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Para além dos fouettés: O balé clássico e seus caminhos / Beyond the fouettés: The classic ballet and its paths

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Academic year: 2020

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Para além dos fouettés: O balé clássico e seus caminhos

Beyond the fouettés: The classic ballet and its paths

DOI:10.34117/bjdv6n8-513

Recebimento dos originais: 20/07/2020 Aceitação para publicação: 24/08/2020

Hilda Torres Falcão

Mestra em Ensino de Ciências da Saúde e do Meio Ambiente, docente e psicologa UniFOA Instituição: Fundação Oswaldo Aranha - Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA) Endereço: Campus Olezio Galotti. Avenida Paulo Erlei Alves Abrantes, 1325, Três Poços,

Volta Redonda - RJ. Cep: 27240-560 E-mail: hilda.falcao@foa.org.br

Juliana Leite Martins

Especialização em Treinamento Desportivo e Educação Inclusiva e Psicomotricidade Instituição: Fundação Oswaldo Aranha - Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA)

Endereço: Campus Olezio Galotti. Avenida Paulo Erlei Alves Abrantes, 1325, Três Poços, Volta Redonda - RJ. Cep: 27240-560

E-mail: julianaleite@id.uff.br Pâmela Sobral Monteiro da Silva

Bacharel em Educação Física

Instituição: Fundação Oswaldo Aranha - Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA) Endereço: Campus Olezio Galotti. Avenida Paulo Erlei Alves Abrantes, 1325, Três Poços,

Volta Redonda - RJ. Cep: 27240-560 E-mail: pamsobral@gmail.com RESUMO

O Balé Clássico tem suas raízes nas danças de corte, originadas na Itália e na França, e desde então, transmite certo ideal de beleza e perfeição, que se perpetua até os dias de hoje. Para desmitificar o estereótipo dos bailarinos sempre belo e etéreo, se faz necessário um olhar crítico além das questões puramente físicas e técnicas, visto que há acontecimentos que trazem danos à integridade física e mental dos bailarinos. O objetivo desta pesquisa é adentrar o ambiente da dança erudita com foco no estilo de vida oriundo desta prática em alto nível, descrevendo a rotina dos bailarinos e observando os principais sentimentos e sensações apresentados. Essa pesquisa tem caráter quali-quantitativo, a metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica e aplicação de questionário semiestruturado direcionado a bailarinos com uma base clássica sólida. Após a aplicação, eles foram analisados por meio da ferramenta de análise do Discurso do Sujeito Coletivo (NVivo 11) e tabulados estatisticamente para posteriormente serem emitidos os pareceres. O trabalho vem como um alerta, lançando um olhar “para além dos fouettés”, trazendo questões que apesar de importantes são pouco divulgadas. A crítica aqui relatada, não se refere às cobranças próprias do alto rendimento, e sim a somatizações sofridas pelos bailarinos devido às pressões e cobranças que fogem à normalidade e beiram ao desrespeito em razão de figuras de autoridade da dança.

Palavras-chave: Dança erudita, balé clássico, ballet, especialização precoce, trajetória profissional, alto nível.

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ABSTRACT

The Classical Ballet comes from court dances, originated in Italy and France, always striving to convey to society a superficial view of beauty and perfection, which is perpetuated to this day. To demystify the stereotype of the always beautiful and ethereal dancers, it is necessary a critical look beyond the purely physical and technical issues, since there are events that bring harm to the life of the dancers. The objective of this research is to enter the classical dance environment with a focus on lifestyle originated this practice at a high level, describing the routine of the dancers and watching the main feelings and sensations presented. This research is qualitative and quantitative approach, the methodology used was bibliographical research and application of semi-structured questionnaire aimed at dancers with a strong classical base. After application, they were analyzed using the Collective Subject Discourse analysis tool (NVivo 10) and statistically tabulated for later issued opinions. The work comes as a warning, casting a look "beyond the fouettés" bringing issues although important are not reported. Criticism reported here, does not refer to the very high income charges, but the somatization suffered by dancers because of the pressures and demands that are beyond the normal and border on disrespect because of the dances’ authority figures.

Keywords: classical dance, classical ballet, early specialization, professional career, high level

1 INTRODUÇÃO

Historicamente, o balé clássico busca transmitir certo ideal de beleza e perfeição. De forma geral a figura do bailarino é estereotipada, parecendo distante da realidade fazendo com que no decorrer de suas vidas acabem sofrendo uma grande pressão para corresponder a tais expectativas. Além disso, o profissionalismo caminha, sem dúvida, no sentido de uma elevação do nível técnico.

O fouetté em tournat (giro chicoteado), é um movimento em que a bailarina faz cerca de trinta e dois giros consecutivos sob uma perna só, sendo um dos passos mais virtuosos que a mulher realiza no balé clássico. Pode-se considerar que o equivalente tecnicamente a este passo para os homens no balé, é a pirouette taloné à la seconde. Por ser um movimento com alto grau de dificuldade é necessário um nível técnico avançado, desenvolvido através de muitos anos de prática. Por este motivo, tal movimento aparece no título do trabalho, como símbolo de técnica, perfeição, precisão e virtuosismo.

Segundo Paul Bourcier (2001), documentos arqueológicos evidenciam as primeiras manifestações do que se conhece hoje como dança, fazendo crer que estiveram intimamente ligadas à rituais de cunho religioso e a momentos importantes na vida do homem, como para celebrar a vida, o nascimento, a morte, uma boa colheita ou evocar a chuva e o sol durante a Pré-história e Antiguidade.

