações enquadradas sob o con-ceito de modernização.

No Brasil, isso ocorreu com suas peculiaridades. O país foi formado mantendo o direito ao padroado, herdado do império lusitano2 e adquirido de Roma no

reconhe-cimento da independência. Padres eram funcionários públicos e o governo determinava até a entrada de noviços nos conventos. Por outro lado, o Estado sustentava financeiramente as iniciativas eclesiásticas.

Com o advento da República, os governantes abdicaram desse direito. O Brasil não teria mais religião oficial e a igreja católica seria um dentre os demais gru-pos religiosos já existentes no Brasil. Os analistas costumam falar na liberda-de conseguida pelo clero, que “a separação haveria liberda-de rejuvenescer a igreja” (MONTENEGRO, 1972, p.136) e nas “vantagens dessa situação de mútua in-dependência” (LUSTOSA, 1991, p. 30). Claro que eles estão julgando o even-to de um poneven-to de vista anacrônico, considerando o maior envolvimeneven-to ecle-siástico com as questões sociais de maneira valorativa e o atrelamento estatal do igreja como prejudicial à sua fidelidade evangélica. Essa visão foi comum desde a década de vinte, contudo, nos anos seguintes ao decreto de 1890, o ato foi sentido como um grande golpe3.

Podemos acompanhar as reações ocorridas em Goiás pelas notícias da Revista Católica

A Cruz. Em seu primeiro número, o editorial4 de primeira página comentava

a lei aprovada em sete de janeiro de 1890 separando instituição eclesiástica católica do governo brasileiro. Ela é caracterizada como “uma violação dos direitos sagrados de Jesus Cristo e da Igreja, o desconhecimento das mais glo-riosas tradições do Brasil, um fermento de dissolução lançado na sociedade, um ato absolutamente retrógrado”5.

O Brasil reproduzia, até com certo atraso, uma ação já tomada pela maioria dos países latino-americanos. Na ótica dos políticos republicanos, a separação deveria ser considerada uma decisão preliminar para que ocorresse a modernização social. Todavia, o ato jurídico-político é classificado pelos eclesiásticos como “retrógrado”. Qual o sentido disso? A resposta pode ser encontrada mais ao fim do artigo, que dá um recado para o governo provisório instituído depois

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do golpe de novembro de 1889: “Quanto mais fordes fiéis em executar a voz da igreja e prestar-lhe plena obediência, tanto mais trabalhareis em prol da liberdade e do progresso”6.

Nesta visão, só se progride realmente através da religião; ela é o cimento da nacionali-dade, bem como da organização social. Óbvio que na concepção dos articulis-tas a única religião verdadeira seria a católica. Por isso, nem deveria o Estado administrar a igreja, nem estar separado, mas submisso aos santos e eternos desígnios por ela revelados. O modelo da cristandade medieval, readequado através das monarquias modernas, permaneceu colocado como meta.

Os desgostos com o novo regime permanecerão. Outros grupos religiosos teriam, ao menos no nível jurídico, os mesmos direitos dos católicos. Depois, o casamen-to civil foi instituído como o único válido. O regime republicano ainda secu-larizou os cemitérios. “Nem os mortos escaparam”, comenta ironicamente o editor7.

Como os padres tinham muito prestígio com a população, poderiam ser eleitos para a assembléia constituinte e impedir a execução desses princípios. O governo provisório estabeleceu, então, uma lei determinando a inelegibilidade de qual-quer clérigo. O clero teria ficado de mãos amarradas?

Nem tanto. Houve mobilizações, grupos de protesto8, abaixo-assinados e, até, a criação

de um partido católico liderado pelo arcebispo primaz do Brasil D.Macedo Costa. Porém a própria igreja romana caminhava em direção contrária. Des-de, ao menos, o Concílio Ecumênico Vaticano I (1869-1870) um movimento de

espiritualização tentava resguardar os direitos sobrenaturais da igreja. O mundo contemporâneo constrangia a cúria a tomar medidas contra a inevitável des-tituição de seus antigos poderes temporais e o resguardo da sua pertinência espiritual foi uma solução viável9.

OS NOVOS PADRES

O clero precisava readequar-se a tal situação. Isso era difícil porque a sobrevivência financeira da instituição, principalmente, precisava ser completamente refor-mulada, com urgência, devido à perda da subvenção estatal. Em Goiás, a situ-ação era grave, pois a carência de padres sempre fora crônica, e, em que pese os esforços para formar novos sacerdotes no Seminário Santa Cruz, fundando em 1872, a instituição não vigorou como se esperava. Quando estava em fun-cionamento, ia precariamente formando seus pouquíssimos estudantes, que raramente recebiam a ordenação.

