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AMBIENTAL ESQUEMATIZADO

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Academic year: 2021

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2021

da obra “Direito Ambiental Esquematizado”

Frederico Amado

Direito

AMBIENTAL

ESQUEMATIZADO

12

a

edição

revista, atualizada e ampliada

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1

A QUESTÃO AMBIENTAL

E AS CONCEPÇÕES ÉTICAS

SOBRE O MEIO AMBIENTE

Sumário: 1.1. A crise ambiental e os refugiados climáticos – 1.2. O antropocentrismo, o ecocentrismo e o biocentrismo – 1.3. Movimentos ambientalistas: conservacionismo e pre-servacionismo – 1.4. As concepções éticas ambientais na Constituição Federal de 1988 – 1.5. Questões de concursos públicos comentadas.

1.1. A CRISE AMBIENTAL E OS REFUGIADOS CLIMÁTICOS

Na medida em que cresce a degradação irracional ao meio ambiente, em especial o natural, afetando negativamente a qualidade de vida das pessoas e colocando em risco as futuras gerações, torna-se curial a maior e eficaz tutela dos recursos ambientais pelo Poder Público e por toda a coletividade.

Nesse sentido, em especial a partir dos anos 60 do século passado, os países co-meçaram a editar normas jurídicas mais rígidas para a proteção do meio ambiente. No Brasil, pode-se citar, por exemplo, a promulgação do antigo Código Florestal, editado por meio da Lei 4.771/1965, assim como a Lei 6.938/1981, que aprovou a Política Na-cional do Meio Ambiente.

Mundialmente, o marco foi a Conferência de Estocolmo (Suécia), ocorrida em 1972, promovida pela ONU, com a participação de 113 países, onde se deu um alerta mundial sobre os riscos à existência humana trazidos pela degradação excessiva, em que pese à postura retrógrada do Brasil à época, que buscava o desenvolvimento eco-nômico de todo modo, pois de maneira irresponsável se pregava a preferência por um desenvolvimento econômico a qualquer custo ambiental (“riqueza suja”) do que uma “pobreza limpa”.

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Em 1992, realizou-se no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, conhecida como ECO-92 ou RIO- -92, oportunidade em que se aprovou a Declaração do Rio, documento contendo 27 princípios ambientais, bem como a Agenda 21, instrumento não vinculante com metas mundiais para a redução da poluição e alcance de um desenvolvimento sustentável. Note-se que tais documentos não têm a natureza jurídica de tratados internacionais, pois não integram formalmente o ordenamento jurídico brasileiro, mas gozam de forte autoridade ética local e mundial.

Entrementes, apesar do crescente esforço de alguns visionários, apenas existem ves-tígios de uma nova visão ético-ambiental, que precisa ser implantada progressivamente.

Com efeito, embora queira, felizmente, o homem não tem o poder de ditar as regras da natureza, contudo tem o dever de respeitá-las, sob pena de o meio ambiente ser compelido a promover a extinção da raça humana como instrumento de legítima defesa natural, pois é inegável que o bicho-homem é parte do todo natural, mas o egoísmo humano (visão antropocêntrica pura) cria propositadamente uma miopia transindividual, em que poucos possuem lentes para superá-la.

É preciso compreender que o crescimento econômico não poderá ser ilimitado, pois depende diretamente da disponibilidade dos recursos ambientais naturais, que são limitados, já podendo, inclusive, ter ultrapassado os lindes da sustentabilidade.

Com efeito, o Fundo Mundial para a Natureza divulgou o Relatório Planeta Vivo

2002, no qual concluiu que o homem já está consumindo 20% além da capacidade de

reposição e suporte do meio ambiente terrestre. Ou seja, nestes termos, a humanidade transformou o Planeta Terra em uma verdadeira bomba -relógio, estando as presentes gerações consumindo as reservas das futuras.

Decerto, o modo de produção capitalista e a implantação de uma sociedade de consumo de massa são fatores decisivos para a elevação da poluição neste planeta, em que muitos milhões de pessoas possuem bem mais do que necessitam para ter uma existência digna, enquanto outros tantos milhões continuam a passar as necessidades mais básicas.

