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34º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS SM 14 IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO, SUJEITOS SOCIAIS E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

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34º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

SM 14 IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO, SUJEITOS SOCIAIS E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

AS NOVAS FORMAS AWÁ DE RELAÇÃO COM A NATUREZA

Elizabeth Maria Beserra Coelho (UFMA) Bruno Leonardo Barros Ferreira (UFMA)

RESUMO

Análise das transformações vivenciadas pelo povo indígena Awá, em decorrência do exercício da colonialidade do poder e do saber por parte do Estado brasileiro. Os Awá/Guajá, falam uma língua classificada no tronco tupi (Rodrigues, 1986). Até meados dos anos setenta do século XX, mantiveram um estilo de vida nômade, perambulando por regiões de floresta, nos estados do Pará e Maranhão, na pré-Amazônia brasileira. Seguiam rotas estabelecidas de caça e coleta. As tensões decorrentes do avanço de frentes de expansão da sociedade brasileira, especialmente aquelas de caráter extrativista, provocaram o início da política de atração, realizada pela FUNAI, em 1973. O estabelecimento do contato alterou esse movimento e provocou a construção de novas formas de relação com o ambiente, e novas estratégias de organização social.

Palavras-chave: Awá, territorialização, meio ambiente

1. INTRODUÇÃO

A questão que conduz a reflexão desenvolvida nesse texto inspirou-se nas colocações de Escobar (2005) referentes a possibilidade de, diante das atuais hegemonias, o mundo ser repensado a partir das perspectivas múltiplas, locais. Procuramos refletir sobre essa questão tomando como referência os processos vivenciados pelo povo Awá-Guajá em sua relação com os projetos globais que os atingem1.

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As reflexões aqui apresentadas baseiam-se em pesquisas realizadas junto ao povo Awá, iniciadas nos anos 1990. Parte da pesquisa foi realizada em equipe (20052009), que executou o projeto:"Etnoarqueología de los Awá (Guajá) -Maranhão, Brasil, um grupo de cazadores-recolectores en transición a la agricultura", financiado por I+D do Ministerio

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2 Os Awá-Guajá2 há cerca de quatro décadas vivenciam novo processo de

territorialização3 (OLIVEIRA, 1999) que tem implicado na redefinição das relações sociais e das estratégias de sobrevivência. Tradicionalmente praticavam exclusivamente a caça, a pesca e a coleta, numa dinâmica de nomadismo que se dava numa extensão de cerca de 100 km.

O Estado brasileiro, através de seu órgão indigenista, Fundação Nacional do Índio-FUNAI, seguindo a lógica desenvolvimentista, realizou, nos anos 1970, a atração dos Awá e sua posterior fixação em aldeias. Tratava-se de direcioná-los rumo à única ordem possível (LANDER, 2005), na esteira do

desenvolvimento. Lander refere-se à construção da sociedade moderna, liberal,

como sendo a expressão espontânea e natural do desenvolvimento histórico da sociedade.

A atração dos Awá implicou em sua instalação em quatro aldeias, localizadas em três terras indígenas no Maranhão-Brasil: Alto Turiaçu, Carú e

Awá. O objetivo é a sedentarização desse povo, primeira etapa de um

processo que pretende conduzi-los à linha de chegada: um modelo civilizatório único, globalizado, universal.

Trata-se de um povo falante da língua Awá, classificada no tronco lingüístico Tupi (RODRIGUES, 2002). Os primeiros registros relativos aos Awá, no território do Estado do Maranhão, datam do século XIX, quando são descritos como índios sem habitação certa e sem agricultura4. Essa referência já é indicativa da lógica da ausência, que classifica as sociedades com base em um modelo, que se afirma universal, ao qual todas as sociedades devem se conformar.

Estudiosos deste povo5 acreditam que, possivelmente, há cerca de 300 anos, quando viviam no Estado do Pará, praticavam a agricultura considerando o fato de seu vocabulário conservar termos relacionados a essa prática. Tal de Educación y Ciencia de España. A equipefoi constituída por Elizabeth Coelho (UFMA-Brasil), Gustavo Politis (La Plata, Argentina) Almudena Hernando e Alfredo Ruibal (Complutense de Madrid). Durante o primeiro ano de pesquisa participou da equipe Eliane Cantarino O’Dwyer da Universidade Fluminense,Brasil).

2Awá é a autodesignação desse povo. Guajá é o designativo utilizado pelos de fora do grupo. Utilizaremos o termo

Awá.

3 Territorialização: é uma intervenção da esfera pública que associa, de forma prescritiva e insofismável, um conjunto de indivíduos e grupos a limites geográficos bem determinados. É um processo de organização social que implica a criação de uma nova unidade socio-cultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; a constituição de mecanismos políticos especializados; a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; a reelaboração da cultura e da relação com o passado. (OLIVEIRA, 1999, p.56)

4 Cf. Relatório de Eduardo Olimpio Machado, presidente da província, 1853. 5 Gomes e Meirelles, 2002.

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3 condição teria sido modificada em função das inúmeras pressões dos colonizadores sobre o território de origem, fazendo com que esse povo se deslocasse para o Maranhão e adotasse uma vida nômade e uma alimentação obtida pela caça de animais e pela coleta de frutos da floresta, configurando um primeiro processo de territorialização.

