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Os Pais de Santa Teresinha: Um Casal Especial - Frei Patricio Scianidi

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Academic year: 2021

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Multiplicai-vos

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m seu início, a Bíblia nos apresenta o “caos” e a insatisfação de Deus diante daquele estado. Com o desejo de colocar ordem naquela situação, fez a luz, que chamou de “dia”, depois as trevas, que chamou de “noite”, dando ordem e criando lentamente o universo. Ao concluir a criação, olhou para o que fez e disse: “Está bom”. Mas percebeu que ainda faltava alguém semelhante a Ele com quem pudesse entrar num diálogo de amor. Neste momento, Deus experimentou a solidão. Era o criador, mas não tinha ninguém para conversar e amar. Foi então que decidiu criar algo mais belo do que todas as criaturas, alguém que fosse semelhante a Ele: o ser humano.

“Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança” (Gn 1,26). Essas belas palavras de Deus continuam mantendo a sua força e o seu encanto. É a prova de que, ao contrário do que querem muitas vezes nos fazer crer, o homem não é fruto do acaso ou do encontro de grãozinhos de pó que, como pelo toque de uma fada, deram origem à vida humana.

Trazemos em nós a imagem de Deus, Ele nos transmitiu o seu sopro de vida, parte do seu poder. Tal afirmação é muito bem ilustrada por um autor da Igreja do século II que diz com fina intuição: “Tu me perguntas qual é o rosto de Deus? Eu te respondo: mostra-me o teu rosto e dir-te-ei qual é o rosto de Deus”. No entanto, essa imagem, em alguns momentos, pode se apresentar prejudicada, desfigurada pelo pecado, mas por meio da graça e do amor do Pai, ela pode ser reconstruída.

Ao criar, Deus ficou satisfeito com o que fez, e reconhecendo-se na criação, exclamou: “É muito bom”. Porém, ainda faltava algo. Não era bom que o homem ficasse sozinho, precisava encontrar alguém com quem pudesse partilhar a vida, que o completasse e pudesse estabelecer uma reciprocidade de afetos e de ideias. Então Deus criou a mulher, à sua imagem e semelhança, com igual dignidade, revestida com as mesmas qualidades e defeitos do homem.

Isso feito, Deus, por ter gostado tanto do ser humano, deu a ele uma ordem bem precisa: “Crescei e multiplicai-vos!”. Com esta ordem surgiu o mandamento da fecundidade. Todos devemos ser fecundos. Trata-se de uma fecundidade que ultrapassa

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o campo biológico e alcança o âmbito espiritual. Estado que foi alcançado posteriormente com o advento do Evangelho e da opção por um amor maior que é Jesus Cristo.

Com base na ordem divina, ao longo dos anos, a vida na Terra foi se multiplicando e, lentamente, nosso mundo foi habitado por pessoas dispostas a multiplicarem-se e a louvarem a Deus. No entanto, nos dias atuais, fala-se muito sobre a necessidade de reduzir drasticamente a fecundidade humana, porque o mundo está caminhando para um superpovoamento. Mas no coração da mãe Terra sempre cabe mais um. Deus, em sua sabedoria, provê os homens em todas as suas necessidades, por isso não devemos nos preocupar porque nunca faltará terra e alimentos para todos.

A história da humanidade tem nos mostrado famílias numerosas, homens e mulheres que, movidos pelo amor, experimentaram a grande alegria de gerar a vida. Mas há casos em que a vida é impedida de se manifestar desde o seu início, ou é eliminada em sua fase terminal. Quando isso acontece, é porque o amor desapareceu, os homens deixaram que o egoísmo e a cobiça tomassem conta de seu coração, fechando-se em si mesmos e perdendo o sentido da alegria que a vida representa. Apesar disso, ainda é possível observar com alegria casais da época dos relatos bíblicos até os nossos dias que, movidos por um amor profundo e um sagrado respeito pela vida, continuam a ser cooperadores diretos de Deus! Esta realidade da obediência a Deus, ao “multiplicai-vos”, faz parte da nossa vida, está ligada a nós, pois todos somos frutos do ato de amor entre um homem e uma mulher.

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Luiz e Zélia Martin:

palavras de Deus

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m bom exemplo de amor, reconhecimento do valor da vida e de obediência a Deus, quando pede “Crescei e multiplicai-vos”, são Luiz e Zélia Martin, pais de Santa Teresinha.

Ambos vinham de famílias boas, educadas na fé, na disciplina e fiéis à Igreja, apesar das dificuldades que eram enfrentadas naquele período. Na época em que viveram, em meados do século XIX, não era fácil viver o Evangelho, tanto na França como em todos os lugares. O Iluminismo, a idolatria da ciência, considerava Deus “supérfluo” e colocava o poder e o dinheiro acima de tudo. Foi nesse cenário que viveram os pais de Santa Teresinha.

Luiz José Aloísio Estanislau Martin nasceu em 22 de agosto de 1823, na cidade de Bordeaux, na França. Logo foi batizado em casa, por medo que viesse a morrer e porque seu pai demoraria a voltar da campanha militar. Luiz recebeu esse nome porque era costume naquela época dar muitos nomes às crianças para que fossem protegidas pelos santos padroeiros.

Já a família de Zélia Guérin também era muito boa, dedicada, talvez um pouco menos religiosa que a família Martin, mas sem dúvida Deus estava no centro daquela família, que respeitava e observava com rigor as leis da Igreja. Zélia nasceu na pequena aldeia de Gandelain, na antevéspera de Natal, dia 23 de dezembro de 1831. Na véspera de Natal foi batizada com o nome de Zélia Maria.

O pai de Zélia era um homem comprometido com a vida militar e dedicado à família nos tempos livres; era muito carinhoso com os filhos. Mas mesmo assim Zélia sofreria bastante por causa da mãe, que dava mais atenção a seu filho Isidoro. Tal comportamento fez com que ela se sentisse rejeitada e carregasse essa dor para o resto da vida, relatando-a constantemente nas cartas escritas mais tarde para seu irmão Isidoro. Zélia e Luiz foram duas Palavras de Deus pronunciadas no tempo, feitas carne, que, vivendo em profundidade o mistério do amor de Deus, se tornaram fonte de santidade para eles mesmos e para todos, dando vida a uma das maiores santas de todos os

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Os meus projetos

não são os vossos

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eus é honesto conosco e nos revela seus pensamentos. Em Isaías, Ele diz:

Pois os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são os meus – oráculo do SENHOR. Pois tanto quanto o céu acima da terra, assim estão os meus caminhos acima dos

vossos e meus pensamentos distantes dos vossos (Is 55,8-9).

Deus escreve o nosso destino do jeito que Ele bem entender. Na vida de cada um de nós há acontecimentos que, mesmo com oração e reflexão, não conseguimos compreender. Certas coisas acontecem porque sempre estiveram no projeto de Deus. Fomos criados para sermos santos e felizes e a felicidade não depende das coisas, mas da tranquilidade, da paz do coração. Como um bom exemplo disso, podemos observar a vida de Zélia e Luiz Martin, que inicialmente não tinham planos de casar, e sim de dedicarem-se à vida religiosa, entregues ao serviço de Deus.

Luiz bem cedo se envolveu com o trabalho silencioso e meticuloso de relojoeiro. Viajou e fez cursos de aperfeiçoamento desta delicada arte, abrindo uma grande relojoaria. Mas em seu coração havia um sonho: desejava o silêncio, a solidão, a leitura espiritual, estar com Deus. Rezar e observar as leis da Igreja eram seu maior prazer. A família Martin sempre foi aberta para receber sacerdotes que se encontravam em dificuldades durante as perseguições políticas. Era fiel ao Papa, a quem reconhecia não só como a presença visível de Jesus Cristo, mas também como o único capaz de reestabelecer a ordem política e moral nas nações.

Luiz chegou a ir ao mosteiro do monte São Bernardo pedir que o admitissem, mas o superior achou por bem despedi-lo, pois não sabia o latim. De fato, naquele tempo saber latim era mais do que necessário. Como poderia cantar os ofícios divinos, rezar, se tudo era em latim, uma língua que ele não conhecia? Voltou decepcionado para Alençon e se refugiou na relojoaria, tornando-se um bom profissional, mas sempre um pouco insatisfeito por não poder realizar seu sonho monástico.

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trabalhadora, cultivava uma vida bastante retirada e conservava em seu coração um grande desejo: ser irmã de caridade para dedicar-se ao serviço dos pobres. Era seu sonho.

