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A narrativa no método sequencial: aproximações e intervalos 1

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Academic year: 2021

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A narrativa no método sequencial: aproximações e intervalos

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Guilherme Volkmann HAAS. Mestrando em Comunicação e Linguagens. Universidade Tuiuti do Paraná / PR

RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar o desenvolvimento da narratividade formada por imagens sequenciais: do aprimoramento das ferramentas e dos recursos de registro à abertura da linguagem proporcionada pelo cinema contemporâneo. O texto recupera as principais fases da história da arte sequencial, e apresenta uma reflexão sobre a organização imagética das obras cinematográficas em relação às narrativas que empregam o método sequencial.

PALAVRAS-CHAVE: arte sequencial; narrativa; tempo; linguagem; intervalos.

A comunicação, no aspecto das relações intersubjetivas, é um desenvolvimento da capacidade humana de expressar seus pensamentos e percepções sobre o mundo. A linguagem de signos surge na antiguidade como uma necessidade da humanidade de transmitir conhecimentos para as futuras gerações; o homem fez do campo de plantio sua página de texto, registrando os sucessos ou fracassos da colheita, aprendendo as variáveis condições do tempo e suas estações. Através dos textos, o homem conseguiu codificar, interpretar e raciocinar as coisas do mundo.

A organização de representações simbólicas nas cavernas corresponde ao início da estruturação narrativa. Com a escrita, o homem se inseriu no tempo e no espaço; tomou consciência da sua ação na grande narrativa histórica. A justaposição de imagens e códigos linguísticos são os primeiros indícios da configuração espaço-temporal do homem. Posto de outra forma, o desenvolvimento da escrita e da linguagem define a relação do homem com o tempo; seus registros tornam-se marcas e vestígios daquilo que foi. Outrossim, a escrita marca a passagem da humanidade para um outro nível inteligível através da percepção e interpretação de signos: na aproximação de dois significantes, o homem percorre uma narrativa na elaboração de um significado. Na lacuna entre um signo e outro, entre um ícone e outro, é que se estabelece a noção de tempo e narratividade da condição humana.

O desafio último tanto da identidade estrutural da função narrativa é o

1 Trabalho apresentado no GT História da Mídia Audiovisual e Visual, componente do I Encontro Paraná/Santa Catarina de História da Mídia.

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caráter temporal da existência humana. O mundo exibido por qualquer obra narrativa é sempre um mundo temporal. (...) O tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo; em compensação a narrativa é significativa na medida em que esboça traços da experiência temporal (RICOEUR, 1994, p.15).

História da arte sequencial

A arte sequencial, caracterizada por narrativas fragmentadas em pequenas imagens para expressar uma sucessão rápida de acontecimentos, é um desenvolvimento da expressão humana que remonta os desenhos nas paredes das cavernas. O método de contar histórias com o emprego de imagens justapostas se aprimorou na História através das expressões artísticas; quadros e pinturas reproduziam pequenas narrativas através das suas imagens. Mas é apenas com o surgimento da Imprensa escrita que a arte sequencial se define como uma prática singular e distinta das demais expressões artísticas. A arte sequencial se caracteriza como um produto de massa, identificado pelas técnicas de reprodução e distribuição, publicado em formatos como revistas, jornais ou álbuns. Os primeiros materiais impressos consistiam em conteúdos religiosos, mas a partir dos séculos XVII e XVIII, aspectos da política e da vida social começaram a aparecer em gravuras e reproduções. A publicação dos quadros de William Hogarth é notória no desenvolvimento da história da arte sequencial: sua série de oito pinturas A Rake's Progress (1732-1733), publicadas em forma de gravura em 1735 conta a história de luxúria e perdição da personagem Tom Rakewell em Londres. A transposição dos quadros de Hogarth para um suporte impresso foi um marco importante para a arte sequencial. Mais tarde, outros artistas começaram a experimentar a sequência de imagens para criar narrativas. Historicamente, são mencionados cinco artistas precursores dessa forma de arte: o suíço Rudolph Töpffer, o alemão Wilhelm Bush, o francês Georges ("Christophe") Colomb, o italiano (que viveu no Brasil) Angelo Agostini, e o americano Richard Fenton Outcault, criador do Garoto Amarelo (The Yellow Kid), considerado o primeiro quadrinho da História a combinar imagens e balões de diálogos e a estabelecer o formato e as convenções de narrativa.