O atual processo de territorialização remonta à década de 1970, com o estabelecimento da atração dos Awá pela FUNAI. Em 1973 foi montada uma expedição para fazer contato com doze Awá na região do Alto Turiaçu, que foram alocados na terra indígena de mesmo nome. Neste local foi instalado um posto da FUNAI, denominado Posto Indígena Guajá.

Gomes e Meirelles (2002, sp) referem-se as perdas populacionais decorrentes da atração desse primeiro grupo:

Eram cerca de 56 indivíduos em 1978, quando começaram a contrair fortes gripes que resultavam rapidamente em pneumonias. Quando o antropólogo (Mércio Gomes) esteve com eles em fevereiro de 1980 estavam reduzidos a apenas 26, ainda sofrendo de fortes malárias, alta mortalidade infantil e desproporção entre os sexos (dois homens para uma mulher). Porém, a partir de uma assistência mais de perto, estancaram sua queda demográfica, passaram a crescer e hoje (setembro de 2002) somam 67, sendo 32 do sexo masculino e 35 do sexo feminino.

Atualmente, quase oitenta indivíduos vivem nesse posto. Posteriormente foram instalados mais três postos indígenas - Awá, Tiracambú e Jurití. O P.I.

Awá, localizado na Terra Indígena Caru, reuniu os Awá da “região do igarapé

Timbira, afluente do rio Pindaré, que estavam sendo pressionados por lavradores. Em 1980, dos 28 índios contatados, somente 22 foram transferidos para este posto indígena, pois os demais morreram em decorrência de uma forte gripe. Novos grupos foram sendo contatados e situados neste mesmo posto, onde atualmente vivem mais de cem Awá.

O P.I. Tiracambú é formado por índios oriundos do P.I. Awá, que foram deslocados em função do crescimento populacional deste Posto, para que pudessem ter melhores condições de caça e pesca. Neste Posto vivem cerca de 40 pessoas.

O P.I. Juriti é formado por dois grupos Awá, contatados em 1989, somando 22 pessoas, mas que em pouco tempo foram morrendo, segundo

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4 Gomes e Meireles (2002) por “causa inespecificada”, restando somente 15. Posteriormente, em 1991 houve o contato com um grupo de 5 índios e em 1998 outro grupo com 4 índios. Atualmente, vivem cerca de 40 Awá neste Posto.

O estilo de vida mais sedentário, promovido pela FUNAI, tem sido articulado à prática da agricultura, atividade que os Awá ainda não conseguem dominar de forma autônoma.

O desenho assumido por essa estratégia de contato configurou diferentes contextos de relacionamento dos Awá com os povoados do entorno, no que se refere à forma e a intensidade. No caso do Posto Indígena Guajá, onde foram situados os primeiros contatados, as relações se dão especialmente com o povo Ka’apor, que também vive nessa terra, e com os moradores do povoado Igarapé do Meio. Neste posto vivem cerca de 90 índios. Os Postos Awá e o Tiracambú estão situados às margens da ferrovia Carajás. Desde a construção da ferrovia, vários povoados brancos se estabeleceram às suas margens, aproximando, de forma célere, os Awá dos brasileiros. O posto Juriti, talvez por seu acesso mais difícil, é o único que mantem um razoável afastamento dos povoados brancos, e onde os Awá vivenciam um cotidiano com menos influências externas.

Em comparação aos outros povos que vivem no Maranhão, os Awá mantêm um contato limitado com a sociedade brasileira e há fortes indícios da existência de grupos “não contatados”, “isolados”, segundo denominação da FUNAI, ou, conforme categoria de Gomes (1989), “autônomos”, isto é, que mantêm seu próprio modo de vida sem interferência exterior.

A dinâmica de atração e fixação dos Awá em Postos Indígenas tem implicado em novo processo de territorialização (OLIVEIRA,1999), marcado, inicialmente, por intensa mortandade e, posteriormente, por novos arranjos territoriais e de subsistência.

Os Awá estão sendo mergulhados na historicidade ocidental. Algumas estratégias estão sendo acionadas visando a consecução desse objetivo. Dentre elas destacam-se a reordenação do espaço, a introdução da agricultura e da educação escolar.

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2. RECONSTRUINDO O ESPAÇO E O COTIDIANO

As formas como foram sendo instalados os postos indígenas, para “assistir” aos Awá são ilustrativas do modelo “civilizador” em curso. Após a atração e fixação em uma área, os Awá foram sendo, continuamente, impedidos de percorrer suas rotas tradicionais de nomadismo.

Ao invés de constituir uma estrutura de vigilância que protegesse a área de perambulação Awá, a FUNAI construiu Postos que serviriam como locais de apoio, perto dos quais os Awá sentir-se-iam protegidos dos ataques de madeireiros. Em troca de proteção, eles deveriam alojar-se de modo permanente nas proximidades dos Postos instalados.