Quando chegou à idade ideal, Zélia decidiu ir ao convento das Irmãs Vicentinas de Alençon para pedir que lhe admitissem. A superiora, sem muito interrogatório, simplesmente disse que ela não tinha vocação e pediu que voltasse para sua casa. Zélia, desiludida com essa resposta, passou a dedicar-se a outro sonho: ser bordadeira do ponto de Alençon, trabalho de que mais gostava. O ponto de Alençon era um ponto famoso, que dava brilho e fama à cidade. Os trabalhos realizados eram levados a Paris e vendidos a bom preço, pela qualidade e arte com que eram feitos.

O trabalho de Zélia foi evoluindo e ela se tornou mestra do ponto de Alençon. Em 1853 já possuía seu próprio negócio, onde fabricava o famoso ponto e, como os projetos de Deus não são os nossos, Zélia abriu seu comércio bem em frente à casa dos Martin, onde Luiz tinha seu ateliê de relojoeiro.

O sucesso do trabalho de Zélia aumentava cada vez mais. As senhoras e as jovens procuravam-na para aprender o ponto de Alençon e, assim, terem um futuro promissor. O trabalho era distribuído entre as mulheres, que o levavam para casa e o devolviam finalizado para Zélia em troca de um pagamento. Uma das alunas mais solícitas de Zélia era uma senhora já de certa idade, Maria Ana Fanie, mãe de Luiz Martin. Ela estava preocupada porque seu filho já se aproximava dos quarenta anos e ainda continuava solteiro. Ele levava uma vida frustrada; não tinha tomado a decisão de casar; vivia como um eremita, fechado em seu ateliê de relojoeiro apenas trabalhando, e no tempo livre se retirava numa varanda para ler seus livros, onde permanecia horas e horas em silêncio. Quando não estava em nenhum desses afazeres, poderia ser encontrado na Igreja. Era um jovem de poucas palavras e sua mãe se preocupava com isso. Ela sempre conversava com seu filho, na maioria das vezes, para repreendê-lo, mas ele não se importava, continuava sua vida tranquilamente, sem pensar sobre o futuro.

Maria, ao conhecer a solícita jovem, boa, trabalhadora e religiosa, achou que ela seria certamente uma boa esposa para seu filho Luiz. Mas como aproximá-los? Deus sempre dá seu jeito...

Um dia, não se sabe de que mês, Zélia e Luiz se encontraram casualmente atravessando a ponte São Leonardo, sobre o pequeno riacho de Alençon. Já se conheciam, viram-se muitas vezes, mas provavelmente a conversa entre eles não passava de um “bom dia” ou “boa tarde”. Naquele dia, seus olhos s e cruzaram, se notaram.

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Zélia recordará mais tarde que sentiu em seu coração uma voz interior que lhe dizia: “Foi este que eu preparei para ti!”.

Zélia, sempre esperta e cuidadosa, foi secretamente se informando melhor sobre a vida, os ideais e a religiosidade do jovem Luiz Martin. Foram se conhecendo, e no coração dos dois, mais no de Zélia que no de Luiz, nasceu o pensamento de que um dia poderiam se casar.

Até que um dia, o amor explodiu com violência, com uma força quase inacreditável. O noivado foi relâmpago, aconteceu depois de três meses, o que provocou uma grande felicidade para a mãe de Luiz, que finalmente viu suas orações atendidas. A história dos dois jovens foi um caso de amor à primeira vista.

Deus, em seu amor e em seu projeto, às vezes é tão rápido que nos surpreende. Nós é que somos demorados demais. O homem moderno é tão demorado em tudo que muitas vezes fica velho sem ter decidido o que gostaria de fazer para ser feliz. Nem sempre a pressa é inimiga da perfeição! Defendo que a demora demasiada é inimiga não só da perfeição, como também da verdadeira alegria da vida.

É próprio do mundo da tecnologia ser rápido demais em algumas atitudes e demorado demais em outras, que comprometem para sempre. O medo do definitivo, do “para sempre” impede a felicidade de muitas pessoas.

Tudo aconteceu muito rápido. Em pouco tempo, já estavam arrumando a casa da família Martin para a morada do futuro casal, com os cuidados necessários para que pudessem ter a sua privacidade e o seu espaço de trabalho – a relojoaria e o ateliê de bordado. Como a casa dos Martin era muito ampla, foi fácil adaptá-la para os noivos.

No dia 13 de julho de 1858, ano em que a Igreja proclamaria o dogma da Imaculada Conceição a partir das aparições de Nossa Senhora de Lourdes, foi realizado o matrimônio entre Zélia Guérin e Luiz Martin. Foi uma cerimônia para pouquíssimos convidados, realizada à meia-noite, na igreja de Nossa Senhora de Alençon. O celebrante, padre Hurel, amigo da família, sentiu-se feliz por realizar aquele casamento.

Era costume naquele tempo, até por medo dos que não tinham fé e zombavam da religião, casar-se na calada da noite. Não havia necessidade de se fazer festa. A festa era no céu e na intimidade das famílias.

Já casados, vivendo na casa da família Martin, a presença dos parentes ajudou os recém-casados a viver com alegria a nova vida.

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Uma família especial

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ão é mistério que Luiz Martin tinha um grande apreço pelo celibato e que seu desejo era ser monge, assim como Zélia Guerin desejava ser Irmã de Caridade para dedicar-se totalmente a Deus na virgindade. Como fazer agora que estavam casados? Viver o celibato mesmo no matrimônio, convivendo como irmãos, num amor puro e livre de qualquer relacionamento sexual, dedicados apenas ao trabalho, à oração e à mútua presença de amor, marcada pela doação espiritual recíproca?

Luiz Martin estudou muito tudo o que se refere ao matrimônio, refletiu, e talvez tenha até partilhado com Zélia essa decisão de viver o celibato no casamento. Ter ou não ter filhos? Viver uma vida celibatária dentro do matrimônio tem sentido? A vida a dois não é reciprocidade de amor e geração de novas vidas? Recusar os filhos por amor a Deus quando se escolheu o matrimônio é razoável? São suposições dos questionamentos que possivelmente devem ter agitado a mente e o coração do casal Martin. Sem dúvida, a atitude do marido fez reacender no coração de Zélia o antigo desejo de vida religiosa, mas ao mesmo tempo ela sentia um forte chamado para a maternidade. Zélia, quando não conseguiu realizar o sonho de seguir uma vida religiosa, passou a pensar em constituir uma família, e uma família numerosa... Imaginava até que poderia ver seu sonho de vida realizado nos filhos – algo que de fato aconteceu anos mais tarde. De seus nove filhos, as cinco filhas que sobreviveram tornaram-se religiosas (quatro carmelitas descalças e uma visitandina). Tal realidade mostra que os desígnios de Deus são insondáveis à nossa pobre inteligência humana.

Foram dez meses de vida matrimonial vividos na castidade e na doação mútua. Meses de alegria, de reciprocidade, mas também de angústia interior muito grande no coração dos dois.

Muitos anos depois, Zélia revela o sofrimento interior diante deste dilema, em uma carta que escreveu para sua filha Paulina:

Posso dizer que chorei nesse dia todas as minhas lágrimas, mais do que tenho chorado em toda a minha vida e do que todas as que hei de chorar. A minha querida irmã não sabia como me havia de consolar. Não era porque me desgostasse vê-la ali, não, pelo contrário, mas o meu desejo seria estar lá também.

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Comparava a minha vida com a dela e cada vez chorava mais. Enfim, durante algum tempo não tive pensamentos e afetos que não fossem para a Visitação. Muitas vezes visitava minha irmã e junto dela sentia uma calma e uma paz impossíveis de exprimir. Quando vinha embora, sentia-me muito infeliz por estar no mundo! Como eu queria esconder a minha vida junto da dela!

Sendo, como és, tão amiga de teu pai, minha querida Paulina, poderás imaginar que eu lhe dava desgostos e que lhe tinha dado também no dia do casamento. Mas não é verdade. Como tinha gostos semelhantes aos meus, ele compreendia-me e consolava-me o melhor que podia. Penso até que a nossa mútua afeição aumentou por isso. Os nossos sentimentos estavam sempre de acordo e ele serviu-me constantemente de amparo e consolação (Carta de Zélia a Paulina, de 4 de março de 1877).

