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Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros

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Academic year: 2021

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“Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia

silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.

Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste

A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá , as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.

Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.”

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Note-se que o narrador seguidas vezes compara

Iracema à natureza exuberante do Brasil. E a virgem

leva sempre vantagem. Seus cabelos são mais negros e

mais longos, seu sorriso mais doce, seu hálito mais

perfumado,

seus

pés

mais

rápidos.

Iracema é apresentada por um narrador que, embora

se apresente na terceira pessoa, é claramente emotivo e

apaixonado. Retrata-a, portanto, como a síntese perfeita

das maravilhas da natureza cearense, brasileira e

americana. Iracema é muito mais do que uma mulher.

Não

anda,

flutua.

Toda

a

natureza

rende-lhe

homenagem: da acácia silvestre aos pássaros, como o

sabiá e a ará. A heroína é o próprio espírito harmonioso

da floresta virgem.

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 A harmonia rompida

O narrador deixa clara a ruptura nesse harmoniosa relação de Iracema com o seu meio ao apresentar o surgimento de Martim: "Rumor suspeito quebra a doce

harmonia da sesta". A vista de Iracema perturba-se, impossibilitada de decodificar essa estranha aparição de uma etnia que lhe é desconhecida.

José de Alencar retrata, assim, o processo de estranhamento e fascínio mútuo que dominou o encontro dos dois povos. Começavam a se conhecer, sem sequer suspeitar as trágicas conseqüências do encontro para os indígenas.

 A sedução

Enquanto esperam a volta de Caubi, o irmão de Iracema que reconduziria o guerreiro branco às terras potiguaras, Iracema se apaixona por Martim, mas não pode se entregar a ele, porque, como afirma o Pajé, “se a virgem abandonou ao guerreiro branco a flor de seu corpo, ela morrerá…” Uma noite, Martim pede à Iracema o vinho de Tupã, já que não está conseguindo resistir aos encantos da virgem. O vinho, que provoca alucinações, permitiria que ele, em sua imaginação, possuísse a jovem índia como se fosse realidade. Iracema lhe dá a bebida e, enquanto ele imagina estar sonhando, Iracema “torna-se sua esposa”.

É muito importante notar o valor alegórico dessa passagem. Ao “possuir” Iracema, Martim está inconsciente, completamente seduzido e inebriado. Esse gesto há de provocar a destruição da virgem, assim como a invasão do Brasil pelos portugueses há de provocar a destruição da floresta virgem americana. No entanto, assim como Martim não tinha

qualquer intenção de provocar a morte de sua amada – o faz por paixão – os destruidores da natureza brasileira o fizeram de forma inconsciente e inconsequente. A consciência ecológica de Alencar vai muito além da ingênua defesa das nossas matas: percebe com clareza o seu processo de destruição.

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Martim é ameaçado pelo enciumado chefe guerreiro Irapuã,

que quer invadir a cabana de Araquém e matá-lo. Apesar da

advertência de Araquém de que Tupã puniria quem machucasse

seu hóspede, os guerreiros de Irapuã cercam a cabana, que é

protegida por Caubi.

Iracema encontra Poti, que está próximo à aldeia dos

tabajaras e deseja salvar o amigo. Planejam, então, a fuga de

Martim. Durante a preparação dos guerreiros tabajaras para a

guerra com os potiguaras, Iracema lhes serve o vinho da jurema

e, enquanto os guerreiros deliram, ela leva Martim e Poti para

longe da aldeia. Quando já estão em terras potiguaras, Iracema

revela a Martim que ela agora é sua esposa e deve acompanhá-lo.

Entretanto, os tabajaras descobrem que Iracema traíra “o

segredo da jurema” e perseguem os fugitivos.

Os potiguaras, avisados da invasão dos tabajaras, juntam-se

aos fugitivos e é travado um sangrento combate. Iracema luta ao

lado de Martim contra a sua tribo.Os potiguaras ganham a luta e

Iracema se entristece pela morte dos seus irmãos tabajaras.

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Iracema acompanha Martim e Poti e passa a morar com eles no litoral. Durante algum tempo, eles são muito felizes, e a alegria se completa com a gravidez de Iracema. Porém, Martim acaba por “saturar-se de felicidade” e seu interesse pela esposa e pela vida ao seu lado começa a esfriar. Iracema se ressente da frieza do marido e sofre. Martim se ausenta com freqüência em caçadas e batalhas contra os inimigos dos potiguaras. Enquanto guerreia, nasce seu filho, que Iracema chama de Moacir, que significa “nascido do meu sofrimento, da minha dor”.

Solitária e saudosa, Iracema tem dificuldade para amamentar o filho e quase não come. Desfalece de tristeza. Martim fica longe de Iracema durante oito luas (oito meses) e, quando volta, encontra Iracema à beira da morte. Ela entrega o filho a Martim, deita-se na rede e morre, consumida pela dor. Poti e Martim enterram-na ao pé do coqueiro, à beira do rio. Segundo Poti: “quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos.”

O lugar onde viveram e o rio em que nascera o coqueiro vieram a ser chamados, um dia, pelo nome de Ceará (que significa “o canto da jandaia”).

Martim partiu das praias do Ceará levando o filho. Alencar comenta: “O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?”

O guerreiro branco volta alguns anos depois, acompanhado de outros brancos, inclusive um sacerdote “para plantar a cruz na terra selvagem”. Começa a

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 Iracema voou Chico Buarque/1998

Iracema voou Para a América Leva roupa de lã E anda lépida

Vê um filme de quando em vez Não domina o idioma inglês Lava chão numa casa de chá Tem saído ao luar

Com um mímico Ambiciona estudar Canto lírico

Não dá mole pra polícia Se puder, vai ficando por lá Tem saudade do Ceará

Mas não muita Uns dias, afoita Me liga a cobrar:

-- É Iracema da América

Obs: Nessa canção, Chico Buarque de Holanda atualiza a lenda do Ceará, apresentando Iracema como uma emigrante que vai para a América (lembrando o anagrama de Alencar), seguindo assim, a sina do primeiro cearense, Moacir.

Referências

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