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Tecnologias de Informação: o uso da internet na E.I.E.B. Cacique Vanhkrê

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Tecnologias de Informação: o uso da internet na E.I.E.B. Cacique Vanhkrê

Mauricio Pietrobelli da Silveira1 Ana Lúcia Vulfe Nötzold2 João Maria Pinheiro3

Resumo:

Esta pesquisa insere-se como um subprojeto no âmbito do Observatório da Educação “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da Terra Indígena Xapecó/SC” do Laboratório de História Indígena, com financiamento da CAPES/DEB/INEP. Propõe-se a analisar os usos que os alunos da Escola Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkrê, situada na aldeia sede da Terra Indígena Xapecó (oeste de SC), têm feito dos espaços e usos de tecnologias nas suas atividades cotidianas. Pretende-se perceber como os mesmos têm se representado e se identificado nos espaços públicos da internet. Essa percepção é importante para compreendermos aspectos referentes à manutenção da cultura tradicional e a fluidez e apropriação de aspectos da cultura não-indígena. Acesso a e-mails, redes sociais, sites de notícias e outros sites encontrados nos históricos dos computadores podem traçar um panorama da utilização destes espaços. A frequência de acesso destes serviços indica quais destes estão mais presentes no cotidiano escolar e pessoal destes alunos. Tomando como base os dados dos históricos de páginas acessadas foi aplicado um questionário por amostragem, para mapear as atividades realizadas nestes espaços. Um rápido acesso a perfis, em redes sociais destes alunos, poderá indicar aspectos acerca de relações nestes espaços. Construindo um panorama da representação da identidade Kaingang na internet, pode-se dar suporte aos projetos escolares de manutenção cultural e visibilidade ao povo, ajudando na construção de conhecimento acerca da cultura Kaingang e nas discussões acerca da identidade deste povo.

Palavras-chave: Kaingang; Identidade; Tecnologia.

Identificando os sujeitos

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Acadêmico do curso de Bacharelado e Licenciatura em História da UFSC. Bolsista de Iniciação Científica do projeto OBEDUC/CAPES/DEB/INEP: “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da Terra Indígena Xapecó/SC”. E-mail: m_pietrobelli@hotmail.com

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Etno-historiadora, professora Associada IV do Departamento de História da UFSC. Coordenadora do Observatório da Educação: “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da Terra Indígena Xapecó/SC”. E-mail: ana.lucia@ufsc.br

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Professor de Educação Básica, bolsista do projeto CAPES/OBEDUC/INEP: “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da Terra Indígena Xapecó/SC”. E-mail: joaoeduindig@hotmail.com

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Essa pesquisa se insere no cotidiano da Escola Indígena de Educação Básica (E.I.E.B.) Cacique Vanhkrê, localizada na aldeia Jacú (sede), é uma escola que atende o povo Kaingang da Terra Indígena4 Xapecó. A escola têm em torno de 840 alunos matriculados, aproximadamente 460 alunos do sexo masculino e 380 do sexo feminino. Atendendo a faixa etária dos 06 (seis) anos aos 23 (vinte e três) anos de idade5. Sendo a única na T.I. a oferecer o Ensino Médio completo. A escola conta com uma sala de informática, com acesso à internet, onde um professor de informática – Prof. João Maria Pinheiro – fica a disposição de alunos, professores e demais funcionários da escola.

A T.I. Xapecó está localizada no oeste de Santa Catarina, situada nos municípios de Ipuaçu e Entre Rios, havendo uma população de 5.105 indígenas Kaingang e 111 indígenas Guarani (BRIGHENTI, 2012). A área reservada a T.I. está localizada em território tradicional dos Kaingang, áreas de planalto e região de Floresta Ombrófila Mista (F.O.M.), região comumente conhecida como mata de araucária e regiões de campos. O território tradicional se estende da região do sul do estado de São Paulo, passando por Paraná, Santa Catarina, chegando ao norte do Rio Grande do Sul e parte da província de Missiones, na Argentina (BORBA, 1908; BRIGHENTI, 2012; SILVA; SILVA, 2012). A língua Kaingang pertence à família Jê, do tronco linguístico Macro-jê (RODRIGUES, 1986).