Será preciso que o Poder Público intensifique as suas políticas públicas ambientais, que normalmente são de três naturezas: as regulatórias, consistentes na elaboração de normas jurídicas que regulam a utilização dos recursos naturais, bem como as insti-tuições responsáveis pela fiel execução das leis ambientais; as estruturadoras, realizadas mediante a intervenção estatal direta na proteção ambiental, como a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelos entes políticos; as indutoras, em que o Po-der Público adota medidas para fomentar condutas em prol do equilíbrio ambiental, com a utilização de instrumentos econômicos como a tributação ambiental, que visa estimular condutas com um tratamento privilegiado em favor daqueles que reduzem a sua poluição, por meio da extrafiscalidade.

É crescente em todo o Planeta Terra o número de pessoas que são forçadas a emigrar das zonas que habitam em razão de alterações do ambiente, dentro do seu país ou mesmo para outro, sendo chamados de refugiados ambientais ou climáticos.

As secas, a escassez de alimentos, a desertificação, a elevação do nível de mares e rios, a alteração de ventos climáticos e o desmatamento são apenas alguns fatores

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Cap. 1 • A QUESTÃO AMBIENTAL E AS CONCEPÇÕES ÉTICAS SOBRE O MEIO AMBIENTE 27 ambientais que vêm gerando a migração territorial de povos em todo o mundo em busca de melhores condições de vida ou mesmo para sobreviver.

Sobre essa importante questão, que merece toda a atenção como prioridade política das nações e das entidades internacionais (especialmente a ONU), colaciona-se matéria publicada no sítio da Amai-vos:1

“Refugiados ambientais ou desalojados climáticos

Considerado como um dos maiores desafios de século XXI, as projeções de cientistas e ambientalistas sobre os migrantes ambientais indicam que a escassez de alimentos, a falta de água potável (produto do esgotamento de aquíferos), as inundações e a elevação do nível do mar, consequências diretas da mudança climática, serão as circunstâncias que obrigarão mais de 50 milhões de pessoas a deslocar-se de onde vivem nos próximos dez anos. Esse número equivale à população de um dos 5 continentes no final do século.

Dessa forma, o mundo começa a conhecer uma nova categoria de ‘refugiados’: aqueles que, devido a graves problemas ambientais, são obrigados a migrar para o in-terior do país ou para o exin-terior. Nos referimos aos chamados refugiados ou desalojados ambientais ou climáticos. Pela primeira vez, esses refugiados superam em número aos que escapam da guerra. Atualmente, a mudança climática já está incidindo na qualidade e na quantidade dos alimentos disponíveis para muitas populações no mundo.

O mesmo acontece com a carência cada vez mais crescente da água potável. Por exemplo, em comunidades como a Índia, a China e o México os aquíferos estão se esva-ziando por completo, causando a migração de milhões de pessoas. Uma situação similar se relaciona com os desertos, que estão avançando. Cientistas assinalam que devido ao crescimento do Gobi (região desértica situada na China), agora existem ‘refugiados do deserto’, que têm migrado para a Mongólia, a Ningxia e Gansu. Com isso, pelo menos 4 mil comunidades estão enfrentando o despovoamento. O mesmo acontece no Irã, onde comunidades próximas a Teerã foram abandonadas devido à expansão do deserto e também pela falta de água.

A outra grande contingência ambiental é a associada à elevação do nível do mar, com previsões de inundações extremas na China, na Índia, na Indonésia, no Paquistão, nas Filipinas, na Coreia do Sul, na Tailândia e no Vietnam, o que forçaria milhões de seres humanos a mover-se para o interior desses países, cujas áreas já estão superpovoadas.

Para piorar a situação, 75% das populações que serão atingidas por essas violentas migrações climáticas situam-se nas áreas pobres do planeta: como África, Ásia e América Latina. E, apesar de que se acredita que muitos tentarão chegar aos países do Norte, suas próprias possibilidades econômicas e as barreiras fronteiriças serão um freio, e a massa se deslocará entre as regiões vizinhas.

O debate centra-se em que os refugiados climáticos, da mesma forma que outros casos de refugiados ou desalojados, sofrem as mesmas iniquidades, injustiças sociais e desequilíbrios econômicos vividos por muitos no planeta. No entanto, somente as vítimas da violência política ou das guerras são as que, através de organizações inter-nacionais, têm acesso a diferentes formas de assistência financeira, albergues, comida, escolas e clínicas... Os chamados ‘refugiados ou migrantes ambientais’ ainda não foram considerados nas convenções mundiais, o que os torna totalmente vulneráveis. Eles se encontram tão forçados quanto os migrantes econômicos ou os migrantes raciais, porque igualmente fogem das devastações ambientais que produzem más condições de vida e são perseguidos pela fome, mesmo quando os políticos consideram que as migrações são uma questão de ordem pública.

