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Teoria Agnóstica Da Pena A (im) possibilidade de sua aplicação no sistema penal brasileiro / Agnostic Theory Of Punishment The (in) possibility of application in the brazilian penal system

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Teoria Agnóstica Da Pena

A (im) possibilidade de sua aplicação no sistema penal brasileiro

Agnostic Theory Of Punishment

The (in) possibility of application in the brazilian penal system

DOI:10.34117/bjdv6n3-423

Recebimento dos originais: 10/02/2020 Aceitação para publicação: 26/03/2020

Álvaro Homero Huertas dos Santos

Mestrando em Direito Penal pela PUC Minas. Especialista em Ciências Penais e Criminologia pela PUC Minas. Delegado de Polícia.

E-mail: alvarohomero@yahoo.com.br

Ana Luiza Miranda Araújo

Mestranda em Direito Penal pela PUC Minas. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes. Bolsista PUC Minas. Advogada.

E-mail: analuiza.m.araujo@gmail.com

Giselle Batista Leite

Mestranda em Direito Penal pela PUC Minas. Especialista em Direito Público pela ANAMAGES. Bolsista FAPEMIG. Advogada.

E-mail: gisellebatista@hotmail.com

RESUMO

O presente trabalho realizará a análise crítica concernente a problemática da legitimidade da pena na contemporaneidade e, a partir deste ponto, discorrer sobre a possibilidade da aplicação da teoria agnóstica no sistema penal brasileiro. O ponto de partida do presente estudo são as reflexões que permeiam este discurso, o que revela o problema de legitimação das teorias de fundamentação e justificação da pena, de modo a demonstrar a construção de um modelo deslegitimante ou agnóstico. Este ensaio propõe, ao final, que não é possível a aplicação da teoria agnóstica forte, mas a denominada moderada, de modo a buscar a redução de danos e meios alternativos de resolução de conflitos.

Palavras-chave: Teoria agnóstica da pena; deslegitimação do sistema penal; teoria da pena;

Zaffaroni.

ABSTRACT

This paper will make a critical analysis concerning the issue of the legitimacy of punishment in contemporary times and, from this point, discuss the possibility of applying the agnostic theory in the Brazilian penal system. The starting point of the present study is the reflections that permeate this discourse, which reveals the problem of legitimizing the theories of justification and justification of punishment, in order to demonstrate the construction of a delegitizing or agnostic model. This essay proposes, in the end, that it is not possible to apply strong agnostic theory, but so-called moderate theory, in order to seek harm reduction and alternative means of conflict resolution.

Keywords: Agnostic theory of punishment; delegitimation of the penal system; feather theory;

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1 INTRODUÇÃO

Hodiernamente, tem-se deparado o discurso jurídico-penal com problematizações sobre a penologia, em que apontamentos críticos estão paulatinamente ganhando espaço e as reflexões sobre o por que punir? quando punir? e como punir? estão se mostrando indispensáveis para o cenário do sistema penal atual.

Este ensaio tem por escopo, na dimensão que se propõe, trazer à tona alguns aspectos acerca de um horizonte crítico sobre a pena e a responsabilidade correlata do discurso jurídico neste contexto. Estas discussões se fazem indispensáveis, à medida em que se tem um cenário de completo caos, com índices de reincidência alarmantes, fazendo necessário que a comunidade científica se debruce acerca de reflexões e apontamentos sobre possíveis alternativas para a melhora do cenário atual.

Para isso, o presente trabalho começará sua análise sobre as teorias da pena, iniciando no contexto em que a reação pelo fato danoso causado por um indivíduo deixa as mãos do ente privado e é monopolizado pelo Estado, o qual lançará mão de uma sanção como retribuição. Este primeiro cenário é diagnosticado a partir do Iluminismo.

Posteriormente, passar-se-á pelas teorias da pena, que se dividem em teorias absolutas, e teorias relativas da pena. No que tange às absolutas, menciona-se que estas são entendidas como fim em si mesmas, ou seja, representa a reação do Estado diante do mal causado, sendo justificadas tão somente pelo seu valor axiológico intrínseco e metajurídico. Estas teorias não possuem mais grandes adeptos na atualidade. Já no que se refere às teorias relativas, saliente-se que seu surgimento se deu com a crescente preocupação de que a pena deve também ocupar-se de tentar evitar o cometimento de novos delitos, isto é, as teorias relativas são utilitaristas, não somente se voltando para o fato passado, mas também agindo diante de uma prognose de futuro. Estas teorias relativas se dividem em prevenção geral e prevenção especial.

O presente trabalho, após as devidas reflexões alcançará seu objetivo, qual seja, o estudo da teoria agnóstica e a análise de sua aplicação no Brasil atualmente. Como o próprio nome aduz, agnóstico vem de não cognoscível, ou seja, para esta teoria, a pena não é justificada, é uma necessidade sem racionalidade, uma manifestação de poder estatal. Após, serão trabalhadas as divisões da teoria agnóstica, de modo a demonstrar que há a possibilidade de aplicação apenas da teoria agnóstica fraca ou moderada, tendo em vista que no contexto atual de crise do sistema penal, necessário se faz aplicação de mecanismos que promovam a redução de danos, conforme se verá no presente ensaio.

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2 TEORIAS DA PENA

Para Masson (2016, p. 610), a pena é a reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, é definido na lei como crime.

As penas são aplicadas pelos homens desde o início do convívio em sociedade, criando regras a serem obedecidas por todos os sujeitos e penas para aqueles que descumpriram tal regramento.