A T.I. Xapecó é composta por 16 aldeias, sendo: Aldeia Sede/Jacú, Olaria, Pinhalzinho, Cerro Doce, Serrano, Baixo Samburá, Água Branca, Fazenda São José, Matão, Paiol de Barro, Limeira, João Veloso, Manduri, Guarani, Barro Preto e Campos Oliveira. São distribuídas em uma área de 15.623 hectares. Para atender a demanda de ensino escolar há 09 escolas, sendo que 06 são escolas multisseriadas, 02 de Ensino Fundamental e a E.I.E.B. Cacique Vanhkrê. Na T.I. Xapecó existem eleições para Cacique, Vice-Cacique e Capitão, sendo estes eleitos em conjunto a partir da chapa vencedora das eleições. A periodicidade das eleições na T.I. Xapecó é de quatro em quatro anos, nos mesmos anos das eleições

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Utilizaremos T.I. à seguir.

5Dados extraídos do instrumento 1/2013, aplicado no âmbito do OBEDUC 2012 “Ensino, saberes e tradição: elementos a

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presidenciais, para governadores estaduais e deputados estaduais e federais, e alternadamente com as eleições ao senado.

Fig. 1. Mapa Etnohistórico de Curt Nimuendajú – 1944, adaptado e elaborado por Carina Santos de Almeida.

Fonte: Acervo LABHIN – Laboratório de História Indígena/UFSC

Cultura e Identidade

Pretende-se, a seguir apresentar como será abordado os conceitos de cultura e identidade na presente pesquisa. Sendo importante compreender quais os fundamentos teóricos utilizados para poder compreender como será apresentada a análise acerca da utilização da internet no espaço da E.I.E.B. Cacique Vanhkrê.

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A ideia de cultura é fundamentada na constituição de certos aspectos, que promovem o seu desenvolvimento. As culturas “são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações” (HALL, 1999, p. 50). Esta frase apresenta os fundamentos da cultura. Neste excerto Hall estava comentado acerca das culturas nacionais, apresentando uma discussão acerca da construção destas. Contudo, é interessante perceber que a cultura é constituída a partir destes três eixos, quais sejam: instituições, representações e símbolos, se tratando da construção de uma cultura “unificadora” para uma nação ou pensando no desenvolvimento da cultura de uma população indígena.

Sendo a cultura construída a partir destes três eixos, há um motivo, pois, as instituições são a fundamentação para nossas representações culturais. São a partir das instituições, nossas “regras” e “preceitos”, que estabelecemos nossos meios de interação. Por exemplo: quanto ao processo de unificação nacional promovido no século XX, principalmente com a ascensão de Vargas ao poder, há um processo de tentativa de unificação dos aspectos culturais da sociedade brasileira, visando trazer uma homogeneização destas relações.

As representações são a forma como expressamos essas características culturais. Quando uma comunidade Kaingang realiza o ritual do Kiki6, ela está representando toda uma série de crenças cosmológicas acerca da morte e da vida. Vale lembrar que as representações vêm ligadas a simbologia, pois os símbolos são a representação concreta do que é aparentemente abstrato.

Então surgem perguntas: como comunidades modificam sua cultura? Afinal, a cultura não é algo ligado a representação de uma comunidade? Respondendo rapidamente: a cultura muda, pois, “cultura é um produto coletivo da vida humana” (SANTOS, 1994, p. 45), sendo assim, ela é construída a partir da relação dos seres humanos, “é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do processo social”, assim a “cultura faz parte de uma realidade onde a mudança é um aspecto fundamental” (SANTOS, 1994, p. 46-47). A cultura é dinâmica, pois ela se fundamenta na experiência concreta dos processos históricos

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Festa de culto aos mortos, que era realizada todos os anos pelos Kaingang. Nessa festa a comunidade se reunia para rezar para que o espírito do falecido seguisse um bom caminho e, ao deixar aquele lugar, não faria mal às pessoas. Este ritual é dividido em ritos referentes a cada uma das metades exogâmicas, Kamé e Kanhru (KRESÓ, 2004).

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referentes a cada comunidade ou na interconexão entre estas comunidades (HALL, 1999; LARAIA, 1997; SANTOS, 1994).