A solução rápida para o fortalecimento da igreja católica teria de vir de fora. Inicialmen-te, ainda na época do Padroado, a Ordem Dominicana havia vindo da França para estabelecer-se em Goiás. Auxiliaram bastante o episcopado de D. Claudio

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Ponce de Leon através das missões. A carência espiritual do povo gerava gran-de admiração nos fragran-des, que tinham vindo mais interessados em catequizar povos indígenas. No relato da viagem feita acompanhando aquele bispo na sua primeira visita pastoral, em 1883, frei Michel Laurent Berthet escreveu:

Após a refeição é inútil pensar na sesta, pois eis que chegam de todos os lados os camponeses que, sabendo da chegada do bispo, aproveitam sua passagem para confessar-se, comungar, receber a confirmação, assistir á Santa Missa e casar-se. Confessamos o povo até dez ou onze horas da noite. (...) Durante dois dias evangelizamos esta pobre gente que só vê sacerdote de tempos em tempos e que deseja aproveitar da Graça de Nosso Senhor. Numerosas são as confissões. Algumas pessoas, que vivem em concubinato, aproveitam da passagem do bispo para receber a benção de Deus (1982, p. 115-117).

Os dominicanos trabalhavam arduamente e conseguiram que as confrades da Ordem viessem organizar um colégio feminino na capital. Contudo, não considera-mos o impacto da fundação do convento dominicano tão grande quanto o que ocorreu com a chegada dos redentoristas. Isso porque as missões que eles faziam esporadicamente atingiam uma população dispersa. Pregavam nas mis-sas, auxiliavam os trabalhos pastorais, administravam os sacramentos, admo-estavam contra os pecados, mas cumprindo os mesmos deveres, basicamente, do escasso clero secular. A chegada do novo bispo D.Eduardo Duarte Silva, o caráter conflitivo de seu episcopado e, principalmente, a instalação dos discí-pulos de Santo Afonso na Igreja de Trindade, o templo mais visitado do Esta-do, favoreceram para que a ruptura fosse bem maior.

A ênfase em um novo tipo de padre já surge na Carta Pastoral de D.Eduardo escrita, ainda em Roma, após sua designação para a diocese goiana. Ele traduz direta-mente o ideário básico do Concílio Vaticano I, do qual fora testemunha ocular (SILVA, 2007, p. 39). O sacerdote que não é um verdadeiro “espelho de virtu-des” está enganando ao povo e a si mesmo. Em todos os seus atos ele precisa demonstrar “o cunho da missão divina que exerce” (1890, p. 9).

Já acerca dos valores que marcavam a modernidade, a condenação é radical:

A sociedade moderna, amados filhos, esfacela-se, cai em pedaços. (...) Com as sonoras palavras de progresso, civilização e regeneração social os inimi-gos de Deus e da sociedade não querendo curvar a inteligência às verdades de por Deus reveladas, que são superiores ao alcance da Razão, e a vontade aos preceitos salvadores do cristianismo que estão em antinomia com as leis pelas quais o século quer governar-se, empenham-se com todas as forças por destruir tudo, principiando pela religião” (1890, p. 13).

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O tom apocalíptico do texto é fruto da lógica dicotômica enunciada. O Cristianismo não se encaixava nas estruturas que arquitetavam a vida contemporânea. Ali estão os conceitos-chave de progresso e civilização, mas descristianizados de nada valiam para a ação. Deus não se adapta, não faz concessões, a igreja igualmente não poderia fazer. A fé torna-se elevada retoricamente ao inatingí-vel, estabelecendo-se um fosso entre a Graça e a natureza.

Tal estilo de raciocínio pode parecer europeizado, estrangeiro e descontextualizado, mas é bom lembrar que no Brasil as leis promulgadas na constituição de 1891 tenta-vam afastar-se, sim, da vontade de poder eclesiástica. O governo que derrubou a monarquia almejava um Estado secular próximo aos congêneres europeus. D. Eduardo, semelhantemente, admirava as raízes cristãs que, na sua visão,

constituí-ram o mundo europeu10. A sua postura de combate à sociedade moderna, por

incrível que pareça, também é moderna no contexto em que atuava. Ele fez um grande esforço pessoal para impor este projeto religioso modernizante e, para auxiliá-lo, convidou os padres redentoristas que estavam impedidos de atuar na Baviera.