As legislações sofreram várias modificações, ocorrendo avanços e retrocessos frente à dignidade da pessoa humana, diferenciando a aplicação conforme a região territorial da sociedade, tempo cronológico, regime político e até mesmo religião.

Verifica-se que nas sociedades mais antigas as penas tinham características aflitivas, visto que o corpo humano do agente era utilizado como instrumento para retribuir o mal praticado. As primeiras penas demonstraram a característica violenta e impulsiva das sociedades primitivas, exprimindo o sentimento natural de vingança das vítimas e/ou da sociedade.

Bittencourt (2015, p. 578) esclarece que durante longos períodos históricos, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infames eram utilizadas como formas de punições.

Conforme a sociedade foi evoluindo nas relações humanas, as penas iniciam o abandono a ideia de vingança privada e institucionaliza o direito nas mãos do poder público, que modifica a finalidade e intensidade das penas. De acordo Rogério Greco (2019, p. 473):

O período iluminista, principalmente no século XVII, foi o marco inicial para as mudanças de mentalidade no que dizia respeito à cominação das penas. Por intermédio das ideias de Beccaria, em sua obra intitulada Dos delitos e das penas, publicada em 1764, começou-se a ecoar a voz da indignação com relação a como os seres humanos estavam sendo tratados pelos seus próprios semelhantes, sob a falsa bandeira da legalidade.

Bitencourt (2015, p. 589) defende que seria ingênuo acreditar que as penas deixaram de ser aflitivas e passaram a serem privativas de liberdade somente porque houve um processo geral de humanização ou que o Estado teria o poder de ressocializar o agente de crime. O autor descreve três motivos para a mudança no paradigma da penalização no mundo moderno.

O primeiro foi o surgimento do Iluminismo que valorizava a imposição racionalizada da pena através da liberdade; o segundo foi à substituição de alguns castigos pela vergonha, a pena privativa de liberdade seria apta a esconder os castigos e esquecer as pessoas que impuseram a sanção e por fim as mudanças macroeconômicas que ocorreram na Europa, levando grande parte da população a miséria absoluta, aumentando a mendicância e os crimes, caindo a pena de morte em desprestigio.

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Melossi e Pavarini (1985, p. 41-42) fazem uma relação entre o surgimento do capitalismo e o surgimento das penas privativas de liberdade. Para os autores as prisões passaram a ter a finalidade de obter mão de obra a baixo custo, pessoas dóceis e aptas para o mercado produtor, valorizando o capital. Como exemplo citam as casas de trabalho que surgiram na Holanda e Inglaterra, que tinham como princípio a educação, o controle da força de trabalho, e a domesticação do trabalhador.

A evolução na penologia, além das questões “de como punir”, também iniciaram os questionamentos de “por que punir?” Partindo do pressuposto de que o Estado não é a expressão da vingança privada ou do clamor popular e que as penas devem ter uma lógica racional, uma finalidade, passou-se a desenvolver as teorias das penas.

As teorias das penas se subdividem em teorias absolutas, teorias relativas e mistas (Brandão. 2010. p.317).

Segundo Luigi Ferrajoli (2012, p.204):

São teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concedem a pena como um fim em si própria, ou seja, como castigo reação, reparação ou, ainda retribuição do crime, justificada por seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não em meio, e tampouco um custo, mas sim, um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, relativas todas as doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a pena enquanto meio para realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos.

As teorias mistas têm por finalidade a retribuição ao crime e a prevenção de futuros delitos, somando-as. O código penal brasileiro, através do art. 59, prevê a teoria mista da pena, quando descreve que a pena será aplicada “conforme o necessário e suficiente para reprovação e prevenção

do crime”.

Por fim, Zaffaroni (2011, p. 98-99) ao fazer críticas contundentes às teorias absolutas e relativas da pena, considera que as penas não têm finalidade e adota uma concepção negativa da pena. O fracasso das teorias positivas e a impossibilidade de encontrar uma finalidade para a pena faz dela agnóstica.

Em seguida apresentaremos uma análise mais detalhada sobre as teorias da pena. 2.1 TEORIAS ABSOLUTAS

As terias absolutas consideram as penas como os fins em si mesmas, sem considerar os meios para fins posteriores. As teorias foram sustentadas por Kant e Hegel, mas na atualidade possuem poucos adeptos.

Kant e Hegel partiram da ideia do contratualismo penal, no qual as regras impostas decorrem de um contrato social entre os cidadãos e o descumprimento consiste em uma violação deste contrato. Seu pressuposto é a racionalidade das pessoas e a violação das leis uma decisão pessoal.

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Quando Kant faz a aplicação dos princípios do direito penal, conclui que a pena não pode ser imoral, ou seja, não pode tomar o homem como um meio. Afirma que a pena nunca poder ser um meio, porque se assim for, mediatiza o apenado. Nem sequer aceita que seja um meio para melhorar o próprio delinquente. Daí que conceba a pena como um fim em si mesmo, derivado da simples violação do dever jurídico. Qual seja, pois a medida da pena? Não poder outra além do mal imerecido infligido à vítima, isto é, o talião, que Kant entende como a devolução da mesma quantidade de dor injustamente causada. Tal é a teoria absoluta da pena em Kant.