Há duas formas de alteração e modificação da cultura: uma é interna, que é proveniente da própria dinâmica de relações dentro de uma comunidade, e outra externa, que é o resultado do contato entre dois ou mais sistemas culturais (LARAIA, 1997).

A cultura é a base de socialização para uma comunidade. Todo o indivíduo em uma comunidade está sendo socializado culturalmente, e é a partir dessa base cultural que ele se identifica com determinado grupo. É importante lembrar que nenhum ser desta comunidade tem conhecimento completo acerca de toda a cultura de sua comunidade, sejam por questões biológicas, sociais ou políticas (LARAIA, 1997). Sendo a cultura “uma esfera, um domínio, da vida social” (SANTOS, 1994, p. 25).

No atual processo de organização da produção cultural no mundo, as pessoas estão, mais ou menos, sendo diretamente atingidas por diversas representações e símbolos de outras comunidades, estão mantendo contato com outras culturas. Como dito acima, a cultura é dinâmica e esse processo de dinamicidade é dado pela troca de informações entre um sujeito e outro. Deste modo, como apresenta Hall, vivemos em um processo de múltiplas identidades. No atual estágio de contato global, podemos perceber que há nas relações sociais uma certa padronização cultural em diversas localidades do mesmo país e até do mundo (HALL, 1999).

Para atingir esse estágio de contato global, é constituído um processo de comunicação de massa. O mecanismo da globalização é esse mecanismo de propagação cultural que serve para a tentativa de homogeneização social. É um processo desigual de influência de uma cultura sobre outra, uma cultura dominante que atua com maior influência sobre uma cultura dominada. Vale lembrar que essa ação não é uma via de mão única, a cultura dominada também influência a cultura dominante, apesar da influência desigual (HALL, 1999). A lógica de funcionamento desse método de influência “é a homogeneização da sociedade, é o amaciamento dos conflitos sociais” (SANTOS, 1994, p. 69).

Dentro dessa relação de influência de uma cultura sobre outra é que podemos identificar o motivo concreto para essa percepção de identidade com mais de um sistema cultural. É a partir desta percepção da interconexão entre diversos sistemas culturais que

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podemos perceber como está dado o conceito de identidade neste período do desenvolvimento da humanidade. Todo contato ou “invenção é sempre um choque de interpretações, implica negociação e lidar com crises e conflitos. Independentes da tecnologia em questão ser um facão, um machado, uma televisão ou um computador, ele precisará negociar com a tradição do povo local” (MONARCHA, 2012. p. 31).

Tecnologias de Informação

Tomando como base a concepção de influência entre uma cultura e outra, podemos perceber as apropriações feitas pela comunidade Kaingang acerca da cultura dominante nesse processo de globalização das comunidades. O elemento o qual nos deteremos será o das Tecnologias de Informação, a utilização destas na comunidade escolar da E.I.E.B Cacique Vanhkrê, bem como apontar as possibilidades de uso destes meios na sua representação cultural e identitária.

Inicialmente os dados acerca dos usos de equipamentos que dão acesso à utilização dessas Tecnologias de Informação7, que foram levantados via instrumento de pesquisa. A seguir, os dados levantados sobre outro instrumento8, aplicado aos alunos desta escola, procurando registrar alguns elementos que possuíam em sua casa ou nas proximidades. Procurando aplicar os conceitos de identidade e cultura na análise dos dados levantados.

Nos dados levantados pelo Observatório da Educação, “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da Terra Indígena Xapecó/SC”, a partir de instrumentos de pesquisa, podemos perceber um grande uso por parte dos alunos do Ensino Médio, fase escolar na qual foi pesquisada o uso das Tecnologias de Informação, de celulares e do uso de computadores. Foram aplicados 127 instrumentos para os alunos, importante comentar que estes são dados gerais da Terra Indígena Xapecó, não se limitando a E.I.E.B, Cacique

7Dados extraídos do instrumento 3/2013, aplicado no âmbito do OBEDUC 2012 “Ensino, saberes e tradição: elementos a

compartilhar nas escolas da Terra Indígena Xapecó/SC” (in mímeo).