O termo harakwa, que designava os acampamentos de caça, passou a designar a aldeia onde permanecem por mais tempo. Seus deslocamentos tradicionais foram alterados, a área de perambulação extremamente reduzida. Percursos que antes se davam em distâncias de mais de 100 km, reduziram-se, no caso dos que estão no PI Juriti, a 15 ou 10 km.

De acordo com O’Dwyer (2005), o movimento dos grupos Awá no uso de rotas e áreas de caça-coleta resultava na formação de uma rede pela qual circulavam as informações e as trocas. Um grupo tinha conhecimento dos

PI Guajá P I Juriti

PI Tiracambu PI Awá

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6 outros, muitas vezes de maneira indireta, através de quatro grandes eixos de fluxo organizado, tendo como referência a região da serra da Desordem.

A distância geográfica entre os aldeamentos onde vivem atualmente é compatível com o padrão de nomadismo do povo Awá. A questão é que as aldeias estão se constituindo em ilhas, não sendo possível a intercomunicação. As rotas de perambulação estão minadas por fazendeiros, madeireiros e posseiros que se encontram dentro dos limites das terras indígenas demarcadas.

As terras indígenas são demarcadas, mas não são protegidas. As invasões às terras Alto Turiaçu, Caru e Awá são históricas. Muito embora o resguardo e proteção das terras indígenas seja um dever do estado brasileiro, definido em sua constituição, a FUNAI, órgão que deveria cumprir essa função, não o tem feito.

A Terra Indígena Alto Turiaçu tem de 530.525 hectares, sendo a maior Terra indígena do Maranhão. Está localizada nas bacias dos rios Turiaçu e

Gurupi, nos municípios de Carutapera, Cândido Mendes, Monção e Turiaçu.

Esta terra limita-se ao norte e nordeste com as terras do núcleo de colonização da Companhia de Colonização do Nordeste, de onde freqüentemente surgem invasões por parte dos camponeses que tiveram suas terras devastadas. Nos limites leste e sul, encontram-se vários povoados que também constituem focos de penetração na área, abrindo clareiras para roças. Com a ocupação, em 1970, de uma faixa de terra para colonização, com base em acordo entre a FUNAI e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste-SUDENE, a Terra Alto Turiaçu ficou localizada entre os rios Gurupi, ao oeste, Turiaçu, ao leste, Gurupiúna e Maracaçumé ao norte.

Até 1976, essa terra formava juntamente com a Terra Indígena Caru, uma única reserva contendo aproximadamente cerca de 845.000 hectares, denominada Reserva Florestal do Gurupi, criada pelo Decreto 51026, de 25 de julho de 1961, do presidente Jânio Quadros. No artigo 4° desse Decreto está posto:

Dentro do polígono constituído da Reserva Florestal, serão respeitadas as terras do índio, de forma a preservar as populações aborígenes, de acordo com o preceito constitucional e a legislação específica em vigor, bem como os princípios de proteção e

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assistência aos silvícolas, adotados pelo serviço de proteção aos índios.

Em 1977, a FUNAI permitiu a divisão dessa área em duas: Caru com 172.667 hectares e a Alto Turiaçu com 530.525 hectares, ficando de fora cerca de 160.000 hectares de terras indígenas onde vieram a se constituir vários povoados e fazendas. A Terra Alto Turiaçu está demarcada desde 1978 e as invasões não deixam de ocorrer.

A terra indígena Caru foi demarcada para a posse permanente dos povos indígenas Tentehar/Guajajara e Awá/Guajá, tal como descrito na Portaria 1368, do Presidente da FUNAI, publicada no diário oficial da União, de 16 de setembro de 1982.

Em resumo, as três terras indígenas onde vivem os Awá são lócus permanente de disputas entre lógicas e saberes distintos. Os Awá percebem as plantas e os animais como tendo o mesmo tipo de organização social que eles mesmos, o que indica a grande afinidade que mantêm com esses seres vivos (CORMIER, 2003). Aqueles que invadem suas terras representam as plantas e os animais como recursos a serem explorados de modo a render lucro.

A forma como vem se constituindo o que hoje constitui o território Awá é produto do jogo de poder no qual os Awá são subalternizados por grupos econômicos da sociedade brasileira. Como bem situa Juliano (1998) o espaço no qual nos movemos é ao mesmo tempo desestruturado e estruturável, o que implica que a racionalidade que lhe outorgamos está determinada pelos parâmetros culturais que nos orientam. Os espaços em questão são orientados por parâmetros bem distintos, lógicas diferenciadas, hierarquizadas numa relação de colonialidade.

As três terras onde vivem os Awá são palco de diferentes tipos de invasões por parte de não- índios, praticadas por moradores do entorno, que visam caçar ou pescar na terra indígena e as invasões de caráter permanente, como povoados e as fazendas, com razoável infra-estrutura, e as empresas de extração de madeira.

A invasão dos territórios de caça dos Awá por fazendeiros, madeireiros e posseiros foi reforçada pelo Projeto Grande Carajás (PGC), um projeto de exploração mineral, agrícola, e energética, iniciado em 1982 sobre uma área de

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8 895.265 km2 (10,6% da área total do país), que afeta substancialmente a área onde vivem. O PGC tem sido financiado pelo Banco Mundial, pela Comunidade Européia, pelo Japão e pelo Governo brasileiro, através da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atualmente VALE. Implica, básicamente, num projeto de extração de mineral.