Os autores complementam (2015, p.260):

O hegelianismo permitia que a classe hegemônica urbana fizesse uma classificação dos homens, pondo de um lado aqueles que participavam de seu racionalismo produtivo, ainda que eventualmente cometesse delitos, podendo ser apenados com garantias e defender-se legitimamente, e aqueles que não compartilhavam de tal raciocínio, aos quais reservava apenas medidas neutralizantes, sem limites algum. Ao mesmo tempo, esta ideologia permite castigar gravemente os traidores da própria classe, quando cometerem um delito muito grave, mediante a retribuição, o que não sucede quando o delito é leve, porque a retribuição indicará uma pena leve, mas permite castigar exemplarmente os

desclassificados ainda quando o delito é leve: pouco importa que aquele que fica fora da comunidade cometa um delito leve ou grave.

Apesar de terem contribuído para a evolução do direito, no que se refere à aplicação de pena, esse entendimento não prospera, visto que contem vícios não aceitos para os padrões atuais do direito penal e da penologia.

A pena somente como retribuição significa o Estado agir com frieza, violência e insensatez, ainda sendo legitimado por leis permissivas e violadoras da dignidade da pessoa humana. Se o Estado procura legitimidade em uma punição, que se mostra (quase) impossível, ela não deve ter o foco exclusivamente na retribuição, mas sim, na possibilidade de reparação de danos, tendo como linha de apreciação a culpabilidade.

Para Brandão (2010, p. 318) os autores acertaram ao esclarecerem que a pena é um mal, porque ocasiona a perda de bens jurídicos, mas as teorias absolutas ferem o princípio da legalidade ao atingirem a dignidade da pessoa humana. O mal da pena não pode desvalorizar o homem que é destinatário da normal penal.

Apesar da ideia de retribuição das penas ser conhecido pela humanidade deste a antiguidade, demonstrando inapropriada a sua aplicação. A ideia permanece viva na consciência da população atual. Contudo, a pena por ser “um mal necessário” tem que ser aplicada nos seus patamares mínimos e somente nos casos de maior gravidade para a sociedade contemporânea.

2.2 TEORIAS RELATIVAS

As penas no modelo atual de direito penal se justificam pelas finalidades de prevenção. Esse modelo justificacionista tem o foco contrário às teorias absolutas das penas, tendo como objetivo evitar novas infrações penais e não mais impor o castigo ao agente que praticou a conduta ilícita. Não se preocupa com a realização da justiça através da pena, tampouco retribuir o mal praticado, mas somente em proteger a sociedade.

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A pena deixa de ser concebida como um fim em si mesma, sua justificação deixa de estar baseada no fato passado, e passa a ser concebida como meio para o alcance de fins futuros. São também conhecidas como teorias utilitaristas ou preventivas (Bitencourt, 2015, p. 142).

As teorias relativas se dividem em prevenção geral e prevenção especial. Quando se trata de prevenção geral ela tem como destinatário a sociedade, à generalidade dos cidadãos, quando se trata de prevenção especial o destinatário será o agente que praticou a atividade criminosa. A primeira visa impedir que a coletividade pratique crimes e a segunda que não ocorra à reincidência do violador da lei.

As prevenções também se subdividem em negativas e positivas, assim, teremos a prevenção especial positiva e negativa, e a prevenção geral positiva e negativa.

A prevenção geral negativa é considerada pelo Estado como forma de intimidar a população que ainda não praticou crimes a não praticá-los, a condenação aplicada ao agente infrator é utilizada como exemplo para os demais membros da sociedade.

Para essa teoria o ser humano é livre e racional, utilizando o seu livre arbítrio para escolher as ações a serem feitas, podendo ser legais ou não. A intimidação através da pena causa o medo para ponderar a racionalidade do ser humano. De acordo com Bitencourt (2015, 143-144) Feuerbach foi o formulador da “teoria da coação psicológica”, uma das primeiras representações da prevenção geral:

A teoria defendida por Feuerbach sustenta que é através do Direito Penal que se pode dar uma solução ao problema da criminalidade. Isto se consegue, de um lado, com a cominação penal, isto é, com a ameaça de pena, avisando aos membros da sociedade quais as ações injustas contra as quais se reagirá; e, por outro lado, com a aplicação da pena cominada, deixa-se patente a disposição de cumprir a ameaça realizada. A elaboração do iniciador da moderna ciência do Direito Penal significou, em seu tempo, a mais inteligente

fundamentação do direito punitivo. Para Feuerbach, a pena é, efetivamente, uma ameaça da lei aos cidadãos para que se abstenham de cometer delitos; e por uma coação psicológica com a qual se pretende evitar o fenômeno delitivo. Já não se observa somente a parte, muitas vezes cruel, da execução da pena (que neste caso serve somente para configurar a ameaça), mas se antepõe à sua execução a cominação penal.

A pena perde a característica de mal e se sustenta em ser um bom exemplo para evitar o crime. Passa a ter um discurso humanitário a partir da ideia de prevenção. A publicidade das punições faz o papel de envolver a sociedade em um alerta constante, para que as ações sejam controladas.

O desafio reside em encontrar o exato ponto geométrico em que a ameaça da força é suficiente e não mais que a suficiente, sob pena de, insensibilizando os criminosos e escandalizando os súditos, incorrer-se em excesso contraproducente e ineficácia dissuadora. (Andrade e Siqueira apud Alves, 2014, p. 21). Somente existirá o medo se a pena for útil.