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Dados extraídos do instrumento 4/2013, aplicado no âmbito do OBEDUC 2012 “Ensino, saberes e tradição: elementos a compartilhar nas escolas da Terra Indígena Xapecó/SC” (in mímeo).

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Vanhkrê, mas pode dar-nos uma perspectiva do uso dessas por parte dos alunos. Em uma das perguntas, que havia opções para serem assinaladas, foi formulada da seguinte maneira:

Qual seu nível de contato com a tecnologia? a) Você tem acesso à internet?

b) Seu contato com a internet é feito

Para a primeira questão houve um resultado de 91 alunos marcando como “Sim” e 33 alunos marcaram a opção “Não”, sendo que, três alunos não responderam esta questão. Para a segunda pergunta, 14 alunos responderam que utilizavam internet em casa, 99 alunos na escola e outros 14 alunos responderam como “Outro”. Para maioria dos alunos que responderam a opção “Outro”, provavelmente, o acesso se dá quando vão à região urbana das cidades onde está inserida a Terra Indígena Xapecó e em menor número o uso de celulares para o mesmo fim.

Gráfico 1. Você tem acesso à internet?

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Gráfico 2. Seu contato com a internet é feito.

Fonte: Acervo LABHIN – Laboratório de História Indígena/UFSC

Em outro instrumento, de um total de 85 alunos, uma das perguntas indagava quais eram os itens que os alunos possuíam em suas casas, desses nove têm computador em casa e apenas três com acesso à internet. Já o uso de celular é mais frequente, 49 responderam possuir celular em casa e apenas quatro possuem telefones fixos em casa. A pouca presença de telefones fixos nas residências, acreditamos, dá-se pelo “isolamento” da área. Boa parte das casas na T.I. Xapecó estão dispersas uma das outras, o que para as companhias de prestação de serviços telefônicos seria apenas manter uma rede com pouco uso, gerando prejuízos, seguindo a lógica de mercado. Um fato que pode evidenciar esta lógica, é que a aldeia Paiol de Barro só teve o fornecimento de energia elétrica em 2006, com o programa do Governo Federal “Luz para Todos”. Mas mesmo onde pode haver o acesso, o custo de manutenção de uma linha telefônica se torna muito cara para estas pessoas na T.I. Xapecó.

Fica evidente, nestes dados, que o principal meio para o acesso à internet é a escola. Monarcha comenta sobre as crianças Aikewára, contudo acreditamos que os alunos da E.I.E.B. Cacique Vanhkrê experienciam uma semelhança de contato como o comentado por ela. As crianças, “bem cedo, são expostas à escola ocidental, e às novas tecnologias da informação (televisão, telefonia celular, internet), o que é natural para quem vive nas fronteiras culturais” (MONARCHA, 2012, p. 21). Visivelmente esse contato apresenta as

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fronteiras culturais, que influenciam no descentramento das identidades (HALL, 1999), essa experiência de convivência em mais de um “mundo”.

Sabemos que os celulares hoje em dia também fornecem serviços de acesso à internet, mas devido à limitação do sinal de telefonia celular existente na Terra Indígena Xapecó, onde a maioria das localidades não possui sinal, podemos acreditar que o acesso é feito quase que exclusivamente por meio da escola.

Entendendo que um dos meios de maior divulgação de características culturais na atualidade é a internet, podemos entender que a escola, como sendo o meio majoritário de acesso a essa tecnologia, é um local propício a esses contatos com o desenvolvimento de uma “cultura global”. Assim, a potencialidade de apropriação de traços da cultura não Kaingang é altamente propensa, devido à desigualdade na “geometria de poder” dessas culturas (HALL, 1999).

Um dos fatores diretamente percebidos é o uso de computadores e celulares, elementos culturais da cultura dominante, mas devido às relações interculturais, é visível que ouve a apropriação destes traços da cultura não Kaingang. É importante lembrar que essas relações interculturais vêm sendo estreitadas ao longo do contato entre os Kaingang e as populações não indígenas, a partir do século XVIII até os dias atuais. Deste modo não é incomum que esta comunidade venha se apropriando de traços desenvolvidos por uma cultura externa a própria.

