E QUATERNÁRIOS DOS ARREDORES
DO PÔRTO
(NOTA PRELIMINAR) POR
ORLANDO RIBEIRO,
J.
M. COTELO NEIVAE CARLOS TEIXEIRA
Entre o alinhamento hercínico de Valongo e a costa.desen-volve-se vasta plataforma, levemente acidentada de alguns cabe-ços graníticos e muito entalhada pela erosão, que se inclina para o mar. Trata-se de uma /região rlgída, por onde o rio Douro talhou um leito de margens geralmente abruptas até à foz.
Algumas excursões de reconhecimento permitem-nos apre-sentar os elementos seguintes sôbre as formações pliocénicas e quarternárias que nela se encontram.
Ao Sul do promontório granítico de Lavadores estende-se uma plataforma, cortada, a pouca distância do litoral, por uma arriba fóssil. Na praia confundem-se areias e cascalheiras actuais com um depósito mais antigo, difícil de reconhecer, mas em relação evidente com a arriba mencionada.
A plataforma, um tanto inclinada, tem mais de um quiló-metro de largura e as cotas extremas podem marcar-se a cêrca de 15 e 35 metros. Em tôda ela se observa, assente no granito, uma cascalheira de praia elevada, a que se sobrepõem depósitos de areia fina; com poucos calhaus, dispersos ou intercalados. Mais para o interior, um ressalto topográfico. muito des-mantelado pela erosão, permite definir, entre 45 e 60 metros, outro nível, bem visível num cabeço junto da estrada, adiante de Lavadores e noutros pontos. Os calhaus são maiores do que os da praia inferior e unidos por um cimento argiloso amarelo--claro.
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8.8 Q)(~ t:p., o o 0"" I ....Um degrau bem marcado (Canidelo-Paniceíra), leva a uma plataforma de impressionante regularidade e extensão, coberta também por depósitos de praia, bem visíveis, por exemplo, em
Quatro-Cami-nhos (Coimbrões). São
cascalheiras regulares de calhaus de menor dimensão que os da praia anterior. O nível pode observar-se a Ocidente de Vila-Nova-de--Gaía, à altitude de cêrca de 90 metros (t). Os de-pósitos desta praia nunca se encontram a menos de 80 nem a mais de 95 metros. Acima dela, a erosão deixou ainda, a coroar al-guns cabeços e nesgas de plataforma, outro depósito de calhaus muito bem rola-dos, dispersos numa areia fina agregada por cimento
caultníco ,
em leitos deespessura irregular mas ao mesmo nível, com interca-lações de areia fina conso-lidada. Nos barreiros de Telheiras vê-se
êste
depó-sito, com 10 metros de espessura, assentar numa superfície muito regular de granito profundamente caulinizado (Fig. 2).(1) ~ste nível,. assim como o anterior, já foram referidos por H.
LAU-TENSACH, «Morphologische Skizze der Küsten Portugals», Giessen, 1928,
A altitude destas formações não desce além de 115 metros, de alguns pontos vê-se a plataforma imediatamente inferior lesenvolver-se abaixo delas.
Pesquisámos a correspondência dêstes níveis, observados
com excepcional nitidez na margem Sul do Douro, na outra margem. No Castelo-do-Queijo, também as areias da praia actual cobrem um depósito de 'areia fina e calhaus, consolidado por cimento argilo-limonítico, que está a ser destruído pelo mar. No extremo da Avenida da Boavista, junto do pôsto da Carris, a 10 metros de altitude, aparece, por cima do xisto argilo-mícãceo
do Arcaico, uma cascalheira pouco espêssa coberta de areias muito finas, com calhauzinhos, que formam o talude da rua.
A cêrca de 20 a 25 metros, em terreno de cultura, vê-se
uma plataforma perfeitamente regular, limitada por um degrau topográfico mais para o interior. Êste mesmo nível prolonga-se para além da Boa-Nova, onde a praia contém calhaus de muito maiores dimensões e marmitas talhadas no granito.