A situação naquela região alemã havia ficado bem difícil para a maioria católica com a política autoritária do primeiro ministro prussiano Otto Von Bismarck (1862-1890). A região era o principal bastião do catolicismo germânico desde os con-flitos geradores da ruptura luterana. Durante o reinado de Ludwig I (1825-1848), inclusive, ocorreu certo renascimento religioso, com a construção de belas igre-jas e o incremento das verbas estatais para os seminários e para o trabalho mis-sionário. O rei seguinte, Maximiliano II (1848-1864), continuou com os incen-tivos culturais e religiosos, modernizando a capital Munique, mas sem alterar substancialmente as feições rurais da região onde viviam os redentoristas. A centralização política e padronização cultural exercida pela Prússia, a chamada

Kul-turkampf, foi que modificou radicalmente a situação. Primeiro, o ministro de cultos Johanan Von Lutz decretou em 1873 a restrição da liberdade de pre-gar. Isso gerou forte oposição do clero, ocorrendo prisões, multas e expulsões (AUBERT, 1975, p. 90). Então, já com os poderes de chanceler do II Reich, Bismarck conseguiu aprovar o decreto que expulsava todas as congregações da Prússia e impedia o trabalho missionário católico em outras regiões. Somente no fim do século XIX, as ordens religiosas recuperaram sua liberdade. Nessa época, os redentoristas já tinham fundado sua casa em Campinas e assumido a administração da maior festa religiosa goiana.

CRUZES E RENÚNCIAS

Quando chegaram a Campinas, os oito alemães – cinco padres e três irmãos leigos – encontraram um povoado com pouco mais de trinta casas (SANTOS, 1976, p.

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50). O Estado de Goiás possuía população rarefeita, uma média, em 1900, de 0,4 habitantes por Km² conforme o censo. A ideia original era que ficassem re-sidindo próximo à capela da Trindade, em Barro Preto, mas o desentendimen-to surgido entre a irmandade do local e o bispo, em sua primeira passagem por lá, desaconselhavam tal decisão. Aquele templo, conseqüentemente a romaria ao Padre Eterno, estavam sob interdição episcopal (SILVA, 2007, p. 86). Já Campininhas, na descrição da eminência goiana, era um dos lugares mais

aprazí-veis do Estado, com água abundante, uma bela planície e boas matas (SILVA, 2007, p. 88). Ali estabelecidos11, começaram de imediato o trabalho pastoral

que vieram fazer. Três semanas depois, uma carta desolada do padre Valentim Von Riedl ao superior na Baviera expunha a dificuldade da missão assumida:

Já estamos aqui há três semanas, sinto muita falta do silêncio de nossas igrejas, a vida religiosa, os cânticos piedosos e o sossego e a ordem de nossos conventos da Alemanha. Aqui o barulho é contínuo nos ofícios divinos, crianças gritando, música esquisita na igreja e repiques extravagantes de sinos; conversas em alta voz dentro da igreja dão a impressão de ser tudo, menos uma casa de oração e recolhimento. (...) A vida missionária não é brincadeira: quando se está nela some o romantismo, restando só a realidade nua e crua de cruzes e renuncias

(apud WERNET, 1995, p. 71).

Note-se que o clérigo não reclama da pobreza, da falta de alimentos, da estrutura urbana deficiente ou do isolamento dos sertões, mas da situação espiritual encontrada. Ou melhor, da ausência dela (em sua ótica de europeu, claro). Numa espécie de desabafo, ele conclui: “receio perder o espírito religioso e cair no abismo” (idem). O abismo não seria o vazio, mas o excesso. Havia tarefas demais para realizar, de modo

a tornar aquele ambiente “habitável”. A principal renda deveria vir da devoção em Trindade, entretanto o poder laico era ainda demasiado forte. D.Eduardo fala em cristianizar a festa religiosa (SILVA, 2007, p. 125), o que pode ser entendido enquanto um sinônimo de clericalizar.