Exemplo interessante sobre a apropriação destes meios das Tecnologias de Informação por populações indígenas é dado Nunes Junior:

o caso da ocupação ao Núcleo da FUNAI em Palhoça, Santa Catarina, pelos Guarani das aldeias do litoral catarinense, entre os dias 16 e 19 de março de 2009. Nesta ocupação foi construida uma estrutura de proteção aos ocupantes, em que guerreiros pintados para a guerra e armados com arcos, flechas, bordunas, cuidavam da porta de entrada da sala no centro de Palhoça. Ao mesmo tempo, outros guerreiros faziam contato telefônico com imprensa, falando em português, preparavam textos também em português para divulgar o fato na internet, e encaminhava documentos ao presidente da FUNAI, em Brasília, via fax. Apesar da utilização destes meios tecnológicos da cultura não-indígena, os processos de tomadas de decisões, organização interna da ocupação, limpeza do loca(l)[sic], distribuição da alimentação, era comandado por todos, em assembléias pela manhã, tarde e noite. Inclusive um porta voz fora escolhido para falar com a imprensa, como estratégia

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para manter sempre o mesmo discurso decidido durante as assembléias (NUNES JUNIOR, 2009, p. 103)9.

Um ponto interessante que é importante nos atentarmos é para a decisão de agência dessa população. Nesse caso vemos as decisões de como usar destas tecnologias, deixando evidente as decisões dessa comunidade, acerca dessa característica cultural não indígena que foi apropriada.

Retomando o foco de nosso estudo sobre os alunos da E.I.E.B. Cacique Vanhkrê, também devemos ter claro que exercem suas opções. Por mais que sofram influências diretas da cultura não Kaingang, estes alunos escolhem o que utilizar e como utilizar cada uma destas características. E “o fato é que a presença crescente das mídias na vida cotidiana é cada vez mais um fenômeno cultural inquietante, para o qual estamos ainda ensaiando nossas posturas de diálogo, negociação e resposta” (OROFINO, 2003, p. 110). Maria Isabel Orofino apresenta, nesse excerto, presença cada vez mais presente das mídias no cotidiano. Referia-se sobre a televisão, mas podemos traçar um paralelo com o que ocorre hoje com os computadores. Não podemos esquecer que é evidente que há maior inserção a prática do uso das Tecnologias de Informação nas comunidades não Kaingang, mas a ocorrência dessa característica cultural tem se apresentado cada vez mai recorrente para eles.

Internet: os usos na E.I.E.B. Cacique Vanhkrê

Para podermos nos deter melhor no caso da E.I.E.B. Cacique Vanhkrê, elaboramos um instrumento, vide anexo, de pesquisa para detalhar melhor o uso da internet pelos alunos Kaingang. Esse instrumeno conta com três perguntas, sendo duas para assinalar uma ou mais opções e uma pergunta subjetiva, onde o aluno poderia escrever a partir do que haviamos solicitado. Ele foi aplicado a alunos de idades diferenciadas, sendo aplicado à 17 alunos. Foi acessado os históricos de acesso à internet nos computadores da escola para poder conferir quais páginas eram acessadas com maior frequência, utilizamos o histórico de um mês,

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lembrando que estes computadores também podem ser usados por professores e outros funcionários da escola.

Apresentaremos os dados e analisaremos a primeira pergunta e para relatarmos as próximas duas questões, relacionaremos as perguntas dois e três e o acesso ao histórico dos computadores da sala de informática. Organizaremos deste modo, pois a segunda e terceira pergunta se complementam juntamente com o levantamento do histórico acesso dos computadores.

Como citado acima, esta escola conta com uma sala de informática e a partir do que apresentamos acerca do uso da internet, que é a escola o meio mais frequente para esses alunos manterem este contato, iremos começar deste ponto.

Na primeira pergunta, questionamos a quantidade de vezes que estes alunos acessavam a internet por semana. Havia três opções para assinalar com “X”: 0-2 vezes, 3-4 vezes, 5 ou mais vezes. A quantidade de alunos que respondeu a cada questão foi: dez alunos, um aluno e seis alunos, respectivamente. Podemos aferir que mesmo com o contato com a internet sendo feito cada vez mais frequente nesta comunidade, há, ainda em maior número, uma quantidade de alunos que mantém uma frequência de acesso pequena, tomando como base os nossos padrões de uso da internet. É importante ressaltar que nessa pergunta há a possibilidade de que algum desses alunos não acesse a internet nenhuma vez, mas como há a sala de informática na escola, acreditamos que essa opção não seja plausível.