A pressão sobre os Awá aumentou em 1983, quando foi promulgado o decreto nº. 88.985, que autorizava a extração mecânica de mineral por parte de empresas públicas e privadas em todas as terras indígenas, demarcadas ou não. O minério das montanhas de Carajás, a oeste do rio Araguaia, é transportado de trem até São Luis, capital do Maranhão, onde foi construído o terminal Ponta da Madeira, dedicado a preparar o minério para sua exportação. O trajeto do trem extende-se por 900 km selva adentro, o que tem alterado radicalmente o equilíbrio da região e o isolamento cultural dos povos indígenas afetados. Um trem transporta no máximo 100.000 toneladas de mineral e possui uma extensão de 2 km (mais de 100 vagões) e passa a cada duas horas. Sua passagem altera completamente os sons e o ritmo da floresta. Dois dos Postos Indígenas Awá (Awá e Tiracambú) encontram-se muito próximos da ferrovia, o que supõe um elemento que distorce o modo de vida caçador-coletor, tanto pelos limites da mobilidade que implica, como pelo efeito que tem sobre a caça potencial dos índios.

A construção do leito da ferrovia permitiu acesso a áreas antes isoladas, favorecendo a instalação de vários povoados em suas margens. Isso tem implicado em outra forma de invasão da terra dos Awá, por parte dos moradores desses povoados que praticam a caça.

O avanço das invasões torna as incursões Awá perigosas. A Terra Indígena Awá, por exemplo, está submetida a constantes agressões e violações por parte de madeireiros que habitam e trabalham em povoados vizinhos. Essa terra ainda enfrenta disputas judiciais no que se refere à sua desintrusão.

Está em jogo a sobrevivência de um povo e tudo mais que isso implica: uma língua, uma cosmologia, uma forma de ser humano. O estado brasileiro, que em sua Carta Constitucional assume o reconhecimento da diversidade e a necessidade de proteger as diferentes línguas e organizações sociais (Art.231, CF/1988), imobiliza esses direitos através da inércia de seus aparatos jurídicos

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9 e administrativos que não efetivam a disposição constitucional. Subordina-se às pressões dos interesses dos grupos agroindustriais.

Os madeireiros iniciam, a cada ano, sua atividade extrativa logo que acabam as chuvas e começa a estação seca. A partir de julho, sobretudo em agosto, a Terra Awá começa a ser dominada pelos barulhos de motosserras, tratores e motores que vão derrubando suas árvores. Produzem-se dois tipos de derrubada: a derrubada total, que vai convertendo o que antes era mata em um completo deserto, apto unicamente para a pecuária, e o corte seletivo, que consiste em derrubar unicamente as árvores mais antigas e maiores, deixando o resto, o que dificulta a percepção do desmatamento pela imagem feita pelo satélite.

A Terra Awá está desmatada ao ponto de existir em seu interior um povoado, o Cajú, onde a prefeitura do município de São João de Caru construiu uma escola pública e, além disso, uma estrada, ligando esse povoado ao rio Carú, com o objetivo de facilitar a extração de madeira.

Coelho, Politis, Hernando e Ruibal (2009: 115) afirmam que esses índios vivenciam um processo de adaptação ao novo estilo de vida caracterizado pela semi-sedentarização:

Mantêm os deslocamentos para caça, que permanece como sua atividade de subsistência por excelência; no entanto, possuem nova dinâmica em função do seu interesse em retornar para a aldeia onde se sentem protegidos pela estrutura da FUNAI e contam com uma assistência médica em nível primário.

As conseqüências dessas mudanças atingem os Awá em diferentes dimensões. Essas condições provocaram alterações no seu cotidiano, fazendo com que busquem novas estratégias na construção do seu modus vivendi.

De acordo com O’Dwyer (2002), os Awá têm reproduzido a estrutura territorial que possuíam em seus territórios de origem. Cada grupo Awá reconhece como própria uma parte do território que compartilha, ao que chamam harakwa (meu território) o hakwa (o territorio do outro). Buscam reproduzir a estrutura territorial nas novas condições de redução da mobilidade. Atualmente, designam as famílias residentes nos postos indígenas com o nome dos territórios de caça-coleta por elas utilizados, os harakwas, sendo os nomes

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10 de família identificados aos habitats.

A área de seus deslocamentos vem sendo reduzida, continuamente, em decorrência de invasões em suas terras. Novas concepções de território começam a ser elaboradas, num contexto de permanente disputa com madeireiros, lavradores, caçadores e fazendeiros.

RESSIGNIFICANDO O SER AWÁ: CAÇADOR/AGRICULTOR?