A pergunta era fundamentalmente esta: vamos ou não ter filhos? Vamos oferecer a Deus o sacrifício da paternidade e da maternidade permanecendo unidos como irmãos espirituais? Felizmente, um belo dia, esses questionamentos foram respondidos. Sacerdotes experientes e sábios deram a sua orientação – em especial ao senhor Martin, que estava decidido a manter-se celibatário –, então a vida do casal mudou completamente. Zélia e Luiz tomaram a decisão de ter muitos filhos e assumir a responsabilidade de gerar novas vidas, para que o amor de Deus fosse derramado sobre a humanidade.

Nasce a primeira filha do casal, Maria Luiza, batizada na igreja de São Pedro de Montsort, em Alençon, no dia 22 de fevereiro de 1860, mesmo dia em que a menina nascera. Ao perceber o ar surpreso do sacerdote, que nunca vira o senhor Martin levar alguém para ser batizado, Luiz lhe disse: “É a primeira vez que Vossa Reverência me vê num batizado, mas não há de ser a última!”.

A cada gravidez, Zélia ficava muito feliz, louvava e bendizia ao Senhor por receber um novo filho como sinal de seu amor. Embora suas últimas gestações fossem de risco por causa de sua saúde, sempre quis ter muitos filhos para que Deus fosse louvado e mais amado.

Todos os filhos e filhas do casal recebiam o nome de “Maria” como sinal de agradecimento à Virgem Maria, que era tão amada e venerada na família Martin. Aliás, no dia do casamento, Luiz e Zélia receberam como presente a imagem de Nossa Senhora das Vitórias, que mais tarde ficou conhecida, por causa do milagre do sorriso a Santa Teresinha, como Nossa Senhora do Sorriso.

O grande sonho de Zélia era ter um filho sacerdote. Isso não aconteceu, mas os pais nunca rejeitaram as filhas que Deus lhes enviava. Como uma prova disso, temos o

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exemplo de Leônia, a filha conhecida como a “ovelhinha negra” da família.

Não é justo dizer que Luiz e Zélia não tiveram o mesmo carinho para com ela, que não era tão inteligente e prendada como as demais. Na verdade, eles sempre tiveram até um amor preferencial por Leônia, que mais tarde se tornou monja visitandina, e, atualmente, está em processo de canonização por suas virtudes.

Vale a pena conhecer a quantidade de filhos do casal Martin e perceber como suas datas de nascimento têm pouca distância entre si:

Maria Luiza (1860-1940) – Ir. Maria do Sagrado Coração no Carmelo de Lisieux (1886); Maria Paulina (1861-1951) – Ir. Inês de Jesus no Carmelo de Lisieux (1882);

Maria Leônia (1863-1941) – Ir. Francisca Teresa na Visitação em Caen (1898); Maria Helena (1864-1870);

José Maria (1866-1867); João Batista Maria (1867-1868);

Maria Celina (1869-1959) – Ir. Genoveva da Sagrada Face no Carmelo de Lisieux (1894); Maria Melânia Teresa (1870);

Maria Francisca Teresa (1873-1897) – Santa Teresinha.

Agradeçamos ao Senhor por esta família tão numerosa!

Hoje em dia as famílias em geral são bem reduzidas, pois há a preocupação de que falte o necessário caso tenham muitos filhos. É verdade que a Igreja nos recorda uma paternidade e uma maternidade responsável, mas o índice cada vez mais baixo de filhos é fruto de egoísmo e de comodismo. Em alguns países como Itália, Espanha, Alemanha, França, por exemplo, o índice de nascimento é menor que o de mortes. Povos e famílias envelhecem... e a alegria das crianças se torna cada vez mais rara.

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Trabalhar muito é preciso

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ma lógica da qual não se pode fugir é esta: com o crescimento da família, torna-se necessário aumentar o trabalho e a renda para poder sustentá-la com dignidade. As famílias Martin e Guérin pertenciam à classe média, ou seja, sempre viveram do seu trabalho. Os pais de Luiz e Zélia tinham uma razoável aposentadoria pelos serviços militares, mas não era o suficiente para sustentar suas famílias.

Luiz não ganhava muito dinheiro com sua relojoaria, além disso, ele e sua esposa não trabalhavam aos domingos e dias santos de guarda, quando o povo saía das aldeias vizinhas para Alençon, para participar da missa e depois fazer compras. Tanto a relojoaria de Luiz Martin como a loja de Zélia não abriam aos domingos, assim o povo era obrigado a procurar outros comerciantes para poder adquirir o que lhes era necessário. Mas para o casal o dia do Senhor era sagrado, e mesmo que perdessem dinheiro por não trabalharem nesse dia, permaneciam fiéis.

O trabalho ia bem. Freguesia não faltava, e Luiz, a contragosto, viu-se como administrador da microempresa de sua esposa. Viajava a Paris para levar mercadorias e fazer compras. Era seu contador e cuidava com zelo das entradas e saídas.

A preocupação do casal não era faturar, mas viver e tratar bem os fregueses e empregados. Luiz Martin não gostava de ter dívida com ninguém, e era especialmente consciencioso em pagar aos operários no dia certo o que lhes era devido. Suas filhas dirão mais tarde que ele gostava muito de citar as palavras de Tobias: “Sempre que alguém fizer um trabalho deve pagar-lhe logo o seu salário, que o salário do trabalhador não fique nem um instante na tua casa!”.

Trabalhando duro de sol a sol, a família Martin conseguia viver uma vida tranquila, sem luxo, mas também sem muitas dificuldades. No entanto, havia uma grande preocupação: conforme os filhos nasciam, percebia-se cada vez mais a necessidade de que mamãe Zélia estivesse mais presente na vida deles e de que Luiz se dedicasse mais ao trabalho. Luiz Martin era apaixonado por viagens, por romarias, sentia-se bem visitando as grandes cidades e passando de santuário em santuário para rezar e pedir a bênção de Deus.

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estranha em suas vidas. Vários filhos e filhas pequeninos morreram. A dor não lhes faltava pela morte de parentes e amigos. Mas tudo sabiam aceitar com amor e ofereciam ao Senhor.

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Morte e guerra

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vírus mais mortífero – herança de Adão – que podemos acompanhar pelos séculos é o ódio, o desejo de derramar sangue por motivos inúteis e sem sentido. Deus criou a terra, a humanidade e os homens para que “agradecessem a Ele”, mas os homens dividiram a terra em vários pedaços, que chamaram de países, e se declararam donos daquilo que seria de todos. Se alguém avança pedindo um pedacinho de terra para fazer a própria cova, é morto ou vai para a cadeia. As guerras sempre existiram. Quando se pensa que haverá paz, outra guerra é declarada.

No tempo da família Martin não era diferente. A França vivia um período de grande perturbação e o próprio Luiz desejou, em vários momentos, tomar as armas para defender seu país. Sobre isso, disse certa vez: “Se eu fosse mais jovem, também iria à guerra para defender a pátria!”. Essas ideias não agradavam nem um pouco Zélia, que se via com muitos filhos para criar e precisava trabalhar para que não faltasse nada em casa. Nessa mesma época, a França vinha enfrentando vários conflitos. Um deles era uma revolta silenciosa contra a Igreja e todas as instituições religiosas, uma perseguição contra conventos e contra o Papa. Também ocorria conflitos entre pobres e ricos. Os pobres, ao se sentirem provocados pelos ricos, muitas vezes resolviam dar o troco. Zélia conta em uma carta um fato que aconteceu bem diante de sua casa:

Aconteceu ultimamente uma aventura extraordinária a uma senhora cuja carruagem estacionou próximo da nossa casa, na frente da prefeitura. O cocheiro tinha uma farda magnífica, toda ornada de peles. Nisso passou um indivíduo malvestido, com um saco de linhagem na mão. Parou um momento a contemplar o cocheiro, depois a senhora e a carruagem; dirigiu-se para a portinhola aberta, desatou o saco e despejou-o no colo da senhora.

Ela desatou numa gritaria medonha; o cocheiro a acudiu depressa, assim também como o povo que passava. Viram a senhora a contorcer-se com um ataque de nervos e sobre ela umas vinte rãs. Elas estavam sobre ela toda: até na cabeça tinha rãs!

O maroto do homem contemplava o espetáculo. Quando chegou a polícia e lhe perguntou por que tinha feito aquilo, respondeu tranquilamente: “Eu tinha ido pescar aquelas rãs para vender, mas quando vi aquela ‘aristocrata’ com o cocheiro todo forrado de peles, antes quis pregar-lhe um ataque de nervos que vender minhas rãs”. Levaram-no para o posto de polícia – porque não tinha roubado nada! (Carta de Zélia a

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Nascimento de

Santa Teresinha

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casa onde morava a família Martin se tornou pequena para acomodar todas as meninas e dar conforto a dona Zélia. O senhor Martin andava preocupado com esta situação, mas não sabia como arranjar dinheiro para construir uma casa maior, onde pudesse oferecer todo o conforto para sua família e instalar a sua relojoaria e o ateliê de sua esposa.