Assim como há uma parcela significativa dos alunos que acessam com menor frequência a internet, que é maior, mas como estamos trabalhando com dados por amostragem, consideramos uma proporção muito semelhante, há outra parcela que acessa com grande frequência. Os alunos que responderam, 5 ou mais vezes, possuem semelhança com nosso padrão de acesso à internet. Outro ponto que ressaltamos, é que há a possibilidade que estes alunos não acessem a internet apenas na escola, o que acreditamos ser o mais provável. Estes devem manter esse acesso ou em computadores em casa ou devem ir com mais frequência às regiões urbanas na região.

Na pergunta dois questionávamos os alunos com o seguinte enunciado: Marque com X os sites que você usa na Internet, e apresentamos uma lista com sete opções para assinalar aos

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alunos e na terceira pergunta pedia que os alunos relatassem o que mais gostavam de acessar na internet. Na pergunta dois havia as seguintes opções: E-mail, Facebook, Site de notícias (ex.: Globo, R7 e outros), Jogos, Site de esportes (ex.: Globo Esporte, Lancenet e outros), FUNAI e Outros. Cite quais. Lembrando que cada aluno poderia marcar mais de uma opção, ficamos com as seguintes respostas, respectivamente: sete alunos, nove alunos, cinco alunos, dez alunos, dois alunos, um aluno e dois alunos. Na pergunta três levantamos as respostas mais frequentes, sendo: Fazer amigos, conversar com amigos, acessar ao e-mail, acessar notícias e informações, fazer pesquisas de colégio ou de interesse pessoal, como novela e futebol. Com o histórico de acesso dos computadores podemos visualizar novas informações.

Quando entrecruzamos as respostas e os históricos de acesso, podemos perceber que havia acessos nas determinadas páginas que foram apresentadas nos instrumentos, mas que também havia alguns elementos novos. A maior frequência de site acessado é da página Google, o que não achamos nenhuma surpresa, devido à facilidade para encontrar resultados para as mais distintas pesquisas. Encontramos acesso a páginas de provedores de e-mail, de jogos e do Facebook, na maioria dos acessos. Em menor número, visualizamos acesso a páginas de esportes e notícias. Apesar de vermos que em apenas um dos casos o acesso à página da FUNAI era feito, não encontramos nenhum acesso. Contudo, o que achamos muito interessante é que há uma quantidade significativa de pesquisas sobre cursos em geral e cursos universitários, tanto em universidades públicas como particulares. Encontramos, também, acesso ao sistema de inscrição do ENEM. Voltamos a marcar, mesmo estes alunos vivenciando contatos da cultura não Kaingang eles possuem ação sobre como irão interagir com ela e dentro dela, afinal estes se identificam por mais de uma comunidade cultural.

Sinal desta agência dos alunos Kaingang e dessa autoidentificação em mais de uma cultura, são as seus perfis no Facebook. Muitos deles fazem postagens sobre características indígenas, utilizam seu nome indígena, mas também apresentam fotos com camisetas de times de futebol, comentários sobre política, músicas regionais, entre outros. Do mesmo modo que escolhem postar coisas sobre a cultura Kaingang, escolhem apresentar traços da cultura não Kaingang, novamente tornando evidente esse processo de identificação em mais de um padrão cultural.

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Considerações Finais

Cremos que a percepção de que estas pessoas são agentes de suas decisões, que experienciam situações em mais de uma cultura, é muito importante e que, ao mesmo tempo em que “existe um padrão” para cada cultura, estes alunos provam a dinamicidade da cultura. Onde, ao mesmo tempo em que percebemos que apresentam características da cultura Kaingang, apresentam características da cultura não Kaingang.

Queremos deixar claro que não há hierarquização cultural, que o contato maior com a cultura do Brasil e do mundo e não com outra etnia indígena é devido a uma “geometria de poder” desigual.