Advindo dessa ligação embrionária à Imprensa, a arte sequencial se define a partir das sátiras políticas e sociais, publicadas por jornais europeus e norte-americanos, que traziam caricaturas acompanhadas de comentários ou pequenos diálogos humorísticos entre as personagens retratadas. Em 1840, essas publicações ilustradas

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começaram a se popularizar e as narrativas a adquirirem maior expressividade. Publicada a partir de 1837, Histoire de M. Vieux Bois do caricaturista suíço Rudolph Töpffer é considerada por muitos a primeira história em quadrinhos. Encartada como suplemento ao jornal dominical, a publicação consistia em 30 páginas, cada qual dividida entre um a seis quadros de desenhos acompanhados de blocos de textos abaixo das imagens. A obra foi traduzida e republicada em 1842 nos EUA como The Adventures of Obadiah Oldbuck.

Em 1865, o alemão Wilhelm Busch publica os quadrinhos dos garotos Max und Moritz. A obra, sete historietas de travessuras da dupla, teve grande impacto cultural nos países de língua germânica e é até hoje contada pelos pais e referenciada na cultura de massa. Com imagens ricas em detalhes das ações dos garotos, Max und Moritz foi traduzida em diversas línguas; em inglês ficou conhecido como Max and Moritz: A Story of Seven Boyish Pranks, no Brasil foi lançado como Juca e Chico, e no Japão foi o primeiro livro infantil traduzido do estrangeiro e publicado no país.

No Brasil, a arte sequencial foi introduzida pelo artista italiano Angelo Agostini, que fez inúmeras charges e caricaturas de figuras políticas da época de Dom Pedro II, lutando pela abolição da escravatura. Agostini foi colaborador tanto com desenhos quanto com textos nas publicações O Mosquito e Vida Fluminense. Nessa última, publicou, em 30 de Janeiro de 1869, Nhô-Quim, ou Impressões de uma Viagem à Corte, considerada a primeira história em quadrinhos brasileira e uma das mais antigas do mundo. Em 1 de janeiro de 1876 fundou a Revista Ilustrada, um marco editorial no país para a época. Nela, criou o personagem Zé Caipora (1883), o que, para alguns autores, foi a primeira revista em quadrinhos com um personagem fixo a ser lançada no Brasil.

Apesar de nunca terem sido oficialmente batizados, os quadrinhos receberam diferentes nomes de acordo com as circunstâncias específicas dos diversos países em que se estabeleceram. Por exemplo, nos EUA, convencionou-se chamar comics pois as primeiras historinhas eram de humor, cômicas; na França, eram publicadas diariamente nos jornais em formato de tiras (bandes) e ficaram conhecidas por bandes-dessinées; em Portugal por Histórias aos Quadradinhos (HQ) ou Banda Desenhada; na Itália, ganharam o nome dos balõezinhos ou fumacinhas (fumetti) que indicam a fala das personagens; na Espanha, chamou-se de tebeo, nome de uma revista infantil (TBO), da mesma forma que, no Brasil, chamou-se por muito tempo – e continua a ser largamente utilizado – de gibi (também nome de uma revista). Tudo, no entanto, se refere a mesma

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coisa: uma forma narrativa por meio de imagens fixas, ou seja, uma história narrada em sequência de pequenos quadros.

As décadas de 1920 e 1930 foram de extrema importância para a consolidação de uma indústria dos quadrinhos. Com o sucesso dos suplementos dominicais, os quadrinhos começaram a serem colecionados em revistas, dando origem aos primeiros "comic books". Dessa época surgem antologias como as britânicas The Dandy e The Beano, destinadas ao público juvenil. Na Bélgica, Hergé cria TinTin. Nos Estados Unidos, os suplementos experimentam novos gêneros e estilos além da comédia, com histórias de ação, aventura e mistério. Em 1938, com a publicação da Action Comics #1, um estrondoso sucesso da primeira história do Superman, surgiu o gênero dos super-heróis, que se tornaria o paradigma dos quadrinhos norte-americanos. Em torno desses heróis mascarados, a partir da década de 1940, desenvolveu-se uma verdadeira indústria do entretenimento.