Certa vez, surgiu uma boa oportunidade para a venda da casa, o que possibilitou a compra de uma nova. Luiz era muito apreensivo e não reagiu diferente com a compra da nova casa. Em determinados momentos, era necessário que Zélia o acalmasse com palavras que lhe soavam como um forte bálsamo: “Não tenhas medo, nosso Senhor está conosco!” ou “Nunca Deus manda mais do que as nossas forças podem!”. Foi nessa casa que nasceu Santa Teresinha do Menino Jesus. Posteriormente, o espaço foi transformado em museu, onde encontravam-se os brinquedos e o quarto que pertenciam a Santa Teresinha, hoje foi transformado em oratório. As paredes dessa casa ainda guardam as memórias daquela família santa.

Naquela época, enquanto preparavam a nova casa para a chegada de mais uma criança, Zélia escreveu várias cartas anunciando sua gravidez, dizendo que desta vez estava convencida de que seria um menino:

Quero partilhar um acontecimento que deve dar-se provavelmente no fim do ano, mas isto, por ora, só interessa a mim. Que alegria seria a minha se soubesse que poderia criar este entezinho que vai instalar-se na nossa casa! Mas este não há de sair de cá enquanto ele e eu tivermos vida. Passo melhor que da última vez, como bem e ainda não tive febre. Espero que esta criança nasça bem, porque a desgraça não está sempre atrás da porta. Mas seja feita a vontade de Deus! (Carta de Zélia, 21 de julho de 1872).

Alguns dias depois, em 15 de dezembro, escreve para sua cunhada:

Agora, todos os dias, estou à espera do meu anjinho, sinto-me bem preocupada, porque ainda não encontrei ama. Falei com muitas, mas não nos agradou e o meu marido não se resolveu a contratar nenhuma. Não foi pelo preço, mas porque receamos colocar pessoas em casa que não seja conveniente

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admitir... Se Nosso Senhor me concedesse a graça de poder amamentar o meu filho, seria um grande prazer para mim! Sou doida por crianças e nasci para ter muitas, mas já chega o tempo de isso acabar. Vou fazer quarenta e um anos a vinte e três deste mês e nesta idade já se é avó (Carta de Zélia a sua cunhada, de 15 de dezembro de 1872).

Mas os sonhos dos homens são diferentes dos sonhos de Deus. Não nasceria um menino, e sim uma menina, que se tornou a alegria não só da família Martin, mas do Carmelo, da Igreja e do mundo: Teresinha.

Em uma quinta-feira, dia 2 de janeiro de 1873, às vinte e três horas e trinta minutos, nasce a doce menina, que mais tarde se autodefine como “uma flor primaveril”.

Ao dar à luz, dona Zélia faz a oração que costuma rezar sempre após o nascimento de cada um de seus filhos: “Concedei-me a graça de ela vos ser consagrada e de nada vir a manchar a pureza de sua alma. Se há de perder-se um dia, prefiro que a leve imediatamente!”.

Mamãe Zélia sentia-se feliz em contemplar a sua pequenina. Resolveu, então, dar a ela o mesmo nome que havia dado à filha morta recentemente, Maria Teresa Francisca, nome que revela o seu amor por Santa Teresa de Ávila.

Com o nascimento da pequena, a casa estava em festa. Ao amanhecer, um menino desconhecido deixou debaixo da porta um papel com a seguinte poesia:

Cresce depressa a sorrir, tudo te chama a alegria, doces cuidados, ternura... Oh! sim, sorri ao futuro Botão que acabas de abrir Hás de ser rosa algum dia.

Quem era esse menino? De onde veio? Para onde foi? Nunca ninguém o saberá. Mas que existe algo profético nessa poesia não podemos negar. Padre Piat, em seu livro História de uma Família, apresenta uma interpretação que me parece um pouco improvável:

Era um gesto delicado de um pai de família que o senhor Martin encontrara um dia, com a mulher e o filho, com fome, desorientados, recolhidos num portal da Prefeitura. A senhora Martin, comovida com uma miséria tão digna – tratava-se de pobres envergonhados –, mandou-os entrar, deu-lhes de comer, conquistou-lhes a confiança, enquanto o marido se encarregava ativamente de procurar uma situação

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conveniente para o infeliz desempregado. A gratidão exprimia-se naquele dia de forma realmente enternecedora1.

A despeito de toda a alegria, a saúde de Teresinha não era das melhores. Os médicos logo ficaram preocupados, pois a mãe não poderia amamentá-la. Era urgente procurar uma ama de leite.

Dona Zélia já havia passado por essa situação muitas, perdendo quatro filhos, mas não podia deixar que sua última menina morresse. La Petite Thérèse, a Teresinha, não estava boa. Suscitava muita preocupação e perplexidade. Seria uma dor imensa perdê-la; não perdoaria a si mesma se não fizesse qualquer coisa para salvá-la. O médico aconselhou que procurassem com urgência uma ama de leite. Mas quem? Onde encontrá-la? O marido estava viajando e não tinha com quem deixar suas outras filhas. Já era noite e não sabia para onde ir àquelas horas.

Sobre esse episódio, relata em carta:

A noite pareceu-me comprida. Teresa quase não queria beber. Todos os sintomas mais graves que precederam a morte dos meus outros anjinhos se manifestavam agora e eu sentia-me bem triste por me persuadir de que a pobrezinha, no estado de esgotamento em que se encontrava, já não podia receber socorro algum de mim. Ao romper do dia fui procurar a ama, que mora em Semallé, a duas léguas de Alençon. O meu marido estava ausente e eu não queria confiar a ninguém o êxito daquela tentativa. Nesse caminho isolado, encontrei dois homens que me meteram certo medo, mas dizia para mim: “Não me importava nada que me matassem”. Levava a morte na alma. (Carta de Zélia à cunhada, março de 1873)

Zélia foi a Semallé, onde encontrou Rosinha, que já tinha sido ama de leite de outros seus dois filhos. Após certo esforço para convencê-la, pois a ama estava preocupada em deixar seu marido e seus filhos pequenos, Rosinha decide seguir com a senhora Martin para Alençon.

Em uma carta que escreve para a cunhada, Zélia relata o drama vivido:

A ama de leite, ao ver Teresinha, abanou a cabeça como se dissesse que a criança estava perdida.

Eu subi muito depressa para o meu quarto, ajoelhei-me aos pés de São José e implorei dele a graça de curar a minha filha, resignando-me, contudo, à vontade de Deus, se a quisesse levar. Não choro muitas vezes, mas desta vez as lágrimas corriam enquanto eu fazia esta oração. Não sabia se havia de descer... por fim, me decidi e o que vi? A criança a mamar com todas as suas forças. Não largou o seio senão por volta de uma hora da tarde; vomitou alguns goles e caiu como morta em cima da cama. Estávamos cinco pessoas em volta dela. Sentíamo-nos paralisados. Uma operária chorava e eu sentia o meu sangue gelar nas veias. A pequenina, aparentemente, não respirava. Por mais que nos curvássemos, procurando

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descobrir um sopro de vida, não se percebia nada, mas estava tão calma, tão serena, que eu dava graças a Deus de a ter feito morrer assim tão suavemente.

Por fim, depois de uns quinze minutos, a minha Teresinha abriu os olhos e começou a sorrir. Desde este momento ficou absolutamente curada, voltou-lhe o bom aspecto e a alegria, e vai o melhor possível. Mas a minha filhinha teve de sair de casa. É muito triste ter criado uma filha durante dois meses e em seguida ser obrigada a entregá-la em mãos estranhas. O que me consola é saber que é Nosso Senhor que assim quer; não tenho nada do que me arrepender a este respeito.

Eu e meu marido gostaríamos que a ama ficasse aqui em casa; outras ele não queria, mas esta aceitava por saber que é uma excelente mulher.

Desejo-lhe de todo coração que nunca tenha filhos neste estado: não sabemos o que lhes há de fazer, temos medo de não lhes dar aquilo de que precisam, e isso é uma angústia constante. Só quem passa por isso é que pode saber o que é um tormento destes: não sei se o purgatório será pior, lá sofre-se, é verdade, mas ao menos se sabe como se deve proceder. Enfim, por agora acabou-se esta provação (Carta de Zélia a sua cunhada, de março de 1873).