Colocamos a escola como meio de contato principal entre essas “divisas” culturais, pois como apresentado nos instrumentos utilizados, é ela que propicia, no caso do uso da internet, esse contato com as mais diversas informações e notícias existentes no mundo. Espaço onde a agência destes alunos é aguçada, isso não levando em conta a possibilidade de os professores trazerem essas experiências a seus alunos, mas sim, pelo contato que a internet propicia para quem possui um conhecimento mínimo para utilizá-la.

Por fim, este processo de contato com características culturais não é único aos indígenas, todas as sociedades que compõe o modo de produção capitalista estão diretamente ligadas ao mecanismo da globalização. Os indivíduos estão em contato com diversas culturas, em maior ou em menor grau, mas estão.

Referências

ALMEIDA, Carina Santos de; NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. A luta pela terra em território Kaingang: os conflitos na Terra Indígena Xapecó (SC/Brasil) ao longo do século XX. Anos 90 (Online). Porto Alegre, v. 18, p. 279-303, 2011.

BORBA, Telêmaco. Actualidade Indígena (Paraná, Brazil). Curitiba: Impressora Paranaense, 1908.

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BRIGHENTI, Clovis Antonio. Povos Indígenas em Santa Catarina. In: Ana Lúcia Vulfe Nötzold; Helena Alpini Rosa; Sandor Fernando Bringmann. (org.). Etnohistória, História Indígena e Educação: contribuições ao debate. Porto Alegre: Pallotti, 2012, p. 37-65. HALL, Stuat. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

KRESÓ, Pedro Alves de Assis. Culto aos mortos. In: NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe (org.). O ciclo de vida Kaingáng. Florianópolis: Imprensa Universitária da UFSC, 2004, p. 73-80. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um Conceito Antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

MONARCHA, Hellen Maria Alonso. Redes sociais e sociedades indígenas: entre dígitos e jenipapo. Belém, 2012. 129 páginas. Dissertação. Universidade da Amazônia.

NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe; ROSA, Helena Alpini. Observatório da Educação Escolar Indígena – Autogestão e processos próprios de aprendizagem: desafios para uma educação escolar indígena com autonomia. In: Etnohistória, História Indígena e Educação: contribuições ao debate. Porto Alegre: Pallotti, 2012, p. 15-36.

NUNES JUNIOR, Orivaldo. Inernetnicidade: Caminhos das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação entre Povos Indígenas. Florianópolis, 2009. 111 páginas. Dissertação. Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Catarina.

OROFINO, Maria Isabel. Mídia e educação: contribuições dos estudos da mídia e comunicação para uma pedagogia dos meios na escola. In: FLEURI, Reinaldo Matias. Educação intercultural. Mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 109-124. RODRIGUES, Aryon Dall'Igna. Línguas brasileiras. Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo, Loyola, 1986.

SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

SILVA, Luana Máyra da; SILVA, Jeniffer Caroline da. Do papel ao cotidiano: escola e educação escolar indígena na E.I.E.B. Cacique Vanhkrê. In: Etnohistória, História Indígena e Educação: contribuições ao debate. Porto Alegre: Pallotti, 2012, p. 163-176.

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Anexo 1

Instrumento:

Usos da Internet na escola Cacique Vanhkrê

1) Marque com X a quantidade de vezes em que acessa a Internet por semeana. ( ) 0-2 vezes

( ) 3-4 vezes ( ) 5 ou mais vezes

2) Marque com X os sites que você usa na Internet. ( ) E-mail

( ) Facebook

( ) Site de notícias (ex.: Globo, R7 e outros) ( ) Jogos

( ) Site de esportes (ex.: Globo Esporte, Lancenet e outros) ( ) FUNAI

( ) Outros. Cite quais:______________________________________________________

3) Escreva, em poucas palavras, o que você mais gosta de fazer ao acessar a Internet e diga de que modo você gosta de se apresentar nos espaços de interatividade na rede.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

LABHIN – LABORATÓRIO DE HISTÓRIA INDÍGENA

OBEDUC – OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO

Campus Universitário – Trindade 88040-900 – Florianópolis – SC – Brasil http://www.labhin.ufsc.br fone: (48)3721-2491

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