De acordo com o autor supracitado, na Idade Média, houve uma separação da dança popular, considerada como uma forma livre de expressão corporal, para a dança de corte que deu origem posteriormente à dança erudita. O balé clássico tem suas raízes nas danças de corte, mas adquiriu o formato que conhecemos hoje na Itália e na França por volta do século XVI e XVII.

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Em diversos momentos, pôde-se perceber a exigência sobre os gestos, onde o bailarino deveria se moldar para atingir uma forma preestabelecida, como nas cinco posições de pés, codificadas por Pierre Beauchamp, que são todas realizadas en dehors, ou seja, com uma rotação externa da articulação coxofemoral, considerado um movimento totalmente anti anatômico (Rangel, 2002). E no Romantismo, surge a sapatilha de ponta por volta de 1831 com Marie Taglioni como um artefato tecnológico para elevar o corpo, trazendo a ilusão de que a bailarina flutua em personagens como ninfas, sílfides ou Willis; ou seja, não humanas. Constrói-se assim, um imaginário carregado até hoje no balé clássico, de bailarinas muito magras, etéreas, delicadas e perfeitas. Percebe-se portanto, a necessidade de ruptura desse paradigma, entendendo que a figura do bailarino deva ser mais humanizada.

A pesquisa mostra-se relevante pela escassez de estudos que abordem a dança para além das questões puramente físicas e técnicas a fim de compreender melhor o universo da dança profissional. Percebe-se que ainda que haja um desejo em continuar no mundo do balé clássico em alto nível, alguns bailarinos mudam de estilo ou até mesmo sua área profissional, abrindo mão de seus sonhos originais.

Esta pesquisa tem caráter quanti-qualitativo e foi realizada a partir de um questionário semiestruturado direcionado a bailarinos com uma base clássica sólida.

O objetivo desta pesquisa é adentrar o ambiente do balé clássico com foco no estilo de vida oriundo desta prática em alto nível, descrevendo a rotina dos bailarinos e observando os principais sentimentos e sensações apresentados. Para tanto, parte-se da seguinte questão: quais os motivos que levam bailarinos que experimentaram a rotina de companhias de dança profissionais com base clássica a mudarem sua trajetória profissional?

2 DESENVOLVIMENTO TEÓRICO 2.1 HISTÓRICO

Diversas fontes afirmam onde e quando a dança surgiu, ainda que sem comprovações. Documentos da arqueologia evidenciam as primeiras manifestações do que se conhece hoje como dança. São eles: a figura de Gabillou, a figura de Trois-Frères,o “semicírculo” de Saint-Germain e a roda de Addaura; como nos descreve Paul Bourcier (2001) em sua obra História da Dança no Ocidente.

A dança pode ser considerada um fenômeno vivo, ou seja; em constante transformação. Faro (2011, p. 34) sintetiza que: “A evolução da dança seguiu este trajeto: o templo, a aldeia, a igreja, a praça, o salão e o palco.”

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A existência destes documentos corrobora com a ideia de que a dança esteve intimamente ligada a rituais litúrgicos, sagrados e a momentos importantes na vida do homem, como para celebrar a vida, o nascimento, a morte, uma boa colheita ou para evocar a chuva e o sol durante a pré-história e antiguidade.

Na Idade Média, Bourcier (2001) afirma que a dança existia apesar da igreja sempre atribuí-la à algo pagão, até que no concílio de Venes (465) passou efetivamente a limitar onde, quando e quem poderia dançar. Esta relação entre dança e igreja é confirmada por Portinari (1998, p. 51) no trecho a seguir:

Em relação à dança, a atitude da Igreja foi dúbia: condenação por um lado, tolerância por outro. São Basílio de Cesaréia considerou-a a mais nobre atividade dos anjos, enquanto Santo Agostinho qualificou-a de pecado grave. Entre esses dois extremos, a autoridade clerical variou, levando em conta o momento e o local.

Houve na França uma separação da dança popular, que era considerada uma forma livre de expressão corporal, para a dança de corte. No Quattrocento (fase do Renascimento) ela se torna dança erudita, onde é tomada pela métrica e pelos passos. Neste momento, possibilidades de expressão estética do corpo humano são delineadas. Por volta de 1496 e 1501 foi encontrado o primeiro livro sobre dança: L’Art et Instruction de biendancer, de Michel Toulouze. (BOURCIER, 2001).

O balé clássico tem suas raízes nas danças de corte (segunda metade do século XV) que surgiram na Itália e na França. De acordo com Bourcier (2001), a originalidade no plano do pensamento e literatura era absoluta na França, e a influência cultural da Itália era notável nas artes do início do século XVI, devido ao grande número de imigrantes fixados na França por intermédio da Rainha Catarina de Médici. Neste período histórico houve a necessidade de refinamento do comportamento por parte dos cortesãos com o objetivo de viver com elegância.

O século XVI foi um período de muitas tensões políticas e guerras, gerando a necessidade de afirmação do poder real como única forma de trazer a paz e a prosperidade desejada. O balé foi usado então como meio de propaganda da corte, direcionada para os que exerciam alguma influencia política. Esta afirmação da monarquia foi se transformando em cerimônias com o propósito de bajular o rei. Havia uma paixão no balé de corte pelas formas geométricas e por esse motivo os espetáculos eram feitos para serem vistos do alto. Considerado por muitos autores como o primeiro balé de corte, a obra Comique de la reine (1581) foi de autoria italiana, gênero e técnica franceses.