Acima dela, na Avenida Marechal Gomes. da Costa, está outro nível, a cêrca de 60 metros, onde se observam depósitos de calhaus e saibro grosseiro com estratificação entrecruzada e aparência de estuário.
Na rotunda da Boavista, Cemitério de Agramonte, Monte--dos-Burgos e estrada da circunvalação, um nível muito extenso, de impressionante regularidade (cêrca de 90 metros), mostra uma cobertura de cascalho e areias, visíveis em certos pontos, tais como na linha do Caminho de Ferro da Senhora-da-Hora (junto da circunvalação), na estrada da Póvoa, nos barreiros de caulino de São-Geris, etc., e, dum modo geral, nos inúmeros calhaus dispersos nas bouças e campos.
Não nos foi possível, neste primeiro reconhecimento, seguir lateralmente os níveis, mas parece-nos bem estabelecida a sua existência de um e outro lado do Douro, com extensão suficiente para afastar a objecção de que se trate de acidentes locais. No caso de praias elevadas, de plataformas talhadas pelo mar e cobertas pelos seus depósitos, tem de admitir-se a genera-lidade dos niveis ao longo do litoral, ainda que a erosão aqui.
O. Zbyszewski considera o nível mais baixo como Orimal-diano, a que se segue, com larga representação topográfica, o Tirreniano.
Êste último parece constituir uma pausa importante nas oscilações do mar quaternário, bem marcada em larga extensão, na costa portuguesa, por praias, cuja altura se pode indicar,
em média, entre os 20 e 30 metros. Nós próprios o
reconhe-cemos nas proximidades da foz do Cávado e é provável que novas pesquisas permitam estabelecer a generalidade dêste nível no litoral minhoto.
A arriba fóssil de Lavadores representará, assim, o limite interior do Orimaldiano.
A plataforma, muito mais extensa e regular, de 80 a 90 metros, deve naturalmente corresponder a outra grande pausa do nível do mar, que referiremos ao Siciliano (l).
Entre o Siciliano e o Tirreniano parece ter havido um episódio marinho de menor generalidade do que os anteriores (Milazziano), a que se reportam praias pouco extensas, mal
.representadas, muitas vezes destruídas pela erosão continental
ou pelo próprio mar Tirreniano, no geral situadas a altitudes
de cêrca de 50 metros. Os retalhos da praia que observamos
referem-se, possivelmeute, a êste nível.
Cremos poder atribuir ao Pliocénico superior os retalhos
de nível e depósitos à altitude de cêrca de 120 metros.
O carácter marinho desta formação, assim como a sua idade anterior ao Quaternário, parecem-nos bem estabelecidos pela
posição e pela natureza dos sedimentos. Os calhaus estão
perfeitamente rolados, muito bem calibrados e em leitos bem
definidos. Um depósito continental, de transporte por cursos
de água, mostraria o predomínio das rochas duras (quartzites
principalmente) que se encontram nos relevos .hercínicos que
o Douro atravessa a montante: ora os calhaus de quartzo são
dominantes. A perfeição da superfície em que assentam exclui
também qualquer outro processo erosivo que não seja a abrasão pelas vagas.
(1) G.ZSYSZEWSKI,no estudo sôbre a cronologia do Quartenário,publicado
Embora muitos autores continuem a aceitar a cronologia do Quaternário marinho estabelecida pela altura dos diversos
níveis, é sabido também que êstes se encontram deslocados por
elevação ou abaixamento, particularmente em regiões instáveis.