Existem severas críticas a esse modelo justificacionista. O primeiro ponto verificado é que a pena em si não tem mais valia, abrindo espaço para o aumento constante e progressivo, visto que somente o crescimento da mesma poderá atingir o objetivo intimidatório. O segundo ponto é que a pena reduz o ser humano à condição de meio, partindo de uma visão utilitarista, ferindo a dignidade

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da pessoa humana. O excesso de dor ao agente condenado é primordial para que a sociedade se sinta atemorizada. E por fim, que os efeitos esperados são duvidosos, visto que se fundamentam em motivações imprecisas, como considerar que o cidadão tem conhecimento de todas as legislações e as condenações.

A prevenção geral positiva visa reafirmar a existência e validade da norma penal geral, em que a eficiência do direito penal está na vigência da norma. A intimidação, também presente, é exercida através da cominação de preceitos primários e secundários, utilizando a pena em abstrato como forma de controle. A pena passa a ser a expoente do respeito aos valores “exercitando a fidelidade ao direito, promovendo, em última análise, a integração social”. (Greco, 2013, p. 476).

Os três principais efeitos desta teoria são a função pedagógica da pena, o efeito de reafirmação da confiança no Direito Penal, e o efeito de pacificação social quando a pena aplicada é vista como solução ao conflito gerado pelo delito (Roxin, 1997, p.91-92).

A violação da norma, para essa teoria, gera uma ameaça à confiança do cidadão, ocasionando a instabilidade da própria norma, e a punição tem como objetivo o reestabelecimento desta confiança e impedir os efeitos negativos da violação na integração social. “Pune-se, portanto, porque através da pena se exercita a função primária que é a de produzir o reconhecimento das normas e a fidelidade ao direito por parte da maioria dos seus seguidores” (Giamberardino e Pavarini, 2018, p. 132).

Para Zaffaroni (2011, p. 131):

Na prevenção geral positiva as consequências sociais desastrosas da lógica em comento: a permanência ou crescimento dos conflitos, embora ligada a fatores estruturais, implicará exasperação das reprimendas, fruto da crença ingênua na produção artificial de consenso. E a fixação da pena in concreto, aqui voltada a reafirmar a vigência da norma e não mais à justa retribuição, perde seu mais importante referencial limitativo: vai a óbito a

culpabilidade ligada ao fato.

As teorias da prevenção especial negativa consistem em teorias incapacitantes ou neutralizadora do ser humano, impedindo a reincidência criminosa com o isolamento do sujeito em sistemas prisionais de segurança máxima, controle por câmeras, regimes disciplinares diferenciados e outras formas de controle. O Estado, a princípio, não se preocupa com a reinserção social ou ressocialização, mas sim com a exclusão do agente. Neste contexto, a pena privativa de liberdade é considerada instrumento jurídico eficaz para tal prática.

A vontade de neutralização do sujeito ganhou força no positivismo jurídico, concebendo a ideia de que o crime é ocasionado por uma inferioridade intelectual, moral ou biológica. A periculosidade se torna, nesta teoria, fator preponderante para a definição de sua pena, quanto mais perigoso é o agente, maior será o controle sobre ele. A dogmática deixa de lado a análise da

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culpabilidade do agente e se preocupa com a “máxima da defesa social”, tendo como foco o direito penal do autor.

Neste ponto, a seletividade do Direito Penal se verifica quando se verifica que a parcela da sociedade que é estigmatizada e neutralizada são aquelas fora do sistema produtivo de um capitalismo agressivo e controlador, com um exército de desempregados, e a excessiva mão de obra, se fazendo necessário o controle e a exclusão.

Pensa-se no plano da efetividade, as críticas se tornam ainda mais severas, visto que os efeitos negativos do cárcere sobre o agente refletem inevitavelmente na ocorrência da reincidência criminosa. Então a tão esperada proteção dos bens jurídicos através da exclusão dos seres humanos, ocorrerá provisoriamente, contudo, em seguida, será rechaçada com o retorno do agente a sociedade.

Por fim, os parâmetros de aplicação de pena, que tem como referência a periculosidade do agente, incorrem em penas desproporcionais, baseado em análises futuristas de reincidência criminal, inserindo pessoas em “masmorras medievais e campo de concentração onde se morre sem perder a vida, tornando absolutamente ilegítimo, in concreto o fim neutralizador” (Andrade e Siqueira, 2014, p.122).

A prevenção especial positiva visa convencer o autor, através de uma modificação de personalidade e meditação, a não praticar outros crimes, tendo um viés ressocializador. A integração do agente ao meio social é feito de forma progressiva, verificando a sua disponibilidade em respeitar as normas sociais impostas pelo direito, legitimando a aplicação da pena. A prevenção especial positiva não é excludente da prevenção especial negativa, elas se complementam a fim de alcançar a prevenção criminosa através da correção da personalidade de agente.

O Estado parte do princípio de que o agente não pode ser abandonado e romantiza a pena privativa de liberdade. “Aos bons, sadios e cultuadores da lei contrapõem-se os desviantes disfuncionais, para os quais, num Estado (pseudo) altruisticamente voltado para o individuo defeituoso, está reservada a medida profilática por excelência: a pena” (Andrade e Siqueira, 2014, p.123).

As teorias mistas ou unificadoras combinam a retribuição penal e a reabilitação do sujeito, somando então os aspectos de retribuição, de prevenção geral e de prevenção especial. A pena visa castigar o agente como também evitar novos crimes. Foram as teorias adotadas pelo código penal brasileiro e pela jurisprudência majoritária nacional.