Começa a surgir o início do profissionalismo na dança, onde os professores (mestres) estavam tão presentes na vida da realeza que eram responsáveis não só por organizar festas de noivado como até mesmo substituir o pai da família quando este não estava presente. Era uma relação bastante próxima. (BOURCIER, 2001)

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Ainda de acordo com o autor supracitado, havia uma prioridade do amador sobre o profissional no início do balé, onde os executantes e coreógrafos eram cortesãos da alta classe e os bailarinos profissionais eram das classes menos nobres. Aproximadamente em 1670, trinta anos após a morte de Luiz XIII, é que os amadores seriam eliminados dos palcos. E começaria também a queda do balé de corte.

A partir de Luiz XIV, a realeza passa a apreciar ainda mais e até mesmo promover o balé. Inclusive, o Rei Sol participava como ator e compositor de várias obras. Tamanha foi a influencia do rei, que de acordo com Faro (2011), em 1661 funda a primeira escola de dança: a Academia Real da Dança. O balé surge na Itália, e com a criação da academia, os franceses codificaram a técnica clássica, com Pierre Beauchamps.

Antes do Romantismo na dança, porém já imerso nos ideais iluministas, surge Jean-Georges Noverre, figura ímpar que seria responsável por uma intensa revolução na dança. Seu pensamento crítico questionava os paradigmas academicistas, propondo uma série de mudanças registradas em forma de quinze cartas, onde deixa claro todo o seu ideal traçando um novo rumo para a dança.

Os balés, até agora, nada mais foram que tênues esboços daquilo que um dia poderão ser. Essas, arte, submetendo-se inteiramente ao gosto e ao engenho, pode embelezar-se e variar infinitamente. A história, a fabula, a poesia, as pinturas estendem-lhe as mãos para tirá-la da obscuridade em que se encontra mergulhada; é espantoso que os compositores tenham, até agora, desprezado recurso tão preciosos. (NOVERRE, 1760 apud MONTEIRO, 1998)

Noverre propõe que o balé deveria deixar de ser simplesmente mecânico e voltado à estética e à técnica, para tornar-se uma dança de expressão (balé de ação). Ele dizia que o balé deveria narrar uma ação dramática apropriando-se da pantomima; criticava os pesados trajes utilizados, que segundo o mesmo, limitavam as possibilidades de movimento; criticava o uso de máscaras; defendia o estudo para os bailarinos e trazia fortes críticas à dança, apontado-a como fútil e demasiadamente virtuosa. A partir de então Noverre torna-se referência e suas ideias começam a tomar forma no romantismo.

O Romantismo aparece na dança por volta de 1832, embora já fosse visível anteriormente em outras artes. Nessa época, ideais iluministas e pós- revolução francesa, traziam a necessidade de livre expressão, onde a emoção aparecia acima da razão. A figura da mulher de forma geral é elevada, representando algo puro, ao mesmo tempo que trazia sofrimento, como em Giselle, por exemplo. É quando surge a sapatilha de ponta por volta de 1831 com Marie Taglioni, como um artefato tecnológico para elevar o corpo, trazendo a ilusão de que a bailarina flutua em personagens como ninfas, sílfides ou willis; ou seja, não humanas. Constrói-se assim, um imaginário carregado até hoje no balé clássico, de bailarinas muito magras, etéreas, delicadas, estereotipadas. A ênfase sobre o indivíduo, mais do que sobre um arquétipo social, acarreta a rejeição das regras impostas pela sociedade no século XVII: a sensibilidade tem primazia sobre a razão; o coração e a imaginação assumem o poder, sem o controle de uma autocensura. (BOURCIER, 2001, p.199)

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Os principais balés românticos foram La Sylphide, em 1832 e Giselle, em 1841. De acordo com Faro (2011), a idealização da figura da mulher e o favoritismo de algumas bailarinas vistas como verdadeiras estrelas da época, acabaram por gerar uma “fórmula”, e essa seria a grande razão para a decadência do bale romântico por volta de 1850.

Inevitavelmente, todos os fatores descritos acabariam por fazer com que o balé romântico se transformasse numa fórmula quase obrigatória, verdadeira camisa de força dentro da qual os artistas eram obrigados a trabalhar. Os mais talentosos podiam, ocasionalmente, colocar-se acima da mediocridade generalizada que não tardaria a imperar. Mas a imposição dos empresários, que tinham descoberto um filão rendoso do qual queriam tirar o máximo proveito, levaria o balé romântico a um período bem menos brilhante. Os anos de transição até o aparecimento das obras-primas de Petipa e das composições de Delibes e Tchaikovsky assistiriam a uma sucessão de balés sofrendo das doenças comuns ao crescimento e ao progresso de qualquer espécie de arte. (FARO, 2011, p.83)

Ainda de acordo com Faro (2011), por conta dessa crise, o balé francês foi sendo levado para outros países através de alguns de seus bailarinos e coreógrafos. Em 1909, Serge Diaghilev cria o Ballets Russes na Rússia, onde Petipa torna-se uma figura expoente. Dentre as mudanças feitas por ele, pode-se citar o grande impulso ao desenvolvimento técnico da dança clássica, diminuição da pantomima, grande valorização do corpo de baile e maior virtuosismo, incluindo até mesmo movimentos mais acrobáticos, como os fouettés.