1 Disponível em:

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A realidade demonstra que por trás desse fenômeno há uma luta pela sobrevivência: essas pessoas não têm futuro nem possibilidades de sobreviver em seus lugares de origem.

O direito internacional não reconhece os refugiados ambientais ou climáticos, uma vez que as Convenções de Genebra adotadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1951, somente cobrem aos refugiados políticos ou raciais.

Já é tempo de colocar o novo status de refugiado ambiental na agenda internacional. Eles são a real emergência do futuro”.

Autor: Lenin Cardozo Fonte: Adital”

De acordo com informação publicada no site da Revista Veja, em março de 2011, “embora a figura do refugiado ambiental ainda não seja reconhecida pela Organização das Nações Unidas, calcula-se que existam hoje 50 milhões de pessoas obrigadas a deixar suas casas por problemas decorrentes de desastres naturais ou mudanças cli-máticas. Enquanto alguns especialistas propõem que o termo seja aplicado a todos que perderam seus lares devido a alterações do meio ambiente, outros acreditam que o melhor é fazer a distinção entre quem se desloca dentro do próprio país e os que são obrigados a cruzar fronteiras internacionais. Caso se concretizem as previsões de elevação do nível dos oceanos, também há o risco de algumas nações desaparecerem. Estimativas da ONU indicam que, em 2050, o número de refugiados ambientais estará entre 250 milhões e 1 bilhão de seres humanos”.2

1.2. O ANTROPOCENTRISMO, O ECOCENTRISMO E O BIOCENTRISMO

Culturalmente, salvo as linhas teocêntricas ainda adotadas por muitos países (no-tadamente orientais), o Direito é tradicionalmente informado por uma visão antropo-cêntrica, ou seja, o homem é o ser que está no centro do Universo, sendo que todo o restante gira ao seu redor.

Por essa linha, a proteção ambiental serve ao homem, como se este não fosse integrante do meio ambiente, e os outros animais, as águas, a flora, o ar, o solo, os recursos minerais não fossem bens tuteláveis por si sós, autonomamente, independen-temente da raça humana.

Segundo ANTÓNIO ALMEIDA (2009, p. 649), em texto que investigou as concepções ambientalistas dos professores portugueses, “o antropocentrismo defende a centralidade indiscutível do ser humano e valoriza a natureza de um ponto de vista instrumental. Tal centralidade não implica a negação da necessidade de preservação da natureza, uma vez que o mundo natural constitui um recurso quase ilimitado, susceptível de poder ser utilizado para os mais diversos fins humanos (agrícola, industrial, medicinal)”.

Contudo, existem outras doutrinas éticas que pensam diferente a relação entre o homem e o ambiente, que vêm evoluindo e ganhando corpo com o agravamento da crise ambiental, que aos poucos informam a elaboração das normas jurídicas pelo mundo. Dentre outras perspectivas filosóficas, destacam-se o ecocentrismo e o biocentrismo.

2 Disponível em:

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Cap. 1 • A QUESTÃO AMBIENTAL E AS CONCEPÇÕES ÉTICAS SOBRE O MEIO AMBIENTE 29 ANTÓNIO ALMEIDA (2009, p. 649) pontifica que “o ecocentrismo defende o valor não instrumental dos ecossistemas, e da própria ecosfera, cujo equilíbrio se revela preocupação maior do que a necessidade de florescimento de cada ser vivo em termos individuais. Perante o imperativo de assegurar o equilíbrio ecossistemático, o ser humano deve limitar determinadas actividades agrícolas e industriais, e assumir de uma forma notória o seu lado biológico e ecológico, assumindo-se como um dos componentes da natureza”, com base nas ideias pioneiras de Aldo Leopold.3

Tratando o meio ambiente como bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, LUIZ REGIS PRADO (2008, p. 55) entrou muito bem neste assunto, conforme trecho abaixo colacionado:

“No tocante ao assunto, a doutrina aventa correntes de pensamento que têm respectivamente o ser humano ou o ambiente como eixo gravitacional (ou ponto de arranque), estabelecendo entre eles relações de maior ou de menor aproxima-ção. São elas: a) teoria ecocêntrica absoluta: o meio ambiente é considerado em si mesmo, independentemente de qualquer interesse humano, e pode ser defendido até contra ele. Nessa linha, assevera-se que ‘também nos bens jurídicos coletivos [...], deixa-se sentir em última instância um fim protetor do ser humano [...], é mesmo assim correto outorgar a esses bens um valor próprio supraindividual, porquanto aparecem acima dos seres humanos individuais’; b) teoria antropocêntrica absoluta: a proteção do meio ambiente é feita tão somente em razão de sua lesividade ou danosidade para o homem, e por intermédio de outros bens jurídicos (vida, integri-dade física, saúde). É dizer: há uma total dependência de tutela, sendo certo que a eventual garantia é realizada de modo transverso ou por interposição. Conforme este posicionamento, sequer pode o ambiente ser considerado bem jurídico-penal; e c) teoria antropocêntrica moderada ou relativa (concepção ecológico-antropocêntrica): o ambiente é protegido como bem jurídico -penal autônomo e de caráter relativa-mente antropocêntrico. É classificado como tal – dotado de autonomia sistemática – conquanto objeto jurídico de proteção penal, mas se vincula de modo indireto a interesses individuais (teoria pessoal relativa) (...)”.

Já para o biocentrismo, conforme as lições de Peter Singer4 e de outros

pensa-dores, sustenta-se a existência de valor nos demais seres vivos, independentemente da existência do homem, notadamente os mais complexos, a exemplo dos mamíferos, pois são seres sencientes.5

Por essa linha, a vida é considerada um fenômeno único, tendo a natureza valor intrínseco, e não instrumental, o que gerará uma consideração aos seres vivos não integrantes da raça humana.

De efeito, inspirada no biocentrismo, nasceu a defesa dos direitos dos animais (abolicionismo), movimento que vai de encontro à utilização dos animais como ins-trumento do homem, sua propriedade, chegando a colocá-los como sujeito de alguns direitos, notadamente os animais sencientes e autoconscientes.

3 Ecologista americano nascido em 1887, tendo falecido em 1948.

4 Filósofo australiano nascido em 1946, radicado nos EUA. É autor da clássica obra “Libertação dos Animais”,

publicada em 1975.

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É bom salientar que em 27.01.1978, em Bruxelas, a UNESCO proclamou a

Decla-ração Universal dos Direitos dos Animais, com o objetivo de influenciar positivamente na

elaboração das leis das nações, aduzindo no preâmbulo que todo animal possui direitos.6

Vale ressaltar que, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, os animais não humanos não são sujeitos de direito, e sim objeto do direito. Entretanto, por esta-rem vivos, o seu regime jurídico é especial, sendo defeso qualquer ato cruel contra os animais irracionais, dentre outras especificidades.

Nesse sentido, constitui crime ambiental praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, nos termos do art. 32, da Lei 9.605/1998.

Sobre o tema, colaciona-se notícia amplamente divulgada na internet:7

“Suíça faz referendo para decidir se animais têm direito a advogado

(08.03.2010)

Os suíços votaram ontem (7) em um referendo para decidir se o país deve nomear advogados para representar os animais no tribunal. Se aprovado, gatos, galinhas, porcos e outros animais em toda a Suíça terão direito a um representante legal. O resultado deve ser anunciado nesta segunda-feira.

Concursos em que os cães são fantasiados para o Halloween, por exemplo, são alvos de críticas de entidades de defesas dos animais. Elas consideram crueldade tais concursos.

O assunto irá à votação após uma entidade de defesa dos animais da Suíça, a ‘Swiss

Animal Protection’ (STS), conseguir reunir 100 mil assinaturas necessárias para o referendo

ser realizado.

A STS espera que a nomeação de advogados especiais para representar os animais nos tribunais ajude a conscientizar as pessoas sobre a importância de respeitar os di-reitos dos animais.

A proposta, porém, não é um consenso na Suíça. Os agricultores e criadores de animais manifestaram sua oposição à ideia, pois acreditam que ela irá resultar em uma legislação e regras mais restritas”.