Cormier afirma que não existem verdadeiros caçadores coletores nas florestas tropicais por sua fauna não ser apropriada ao seu sustento. Esses povos caçadores-coletores dependeriam, de forma indireta, do cultivo dos agricultores (CORMIER, L. 2003b). Afirma que os Awá utilizam espécies que se desenvolvem nos espaços de antigos cultivos. Para esta autora, os Awá, mesmo não tendo um modo de vida caçador-coletor independente, são melhores classificados como tais, porque investem muito tempo nas atividades nômades de caça e coleta, além de expressarem outras características comuns aos caçador-coletores, tais como sua organização familiar e em bandos, com relações sociais basicamente igualitárias. (CORMIER, L.2003 b:11)

Acompanhando o dia-a-dia da aldeia podemos perceber que a obtenção de alimentos é uma ação diária e está diretamente relacionada à caça. Os Awá passam dias ou semanas caçando, pescando e coletando alimentos, mantendo suas estratégias de mobilidade, buscando reproduzir a relação que possuíam em seus territórios de origem. É possível observarmos que as alterações bruscas no seu modo de vida, face às transformações decorrentes do contato, conduzem a construção de nova relação com o meio ambiente, baseada em experiências passadas.

Em decorrência da limitação dos deslocamentos para a caça, a FUNAI construiu o argumento de que, em médio prazo, os recursos naturais que sustentam os Awá se esgotarão. Assim tem justificado a prática da plantação

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11 de roças6, incentivada pelo órgão de proteção oficial, como forma de complementar as suas necessidades alimentares.

A iniciativa de ensinar os Awá a plantar roçados permitiu a concentração de um maior número de pessoas nas aldeias. Os grupos residentes continuam a se deslocar, às vezes durante meses, principalmente nos períodos em que não estão envolvidos nas atividades agrícolas e como sempre faziam, mudam-se para a “mata”, conforme expressão dos servidores da FUNAI.

Os Awá estão em processo de aprendizagem do trabalho de roça, o que não tem ocorrido sem resistências. Costumam encontrar desculpas para não realizar esse tipo de trabalho, sendo a mais freqüente a notícia da presença de um banco de macacos capelões nas proximidades da aldeia, que justifica a necessidade de seguir em seu encalço.

A despeito de sua intensa relação com a atividade da caça, a agricultura tem ganhado espaço entre os Awá, apesar de muitos manifestarem resistência a esta prática, tão distinta de seus hábitos tradicionais de obtenção de alimentos. Coelho, Politis, Hernando e Ruibal (2009: 102) afirmam que:

A FUNAI monitora permanentemente essa atividade (agricultura), pois do contrário não teria sucesso. Os Awá, muito embora tenham aprendido a fabricar e consumir a farinha de mandioca, assim como o arroz, relutam em exercer as atividades agrícolas. Costumam encontrar desculpas para não realizar esse tipo de trabalho, sendo a mais freqüente a necessidade de empreender expedições de caça.

A farinha de mandioca já se tornou uma fonte alimentar bastante valorizada, sendo armazenada para as expedições de caça. A dimensão da área a ser preparada para a agricultura e a produção de farinha costuma ser definida, pela FUNAI, considerando a demanda existente na aldeia, incluindo o consumo durante o tempo em que permanecem na mata para as atividades de caça-coleta, que se estender por alguns meses. Antes, a necessidade de carboidrato era suprida pelo mesocarpo do babaçu, fruto da palmeira do babaçu, abundante na região.

A introdução da agricultura gerou a necessidade de outros objetos que os Awá não produzem, tais como os instrumentos para o trabalho na lavoura,

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12 panelas para o cozimento dos produtos da roça, instrumentos para a confecção da farinha de mandioca. Por outro lado, a atividade de plantio requer, dentre outras situações, a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais e a reelaboração da cultura e da relação com o passado. Coelho, Politis, Hernando e Ruibal (2009, p.07) alertam que os Awá estão passando por um processo acelerado de transformações e um dos fatores responsáveis por tal situação é:

a própria dinâmica econômica, que estabelece uma crescente dedicação, em horas de trabalho, às atividades agrícolas. Isto transforma não só os ritmos cotidianos, mas o que é mais importante, a própria concepção do mundo dos Awá. A agricultura implica uma relação com a natureza, uma percepção do tempo e do espaço, do próprio corpo, etc., muito diferente das que caracterizam um caçador-coletor.

A alternância entre sedentarização e nomadismo tem sido determinada pela sazonalidade agrícola e pelos períodos mais aptos às atividades de caça-coleta de determinada espécie animal ou vegetal. A adoção das práticas agrícolas, após o contato, tem sido associada a uma estratégia de nomadismo voltada para a caça e coleta, de acordo com os padrões anteriores de isolamento nas áreas de floresta nativa. O aldeamento não impediu a reprodução deste tipo de vida nômade, muito embora o tenha limitado.

O acesso aos territórios de caça-coleta permanece como um critério importante na construção do ser Awá. Este tipo de adequação ao ambiente natural, quando não se colocam limites a sua viabilidade ecológica, através dos desmatamentos, propicia o estilo de vida característico dos Awá. A construção do ser Awá requer tais recursos, o que tem sido de certo modo ameaçado pelas intrusões nas terras indígenas onde vivem, onde estão sendo obrigados a um confinamento progressivo.