Por volta do século XX se deu o período conhecido como Neoclassicismo na dança, marcado por inúmeras inovações como a valorização do corpo de baile e o surgimento de novos compositores talentosos, como Stravisnky. Os principais nomes da época foram Diaghilev, Nijinsky, Fokine e Balanchine. A dança reassume o virtuosismo, mas permeado pela poesia e um toque de modernidade. Já no Neoclassicismo e parte do Romantismo surgem indícios do que posteriormente seriam os fundamentos da dança moderna, que vem romper com toda a construção de formas e corpos perfeitos oriundos do balé clássico. Um exemplo sao as novas noções de uso do espaço. No balé clássico, os movimentos são todos verticalizados; já na dança moderna as possibilidades se ampliam e o bailarino passa a ter maior contato com o chão.

A dança moderna é primitiva no sentido de que voltou aos essenciais, ou seja, ao início básico da dança, liberada de artifícios como sapatos de ponta, tutus ou temas fantásticos. Ela procura ser não uma criação artificial fertilizada pela fusão de idéias literárias com as convenções vigentes na dança acadêmica, mas um meio através do qual o artista possa expressar seus anseios mais de acordo com a vida do homem atual, seja numa forma específica ou de maneira comparativa. (FARO,2011, p 142)

Este histórico vem com a intenção de traçar um breve panorama das raízes do balé clássico, para que possamos relacionar sua história com o desenrolar da pesquisa.

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2.2 ROTINA

Analisando rotina de bailarinos e atletas, percebe-se que há diversas semelhanças. Na busca por excelência e perfeição, valências físicas (força, flexibilidade, resistência e coordenação motora) e psicológicas (pressão, ansiedade, rigidez, etc) devem ser trabalhadas, sobretudo a superação de limites.

A influência externa e o nível de estresse e ansiedade durante uma competição ou apresentação, interferem tanto no desempenho de um atleta, quanto na de um dançarino, tendo em vista a importância de suas performances em ambos momentos. Dessa forma a pressão psicológica sofrida por atletas de alto rendimento, também aparecem no mundo da dança (CONSTANTINO, PRADO, PRADO 2010 apud SILVA,2012)

No âmbito das companhias e escolas de danças é comum que os bailarinos pratiquem diariamente aulas de Balé Clássico de aproximadamente uma hora e trinta minutos. Estas aulas visam a manutenção da técnica e das habilidades físicas. Pode haver também algum treino especifico de força e flexibilidade (como por exemplo Pilates) antes ou após a aula de balé. Em um segundo momento, começam os ensaios de balés do repertório da Cia e/ou montagem de novos espetáculos, totalizando um período de aproximadamente oito horas de treino diário. Essa rotina se repete de 5 a 6 vezes por semana, como exemplificam Gonçalves e Vaz (2011, p. 86):

Para tanto, a disciplina corporal se apresenta como característica importante, exigindo um extremado domínio do corpo e de suas paixões para a sua execução, ao buscar constantemente a perfeição técnica, alcançada por meio da necessária instrumentalização corporal proveniente do treinamento diário durante longas horas de aulas, ensaios e repetição de movimentos.

Raramente a rotina de treinos é cancelada ou alterada por fatores externos (salvo alguma adaptação por conta de espetáculos e viagens) ou até mesmo em caso de lesões. É comum o bailarino continuar sua rotina de treinos com a presença da dor, sempre ultrapassando seus limites físicos e psicológicos. Almeida (2012) destaca que nesse campo a dor se divide em física e emocional, sendo ambas inseparáveis à existência humana. Qualquer desconforto interfere diretamente na performance do indivíduo, ainda que pareça irrelevante.

Deve-se levar em consideração o fato do bailarino passar cerca de oito horas diárias em frente ao espelho. Geralmente as salas onde ocorrem as aulas tem um formato retangular e são compostas por espelhos, barras e o chão é geralmente revestido por linóleo ou madeira. Abaixo desse revestimento existe um piso especifico para a prática de dança, a fim de amenizar o impacto advindo dos saltos realizados pelos bailarinos.

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As barras são estruturas de aço ou metal dispostas em duas ou três paredes da sala, ou até mesmo móveis e tem a função de servir como apoio para realizar exercícios de aquecimento e alongamento (próprios das sequências de aula do Balé Clássico). Esta primeira parte, como o próprio nome diz, é intitulada como “barra”. Em um segundo momento, o bailarino passa para o “centro” e ‘’diagonais’’, que são justamente onde eles saem da barra para testar seu equilíbrio, fazendo movimentos mais técnicos e dinâmicos. Durante esse momento o bailarino fica totalmente de frente para o espelho. Porém mesmo durante a barra ele frequentemente fica se observando através do espelho para conferir sua postura, a posição do seu corpo, buscando sempre a perfeição estética das linhas e de seus gestos. De acordo com Almeida (2012, p.94):

O contato com o espelho faz parte da rotina diária nos treinos e parte dos ensaios, de modo que o bailarino vê sua imagem e a dos outros bailarinos, muitas vezes concomitantemente, a ponto de poder se comparar com seus pares. Esta relação com o espelho e a imagem faz parte da identidade física de ser (ou não) bailarino. Pois, o bailarino nestas relações de visualização no espelho do seu corpo e do corpo dos colegas e do toque no seu e nos corpos dos colegas, além do ato de dançar propriamente dito, vai introjetando identificações com estas imagens na sua identidade física.

Outro fator relevante é que a maioria das salas de Balé Clássico possuem grandes janelas, onde todos que passam na parte externa podem visualizar o que ocorre dentro da sala. Seja em academias informais onde os pais e colegas de outras turmas podem observá-los, assim como em grandes cias onde em algumas paredes existe uma parte de vidro, através da qual figuras de autoridade ou não, observam o que está ocorrendo no interior do local, lembrando um aquário.