A fim de facilitar a diferenciação entre as três teorias, far-se-á a análise do estilo de alimentação humana à luz das tratadas doutrinas éticas ambientais.

O antropocentrismo e o ecocentrismo são favoráveis ao consumo humano de animais, mas por premissas diversas. Para os antropocêntricos, decorre da liberdade humana de escolha da sua alimentação, não sendo prejudicial à sua saúde (se for ra-cional), ainda gerando uma sensação de bem-estar.

De seu turno, para os ecocêntricos, é corolário da natureza humana carnívora, sendo uma necessidade natural, típica da condição de predador natural ostentada pelo homem.

Por outro lado, os biocêntricos defendem apenas o consumo de vegetais ou de produtos de origem animal (como ovos e leite), sob o argumento do direito à vida dos animais não racionais, além da vedação ao seu sofrimento.

6 São arrolados os direitos à existência, ao respeito, à proteção do homem, à liberdade do animal

selva-gem, ressaltando que a morte de um animal sem necessidade caracteriza-se como biocídio, atentando, destarte, contra a vida.

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Cap. 1 • A QUESTÃO AMBIENTAL E AS CONCEPÇÕES ÉTICAS SOBRE O MEIO AMBIENTE 31 De arremate, conforme noticiado em 04.09.2009 pelo Instituto “O Direito por um Planeta Verde”,8 a Constituição do Equador de 2008, no seu Capítulo VII, previu a

natureza como sujeito de direitos, tema que subverte integralmente a tradicional teoria geral do direito desde os primórdios:

“Nova constituição do Equador prevê natureza como sujeito de direitos Carta valoriza raízes ancestrais do povo com a ‘pacha mama’

A Constituição equatoriana de 2008 coloca a natureza como sujeito de direitos, sendo a primeira constituição a prever desta forma. O tema foi desenvolvido pela coordenadora do projeto Direito e Mudanças Climáticas nos países Amazônicos no Equador e presidente do CEDA, María Amparo Albán, na oficina para juízes realizada em Quito, no dia 18 de agosto. O reconhecimento de direitos da natureza está previsto no cap. VII, art. 71 e seguintes. Na avaliação da Amparo, uma das novidades é que o direito constitucional equatoriano considera o meio ambiente como eixo que rege as funções sociais e econômicas. O crescente temor pela saturação da capacidade de carga do planeta, principalmente o aspecto climático suscitou perguntas sobre os limites necessários para garantir o bem-estar do ser humano. “O ‘bom viver’ surge na Constituição como uma nova ordem ou limite ao desenvolvimento assim como uma reivindicação por parte de grupos socialmente postergados que revalorizam suas raízes ancestrais. O país deve buscar o desenvolvimento que prevaleça a equidade social e ambiental, explicou Amparo. Outra novidade dessa Constituição se refere ao Direito humano pessoal e coletivo do acesso à água, qualificado como “estratégico” e “de bem nacional de uso público”. Dessa forma, fica para trás a visão da água como um recurso natural. Agora ela é vista como “essencial para a vida humana”. Diz que o Estado deve promover o acesso das populações à água, com a provisão de alimentos e à soberania alimentar. O art. 71 utiliza o termo “pacha mama” ou mãe terra, termo das nações quichuas que reconhece a deidade aborígine como o gestor de todas as funções naturais, evolutivas e ecológicas e reconhece a categoria de sujeito de direi-tos. O artículo 72 afirma ainda o Direito da natureza por excelência, que inclui não só o respeito de sua integridade, mas também o “Direito a sua restauração”, busca estabelecer a necessidade de preservar o estado originário do entorno natural e os diferentes ecossistemas. Estabelece relação com a natureza da ação de dano ambien-tal ao Direito Ambienambien-tal em geral, considerado um direito sui generis, já que tutela o tempo. Constituição equatoriana cita medidas de mitigação às mudanças climáticas. Refere-se ainda à necessidade de contenção de emissões de gases e de desmatamento. Segundo a conferencista, a nova Constituição será muito estudada pelos operadores do Direito Ambiental, dentro e fora do país. Não só pela sua menção aos direitos da natureza, mas também pela abundância de disposições e regulamentos em matéria ambiental. O art. 414 afirma que “o Estado adotará medidas adequadas e transversais para a mitigação das mudanças climáticas, mediante a limitação das emissões de gases de efeito estufa, do desmatamento e da contaminação atmosférica; tomará medidas para a conservação dos bosques e a vegetação e protegerá à população em risco. Segundo Amparo, está previsto também que os governos autônomos descentrali-zados desenvolvam programas de uso racional da água e de redução, reciclagem e tratamento adequado de resíduos sólidos e líquidos. Haverá também o incentivo do transporte terrestre não motorizado, em especial mediante a construção de ciclovias. No que diz respeito à biosfera, ecologia urbana e energias alternativas, não há uma demanda constitucional, já que seu tratamento corresponde mais ao âmbito das po-líticas públicas. O Estado se autoimpõe a obrigação de promover o desenvolvimento