Como relatado na carta acima, a ama volta para sua casa e leva Teresinha consigo. A menina adapta-se muito bem à casa de Rosinha: acompanhava-a aos campos e brincava com seus filhos, que passaram a ter uma certa predileção pela menina bonitinha e cheia de vida.

Numa carta, Zélia conta o que Rosinha dizia sobre Teresinha:

Rosinha diz que nunca viu uma criança mais interessante. Há de ser muito engraçada e até muito linda. Basta colocá-la de pé encostada a uma cadeira e já se segura muito bem, sem cair. Toma as suas precauçõezinhas e parece muito inteligente. Parece-me que há de ter um caráter excelente, porque sorri sem cessar, com uma expressão de predestinada. A minha Teresinha, desde quinta-feira, começou a andar. É meiga e linda como um anjinho. Tem um caráter encantador. Já se nota bem: tem um sorriso tão meigo! Como me tarda vê-la em nossa casa! É uma menina encantadora, muito meiga e muito adiantada para a idade. Para mim foi uma felicidade ter esta filha que, segundo creio, será a última. É bela e já muito graciosa. A boquinha é um encanto; a ama diz-me que é do tamanho de um olho. (Trecho de várias cartas de Zélia a sua cunhada, do ano de 1873)

Teresinha foi se restabelecendo, mas quando tudo parecia caminhar bem, uma grave enfermidade atingiu a casa da família Martin. Maria, a primeira filha, aos treze anos, recebeu um diagnóstico médico terrível: estava com tifo. Foi preciso apressar-se para cuidar o quanto antes da doença e isolá-la, para que não transmitisse a moléstia às suas outras irmãs. O pai, que tinha por esta filha uma preferência particular, sentiu muito e não sabia o que fazer. Mas, graças a Deus, Maria se restabeleceu.

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No dia 2 de abril de 1874, Teresa retornou ao seio da família Martin, ocupando o centro das atenções. Ela sabia disso e aproveitou-se da situação para ditar leis, mandar e desmandar, pois todos sempre lhe obedeciam.

Não era para menos. Tinha vivido o primeiro ano de vida fora, na casa de Rosinha, e agora, perto da mãe, do pai e das irmãs, aproveitava para experimentar o carinho que todos lhe dispensavam.

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Espiritualidade familiar

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família Martin vivia com simplicidade, embora não lhes faltasse nada. Não eram pobres, tinham certas regalias. Nos padrões de hoje poderíamos classificá-la como classe média alta. Andavam bem vestidos – como nos mostram as poucas fotografias que restam sobre a família –, recebiam suas visitas com uma mesa farta, mas sem desperdícios. Zélia gostava das coisas bem arrumadas, tinha a preocupação de não deixar que nada faltasse naquele lar e cuidava com amor e carinho do marido.

Em uma época de revolução industrial, cultural e religiosa, no final do século XIX e início do XX, poderíamos destacar algumas características da espiritualidade daquela família, como:

• A oração

Costumavam rezar juntos, liam bons livros sobre a vida dos Santos, o terço era recitado todos os dias e a oração ocupava um lugar de preeminência tanto na vida familiar como na de cada membro da casa. Além disso, o casal Martin levantava-se bem cedo para participar da primeira missa.

• A devoção à Virgem Maria

No dia do casamento, Luiz e Zélia ganharam uma imagem de Nossa Senhora das Vitórias, de quem eram muito devotos. Na casa de Alençon, esta imagem ocupou um lugar de destaque. Diante dela, Zélia incentivava suas filhas a ter devoção e amor à Virgem Maria.

• O amor aos pobres

Todos os pobres que batessem à porta da família eram bem recebidos e acolhidos, recebendo roupa e comida. O amor do casal Martin pelos pobres era conhecido por todos. Nunca lhes negaram nada.

• O amor pela Igreja

O amor ao Papa e aos sacerdotes sempre foi cultivado na família Martin. Os padres tinham pousada garantida em sua casa quando passavam por Alençon. Nos momentos mais difíceis, eles recorriam ao senhor Luiz. Uma prova dessa amizade foi a alegria com

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que o Bispo de Bayeux recebeu Luiz Martin e a filha, quando foram pedir licença para Teresinha entrar no Carmelo. Outro momento que exemplifica o amor da família pela Igreja, mais especificamente o amor de Teresinha, foi na grande peregrinação, realizada em Roma, por ocasião do Jubileu de ouro sacerdotal do papa Leão XIII. Foi uma peregrinação mais de padres que de leigos, e foi nesta ocasião que Teresinha descobriu sua vocação para rezar pelos padres.

Na família Martin havia uma espiritualidade sólida, baseada no Evangelho e nos ensinamentos da Igreja. Hoje seria uma família engajada na pastoral e na missionaridade, na evangelização, dedicada totalmente ao serviço de Deus.

O fato de pertencer à classe média alta não afastou essa família das necessidades dos pobres, nem a isolou. Em Alençon, depois em Lisieux, todos sabiam que sempre era possível contar com o senhor Luiz Martin.

Muitas vezes a família recebia em sua casa sacerdotes que estavam em perigo ou eram perseguidos pelos inimigos de Jesus Cristo e da sua Igreja. Luiz Martin vivia rodeado sempre por um bom número de sacerdotes que eram seus amigos e frequentavam com certa assiduidade sua casa.

Suas relações com os sacerdotes eram impregnadas de atenções que raiavam pela veneração. Não consentia a menor palavra de crítica ou de troça a seu respeito. As filhas, segundo o testemunho de Celina, tinham tal culto por eles que os consideravam “como deuses”. Isto explica certa surpresa de Teresinha, quando conviveu com eles mais de perto, por ocasião da Peregrinação a Roma, e as observações que a este respeito registraria na História de uma Alma.

O Sr. Martin fazia a sua visita anual de cortesia ao seu pároco. Uma vez por ano, quando havia uma primeira comunhão, recebia à mesa o seu confessor, R. P. Lepelletier, o confessor das filhas mais velhas, R. P. Ducellier... o Cônego Delatroette e o R. P. Domin, capelão da Abadia. Fora destes casos, nenhum eclesiástico frequentava os Buissonnets [residência da família Martin em Lisieux], pois que os seus habitantes se consideravam sinceramente indignos de tal honra2.

Luiz, como um bom homem de religião, gostava de participar da primeira missa, às cinco da manhã, mas passou a frequentá-la às sete só para que suas filhas pudessem descansar mais um pouquinho.

Depois da comunhão, concentrava-se em profundo silêncio e diálogo pessoal com Jesus. Rezava o terço e praticava a adoração ao Santíssimo Sacramento, porém, quando mudaram-se para Lisieux, sentiu grande falta dessa prática. Também fazia parte da sua rotina, nas horas em que fazia o seu retiro e suas meditações contemplativas, rezar,

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contemplar o céu, entoar algum cântico e ler bons livros de sua biblioteca que eram todos escolhidos com muito critério.

Luiz Martin era um homem comprometido com as obras sociais. Gostava de praticar o amor e a caridade com os pobres, e, por isso, entrou na conferência de São Vicente de Paula. Foi um leigo ativo e dinâmico nas atividades da paróquia.

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Uma carta de saudade

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erta vez, Zélia precisava ir a Lisieux visitar seu irmão Isidoro. Já planejava essa viagem há muito tempo, mas não tinha com quem deixar as filhas. Luiz tinha muito trabalho e sempre viajava a negócios, portanto, não poderia cuidar das meninas no período em que a esposa estivesse ausente. As constantes ausências do marido causavam muita tristeza no coração de Zélia. Mas agora era ela quem se ausentaria.

Quando o marido não podia acompanhá-la em suas visitas a Lisieux, ela ficava triste, preocupada, cheia de saudades e de amor, como mostra esta carta do dia 31 de agosto de 1873:

Meu querido Luiz,

Chegamos ontem às quatro e meia da tarde. O meu irmão, que estava na estação à nossa espera, ficou radiante quando nos viu. Ele e a mulher fazem o quanto podem para nos arranjar distrações.

Hoje, domingo, há uma bela recepção aqui em casa, à noite, em nossa homenagem. Amanhã, segunda-feira, haverá um grande banquete na casa da senhora Maudelonde e, possivelmente, um passeio de carro à casa de campo da senhora Fournet. As pequenas andam encantadas. Se o tempo estivesse bom, seria para elas o auge da felicidade.