Se pensarmos em uma grande companhia como uma estrutura similar a de uma empresa, ambas possuem diversos setores, como no caso, o de cenografia, figurinos, administrativos e o dos bailarinos. Entretanto, o único setor que fica em evidência e exposto todo tempo é o dos bailarinos, fazendo com que esses indivíduos trabalhem diariamente sendo observados por outrem ou mesmo se auto- observando através do espelho, podendo acarretar assim uma forte pressão no que diz respeito a sua performance. Diferentemente de outros setores mais burocráticos, onde as pessoas fazem o seu trabalho não sendo constantemente observados.

Esse monitoramento constante, lembra a idéia de panóptico (idealizada pelo filósofo Jeremy Bentham no final do século XVIII), que consistia em construções circulares para abrigar prisioneiros nas celas que faziam fronteira umas com as outras sendo todas voltadas para uma torre localizada ao centro, onde ficavam os vigias.

Assim, um único guarda postado na torre central vigiaria ao mesmo tempo todos os condenados. Requinte de vigilância, em pouco tempo até mesmo poder-se-ia retirar o

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guarda. Simbolizado pelos detentos, ele os vigia de dentro de suas almas. Em cada prisioneiro um vigia atento, para sempre. (FREIRE, 1992 p.111)

Posteriormente, Michel Foucaullt aprofundou os estudos sobre o panóptico, traçando uma análise sobre os sistemas de dispositivos disciplinares em seu livro Vigiar e Punir publicado originalmente em 1975.

Na figura 1, à esquerda observa-se o panóptico idealizado por Bentham e à direita a prisão de Cuba(Isla de la Juventud), baseada no projeto original.

FIGURA 1 – Panóptico

Fonte: http://michelfoucault.hotglue.me/Pan%C3%B3ptico

Portanto tanto o espelho quanto as janelas que deixam o ambiente devassado, refletem essa coerção existente no balé onde os bailarinos são observados, vigiados e controlados todo o tempo em seu comportamento e performance, gerando uma enorme pressão psicológica.

Outro ponto a ser considerado é a competição, que segundo Bento (2006, p.253) :

(...) refere-se à disputa entre indivíduos ou grupos (equipes) que, a partir de princípios de iguais possibilidades, buscam objetivos bem definidos dentro de um evento esportivo, respeitando as regras da modalidade a ser disputada. Nela é feita a avaliação e a comparação do desempenho de uma pessoa, ou grupo, com algum padrão já estabelecido ou com o desempenho de outra pessoa, ou grupo, na presença de, pelo menos, um indivíduo que conheça os critérios necessários para essa avaliação. A competição é a essência do esporte (Barbanti, 2005; De Rose Jr.,2002a; Martens, Vealley& Burton, 1990).

Na dança, pode-se considerar que a competição aparece de três formas:

 Competições nas disputas por papéis ou status entre bailarinos de uma mesma instituição (escolas ou companhias).

 Concursos, onde os participantes vão em busca de premiação em dinheiro ou bolsas de estudo para cursos no exterior ou em escolas renomadas;

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Nos concursos e audições, geralmente existem editais, onde são divulgados os critérios para o processo seletivo. Já dentro das escolas e companhias, a competição muitas vezes aparece de forma velada, o que contribui para uma tensão e insegurança ainda maior, visto que as regras não são bem definidas, e sem o entendimento das regras, fica cada vez mais difícil vencer. Portanto, a competição é algo muito presente na rotina destes bailarinos, dando a sensação de meta inalcançável.

3 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS

A pesquisa teve caráter quantiqualitativo e a metodologia utilizada foi bibliográfica e teórica. Houve a aplicação de um questionário semiestruturado e direcionado a bailarinos com uma base clássica sólida (encaminhado e aprovado no CAAAE: 59327816.40000.5237 pela Plataforma Brasil). Após a aplicação estes foram analisados por meio de uma ferramenta de análise do discurso do sujeito coletivo (NVivo 11), tabulados estatisticamente e posteriormente emitidos o parecer.

A pesquisa de campo quanti-qualitativa se deu através da aplicação de questionários semiestruturados, sendo adotado como critério de inclusão os indivíduos que experimentaram a rotina de companhias de dança profissionais com base clássica, renomadas no Brasil e/ou no exterior, subentendendo que os mesmos tenham vivenciado a dança em alto nível técnico e artístico. Dos quinze questionários aplicados, onze entrevistados (73%) eram do sexo feminino e quatro do masculino (27%).

As cinco primeiras entrevistas foram realizadas via Skype, gravados através do aplicativo MasteREC e posteriormente transcritos. Os demais foram enviados por e-mail e respondidos na forma escrita, pela limitação do tempo e incompatibilidade de horários entre os entrevistados e entrevistadores. A diferença entre as linguagens, coloquiais e formais, justifica-se pelo fator supracitado.

A partir das entrevistas, foi utilizada como ferramenta de análise e tabulação de dados (NVivo 11) por meio da metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo devido ao seu enfoque qualiquantitativo nas pesquisas de opinião. A metodologia brasileira permite a tabulação, organização e generalização dos resultados sob a forma natural da opinião: um depoimento no formato de discurso. Como expressa Lefèvre e Lefèvre (2012, p. 17), a metodologia se baseia na teoria de que se na sociedade indivíduos compartilham opiniões, estas poderão ser representadas através de “discursos-síntese dos conteúdos e argumentos que conformam essas opiniões semelhantes”

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos relatos, foi constatado que para a grande maioria dos entrevistados, o balé teve e tem grande representatividade em suas vidas. Inclusive, alguns atribuem valores que carregam até

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hoje oriundos de sua vivência com o balé clássico, pois além de ter aberto caminhos, os ajudou em sua formação como indivíduos.