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de energias alternativas e outras medidas de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas assim como controlar e ordenar o crescimento das cidades para que sejam sustentáveis e compatíveis com uma melhor qualidade de vida e com a proliferação de meios alternativos e menos contaminantes de transporte urbano”.

1.3. MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS: CONSERVACIONISMO E PRESERVACIONISMO

Em razão do crescimento industrial no mundo e dos seus efeitos nefastos ao equilíbrio ambiental diante do crescimento exponencial da poluição global, iniciou-se no final do século XIX nos EUA o movimento ambientalista com o conservacionismo e o preservacionismo.

Os conservacionistas pregavam o equilíbrio da relação homem e meio ambiente, admitindo ser possível o uso racional e controlado dos recursos da natureza sem des-perdícios, tendo sido idealizado pelo engenheiro alemão Gifford Pinchot.

É possível afirmar que a doutrina conservacionista é intimamente ligada ao modelo de desenvolvimento econômico sustentável, que admite o uso racional e controlado dos recursos da natureza, não vendo o homem como um inimigo do ambiente.

Já os preservacionistas adotavam uma postura radical. Viam o ser humano como uma verdadeira ameaça ao meio ambiente, que deveria ser protegido do processo in-dustrial e urbano, tendo valor intrínseco próprio, independentemente da existência do homem, tendo como principal idealizador, John Muir.

Muir escreveu cerca de três centenas de artigos e dez livros, em que narrava suas viagens e expunha suas ideias naturais, inspirando seus leitores – de políticos ao público comum, no amor pela natureza e incitando-os em apoiarem seus objetivos preservacio-nistas – pois também denunciava a degradação que encontrava, especialmente na revista

Century e, graças aos seus esforços, o Congresso dos Estados Unidos declarou Yosemite

um Parque Nacional, no ano de 1890 – e ainda lutou para a criação dos parques da Sequoia, Mount Ranier, da Floresta Petrificada e do Grand Canyon9.

A doutrina preservacionista sustentava a necessidade de criação de ilhas selvagens afastadas dos centros urbanos destinadas à preservação do meio ambiente, no propósito de buscar a sua intocabilidade.

Esses movimentos foram e ainda são extremamente importantes mundialmente por incentivarem (cada um ao seu modo) a proteção ao meio ambiente, iniciando os debates nos governos e sociedade sobre o modelo de produção e de proteção ambiental a ser adotado por cada nação.

As expressões “conservação” e “preservação” são comumente usadas nas legislações ambientais das nações, mas nem sempre com um significado uníssono.

No Brasil, de acordo com o artigo 2º, II da Lei 9.985/2000, norma que disciplina as unidades de conservação (espaços ambientais protegidos), a conservação da natureza

é “o manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que

9 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Muir> – Sierra Club Public Affairs (em espanhol) (outubro

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Cap. 1 • A QUESTÃO AMBIENTAL E AS CONCEPÇÕES ÉTICAS SOBRE O MEIO AMBIENTE 33 possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral”.

Assim, note-se que a legislação deste país traz uma definição ampla de conservação da natureza, abarcando tanto a preservação quanto o uso sustentável dos recursos naturais.

Já a preservação é definida como o “conjunto de métodos, procedimentos e polí-ticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais”.

O significado de preservação não é compatível com o uso direto dos recursos da natureza, mas apenas indireto, destinando-se a proteger recursos naturais que não poderão ser explorados de maneira predatória pelo homem.

1.4. AS CONCEPÇÕES ÉTICAS AMBIENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Conquanto se reconheçam as controvérsias que envolvem este tema, entende-se que o novo ordenamento constitucional brasileiro adotou o antropocentrismo, mitigado por doses de biocentrismo e de ecocentrismo, o que acentua o dialeticismo constitucional.