Mas eu sou mais custosa de desarmar. Nada disso me interessa! Ando exatamente como os peixes que tu tiras para fora da água: já não estão no seu ambiente, não lhes resta senão morrer! Creio que era o que me aconteceria se a minha permanência aqui tivesse que ser prolongada. Não me sinto à vontade, não estou nos meus hábitos, o que me influi no físico e me faz andar quase doente. Contudo, faço o possível para ser razoável e procuro dominar-me. Acompanho-te em espírito a toda hora. Digo para mim mesma: “Neste momento está a fazer isto ou aquilo”.

Quanto me tarda ver-me junto de ti, meu querido Luiz! Amo-te de todo o meu coração e sinto que o meu afeto aumenta com a privação da tua presença que tanto sinto. Seria impossível para mim viver separada de você.

Esta manhã assisti a três missas. Fui à das seis, fiz a ação de graças e rezei as minhas orações durante a das sete, e voltei à missa cantada. O meu irmão não está descontente com os negócios que não vão mal. Diz a Leônia e a Celina que lhes mando muitos beijos saudosos e que levarei para elas uma lembrança de Lisieux.

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muita pressa porque estão à minha espera para ir fazer visitas. Regressamos na quarta-feira à tarde, às sete e meia. Como me parece distante!

Beijo-te com muito amor. As filhinhas recomendam-me que te diga que estão muito contentes por terem vindo a Lisieux e que te mandam muitos beijos (Carta de Zélia a Luiz, de 31 de agosto de 1873).

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A arte de educar

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ducar é uma arte que nem todos dominam, mas os pais devem procurar da melhor forma transmitirem os seus conhecimentos aos filhos, tanto no que diz respeito à educação moral e religiosa, como com relação à educação intelectual. Santa Teresinha, em História de uma Alma, conta com delicadeza própria que os passarinhos nascem sem saber voar e cantar, mas aprendem com rapidez escutando os pais e observando-os. Do mesmo modo é a educação humana. O exemplo sempre é mais forte que qualquer coisa.

Os pais de Teresinha preocupavam-se muito com a educação das cinco filhas, pois com a educação oferecida elas poderiam se inserir na vida social com uma boa bagagem cultural.

Em outubro de 1868, Maria e Paulina entraram no Colégio da Visitação de Mans. A saída das pequeninas de casa foi relatada pela mãe em carta para seu irmão Isidoro:

Não pode imaginar quanto me custa separá-las de mim, mas é preciso saber fazer um sacrifício pela felicidade delas... Maria é uma aluna excelente. Paulina aprende quanto quer e é muito aplicada. De todas as da sua idade é a que anda mais adiantada... Um dia em que Maria queria falar-lhe durante o horário de estudo, ela lhe disse: “Não percamos o nosso tempo porque estamos desperdiçando dinheiro do papai e da mamãe”. São duas crianças que nos honram (Carta de Zélia a Isidoro, de 3 de janeiro de 1872).

Já a respeito da educação da filha Leônia, o casal encontrou dificuldades, pois a menina não era tão brilhante e inteligente quanto as irmãs. Foi necessário que os pais tivessem mais paciência e mais amor por ela, que nunca foi deixada de lado, apesar das dificuldades.

“Não estou nada descontente com a minha Leônia. Se chegássemos a triunfar aquela teimosia e moldar-lhe um pouco o caráter, faríamos dela uma boa menina, dedicada, sem medo dos sacrifícios. Tem uma vontade de ferro, e quando quer alguma coisa triunfa de todos os obstáculos para alcançar os seus fins. Mas não é nada piedosa, só reza a Nosso Senhor quando não tem outro remédio. Esta tarde chamei-a para junto de mim e obriguei-a a ler algumas orações, mas não tardou que se enfastiasse e me dissesse: ‘Mamãe, conte-me a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo’. Eu não estava resolvida a contar porque me canso muito e dói-me a garganta. Mas fiz um esforço e contei-lhe a vida de Nosso Senhor. Quando cheguei à paixão, começou a chorar...”

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“Veio agora Leônia trazer-me o terço e perguntou-me: ‘Gostas de mim, mamãe? Eu não voltarei a desobedecer-te’. Às vezes tem bons impulsos e boas resoluções, mas não é uma coisa que dure muito...”

“Ontem teve um dia detestável. Ao meio-dia disse-lhe que fizesse sacrifícios para vencer o seu mau humor e que, a cada vitória alcançada, meteria uma avelã numa gaveta que lhe indiquei para contarmos à noite. Ela ficou toda contente, mas como não havia avelãs, mandei-lhe trazer uma rolha que parti em sete rodelinhas.

À tarde perguntei-lhe quantos ‘atos’ fizera. Nada, tinha corrido tudo o pior possível. Eu não fiquei contente e dirigi-lhe censuras severas, dizendo-lhe que não valia a pena, nessas condições, pedir para ser religiosa. Começou a chorar, banhando-me o rosto com lágrimas de sincero arrependimento e hoje já estão as rodelinhas de cortiça na gaveta.” (Trechos das cartas de Zélia sobre Leônia a sua cunhada, dos anos 1876-1877).

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Teresinha, uma menina fora de série

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élia e Luiz tinham pelas filhas um amor especial, mas por Teresinha esse amor era ainda maior.

Sobre isso Zélia revelou: “Como me sinto feliz em ter esta filha... o meu marido é doido por ela. É inacreditável o que ele se sacrifica por ela de dia e de noite”.

As próprias irmãs se sentiam fascinadas por Teresinha e diziam:

Se soubesses como ela é esperta e fina! Sinto-me cheia de admiração diante desse “ramalhete”. Todos aqui em casa a devoram de beijos. É uma pequena mártir! Mas está tão habituada aos carinhos que nem lhes dá grande importância. A Celina, então, quando vê aqueles ares de indiferença, diz-lhe em tom de censura: “E a menina pensa que tudo lhe é devido!”. E é de ver a cara de Teresa! (Carta de Maria a Paulina, de 10 de maio de 1877).

Teresinha era “um gênio precoce”, dotada de uma inteligência particular. Foi suficiente que lhe explicassem uma única vez o alfabeto antes dos três anos de idade para que já o decorasse com extrema rapidez. Decorava fábulas, historinhas e retinha-as com fidelidade. Gostava, mesmo pequenina, de participar das aulas de Celina, e, quando não permitiam que participasse, chorava sem parar.

Tinha uma sensibilidade afetiva muito viva. Chorava com facilidade, mas também ria com gosto e sabia amar e ser extremamente delicada e atenciosa com todos.

Mas Teresinha não era isenta de defeitos. Sua mãe evidenciou alguns deles numa carta. São provas que demonstram que o caráter desta menina prodígio não era nada fácil:

Quanto ao furãozinho, não sei lá muito bem o que virá a ser, é tão pequenina, tão nervosa! É uma criança muito inteligente, mas muito menos dócil que a irmã e, sobretudo, duma teimosia quase invencível. Quando diz “não”, não há quem a faça voltar atrás; poderia colocá-la um dia inteiro no porão que não lhe arrancaria um “sim”; seria mais fácil ela dormir lá. (Carta de Zélia a Paulina, de 14 de maio de 1876)

O pai, em especial, se derretia com sua rainha e fazia de tudo para agradá-la, até de forma exagerada. Brincava com a menina sem medo de perder sua dignidade. Tanta dedicação o transformou em autêntico diretor espiritual de sua filha, acompanhando-a em

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todos os momentos.

Quem sabe as brincadeiras do pai Luiz não tenham sido fonte de inspiração para o que Teresinha escreveu: “Os pais fazem tudo para seus filhos... eles perdem o juízo; assim nosso Deus nos ama tanto que perde o juízo por nós”.

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Mamãe Zélia está doente

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m abril de 1865, Zélia começou a sentir vertigens e dores de cabeça. Lentamente surge um “caroço” em seu seio. Com o aparecimento da doença, a senhora Martin começa a preocupar-se, ficando triste e amuada. Mesmo assim, com grande esforço, tenta mostrar-se serena para as filhas e especialmente para o marido, que ficou muito angustiado diante do problema. Zélia era o esteio da família, o bastão que orientava Luiz.

A mãe de Teresinha sentia-se preocupada com as filhas, pois caso viesse a falecer, quem cuidaria delas?

Em momento de maior tristeza e desânimo, foi ouvida recitando uma página de Lamennais: “A abelha regressara à colmeia, a avezinha ao seu abrigo noturno; as folhas imóveis dormiam nas hastes; um silêncio triste e suave envolvia a terra adormecida. Uma única voz, a voz distante do sino da aldeia, ecoava no ar calmo a dizer: ‘Lembrai-vos dos mortos!’”.