Um dos formadores da minha personalidade, grande representatividade na minha infância, adolescência e início da vida adulta. Sou quem eu sou hoje e tudo o que eu fiz e faço tem influência do balé... (ENTREVISTADO nº 2).

Todos os entrevistados mudaram sua trajetória profissional, seja alterando sua função dentro da dança ou migrando para outro campo de atuação.

Foram citadas diversas profissões das mais variadas áreas pelos bailarinos. Analisando a gráfico, identifica-se que a maior parte (A) dos entrevistados atualmente exercem profissões fora do campo dança. A menor parcela (B) mantém relação direta com a mesma (professor de balé, figurinista e fisioterapeuta1). Porém, observa-se um dado interessante: uma interseção (C), ou seja; algumas destas profissões podem ou não ser vinculadas à dança.

GRÁFICO 4 – Atual profissão dos entrevistados

Fonte: Dados da pesquisa

Após análise detalhada do questionário, ficou evidente que os bailarinos entrevistados valorizam bons sentimentos como a alegria, a realização e o prazer, vivenciados principalmente no ato de dançar, de estar no palco. Portanto, deram a entender que mantém uma boa relação com a dança. Na figura 2 encontram-se as quarenta e seis palavras citadas, com destaque para as mais frequentes:

1 A profissão fisioterapeuta nesse caso, foi inserida no grupo pelo fato da entrevistada ter enfatizado que atua

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FIGURA 2 - Todos os sentimentos e sensações citados

Fonte: Dados da pesquisa

Porém, nota-se que muitos sentimentos antagônicos surgem ao longo dos questionários. Percebe-se que em geral aparece primeiro o lado positivo, como realização e prazer de dançar e em seguida, um aspecto negativo, como a desvalorização profissional e a dor. Entretanto, não é possível definir de forma conclusiva se a ordem se dá pelo grau de importância, por uma tendência natural do ser humano em priorizar os aspectos positivos em detrimento dos negativos, ou pelo entrevistado ter sentido maior ou menor conforto e confiança ao falar de si.

Uma sensação muito boa quando eu estava em cena, e tinha uma sensação de que eu tava mudando a vida de quem tava ali sentado, nem que fosse por um segundo. Assim... e eu acho que era isso que mais me movia... pensar que eu estava fazendo um bem para quem estava ali assistindo, que eu tava trazendo felicidade, que eu era um veículo de paz para aquela pessoa, pelo menos por um momento né. E sensações... também tem as dores, que são bem recorrentes no balé, né... dores emocionais mesmo! De ter disputas, não veladas, disputas declaradas assim... e aceitar isso, é muito difícil. Também tem essa parte ruim da disputa né... e eu sempre achava assim: não, mas tem lugar para todo mundo, e o que tiver que ser vai ser seu...você não precisa... mas não é bem assim. As pessoas se sentem um pouco ameaçadas, e tomam algumas atitudes que você acaba sofrendo com isso né... com o que o outro faz, porque você não quer passar por isso e nem que ninguém passe por isso. Mas das sensações, acho que o que eu mais guardo é essa sensação de ser um instrumento de paz né. (ENTREVISTADO Nº 13)

Outro exemplo é encontrado no depoimento a seguir, onde o entrevistado fala de realização plena e de desvalorização profissional ao mesmo tempo:

Realização acho que em primeiro lugar, porque ninguém faria dança em sã consciência se não tivesse uma realização plena, pessoal...enfim...porque a gente não tem, am...não é valorizada,não é uma profissão valorizada,então a pessoa tem que gostar MUITO, pra fazer e se encaixar do jeito que tiver q encaixar... numa companhia pequena, numa

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companhia grande, no final da fila, na frente, num solo, ou em grupo, ou enfim... ta dançando ta feliz, né, ta realizado.(...)muitas vezes, tem a sensação de você ser usado nessa profissão, né...porque normalmente as pessoas acham que você dança, então, ta tudo bem. E não precisa pagar tanto, ou você pode fazer mais vezes, ou por mais tempo sem ter a remuneração devida,então é uma falta de valorização também, uma sensação de não ser valorizado né... até acho que essa foi umas das razões que eu acabei não voltando pra dançar. Porque em vários trabalhos que eu fiz, eu via sempre que a dança era o último dos pobres dos artistas né, era o primeiro que chegava, o último que saía, o que menos recebia, o que menos tinha valorização,assim (...). Aliás, eu acho que hoje em dia a dança, e nas companhias grandes, éuma sensação muito de descartável, porque tira um, coloca outro, dá no mesmo... ninguémta muito interessado em ... na questão artística, é uma questão assim de business né, esse aqui não ta dando, vou colocar outro, e vai tirando um e vai colocando o outro e as pessoas viram descartáveis. (ENTREVISTADO nº 14)

A disciplina e o perfeccionismo apareceram como as palavras mais citadas quando foi solicitado que os bailarinos mencionassem as características que consideravam mais presentes nos antigos colegas de trabalho e neles próprios. É senso comum que o balé clássico exige e promove a disciplina, muitas vezes de forma bastante incisiva. Como exemplo de disciplina e rigidez, podemos trazer à baila certas normas, regras de conduta próprias do balé: a bailarina deve estar sempre (inclusive nas aulas), com um coque onde o cabelo deve estar bem preso sem deixar escapar nenhum fio, a sapatilha deve ter sempre uma fita costurada de forma específica, a vestimenta tem que ser justa e alinhada, o bailarino não deve falar enquanto a música está tocando, etc. A seguir encontram-se todas as palavras citadas com destaque para as mais frequentes, como ilustra o quadro:

FIGURA 3 - Todas características apontados além dos atributos físicos

Fonte: Dados da pesquisa

Porém, em meio a tantas informações nas respostas, foi encontrado um depoimento bastante interessante:

(...) eu não sei se diria que são pessoas disciplinadas... embora sim, porque né, exige muito de disciplina, mas por outro lado também, características contrárias, sabe? É

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oito ou oitenta... não... é balé, tudo bem, fazer aula, acordar cedo e tal... mas às vezes ta virado de festas, às vezes é... fuma maconha antes de ir pra aula... então tem esse oito ou oitenta, que é uma coisa presa e ao mesmo tempo, extravasar de uma maneira muito grande também, muito forte. Eu acho, porque quando você reprime muito talvez de um lado, você tem que soltar, por algum lado, tem que ter uma válvula de escape...e tem que ser um cano que aguente forte, né, porque... é poderoso esse escape, é grande né...( ENTREVISTADO nº14)

Diante de tamanha pressão, rigidez e disciplina quanto aos corpos e às mentes, os sentimentos acabam por ser comprimidos, controlados, abafados, gerando uma tensão. Quanto à corpos e sentimentos controlados, Freire (1992, p.114) afirma que:

O corpo tem que se conformar aos métodos de controle, caso contrário, as ideias não podem ser controladas. O fascismo, que nunca desapareceu, sabe que ideias e ações corporais são a mesma coisa e, se se quiser controlar as ideias, basta controlar os corpos. Quem tem o controle do corpo, tem o controle das ideias e dos sentimentos.

Dependendo da intensidade da pressão, chega um momento em que precisa estourar; analogamente, como uma panela de pressão. É a hora que a válvula de escape se faz necessária.

A pressão e a cobrança vivida por estes bailarinos, aparece de inúmeras formas; como no controle do peso e na adequação às formas que na maioria das vezes depende de um alto grau de flexibilidade, que por si só são suficientes para alimentar o perfeccionismo e uma autocrítica exacerbada.

Acredita-se que após tantos anos de contato com o balé clássico, o perfeccionismo, autocobrança e autocrítica exacerbadas, podem ter ficado “imprintadas” nestes corpos e mentes, ainda que tenham migrado e se estabelecido em outras áreas, como pode ser visto a seguir:

A disciplina com as coisas do meu dia a dia (ter horários e cumprir algumas metas) e o foco. As vezes acho que me cobro demais em saber o que quero e acredito que tenha sido o reflexo de anos de ballet. (ENTREVISTADO nº9)

Não estando dentro dos padrões exigidos no balé, o bailarino acaba tendo que lidar com a frustração acompanhada de uma sensação de impotência, visto que alguns aspectos têm origem genética, como biótipo e flexibilidade.

Junto a isso, soma-se o contato diário com o espelho, como foi detalhado no capítulo rotina. Ilustrando as pressões e cobranças, são citados os depoimentos a seguir:

Cada profissional que tive a oportunidade de trabalhar teve influencia em minha vida, ora de forma boa e ruim. Educação, cordialidade, persistência e perfeição são influencias boas e bem presentes, mas também a pressão no aspecto psicológico e físico foi algo ruim que acabo carregando até hoje. (ENTREVISTADO nº 11)

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O fato foi mais uma escolha. Primeiro eu fiquei com depressão. Depois eu comecei a tomar remédios, e depois eu ganhei peso. E essas três coisas, me empataram de dar continuidade no ramo do balé

clássico. (ENTREVISTADO nº 12)

(...) porque eu já dancei balé clássico mas nunca fui o biótipo para o balé né... eu nunca tive essa facilidade, então pra mim sempre foi uma coisa bem inatingível mas eu tenho pra mim o balé clássico mais como referência e muito aprendizado. (ENTREVISTADO Nº 14)

Diante de todas as pressões e cobranças citadas, as figuras de autoridade aparecem de forma expoente e muito influentes na vida desses bailarinos. Para compreendermos melhor a influência e responsabilidade diante dos feedbacks advindos de professores, coreógrafos e diretores; novamente remete-se à pedagogia do desporto, onde é apontado o conceito de feedback:

Além da pratica, na aquisição de habilidades motoras é fundamental a informação, seja esta advinda de fontes externas (feedback extrínseco) ou do próprio corpo (feedback intrínseco). Assim, o feedback, numa definição mais ampliada pode ser entendido como toda informação de retorno sobre um movimento realizado, transmitida pelo professor/ instrutor/ técnico ou percebida pelo próprio aprendiz, para auxiliar no processo de aquisição e habilidades motoras.( PETERSEN, 2006, p.243)

Como alguns entrevistados salientam, a falta de formação desses profissionais acaba tornando essa experiência negativa trazendo sofrimento e frustração, e em alguns casos podendo levar a distúrbios emocionais e/ou físicos com consequências graves.

Um fato importante é que a dança pode ser considerada uma profissão de jovens por não ser comum que o bailarino consiga permanecer em alto nível durante muitos anos, por desgastes inerentes à idade como diminuição de flexibilidade, dificuldade em manter o peso e esgotamento físico e mental; ou seja, os movimentos vão perdendo qualidade técnica.