2.3 TEORIA AGNÓSTICA

Durante a evolução da sociedade o Estado e os estudiosos procuraram justificativas do porque punir. As várias teorias, sendo elas absolutas, relativas ou mistas visam legitimar o poder punitivo do Estado de formas diferentes.

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Contudo, percebeu-se que na mesma proporção em que se construía as teorias justificantes, as críticas eram desenvolvidas, demonstrando que a aplicação da pena como retribuição ao crime ou visando prevenir futuros crimes esbarrava sempre nas violentas agressões na dignidade da pessoa humana, desfigurando a legitimidade da pena.

Discussões sobre o que posteriormente é denominado como teoria agnóstica da pena surge, sobretudo, do malogro de suas teorias positivas que pretendem atribuir alguma função manifesta a ela. Necessário se faz mencionar as importantes contribuições de Tobias Barreto. Escritos produzidos por ele ainda no século XIX são capazes de comprovar os importantes estudos deste teórico para a construção do que, posteriormente a ele, denominou-se teoria agnóstica da pena.

Em seus estudos extrai-se temas como uma visão do direito penal radicalmente realista, ou seja, comprometida com a realidade dos fatos, uma imagem conflituosa entre direito e sociedade e, por fim, uma distinção precisa entre pena e as demais sanções ou soluções de conflito. No que concerne o primeiro, Hamilton Ferraz (2018) aduz que já naquela época, Tobias Barreto entendia que a pena advém da uma necessidade e não de uma racionalidade.

No que tange seus estudos sobre a característica conflitiva direito e sociedade, Ferraz entende que:

Barreto também aderia a concepções orgânicas de sociedade. Ao contrário das formas tradicionais de organicismo social, no qual devem viger a harmonia e o consenso entre os membros da sociedade em torno de princípios ou valores sociais comuns e compartilhados, Barreto manejava um organicismo historicista intrinsecamente conflitivo, desarmônico, informado pela ideia iheringiana de “luta” e pela concepção de “seleção natural darwínica”, isto é, o Direito – e, por conseguinte, a pena – são percebidos como construções sociais históricas, que, ao custo do embate de forças em oposição, preservam e defendem a sociedade. (FERRAZ, 2018, p. 09)

Tobias barreto dedicou-se ainda ao estudo sobre uma tênue distinção entre a pena, as demais sanções e as soluções de conflito, sendo neste ponto, Hamilton Ferraz é categórico ao afirmar que:

Uma indagação comum sobre Barreto é se ele teria ou não, afinal, sustentado uma teoria legitimante ou deslegitimante da pena 23 e se, dessa forma, ostentaria “legítima”

paternidade da teoria agnóstica. Propõe-se uma abordagem distinta: qual a relevância desta pergunta? Qual a necessidade de se saber se Barreto teria sido ou não deslegitimante em suas considerações sobre a pena? As respostas que esta pergunta levanta parecem ser dispensáveis, seja para o debate das teorias da pena, seja para a construção da teoria agnóstica: se ele foi deslegitimante, isto pouco acrescenta em conteúdo, e ainda suscita a possibilidade de sua citação como argumento de autoridade histórico (“a teoria agnóstica é correta, justa, ou válida, uma vez que Tobias Barreto, no século XIX, já a defendia”); porém, se ele não foi deslegitimante e, ao contrário, tomou partido de uma teoria preventivo-geral, de defesa social 24 , este fato suscitaria a possibilidade de rejeição de suas ideias por não ser filiado a esta ou aquela concepção de pena e de Direito Penal. (FERRAZ, 2018, p. 10)

Infere-se com estas exposições que Tobias Barreto foi um expoente ao realizar estes estudos em um país ainda fraco no que tange desenvolvimento acadêmico à época, realizando estudos sobre

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o tema e adiantando em cem anos importantes reflexões. Por este motivo, atrelado às características de seus ensinamentos, que Tobias Barretos é tido como uma dos pais da teoria agnóstica da pena.

No desenrolar do cenário dos estudos sobre a teoria agnóstica, importante se faz destacar que o maior expoente foi Eugênio Raúl Zaffaroni, no qual existe uma grande dificuldade em acreditar que a pena possa cumprir, na grande maioria dos casos, como legitimadora do poder punitivo. Então a teoria é encontrada pela exclusão, a função da pena é agnóstica justamente por não ter outra função identificada.

Hamilton Ferraz aduz que:

A esta compreensão do poder punitivo (que opera seletiva e irracionalmente),

corresponde uma nova teoria capaz de, ao menos, compreendê-lo: a teoria negativa ou agnóstica da pena, construção que parte do fracasso de todas as teorias positivas (por falsas ou não generalizáveis) em torno de funções manifestas. Atualizando suas contribuições até então, Zaffaroni sustenta, em um marco agnósticonegativo, ser a pena “(a) uma coerção, (b) que impõe uma privação de direitos ou uma dor, (c) que não repara nem restitui (d) nem tampouco detém lesões em curso ou neutraliza perigos iminentes”. É um conceito obtido por exclusão, uma vez que a pena figura como um exercício de poder que não dispõe de função reparadora ou restitutiva, e tampouco como coação

administrativa direta (esta sim, que detém lesões em curso ou perigos iminentes, a partir do modelo de legítima defesa ou estado de necessidade). “O conceito é negativo porque (a) não atribui nenhuma função positiva à pena e (b) se obtém por exclusão; e é agnóstico em relação à sua função, porque parte de seu desconhecimento” (FERRAZ, 2018, p. 11)

Se for superada a pretensão legitimante da pena, e chegada à constatação de que esta sanção penal é inábil para a resolução dos conflitos, chegará à conclusão que a aplicação da penal nada mais é que a manifestação concreta do poder do Estado. Tobias Barreto (1996, p. 650) “esclarece que para se achar os fundamentos da pena, também deverá procurar os fundamentos da guerra”. A guerra é um poder sem legitimação que procura no direito humanitário a possibilidade de reduzir a sua inevitável violência.