Com sabedoria costumava dizer: “Digo para mim mesma que se fizesse para ganhar o céu metade do que tenho feito para ganhar a terra, chegava para ser santa de altar”.

Era nesses momentos de tristeza que voltava à sua consciência certo remorso por não ter abraçado a vida religiosa como fez sua irmã Maria, que era visitandina. Se sua vida tivesse seguido esse rumo, não teria tantas preocupações nesse momento. Não que fosse infeliz no casamento, nem no papel de mãe, mas sentia necessidade de estar em silêncio, rezar pelos mortos e pelas filhas, para que crescessem na fé e em sabedoria. Tais pensamentos vivia sozinha, diante do Senhor na oração. Zélia tinha consciência de que só poderia alcançar a santidade na medida em que conduzisse sua vida matrimonial com radicalidade, com doação.

Em 1876, um novo alarme: a saúde de Zélia piorava. Estava com câncer, que se alastrava silenciosamente em seu organismo, minando cada vez mais sua saúde. Zélia não se amedrontava: “Se Nosso Senhor permitir que eu morra disto, farei o possível para me resignar o melhor que puder e suportar o meu mal com paciência, para ter menos tempo de purgatório. Mas espero que tudo corra bem” (Carta de Zélia a sua cunhada, de outubro de 1876).

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que seria apenas uma tentativa sem grandes resultados. Zélia não tinha vontade deste gesto inútil.

Ela se viu na necessidade de contar tudo ao marido, às filhas e aos parentes. A família ficou apavorada. Ela mesma conta em uma carta à sua cunhada:

Não pude deixar de contar tudo em casa. Agora já estou arrependida, porque foi uma cena de desolação... todos choravam, a pobre Leônia soluçava. Mas citei-lhes muitas pessoas que viveram assim de dez a quinze anos. Mantive-me pouco inquieta, fazendo os meus trabalhos tão alegremente como de costume, ou talvez mais, que consegui acalmar um pouco a minha gente.

Contudo, estou longe de me iludir e custa-me adormecer à noite, quando me ponho a pensar no futuro. Mas resigno-me o melhor que posso, apesar de estar longe de esperar uma prova destas...

O meu marido não pode consolar-se: abandonou o divertimento da pesca, arrumou as linhas no sótão e já não quer ir ao Círculo Vital: está aniquilado...

Eu não queria que se atormentassem muito e queria que se resignassem com a vontade de Deus: se Ele achasse que sou muito útil na terra, certamente não permitiria que eu tivesse tal doença, visto ter lhe pedido tanto que não me levasse deste mundo enquanto fosse necessária para as minhas filhas.

Agora Maria já está crescida, possui um caráter sério, e não tem nenhuma das ilusões próprias da juventude. Tenho certeza de que quando eu não estiver mais aqui, ela será uma boa dona de casa e fará todos os esforços para educar bem as irmãzinhas e para lhes dar bom exemplo. Paulina também é encantadora, mas Maria tem mais experiência e, além disso, uma grande influência sobre as irmãzinhas. Celina mostra as melhores disposições: deverá ser uma criança muito piedosa, na idade dela é muito raro mostrar tanta inclinação para a piedade. Teresa é um verdadeiro anjo. Quanto a Leônia, só Nosso Senhor a pode mudar, e tenho certeza de que o fará...

Quando eu não mais existir, serão muito felizes por terem-na. Peço que você as ajude com seus conselhos e, se tiverem a desgraça de perder o pai, você as levará para sua casa, não é verdade?

Consola-me muito pensar que tenho parentes que vão nos substituir com vantagem em caso de infelicidade. Há pobres mães bem mais infelizes do que eu, porque não sabem o que será dos filhos e os deixam em dificuldades, sem qualquer auxílio. Eu, por esse lado, não tenho nada a temer. Enfim, não vejo as coisas muito negras, é uma grande graça que o Senhor me concede... (Carta de Zélia a sua cunhada, de 17 de dezembro de 1876)

O câncer avançava pelo corpo já fragilizado de Zélia. Numa visita que fez à sua irmã no mosteiro das visitandinas de Mans, Zélia assistiu à morte de uma monja santa. Reavivou em seu coração o desejo pela vida monástica. Percebeu todo o peso da responsabilidade de ser mãe, sentiu medo de deixar as filhas ainda meninas sem um arrimo. Apesar do pavor que a morte causava, Zélia soube olhá-la com serenidade, olhos

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nos olhos, e viu com clareza que a eternidade era maravilhosa, significava estar sempre ao lado de Deus, a quem tanto amava.

Nessa mesma época, a notícia das aparições de Nossa Senhora em Lourdes se espalhava por toda a França. Bernadete, a menina pobre escolhida por Maria para ser a anunciadora de uma de suas verdades mais belas, já era reconhecida pela sua sinceridade e honestidade. A pequena cidade de Lourdes havia se tornado alvo de peregrinações. Os doentes iam até lá para mergulhar nas águas frias do Gave e assim recuperarem a saúde. Amigos, parentes e o próprio Luiz Martin animavam Zélia a fazer esta viagem de peregrinação e súplica a Maria. Embora, diferentemente do marido, tivesse aversão a viagens, Zélia não podia deixar de fazer a peregrinação; logo, iniciou seus preparativos. Numa carta a Paulina, sua filha amada que estava no colégio das visitandinas, ela escreve:

É impossível que a Santíssima Virgem não se deixe comover. Se ela visse sua carta, Paulina! Enche-me de confiança. Não, o céu nunca ouviu nem ouvirá orações mais fervorosas, nem fé mais viva. E depois, tenho a minha irmã no céu e há de interessar-se por mim; tenho também os meus quatro anjinhos que hão de pedir; todos eles estarão conosco em Lourdes. (Carta de Zélia à Paulina, de 22 de março de 1877)

A viagem foi difícil, dura, sem conforto, mas tudo foi aceito com amor. Zélia e as filhas Paulina, Maria e Leônia chegaram a Lourdes felizes e ansiosas por receberem a graça da cura. Chegando a cidade, encontraram comida ruim, pousada ruim e, principalmente, uma organização ruim. Zélia sentiu-se mais sofrida, não tanto por ela, mas por suas filhas.

Quando cheguei à gruta, tinha o coração tão apertado que nem conseguia rezar. Durante a missa conservei-me junto do altar, mas estava tão prostrada que não pude dar atenção a nada. Saí num estado de completo aniquilamento e dali dirigi-me à piscina. Olhei, apavorada, para aquela água friíssima e para aquele mármore frio como a morte. Mas não houve remédio senão decidir-me, e lancei-me com coragem. Sim, mas... quase sufoquei: tive que me retirar logo, devia ter entrado mais devagarinho. (Carta de Zélia ao irmão e à sua cunhada, de 7 de junho de 1877)

Mergulhei quatro vezes na piscina, a última vez, duas horas antes de vir embora. Tinha água gelada até o pescoço, mas não estava tão fria como pela manhã. Conservei-me ali mais de quinze minutos, esperando sempre a cura de Nossa Senhora. Enquanto estava lá não sentia dores, mas logo que saía começavam outra vez a atormentar-me, como de costume. (Carta de Zélia ao irmão e à sua cunhada, de 24 de junho de 1877)

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A esperança da desejada cura não aconteceu, mas mesmo assim Zélia não se revoltou. Tentou acalmar as filhas e, um tanto desiludidas, voltaram para Alençon, felizes por retornarem à casa onde Luiz as esperava.

Sem murmurar, Zélia seguiu o seu calvário, carregando com dignidade, junto com familiares e parentes, a sua cruz. Aceitou tudo com plena confiança de que Deus sempre cuidaria dela e, depois de sua morte, cuidaria de suas filhas e de seu marido.