Por ser uma profissão que requer dedicação exclusiva, onde o bailarino permanece imerso na dança, é comum que este não trace metas à longo prazo, até pela instabilidade que cerca o meio da dança, sendo difícil existir uma vida paralela a ela, na qual seja possível conciliar com uma outra formação. A dúvida e insegurança de como será a vida após o encerramento da carreira sempre permeia os bailarinos.

Essa migração para mim foi muito boa, pude continuar minha formação acadêmica ao mesmo tempo em que estava trabalhando na cena, algo que na dança era quase impossível de se fazer, uma vez que dançar 44h semanais é extremamente exaustivo e praticamente aniquila quaisquer possibilidades de seguir na faculdade. (ENTREVISTADO nº 8)

Portanto, por ser uma profissão de jovens e principalmente no Brasil o mercado de trabalho ser bastante limitado alimentando uma competição acirrada, surge um fenômeno que de alguma forma

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pode aumentar significativamente essa soma de inseguranças, instabilidade emocional, pressões e cobranças: o distanciamento da família, pois muitos bailarinos saem muito cedo de casa e vão direto experimentar essa dura rotina profissional, ficando vulneráveis, sem o conforto e amparo familiar. Em se tratando de jovens e adolescentes, o cuidado com os aspectos físicos e emocionais deveriam ser ainda maiores.

Segundo Silva (2011) essa cobrança excessiva e desmedida por um longo período de tempo pode ocasionar o aparecimento de alguns transtornos, tais como TEPT (transtorno de estresse pós-traumático), distúrbios alimentares como Anorexia ou Bulimia, Síndrome do Pânico e TAG (transtorno de ansiedade generalizada). Todos estes transtornos emocionais são desencadeados por cobrança excessiva, causando sintomas físicos e psíquicos tais como taquicardia, náuseas, dores musculares, tensão, apreensão, insegurança, nervosismo e outros sintomas afins.

5 CONCLUSÃO

A partir do histórico traçado, das investigações acerca da rotina de um bailarino, do perfil das grandes companhias, e da análise das entrevistas, foi possível perceber que algumas palavras como amor, realização, dor e disciplina marcaram a vida de muitos bailarinos e possivelmente tenham contribuído para que modificassem seus caminhos profissionais a partir do balé.

O trabalho vem como um alerta, lançando um olhar “para além dos fouettés”, trazendo questões de extrema importância, pouco conhecidas e divulgadas. A crítica aqui relatada, não se refere às cobranças próprias do alto rendimento, e sim a somatizações sofridas pelos bailarinos devido às pressões e cobranças que fogem à normalidade e beiram ao desrespeito.

Acredita-se que, para além das próprias cobranças internas que muitos trazem antes mesmo da vivência com o balé, quando somadas a intensas pressões externas, podem levar os bailarinos a um quadro de não saúde. E diante disso, alguns acabam por abandonar a profissão, ou permanecerem (os considerados “mais fortes”) mantendo relações e comportamentos que comprometem sua saúde física e mental.

Justamente por não se ter acesso detalhado ao histórico de cada aluno, por não se saber o quão fortalecido esse ser humano encontra-se do ponto de vista psicológico, o quanto a família se faz presente para que possa orientá-lo e acolhê-lo (lembrando que muitos saem precocemente de casa), há maior necessidade do mestre ser cuidadoso em suas atitudes para com os bailarinos profissionais ou que caminham para o profissionalismo, evitando uma postura autoritária e desrespeitosa que pode vir a ocasionar danos futuros, visto que por traz de todo bailarino há um ser humano.

Daí a importância de desmistificar, de quebrar com o estereótipo do bailarino perfeito, etéreo, quase um deus. Quando acredita-se que o bailarino necessita apenas de foco, disciplina e força de

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vontade para lidar com o desrespeito, posturas agressivas por parte dos Mestres são alimentadas e fortalecidas, desresponsabilizando as figuras de autoridade.

A partir desta pesquisa entende-se que é de fundamental importância que os profissionais que trabalham em grandes companhias e escolas busquem se preparar emocional e pedagogicamente para lidar com o ensino e aperfeiçoamento da dança, sobretudo por ser uma carreira de jovens, onde muitas vezes o emocional destes bailarinos ainda está em formação.

Apesar da necessidade de uma boa performance, atualmente já existem professores que conseguem fazer cobranças de uma forma menos traumática e com bons resultados. Logo, significa que não é com uma postura agressiva durante os treinos e ensaio que se prepara um bom bailarino, isso só os prejudica. Uma cobrança com coerência e maestria, cuidado e respeito, isso sim produz bons frutos e bailarinos saudáveis física e emocionalmente.

A proposta deste trabalho é que se possa cada vez mais abrir debates e diálogos sobre o assunto, trazendo à tona posturas e atitudes sobre as figuras de autoridade e a importância do comportamento destes na formação e vida dos bailarinos profissionais e alunos.

Faz-se necessário conscientizar os professores da imensa responsabilidade que tem ao ensinar a dança, e espera-se que busquem uma maior capacitação, abrindo mão do uso de posturas opressoras, pois por trás de todo glamour e beleza do bailarino, há um ser humano com um corpo que sente, chora, sofre e adoece em silêncio.

Dada a complexidade do tema, percebe-se a necessidade de continuidade e aperfeiçoamento dessa pesquisa. Reconhecer a incompletude e a falta de aprofundamento em determinadas questões, que nos fogem à alçada.

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FIGURA 1 – Panóptico
GRÁFICO 4 – Atual profissão dos entrevistados
FIGURA 2 - Todos os sentimentos e sensações citados
FIGURA 3 - Todas características apontados além dos atributos físicos

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