As caçadas obedecem ao ciclo próprio de reprodução dos animais, como macacos, paca, anta, veados, porcão (tiahu) etc. Quando abatem uma fêmea com filhote, recolhem-no e entregam a uma das mulheres do grupo, que pode assumir o papel de provedora. Ela passa a cuidar do filhote e o tipo de laço criado na domesticação dos animais tem se manifestado como afetivamente forte. Quando crescem e entram na fase reprodutiva, os animais

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13 são levados para as áreas distantes dos seus harakwas para evitar que sejam mortos e se transformem em alimento.

Os Awá, atualmente, realizam dois tipos principais de caçada. Uma é a saída diária, com retorno previsto para o mesmo dia. O segundo tipo caracteriza-se pela saída conjunta de vários caçadores, às vezes com suas famílias, por implicar na construção de acampamentos temporários para passar varias noites. Estas saídas podem ocorrer em qualquer época do ano, mas à medida que estão incorporando produtos cultivados, passaram a ser organizadas, básicamente, nos períodos nos quais não há trabalho na roça.

A caça, mesmo ocorrendo em um raio limitado, ainda tem sido suficiente para suprir as necessidades Awá. No entanto, em situações como no PI Guajá, onde as expedições de caça estão, a cada dia, mais reduzidas7, tem recaído sobre a agricultura uma responsabilidade maior sobre o suprimento alimentar. Como não praticam a agricultura de forma autônoma, ficam a mercê das orientações da FUNAI, nem sempre adequadas.

Em todos os postos, caso não sejam resguardadas as condições de caça, com a devida proteção do território contra invasões, a dieta alimentar

Awá poderá ser drásticamente comprometida. Por outro lado, sem o

monitoramento direto da FUNAI, as atividades agrícolas também não serão realizadas.

O ato de caçar permanece sendo uma das ações centrais para a sobrevivência desse povo. Os instrumentos tradicionais de caça, o arco e a flecha, fabricados por eles mesmos, estão sendo associados ao uso da arma de fogo, introduzida pela FUNAI. O arco e a flecha possuem uma importância muito grande para os Awá, que passam parte dos dias fabricando flechas que são guardadas em suas casas. Não só investem muito tempo na confecção e reparação das flechas, como a cada expedição de caça carregam muito mais flechas do que necessitam.

Ser caçador, obter alimento com o uso do arco e da flecha, são elementos fundamentais na construção da identidade Awá. No entanto, a introdução da espingarda como instrumento de caça começa a ocupar lugar

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A redução tem se dado pelo maior tempo de contato e maior dependência dos bens e serviços externos à vida da aldeia.

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14 significativo na representação que fazem do ser caçador. Por outro lado, tem propiciado novas formas de dependência em relação à FUNAI, que se configura na permanente demanda por munição.

O novo processo de territorialização afeta sua reprodução física e cultural, seus usos, costumes e tradições. O contato interétnico implicou em mortes, desaparecimentos, separações de familias e de grupos locais.

As estratégias de ação para com os Awá variam de acordo com os funcionários que atuam nos postos. Não é possível identificar uma postura que seja uniforme. No posto Juriti e no Tiracambu tem havido certa continuidade no cargo de chefe de posto. Por mais de uma década permaneceram as mesmas pessoas. Nos postos Awá e Guajá tem ocorrido grande rotatividade de funcionários e, consequentemente, contínuas mudanças na forma de relacionamento com os Awá.

Quando estivemos no posto Awá em 1993, por exemplo, o então chefe que havia assumido o cargo há duas semanas, dizia estar modificando ações que considerava inadequadas, tais como fornecer roupas aos índios e sal para usarem nos alimentos. Contava com a oposição dos demais funcionários do posto, que afirmavam que os índios não aceitavam as novas restrições.

Com a descentralização da execução da política indigenista, muitos órgãos oficiais e organizações não governamentais passaram a ter ingresso livre nas terras indígenas, inclusive nas que vivem os Awá. Nesse contexto, são freqüentes as propostas e a realização de ações por parte de missões, ONG, instituições públicas, etc. Em geral são propostas que partem do pressuposto de que os Awá são pobres, excluídos e que precisariam ter acesso aos chamados direitos de cidadania. Insistem em implantar escola, distribuir cestas básicas, implementar projetos agrícolas e outras atividades semelhantes.

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15 2. CIVILIZANDO PELA INTRODUÇÃO DOS BENS E VALORES

OCIDENTAIS

A fixação da residência em uma aldeia tem significado contínuas transformações no cotidiano da aldeia. O estilo de moradia tem sido bastante alterado. A forma como constroem suas casas é diversificada em uma mesma aldeia e entre aldeias. O tipo mais provisório ainda pode ser encontrado, de forma rara, em algumas aldeias, em diferentes formatos, que em geral consistem apenas em cobertas, sem paredes. O tipo de residência que tem se tornado mais comum é o que imita as casas de adobe, com paredes fechadas, sem janelas, contendo apenas uma porta de entrada.

Outros hábitos estão sendo alterados. Com a introdução das vestimentas e das redes de algodão, doadas pela FUNAI e por visitantes, tem sido abandonada a prática de tecer os fios de tucum para a confecção das saias que as mulheres costumavam usar e das redes onde costumavam dormir. Além dessas tarefas, antes da criação das aldeias as mulheres ocupavam-se da coleta de frutos. Atualmente costumam permanecer na aldeia com os filhos menores. Algumas fabricam colares e pulseiras utilizando dentes de animais, sementes, mas com mais freqüência, contas industrializadas que recebem da FUNAI ou dos visitantes/pesquisadores.