Os estudos sobre teoria agnóstica da pena têm sido recepcionada, refletida e atualizada por diversos estudiosos brasileiros, como é o exemplo de Salo de Carvalho, Nilo Batista, Rodrigo Roig e Davi Tangerino. Estes teóricos têm direcionado seus estudos no sentido crítico do discurso penológico e da dogmática penal.

Para Andrade e Siqueira (2014, p.134) somente com o reconhecimento da pena como manifestação de poder do Estado será possível a diminuição de seu poder de incidência e utilização do modelo de redução de danos como forma de minimizar a agressividade e seletividade do direito penal.

A pena somente seria justificada em casos excepcionais, quando todas as outras formas de controle social fracassassem, excluindo tanto a superincidência do direito penal ou o abolicionismo radical.

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Segundo Ferraz:

É importante notar que, a bem da verdade, nenhuma teoria de justificação oferece resposta satisfatória para casos extremos, uma vez que, nos domínios legitimantes da racionalidade punitiva, todas as respostas inevitavelmente conduzem o intérprete à punição. Seja porque se pretenda retribuir, seja porque se pretenda prevenir, o “oficial torturador de um regime militar”, o “estuprador que arruinou vidas”, o “latrocida”, e todo e qualquer “tipo ideal” de desviante extremo terminam punidos (de uma ou outra forma) e, por isso, as razões de punir, por mais fundadas que possam ser, não dizem muito sobre a consistência desta ou daquela teoria de justificação. Entretanto, a situação muda radicalmente quando o justificacionismo se vê diante de casos igualmente extremos, mas que, ao contrário, não necessitaram de pena para uma solução satisfatória às partes envolvidas: são os casos da Justiça Restaurativa, os quais forçam a teoria da pena a novos olhares e modelos teóricos distintos. (FERRAZ, 2018, p. 16)

Carvalho (2013, p.147-149) esclarece que a teoria agnóstica é composta por quatro pressupostos:

1)Fundamentos políticos da pena: em que a sanção penal passa ao âmbito da política, e verifica-se uma relação tensa e desarmônica entre o direito e sanção criminal (distinção entre poder de punir e pretenso direito de punir, que não se verificaria). 2) Função de Controle Social da Pena: no sentido de que a sanção criminal, como instrumento político destina-se a controlar a violação da ordem social interna. 3) Incancelabilidade do fenômeno punitivo nas sociedades contemporâneas, o que se relaciona à constatação do avanço do punitivismo mundialmente, inobservação a resistência e os avanços proporcionais pelos discursos abolicionistas, e 4) A pena como fenômeno da realidade, ou seja, é a violência que se observa empiricamente, e não o que o legislador considere que seja, e, por isso, trata-se de fenômeno que deve ser contido pelo Direito (teleologias redutoras) em razão de sua pulsão violenta (tendência ao excesso).

Conforme se verá adiante, a teoria agnóstica se subdivide em teoria forte ou radical ou teoria fraca ou moderada. A primeira atribui a pena uma função de dor, um instituto de política criminal que serve exclusivamente para a manifestação de poder, sendo ilegítima a sua utilização no direito penal, devendo ser abolida. A segunda que continua a criticar a pena, mas modifica o foco para a desnecessidade de vinculação entre delito e sanção. Ela defende a pena, mas assume seus limites, imperfeições e críticas, visando minimizar suas consequências graves.

Entre os autores que criticam a teoria agnóstica, Luiz Greco (2016, p. 4) afirma que a defesa desta teoria perpassa pela ingenuidade da abstração e o incomodo frente ao caso concreto. A utilização da teoria agnóstica é um olhar para a pena somente como instituição, sem preocupar-se com qualquer caso individual.

Assim, com o desenvolvimento desta teoria, os operadores do direito passam a ter três possibilidades. A primeira utiliza as teorias justificadoras das penas para defender o ideal de punir, a segunda, a defesa de uma teoria minimalista segundo o qual as funções de delito e pena estão separadas (teoria agnóstica fraca). E por fim, o abolicionismo penal, onde outros ramos do direito irão resolver os problemas dos conflitos sociais (teoria agnóstica forte).

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2.3.1 Teoria Agnóstica da Pena Forte ou Radical

No V Congresso da AIDEF, em Fortaleza-CE, em 2012, Zaffaroni destacou em uma de suas palestras que

" (...) a fé na pena, é a fé em um falso Deus. Existem pessoas que acreditam que tudo na vida podem ser resolvido através da pena e, como não o sabemos, sabemos sim que temos que conter o poder punitivo”. A limitação do poder punitivo é indispensável como meio de contenção dos genocídios e de outras injustiças. A defesa de limites para o poder punitivo se faz necessária. Acredito que o poder punitivo é um fato político e não jurídico".1

Das palavras de Zaffaroni, facilmente percebesse que para a teoria agnóstica da pena forte ou radical, a pena tem uma função de dor além de ser um instituto de política criminal que serve exclusivamente para a manifestação de poder. Como manifestação do poder, a pena nada mais é do que um ato político, e, o Direito, consequentemente, o limite da política, o parâmetro negativo da sancionabilidade, que tem se fundamentado ao longo dos anos sob a negação das teorias da pena e nos critérios de limitação da sanção.