Teresinha nos narra a morte de sua mãe:

A comovente cerimônia da extrema-unção imprimiu-se também em minha alma. Ainda vejo o lugar onde eu estava, ao lado de Celina, [as cinco] por ordem de idade e o pobre pai ali, soluçando…

No mesmo dia ou no dia seguinte à partida de mamãe, pegou-me no colo e disse: “Venha beijar uma última vez sua pobre mãezinha”. Sem nada dizer, aproximei meus lábios da testa de minha mãe querida… Não me lembro de ter chorado muito, não falava com ninguém dos sentimentos profundos que eu tinha… Olhava e ouvia em silêncio… Ninguém tinha tempo para ocupar-se de mim, por isso, via muitas coisas que queriam esconder. Certa hora, encontrei-me diante da tampa do caixão… parei muito tempo para olhá-lo, nunca tinha visto um, mas compreendia; eu era tão pequena que, apesar da pouca altura de mamãe, era obrigada a levantar a cabeça para ver a parte de cima e parecia-me muito grande… muito triste… Quinze anos depois, encontrei-me diante de outro caixão, o de Madre Genoveva. Tinha o mesmo tamanho que o de minha mãe e vi-me de novo nos dias da minha infância!… Todas as minhas recordações voltaram juntas. Era a mesma Teresinha que olhava, mas tinha crescido e o caixão parecia-lhe pequeno. Ela não precisava mais erguer a cabeça para vê-lo, só a levantava para contemplar o céu, que lhe parecia muito alegre, pois todas as suas provações tinham chegado ao fim e o inverno da sua alma tinha ido embora para sempre… (MA 12v).

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Em Lisieux

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pós a morte de Zélia, Luiz se viu sozinho e sem direção para conduzir a família sem a presença da esposa. A morte da mãe sempre desestabiliza uma família.

Zélia confiava muito em seu irmão, Isidoro, que era farmacêutico em Lisieux, por essa razão o farmacêutico toma a iniciativa de cuidar com afinco da família Martin. Mas, primeiramente, foi preciso convencer Luiz de que o melhor para a educação das suas filhas seria mudarem-se para a cidade onde Isidoro morava. O cunhado argumentou que se Luiz e as filhas se mudassem para Lisieux, ele estaria perto da família, servindo de apoio. Além disso, as meninas se sentiriam bem com a tia e com as primas. Todos esses motivos, embora não convencessem muito Luiz Martin, acabaram sendo aceitos, porque este também era o desejo de Zélia.

Para as crianças é mais fácil adaptar-se a mudanças, mas para uma pessoa com quase sessenta anos, é difícil ser desenraizada e transplantada para outro lugar. Alençon era repleta de lembranças para Luiz, onde tinha trabalho, amigos, ia à igreja, à pesca... Tudo isso representava seu centro, seu lugar. Mas, para o bem das filhas, era preciso que ele se desapegasse de tudo.

Tomada a decisão, foi iniciada a procura por uma casa que fosse digna da “família real” Martin. Nada melhor que um chalé que não fosse longe nem da farmácia de Isidoro nem da igreja. Deveria ter uma boa vista, um bom pedaço de terreno, com jardim para as crianças brincarem e um terraço onde Luiz pudesse construir seu eremitério imaginário para ficar contemplando o horizonte, lendo e meditando no silêncio e com sossego. Por fim, o local escolhido para a nova morada foi os Buissonnets, que em português significa “pequeno bosque”. Era um lugar cheio de flores, árvores, pássaros, e que apesar de não ser afastado da cidade, era um recanto silencioso e cercado de privacidade. Porém, antes da mudança, era necessário deixar muita coisa em ordem. Havia a administração dos negócios da pequena empresa de Zélia, a relojoaria, muitas coisas das quais a família precisava se desfazer. Era necessário também se refazer psicologicamente da morte de mamãe Zélia.

No dia 14 de novembro de 1877, mudaram-se para Lisieux.

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Joana fizeram de tudo para agradá-las, assim poderiam esquecer Alençon e perceberiam que Lisieux, afinal, seria bem melhor para elas. A única que gostou de sair de Alençon foi Teresinha. Ela mesma o diz em História de uma Alma:

Não fiquei contrariada ao deixar Alençon. As crianças gostam de mudança e foi com prazer que vim para Lisieux. Lembro-me da viagem, da chegada à noite à casa da minha tia. Ainda vejo Joana e Maria esperando-nos à porta… Estavam muito felizes por ter priminhas tão gentis. Gostava muito delas, assim como da minha tia e, sobretudo, do meu tio. Só que ele me inspirava medo e eu não ficava à vontade na casa dele como ficava nos Buissonnets. Ali é que minha vida era verdadeiramente alegre… (MA 13v).

Em Lisieux tudo era próximo: a igreja, a casa de tio Isidoro... Tudo era bonito e havia inclusive o Carmelo, que posteriormente se tornou o tesouro mais amado pela família Martin, à medida que as filhas começaram a migrar dos Buissonnets para o “pombal da Virgem Maria”, como Teresa de Ávila gostava de chamar os Carmelos.

Organizar a vida nos Buissonetts não foi fácil, mas Luiz, com sua paciência e amor, e com a ajuda das filhas mais velhas, começou a dar rumo e sentido a todas as coisas. Ele era a única referência para suas filhas. Acabou tornando-se seu formador por excelência, cuidando de todos os detalhes que faziam parte do dia a dia das meninas, como a vestimenta, comida, formação intelectual, a vida cristã. O futuro das filhas que tanto amava dependia dos seus ensinamentos. A presença invisível, mas sentida, de Zélia era para todos um incentivo: não era raro que se dissesse “a mamãe faria ou fazia assim...”.

Não recebiam muitas visitas. A casa era frequentada pelo tio Isidoro, algum padre e pelas empregadas, que eram tratadas como se fizessem parte da família. Luiz pedia que suas criadas fossem bem tratadas, e mesmo quando estava longe recomendava à sua filha Maria que cuidasse bem delas e não esquecesse de pagá-las no dia certo. Elas eram testemunhas de que família como aquela era algo raro de se encontrar.

Como já mencionado, papai Luiz se preocupava com a educação das filhas. Era ele quem as levava à igreja, quem lia a vida dos santos para elas, quem lhes ensinava a rezar, acompanhava-as à escola e queria se inteirar de tudo para saber qual era o progresso das garotas nos estudos. As meninas tinham uma rotina de estudos pesada. Saíam de casa por volta das oito horas da manhã e voltavam somente às seis da tarde. Teresinha não gostava muito de ir à Abadia e nem de estudar, preferia estar em casa ao lado do pai, sendo mimada pelas irmãs. A própria Teresinha nos conta:

Eu tinha 8 anos e meio quando Leônia saiu do internato e fui substituí-la na Abadia. Muitas vezes ouvira dizer que o tempo passado no internato era o melhor e o mais doce da vida. Não foi assim para mim. Os

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cinco anos que lá passei foram os mais tristes. Se não tivesse comigo minha querida Celina, não teria conseguido ficar um único mês sem adoecer… A pobre florzinha fora acostumada a mergulhar suas raízes em terra de escol, feita sob medida para ela, por isso pareceu-lhe muito difícil ser transplantada em meio a flores de toda espécie, de raízes frequentemente pouco delicadas, e ver-se obrigada a encontrar numa terra comum a seiva necessária à sua subsistência…

Ensinastes-me tão bem, Madre querida, que ao chegar ao internato eu era a mais adiantada das crianças da minha idade. Fui colocada numa classe de alunas todas superiores a mim em tamanho. Uma delas, com 13 ou 14 anos, era pouco inteligente, mas sabia impor-se às alunas e até às mestras. Vendo-me tão nova, quase sempre a primeira da turma e querida por todas as religiosas, sentiu, sem dúvida, uma inveja bem perdoável numa interna e fez-me pagar de mil maneiras meus pequenos êxitos…

Com minha natureza tímida e delicada, não sabia defender-me e contentava-me em chorar sem nada dizer, não me queixando, nem a vós, do que eu sofria. Não tinha virtude bastante para elevar-me acima dessas misérias da vida e meu pobre coração sofria muito… Felizmente, toda noite, reencontrava o lar paterno e então meu coração se alegrava. Pulava no colo do meu rei, contava-lhe as notas recebidas, e seu beijo fazia-me esquecer todas as aflições… Quanta alegria ao anunciar o resultado da minha primeira redação [uma redação sobre História Sagrada], só faltava um ponto para ter o máximo, não tendo sabido o nome do pai de Moisés. Era a primeira e trazia uma bela medalha de prata. Para recompensar-me, papai me deu uma bonita moedinha de quatro centavos que coloquei numa caixa destinada a receber, quase toda quinta-feira, nova moeda sempre do mesmo tamanho… (era nessa caixa que me abastecia quando, por ocasião de algumas festas maiores, eu queria dar uma esmola pessoal, fosse para a propagação da fé ou outras obras semelhantes). Maravilhada com o êxito da sua aluninha, Paulina deu-lhe de presente um belo bambolê, para encorajá-la a continuar sendo estudiosa. A coitadinha precisava realmente dessas alegrias familiares; sem elas, a vida de interna teria sido árdua demais para ela (MA 22v).

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Referências

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