O uso das roupas e redes industrializadas não tem sido acompanhado do hábito de lavá-las. Geralmente as roupas permanecem no corpo como uma segunda pele, até que sejam totalmente desgastadas. Isso tem favorecido o desenvolvimento de fungos na pele, pois a roupa costuma permanecer no corpo, molhada, após o banho.

Outra grande mudança decorrente da fixação tem sido a reunião de vários bandos em um mesmo aldeamento. Com exceção da aldeia Tiracambu, onde vive basicamente um grupo, nas demais foram aldeados vários grupos. Estão aprendendo a conviver e a demarcar seus espaços, assim como a estabelecer novos arranjos matrimoniais. Os de contato mais recente costumam permanecer arredios em relação aos demais que já estavam na aldeia.

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16 Novas formas de lideranças vão se constituindo ao lado das tradicionais. São jovens que aprenderam um pouco de português e costumam participar de eventos fora das aldeias.

O isolamento a que estão sujeitas as várias aldeias Awá tem favorecido o desenvolvimento de hábitos diferenciados em cada um deles. Dessa forma, a intensidade do uso de armas de fogo é maior no Posto Awá e mais reduzida no Juriti. O mesmo pode ser observado com relação ao cultivo de roças de mandioca, arroz e feijão.

As experiências de introdução da educação escolar têm provocado mudanças no cotidiano Awá. Os povos caçadores coletores possuem formas peculiares de perceber o mundo. Representam a idéia de tempo e espaço através de signos metonímicos, por não fazerem uso da grafia alfabética. O uso da escrita muda a realidade e a identidade de quem dela se apropria. A introdução da escrita implica na utilização de signos metafóricos arbitrários para representar tempo e espaço. O tempo passa a ser marcado pelo relógio, calendário, por exemplo, e o espaço através de mapas, delimitações administrativas, classificações geográficas (Hernando, 2004).

Coelho (2007) aponta que até o final dos anos 90 do século passado não havia nenhuma iniciativa de educação escolar para os Awá. Monolíngues, com exceção de poucas lideranças que já articulavam algumas palavras em português, os Awá mantinham-se desinteressados de estabelecer maiores contatos com os regionais que os cercavam.

Em 1999, por iniciativa do Conselho Indigenista Missionário-CIMI, que contou com o apoio da FUNAI e da Companhia Vale do Rio Doce-CVRD, foi iniciada uma experiência escolar junto aos Awá. A proposta previa uma experiência de preparação de lideranças para o convívio com os brancos. O CIMI partia do pressuposto que o contato estava se intensificando, o que representava um risco para os Awá, pelo despreparo em que se encontravam.

Foi introduzida uma escola nos postos Awá, Tiracambú e Guajá, que funcionava de forma intinerante. As professoras permaneciam em cada uma dessas aldeias por 15 dias, com intervalo de um mês, tempo necessário para cumprir a intinerância nos outros dois postos. As aulas aconteciam em ambientes improvisados: no Posto Guajá, no local da enfermaria, e no Awá, e

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Tiracambú em construções de madeira com cobertura de palhas. A

alfabetização era feita em português, no sistema de silabação.

No período em que as professoras permaneciam na aldeia a rotina era alterada. As expedições de caça eram suspensas para que não se perdessem as atividades da escola. Esta era freqüentada por adultos e crianças, funcionando nos moldes de uma escola regular, distinta da proposta de formação de lideranças.

Desentendimentos entre o chefe do Posto Guajá e o CIMI acabaram provocando a desativacão da escola nesse posto, sendo mantida nos outros dois. A breve experiência da escola nessa aldeia não parece, de início, ter deixado grandes marcas. Durante muito tempo os Awá não fizeram nenhuma alusão a essa instituição ou qualquer demanda para sua reintrodução.

Esta aldeia situa-se a 22 km de uma aldeia Ka’ apor onde uma escola funciona há mais de uma década, havendo pessoas Ka’apor que recebem salário, antes como monitor e atualmente como professor. É possível que o contato dos Awá com essa escola e a participação em reuniões com outros povos indígenas tenham motivado a nova demanda pela escola, que passou a ocorrer desde 2006.

Diante dessa nova demanda, a Secretaria de Estado da Educação iniciou uma experiência de escolarização, que agora está a cargo de um missionário protestante, lingüista, da missão evangélica Alem.

Para os Awá que vivem na terra indígena Caru, tanto na aldeia Awá, quanto na Tiracambú, tem continuidade a escola implantada a partir do projeto do CIMI, que de uma proposta inicial de formação de lideranças, passou a um processo de alfabetização do povo Awá. A alfabetização que havia sido iniciada em português está sendo reformulada e, com a ajuda de uma lingüista, caminha em direção a alfabetização em língua materna. A estratégia de alfabetização também foi alterada, pois afirmam utilizar o método analítico

global, segundo o qual buscam o contexto histórico do próprio grupo para

orientá-lo no processo de alfabetização, priorizando o estudo de palavras, sem decompô-las, imediatamente, em sílabas.