O ponto central da teoria agnóstica da pena forte ou radical é o modelo ideal de Estado de Polícia2 e Estado de Direito3. O posicionamento adotado por Zaffaroni passa pela ideia de que a pena não cumpri as suas funções mesmo estando expressa em lei, pois tanto a pena quanto o sistema são ilegítimos desde o seu início (CARDOSO, 2016).

O Estado de Polícia tem fundamento no exercício do poder de forma vertical e autoritário, solucionando os litígios existentes na sua base de incidência através de aplicação dos pressupostos declaradamente justificadores do discurso da penologia clássica (teorias absolutas e relativas), pelos detentores da classe hegemônica no poder.

Já o Estado de Direito tem termo e base no exercício horizontal e democrático de poder, ocasionando a resolução dos conflitos mediante as regras do jogo já dispostas, (CALAMANDREI, 2003), sendo a proteção dos Direitos Humanos, considerando estes sempre em perfeita evolução, sendo garantidos através da máxima limitação ao jus puniendi.

Resumindo, a teoria agnóstica da pena defendida por Zaffaroni,

(...) rompe com os fundamentos tradicionais da pena de prisão, considerando-se uma negativa às teorias tradicionais, entendendo que a pena é uma ato político sem fundamento jurídico. A teoria defende a adoção de um realismo jurídico penal marginal, isto é a posição

1 www.anadep.org.br. Consulta em 24.08.2019.

2 A grosso modo o Estado de Polícia é um modelo de organização estatal fortemente baseado no controle total da população por meio, principalmente, da polícia política, das forças armadas e outros órgãos de controle ideológico e de repressão.

3 Resumidamente, Estado de Direito é um sistema institucional no qual todos (do mais simples indivíduo ao Poder Público) são submetidos ao Direito. O Estado de Direito é ligado ao respeito às normas e aos Direitos Fundamentais, é aquele no qual onde todos estão submissos à legislação vigente.

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de que houve uma perda de legitimidade do sistema penal, sobretudo nos países subdesenvolvidos à percepção prática de que os objetivos perseguidos pelo discurso jurídico penal e pelas normas penais, são inalcançáveis e acabam por produzir justamente o efeito contrário daquele declarado. (CARVALHO, 2013)

Enfim, o Estado não possui mecanismos para proporcionar uma ressocialização e reintegração do (a) preso (a) à sociedade como promete (ilegítima desde o início), por isso, a penalidade atribuída ao (à) criminoso (a) tem uma visão deturpada de ordem, portanto, a pena deve ser abolida.

2.3.2 Teoria agnóstica da pena fraca ou moderada

A teoria agnóstica da pena fraca ou moderada também critica a pena e os litígios existentes na sua base de incidência através de aplicação dos pressupostos declaradamente justificadores do discurso da penologia clássica (teorias absolutas e relativas) pelos detentores da classe hegemônica no poder; entretanto modifica seu foco para a desnecessidade de vinculação entre delito4 e sanção5.

Como visto Zaffaroni entende

(...) ser absolutamente dispensável qualquer teoria da pena e visualiza uma possibilidade de reconstruir o Direito Penal com a finalidade de redução da violência do exercício do poder punitivo, pois na medida em que enxerga a pena como mero ato de poder político, alicerçado em Tobias Barreto, credita ao Direito Penal a possibilidade de contenção do arbítrio do poder punitivo, eis que entendida a pena como realidade política, (...) não encontra esta sustentação no direito, pelo contrário, simboliza a própria negação do jurídico. (CARVALHO, 2013).

Diferentemente, a teoria agnóstica da pena fraca ou moderada não nega as finalidades racionalizadoras dadas às penas, ela começa a tentar perceber os efeitos infindáveis que o cárcere produz na pessoa humana e declara a total falência do discurso ressocializador da pena; por isso, se baseia em analisar o bem afetado6, para tentar buscar outros meios de punição, não só a privação de liberdade.

Por isso que a teoria agnóstica remonta a construção de um novo conceito de culpabilidade; ao abandono do recurso à ficção jurídica do livre-arbítrio; às funções da pena; à relação entre a função negativa da pena e o minimalismo penal (não se quer eliminar a pena, mas fazer com que produza o mínimo de sofrimento); ao deslocamento do centro de discussão da teoria da pena dos fins aos meios; bem como ao filtro dos institutos jurídico-penais existentes no ordenamento jurídico, que encontram legitimidade amparada em algumas

4 Quaisquer ações e/ou comportamentos que infrinjam uma lei já estabelecida; ação punível pela lei penal; crime.

5 Resumidamente e rapidamente, sanção é um termo com dois significados diferentes, pode significar tanto a punição pela violação de uma lei (pena), como também o ato de aprovação de algo por vias formais. O termo “sanção” está relacionado com o Direito e a Justiça, seja no sentido de “ação punitiva”, como no de “aprovação.” Em regra, A sanção penal é a condenação dada à um indivíduo que infringiu alguma norma estabelecida na legislação da sociedade em que se encontra, ou seja, cometeu um ato ilícito. Para que seja determinada a sanção penal, o infrator deve passar por um processo de julgamento (devido processo legal).