De Campinas mesmo, em termos materiais, pouco poderia advir. A pobreza da povoação causava diversos empecilhos à missão, mesmo que involuntários. O relatório do delegado de saúde em 1904 registrou 85 casas, a maioria fechada boa parte do ano. Moravam ali pouco menos de 250 pessoas, com “baixíssimo nível inte-lectual”12. A situação pouco se alterou com o passar dos anos, mesmo tendo

sido elevado a município em 190713. Num ato meio desesperado, o próprio

conselho municipal pede ao presidente do Estado, em 1920, que sua sede seja transferida para o Arraial de Trindade, muito mais próspero e com mil e qui-nhentos moradores. Campinas possuía, então, 90 casas apenas14. A maioria das

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O crescimento de Trindade não pode ser atribuído somente a atuação dos religiosos, mas é claro que as reformas promovidas no santuário e na estrutura urbanística contribuíram bastante para seu desenvolvimento. Em 1920, por exemplo, eles instalaram luz elétrica em torno do templo, com grande admiração dos romei-ros (WERNET, 1995, p. 278). A iluminação de Campinas veio em 1921, segui-do segui-do primeiro jornal publicasegui-do ainda em 1921, rede telefônica em 1924 e um grande colégio administrado pelas Clarissas advindas da Alemanha. Comemo-rando os trinta anos da presença redentorista, até um cinema seria colocado à disposição da população15. Essas intervenções não são somente tecnológicas,

pois um modus vivendi segue esse tipo de intervenção.

A modernidade trazida pela Ordem religiosa, portanto, se dá em mais de um nível. O primeiro é bastante concreto, via a implantação de reformas arquitetôni-cas e urbanístiarquitetôni-cas, bem como de aplicação da tecnologia em sua atuação. Não precisamos ficar emaranhados no longo debate teórico acerca dos con-ceitos de modernização ou modernidade. Ela era percebida sob tal insígnia nos ambientes sertanejos de Goiás, aumentando a admiração dos sertanejos pelos frades.

O segundo nível é bem mais sutil, estando relacionado com o que a historiografia cha-mou de romanização. Consideramos esse processo religioso católico como um esforço de desmagicização do catolicismo, trazendo uma maior distinção, como queria Weber, entre magia e religião, entre ética individual e universal, entre interesses intra e extra-mundanos.

Na avaliação que fez das iniciativas que promoveu em Goiás, o intransigente D.Eduardo viu os resultados concretos da ação redentorista no santuário de maior devoção em Goiás. Trindade seria, no início dos anos vinte do século passado,

um centro de verdadeira piedade; um lugar onde se adora a Deus em espírito e verdade, onde milhares e milhares de pessoas vão reconciliar-se com Deus no sacramento da confissão e onde, recebida a Sagrada Comunhão, voltam os fiéis com a paz na sua consciência, e tudo isso graças à abnegação dos bons padres, às suas prédicas e sobretudo à sua vida irrepreensível (SILVA, 2007, p. 166).

O modelo europeu romanizador fora realmente consolidado? Claro que não. As prá-ticas devotas não perderam seu lugar, nem deixaram de ocorrer. Porém, cada dia mais foram se tornando expressão de uma resistência à política conjunta, modernizadora, estabelecida tanto pelo Estado quanto pela Igreja. A renúncia dos religiosos alemães foi transubstanciada na readequação pedagógica da re-ligiosidade dos sertanejos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estado e igreja estavam em conflito nos finais do século XIX e primórdios do século XX. Mas essa luta para se impor socialmente e para reforçar o nível de obe-diência requerido pelas instituições modernas não nos deve impedir de enxer-gar o grau de confluência existente. Um traço relevante, compartilhado, que podemos identificar ocorreu neste processo de classificação e controle do que podemos intitular de práticas populares.

O povo brasileiro não aparece, ainda, como sujeito político, o que a nosso ver ocorrerá com a emergência do populismo na década de Trinta. Como sujeito religioso muito menos, o que ocorrerá de modo mais evidente no discurso católico na década de sessenta do século passado. Mas nesse período, a elite intelectual, política e religiosa confluía para impor novos padrões de comportamento à grande maioria da nação brasileira.

Combatendo certos aspectos da modernidade, a igreja católica contribuiu eficazmente para a modernização social através da atuação do clero, principalmente do clero estrangeiro. Isso só ocorreu no nível político posteriormente, o que causou im-pacto em Goiás apenas com o regime implantado através da Revolução de Trinta. THE PROJECT REDENTORIST OF WILDENESS’ MODERNIZATION

Abstract: the process of modernization in Goia’s catholicism have been studied with emphasis

about the construction of Goiânia city. In fact, it’s was relevant and has various di-mensions. In this work, we defended that in case of popular religious, campinhinas’s town was more important. This place shared a new form of religiosity because the mission of german redentorist priests, arrived at region in ends of 19th century.