Os Awá são ágrafos e a introdução da grafia, através da escola, implica numa serie de alterações que afetam a visão de mundo desse povo. Por outro lado, a introdução da língua portuguesa, em meio a poucos falantes de Awá,

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18 significa um risco para essa língua. Como bem afirmou o lingüista Aryon Rodrigues (1986), preservar as línguas é fundamental para manter o conhecimento tradicional de cada população. A língua codifica toda a evolução de um povo e todo conhecimento que ele desenvolveu. O português quebrado que o índio aprende não consegue traduzir esse conhecimento. Por outro lado, a educação é um dos meios utilizados pelo estado moderno para exercer o controle da homogeneização da sua população. O poder do estado de impor uma língua e expandi-la por meio de um sistema escolar é a chave para se iniciar a morte lenta das línguas e dialetos minoritários (GUIBERNAU, 1996). Essa imposição de uma língua e, conseqüentemente, uma cultura, através de um bem organizado sistema educacional, ameaça a existência das minorias.

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações referentes aos Awá nos permitem perceber dois grandes processos de territorialização que afetaram profundamente a forma desse povo se organizar e representar o mundo. O primeiro deles, ocorrido há cerca de três séculos teria induzido os Awá a um estilo de vida nômade, que sofre modificações por ocasião do novo processo de territorialização que ora vivenciam.

A nova forma de territorialização tem sido caracterizada pela definição de espaços limitados de perambulação, onde são acuados pela ação direta de invasores, sejam madeireiros, lavradores, fazendeiros ou caçadores. A FUNAI, a quem constitucionalmente compete o resguardo das terras indígenas, não tem cumprido sua função.

A semi-sedentarização tem significado, fundamentalmente, limitação progressiva da autonomia que antes desfrutavam. A dependência inicial da proteção fornecida pela FUNAI tem se desdobrado em novas formas de bens e serviços aos quais os Awá se acostumaram e não são capazes de produzir autonomamente.

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19 Os Awá buscam adaptar-se ao novo contexto e ressignificar seu cotidiano que, com mais ou menos intensidade, dependendo da aldeia, vai sendo perpassado por bens e valores introduzidos pelas relações com os brasileiros. Já se tornaram dependentes de alguns serviços e bens fornecidos pelos Postos Indígenas, especialmente a assistência à saúde e alguns bens como o sal, o sabão, tecidos industrializados, lanternas e as armas de fogo com suas respectivas munições.

Ainda optam por manter-se afastados dos não indígenas, sendo raros os motivos que os levam a sair das aldeias. Em geral são viagens patrocinadas pela FUNAI ou motivadas pelos índios vizinhos, Ka’apor, no caso do Posto Guajá e Tentehar, no caso do Posto Awá.

Suas formas tradicionais de relação com a natureza, suficientes para prover os bens que necessitavam, estão sendo acrescidas por novas relações advindas do contato interétnico. Um modelo civilizador sobre eles se abate, desconsiderando seus saberes, subalternizando-os aos ditames do

desenvolvimento.

Está em curso um processo de diferença colonial (MIGNOLO, 2003), através de diferentes estratégias de colonialidade do poder e do saber (LANDER 2005). Diferentemente de outros povos indígenas, definidos pelo estado Brasileiro como isolados, aos Awá não foram aplicadas as diretrizes atuais que se resumem em protegê-los em seus territórios, sem estabelecer nenhum contato. Essas diretrizes também indicam programas destinados à localização desses povos, visando à manutenção de seus territórios, riquezas naturais, sua saúde e cultura. Além disso, ficou determinada a proibição de quaisquer atividades econômicas ou comerciais no interior das áreas por eles ocupadas.

A execução dessas novas diretrizes poderia abrir espaço a consideração do pensamento liminar, que segundo Mignolo (2003) expressa a elaboração, do ponto de vista subalterno, de enunciações que se dão em reação ao discurso e à perspectiva hegemônica.

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REFERÊNCIAS

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GOMES Mércio Pereira & MEIRELLES José Carlos. RELATÓRIO

AWÁ-GUAJÁ-2002. Para a constituição de um novo Programa de Proteção,

Assistência e Consolidação Étnica do Povo Awá, do Estado do Maranhão. Apresentado a Fundação Nacional do Índio, Companhia Vale do Rio Doce e Secretaria da Amazônia do Ministério de Meio Ambiente. Petrópolis, 2002 GOMES, M, P. 1989. O povo Guajá e as condições reais para a sua

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21 O’DWYER, Eliane Cantarino. Laudo Antropológico Área Indígena Awá. 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Maranhão Processo nº95.0000353-8. OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos “índios misturados”: situação colonial, territorialização e fluxos culturais. In: OLIVEIRA, J.P. A viagem da

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POLITIS, Gustavo, 2005, Relatório Preliminar – Pesquisa Awá. La Plata. Universidade de La Plata.

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Caminos de madereros (línea roja gruesa) y caminos de caza de los Awá (línea roja fina) junto al P.I. Jurití. Agosto 2008.

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