6 (...) os bens jurídicos como circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que garanta a todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos. (ROXIN, 2018)

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funções da pena, como a possibilidade de fixar pena-base tendo como sustentáculo a personalidade e a conduta social, entre outros (GLOECKNER e AMARAL, 2013).

A teoria agnóstica da pena fraca ou moderada continua a criticar a pena, mas modifica o foco para a desnecessidade de vinculação entre delito e sanção defendendo a aplicação da pena, entretanto, assume seus limites, imperfeições e críticas, visando minimizar suas consequências graves.

3 DA (IM) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA AGNÓSTICA DA PENA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

Como demonstrado pode-se entender, atualmente, que existem duas correntes da teoria agnóstica da pena. Uma primeira, na qual é denominada teoria agnóstica da pena forte ou radical defendendo que houve uma perda de legitimidade do sistema penal e com isso, os objetivos perseguidos pelo discurso jurídico penal e pelas normas penais são inalcançáveis e acabam por produzir o efeito contrário daquele desejado. Por isso, toda a pena, e, consequentemente, o sistema penal deve ser abolido.

Entretanto, existe, uma segunda corrente da teoria agnóstica da pena, a fraca ou moderada, defendida, principalmente por Salo de Carvalho (2013), que argumenta que a nossa própria Constituição da República de 1988, na medida em que não traz em seu texto qualquer referência à justificativa da pena, teria adotado a perspectiva agnóstica, apenas delimitando os seus meios e formas.

(...) na medida em que a Constituição Federal de 1988 não se alicerça em nenhuma teoria da pena, agnosticamente apenas instituindo os meios e as formas de pena, tendo por fundamento da República Federativa do Brasil, no entanto, em seu art. 1º, a dignidade da pessoa humana; (...) porque reduzir o sofrimento seria a única justificativa válida para a atuação dos operadores do direito nas atuais condições em que a punição é exercida, principalmente na realidade latino-americana. (CARVALHO, 2013)

Assim, para Salo de Carvalho (2013), além de fundamentos constitucionais, aderir a uma teoria agnóstica da pena fraca ou moderada daria um novo olhar no controle da aplicação da pena, dos bens jurídicos tutelados, do decreto de prisão provisória, da condução da execução penal, da audiência de custódia, entre outros tantos institutos do direito penal, processo penal e execução penal, portanto, esta seria uma teoria mais do que aceita e aplicável no nosso sistema penal.

4 CONCLUSÃO

Durante a evolução da sociedade o Estado e os juristas procuraram justificativas do porquê punir. As várias teorias justificacionistas, sendo elas absolutas, relativas ou mistas visam legitimar o

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poder punitivo do Estado de formas diferentes. Contudo, na mesma proporção em que se construía as teorias justificantes, críticas as mesmas eram desenvolvidas, as quais demonstravam, ou tentavam demonstrar, que a aplicação da pena como retribuição ao crime ou visando prevenir futuros crimes esbarrava sempre nas violentas agressões da dignidade da pessoa humana, desfigurando, assim, a legitimidade da pena.

Neste cenário, iniciou-se a discussão sobre a teoria agnóstica da pena, tendo como maior expoente Eugênio Raúl Zaffaroni. Porém, como observado, a teoria agnóstica da pena se divide em duas correntes: uma considerada forte ou radical (Teoria abolucionista), na qual se consideram tanto a pena quanto o sistema penal ilegítimos desde a raiz; a outra, seria uma versão mais fraca ou moderada, na qual a pena e a sanção são fenômenos distintos e dissociáveis, e para ela ser aplicada o que se deve analisar é o bem afetado.

Acredita-se que no modelo de Estado pós-moderno é impossível à aplicação da teoria agnóstica forte ou radical, o abolicionismo. Não é possível manter o controle mínimo do Estado sem a aplicação de pena àquelas pessoas que ferem as leis. Por outro lado, a pena é expressão do poder punitivo do Estado, não podendo ser somente justificada, pela ressocialização, exclusão do ser humano, proteção da norma ou controle psicológico das pessoas, restando somente à aplicação da teria agnóstica fraca ou moderada, onde o Estado utiliza o direto penal como fim de redução de danos. Assim sendo, é possível no sistema penal brasileiro aplicar a corrente da teoria agnóstica da pena fraca ou moderada em determinados casos, devemos caso a caso, analisar o bem jurídico afetado pela conduta ofensiva e a constatação de ineficácia de outras formas de controle social desta afetação. Isso, inclusive, poderá trazer alguns benefícios e pontos positivos para o direito penal e o processo penal, tais como: uma maior aproximação de sanção criminal de outras sanções aflitivas da pena oriundas de sistemas de controle social paralelos (como as medidas de segurança, fazendo assim um maior controle paralelo), o que favorece o desenvolvimento de modelos dogmáticos redutores para inimputáveis etários e inimputáveis por sofrimento psíquico; na execução penal, trazer maior controle de proteção dos Direitos Humanos, uma vez que poderá ter um maior controle judicial sobre a violência exercida no meio penitenciário; no processo penal, vislumbrar um sentido político criminal uma vez que poderá ter uma contenção do poder punitivo; e ainda, maior incentivo e inspiração em modelos restaurativos de solução de conflitos (FERRAZ, 2018).

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REFERÊNCIAS

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da AIDEF em Fortaleza. Disponível em: https://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=15048. Acesso em: 24 ago 2019

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