Keywords: Catholicism. Modernity. Goiás. Nation. Notas:

1 Weber coloca essa irracionalização como um processo histórico: “(...) o sentido do compor-tamento especificamente religioso, em paralelo com essa racionalização do pensamento, se busca cada vez menos nas vantagens puramente externas do cotidiano econômico e dessa forma o objetivo do comportamento religioso se irracionaliza...”. A matiz historicista não o impediu de considerar a dimensão sagrada enquanto intrinsecamente irracional.

2 Sobre a história do padroado e seu funcionamento na colonização ibérica, conferir nossa tese de doutoramento (QUADROS, 2010).

3 A afirmação feita por Leila B. Dias Santos de que “a transição da monarquia para a República não foi alvo nem de entusiasmo, nem de oposição radical por parte do clero” (SANTOS, 2008, p. 182) está totalmente equivocada.

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4 O editor responsável pelo periódico era o leigo Dr.Joaquim Jubé. A notícia correu rápido, pois não havia sequer um mês de aprovada a proposta de Rui Barbosa no Conselho de Ministros da nascente república.

5 Revista Católica A Cruz. Cidade de Goiás, num.1, 1° de fevereiro de 1890, p.1. O texto da lei vem publicado integralmente na página 8 deste número.

6 Idem, p. 3.

7 A Cruz, 10 de novembro de 1890.

8 A medida que mais mobilizou foi a lei instituído o casamento civil. Conselhos contra sua aplicação foram criados em Jataí, Jaraguá, Itaberaí, Cidade de Goiás, etc., sob a liderança do clero. Sobre estas batalhas, conferir o bem fundamentado trabalho de Maria da Conceição Silva (2009).

9 O decreto conciliar acerca da infabilidade papal pode ser visto a partir desta ótica. Ressal-tamos que a igreja não entregou facilmente os pontos e houve muita resistência dos setores episcopais. Por outro lado, certas afirmações doutrinárias reafirmando o modelo saudoso da cristandade não teriam mais nenhum eco social.

10 Fizemos a contraposição entre as representações de Goiás e as da Europa através de sua autobiografia no artigo A diferença fabricada (QUADROS, 2008).

11 Apesar de descrição tão favorável, D.Eduardo nos informa que eles ficaram alojados numa pequena casa térrea, sem vidraças, comendo por vários dias milho cozido sem sal devido à falta de mantimentos (SILVA, 2007, p. 142).

12 Relatório do delegado sanitário Dr. Laudelino Gomes. Arquivo do Estado de Goiás, Ma-nuscritos, Caixa num.02 – Campinas, p.4.

13 A lei encontra-se no Arquivo do Estado de Goiás, Manuscritos, Caixa num.01 – Campinas. 14 Requisição do Conselho Municipal de Campinas em 25 de maio de 1920 ao presidente do

Estado. Arquivo do Estado de Goiás, Manuscritos, Caixa num. 02 – Campinas.

15 Artigo “Trinta anos”. Santuário da Trindade, 13 de dezembro de 1924, p. 1. Analisamos a utilização dos filmes na catequese redentorista em outro trabalho (QUADROS, 2013).

Referências

BARTHET, F. M. L. Uma viagem de missão pelo interior do Brasil (1883). Memórias Goianas

1. Goiânia: Editora Centauro, p.109-170, 1982.

LUSTOSA, O. A igreja católica no Brasil república. São Paulo: Paulinas, 1991. MONTENEGRO, J. A. Evolução do catolicismo no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1972.

POLANYI, K. A grande transformação: as origens de nossa época. Trad. Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

QUADROS, E. G de. A diferença fabricada: um estudo sobre o processo de romanização em Goiás. Texto apresentado na X Simpósio da ABHR, UNESP – Assis, São Paulo, 2008.

______. Embaixadores de dois reinos. Anápolis, GO: Editora da UEG, 2010.

______. Conversão com diversão ou como o catolicismo fez as pazes com o cinema. Revista de

Historia da UEG, v. 2, n. 1, p. 21-36, 2013.

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Editora da UCG, 2008.

SILVA, D. E. D. Passagens: autobiografia de Dom Eduardo Duarte Silva, bispo de Goiás. Goiâ-nia: Editora da UCG, 2007.

SILVA, M. da C. Casamento e família em Goiás. Goiânia: Editora da UCG, 2009.

WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. José M. de Macedo. São Pau-lo: Companhia das Letras, 2004.

______. Economia e sociedade. Brasília: Editora da UnB, 1999.

______. Sociologia de la religión. Trad. Enrique Gavilán. Madrid: Istmo, 1997.

WERNER, R. Secularization and its discontents. New York: Continuum International Publica-tions, 2010.

Referências

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