Deveras, a cabeça do artigo 225 da Constituição Federal de 1988 tem nítida carga antropocêntrica, ao instituir o direito fundamental de todos ao meio ambiente ecolo-gicamente equilibrado.10

Já o inciso VII, do § 1º, do artigo 225, que determina que o Poder Público proteja a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade,11 foi

inspirado primordialmente nas linhas eco e principalmente biocêntricas.

Analisando o tema, obtempera ANTÔNIO HERMAN BENJAMIN (2007, p. 110):

“Na perspectiva ética, a norma constitucional, por refletir a marca da transição e do compromisso, incorporou aspectos estritamente antropocêntricos (proteção de favor das ‘presentes e futuras gerações’, p. ex., mencionada no artigo 225, caput) e outros com clara filiação biocêntrica (p. ex., a noção de ‘preservação’, no caput do artigo 225). Esse caráter híbrido, em vez de prejudicar sua aplicação e efetividade, salpica de fertilidade e dascínio o labor exegético.

[...]

Em outras palavras, o constituinte desenhou um regime de direitos de filiação an-tropocêntrica temporalmente mitigada (com titularidade conferida também às gerações futuras), atrelado, de modo surpreendente, a um feixe de obrigações com beneficiários que vão além, muito além, da reduzida esfera daquilo que se chama de humanidade. Se é certo que não se chega, pela via direta, a atribuir direitos à natureza, o legislador constitucional não hesitou em nela reconhecer valor intrínseco, estatuindo deveres a serem cobrados dos sujeitos-humanos em favor dos elementos bióticos e abióticos que

10 Para os biocentristas, a expressão “todos” ultrapassa o homem e abarca todos os seres vivos.

11 O STF proibiu a “farra do boi” e as brigas de galo com base neste dispositivo. Vide RE 153.531 e ADI

1.856/MC. O STJ proibiu o uso de gás asfixiante no extermínio de animais como última medida. Vide REsp 1.155.916.

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compõem as bases da vida de uma forma ou de outra, o paradigma do homem como

prius é irreversivelmente trincado”.

1.5. QUESTÕES DE CONCURSOS PÚBLICOS COMENTADAS

1. (TRF 5.ª Região 2011 – Juiz Federal – CESPE) Ao conceber o meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida humana, o direito ambiental ostenta índole antropocêntrica, considerando o ser humano o seu único destinatário.

Errado. O enunciado reproduziu incorretamente o conceito legal de meio ambiente no Brasil (artigo 3º, I, da Lei 6.938/1981). De efeito, o meio ambiente é o “conjunto de condições, leis, influências e intera-ções de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Assim, não apenas a vida do homem integra o conceito legal de meio ambiente, que não foi inspirado apenas na doutrina antropocêntrica, mas também possui carga de outras concepções éticas ambientais, especialmente o biocentrismo. Logo, toda a natureza é destinatária do conceito legal de meio ambiente.

2. (TJ PA 2009 – Juiz de Direito – FGV) A Constituição Federal/88 assevera que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. A esse respeito, é correto inferir que a concepção constitucional sobre meio ambiente é:

A) holística.

É falsa. A holística é uma teoria que considera o homem como um todo indivisível, que não pode ser explicado pelos seus componentes considerados separadamente. Essa teoria não inspirou diretamente a referida disposição constitucional.

B) panteísta.

É falsa. O panteísmo é uma doutrina que só coloca Deus como real e o mundo como manifestação dele. Obviamente, por ser o Estado brasileiro laico, essa doutrina não inspirou a citada disposição constitucional. C) pragmática.

É falsa. Dentre outros significados, a pragmática é o ramo da Semiologia que cuida da relação entre o signo e o usuário deste, não mantendo relação direta com o aludido artigo da Constituição.

D) antropocêntrica.

É verdadeira. A cabeça do artigo 225 da Constituição Federal se inspirou na doutrina antropocêntrica, vez que instituiu o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo. Ou seja, nessa passagem constitucional, o equilíbrio ambiental serve aos interesses humanos.

E) criacionista.

É falsa. O criacionismo é a doutrina dos seres por criação, que se opõe à evolução espontânea, não tendo nexo direto com o texto constitucional.

Referências

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