Portanto, uma praia isolada não pode referir-se a êste ou àquêle
nível unicamente porque se encontra a determinada altitude. Convém, aliás, conjugar os dados altimétricos com a pesquisa de fósseis e indústrias humanas das diferentes praias, e procurar definir estas pela composição. calibre e disposição dos calhaus
e, mais ainda, pela natureza dos elementos 9,0 cimento e das
Fig. 2 - Um aspectodo barreirode Telheiras. Sõbre asuper fície
granítica, levemente inclinada, repousam horizontai s
os depósitos de pr aia elevada(120m).
areias. Isto mesmo tencionamos fazer no prosseguimento do
nosso trabalho. Julgamos, todavia, estabelecida com certa
pro-babilidade a cronologia apresentada. Como se viu, definimos
uma.praia não apenas pela existência de um depósito, que pode
ser mais ou menos espêsso e estar mais ou menos inclinado, mas, também, pelos seus limites topográficos, isto é, pelo degrau de rocha, ainda que esbatido pela erosão posterior, que separa uns níveis dos outros.
As praias que reconhecemos estão suficientemente indivi-dualizadas para que não possam confundir-se umas com as
representação do Milazziano e do Orimaldiano, correspondem ao que se observa noutros lugares.
Os níveis pliocénico e siciliano são perfeitamente
hori-zontais. O barreiro de Telheiras, onde se explora caulino, .
mostra que o. depósito pliocénico se efectuou numa superfície de abrasão levemente inclinada. para S E, mas os níveis de calhaus e areias estão perfeitamente horizontais (Fig. 2), o que
indica a estabilidade dêste trato do maciço antigo que, a ter-se
elevado a partir dessa data, o fêz sem sensível deformação. As praias milazziana e tirreniana inclinam-se para o mar, como
se vê nos depósitos ou na topografias contudo, não pensamos
que possa atribuir-se a uma causa tectónica o. pendor máximo
de cêrca de 2% observável na praia tirreniana. Seria, aliás,
muito estranho que o movimento afectasse êstes depósitos sem que fizesse sentir-se em todo o bloco que os suporta.
Seguindo a margem Norte do Douro, notamos a existência de um terraço de areia, com intercalações de calhaus de ver-tente, em Gramido, com a altitude entre 15 e 25 metros, em correspondência com o Tirreniano marinho.
Mais a montante, entre o Douro e o Sousa, culmina a 80-85 metros um belo terraço de confluência dêstes dois rios, onde se explorapiroluzite, cuja posição leva a atribuí-lo ao
Siciliano. A espessura que pudemos medir foi de cêrca de
15 metros e nêle alternam níveis de calhaus grosseiros e de
areia grossa, tudo com claros vestígios de rolamento. Como
nos terraços superiores do Mondego, o calibre dos elementos
rolados mostra grande oscilação. Alguns calhaus enormes e
imperfeitamente arredondados provêm doutra formação que, a mais de 150 metros acima do Douro, ocupa extensa área na periferia das serras quartzíticas de Valongo.
Pode observar-se bem no campo de futebol de Jovim e na estrada, adiante de Medas.
Êste depósito não. deve ser muito espêsso e liga-se a um nlvel muito dissecado pela erosão, donde emergem alguns cabeços graníticos, que parece prolongar-se, elevando-se, até ao
sopé das cristas de
quartzite,
O depósito é constituído porargila vermelha, proveniente da alteração dos xistos. Os ele-mentos jazem na maior desordem, sem nenhuma atenção aos calibres, e são constituídos por detritos de quartzite, quartzo e de outras rochas duras, antigas, provenientes das montanhas próximas.
Não é 'possível confundi-lo com qualquer terraço fluvial ou praia levantada. Já algures tratamos das condições de formação desta argila com' blocos, que pode referir-se ao Villafranquiano, visto cobrir os planaltos onde os rios se encaixaram progressívãmente durante o Quaternário, deixando vários níveis de terraços constituídos em parte à custa' da destruição do depósito anterior.
Esta superfície continental foi, provàvelmente, retocadaj pelo mar, que nela deixou uma praia que pensamos atribuir à mesma idade, isto é, ao final do Pliocénico.