Após a publicação da coletânea de Will Eisner A Contract with God, and Other Tenement Stories em 1978, o termo “graphic novel” começa a ser utilizado para diferenciar as publicações em quadrinhos. Naquela coletânea de Eisner, as histórias eram mais maduras, complexas e destinadas a um público adulto. Com o rótulo “graphic novel” na capa – posto na intenção de distingui-lo do formato de quadrinhos tradicional – essa publicação estabeleceu uma nova categoria na arte sequencial. Eisner citou como inspiração os livros de Lynd Ward, que produzia romances completos em xilogravura. O termo “romance gráfico” sugere uma história com início, meio e fim, ao contrário dos quadrinhos de histórias continuadas e seriadas. Sua definição não é estritamente definida e algumas vezes o termo é utilizado erroneamente para distinguir valores artísticos entre as obras sequenciais.

No Brasil, os gibis foram a representação mais popular da arte sequencial. Em 1960 começou a ser publicado a revista O Pererê com texto e ilustrações de Ziraldo (mesmo autor de O Menino Maluquinho). O personagem principal era um saci e não raro suas aventuras tinham um fundo ecológico ou educacional. Também na década de 60 o cartunista Henfil deu início a tradição do formato "tira" com seus personagens Graúna e Os Fradinhos. Foi nesse formato de tira que estrearam os personagens de Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica ainda no fim de 1959, que pouco mais tarde ganhou sua própria revista. Já as graphic novels ganharam popularidade nos últimos anos, através de antologias e coletâneas traduzidas do exterior. Entre os artistas

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brasileiros, vale destacar os premiados irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá que lançaram em 2007 uma adaptação em graphic novel do romance O Alienista, de Machado de Assis.

Adaptações cinematográficas: aproximações e intervalos

Nos últimas anos, a indústria audiovisual tem realizado várias adaptações de publicações da arte sequencial. Os heróis dos quadrinhos respondem hoje pelos maiores sucessos comerciais de Hollywood. Em geral, essas versões em longa-metragem são transcrições das histórias do original, privilegiando a trama narrativa. Mas também foram realizadas obras de adaptação que tentam reproduzir as características formais da arte sequencial. Os dois meios compartilham muitas semelhanças nos seus aspectos constitutivos: a noção de sentido em ambos os casos se faz pela justaposição de imagens. O significado do todo se forma pela interpretação dos blocos de conteúdos; o leitor assimila a narrativa pela junção das partes necessariamente desconexas em si.

As famosas regras de continuidade funcionam justamente para estabelecer uma combinação de planos de modo que resulte uma sequência fluente de imagens, tendente a dissolver a “descontinuidade visual elementar” numa

continuidade espaço-temporal reconstruída. O que caracteriza a decupagem clássica é seu caráter de sistema cuidadosamente elaborado, de repertório

lentamente sedimentado na evolução histórica, de modo a resultar num aparato de procedimentos precisamente adotados para extrair o máximo rendimento dos efeitos da montagem e ao mesmo tempo torná-la invisível (XAVIER, 2005, p.32).

Na arte sequencial, a unidade mínima da linguagem é o quadro fixo, enquanto no cinema consideramos o plano em movimento (entre dois cortes) como a menor unidade. A duração é uma condição da experiência cinematográfica (e a velocidade da projeção nos impede de ver os fotogramas), enquanto o tempo na arte sequencial depende unicamente do leitor. Apesar disso, a montagem dessas linguagens – da escolha de valores de planos/quadros à seleção e apresentação dos conteúdos – é bastante similar. Em ambos os casos, o sentido (ou o movimento do pensamento) se estabelece pelos intervalos de imagens: entre um ponto e outro, entre um signo e outro, o leitor é convidado a participar como sujeito-interpretante. A narratividade acontece sempre através da aproximação de significantes e da conjunção de intervalos.

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REFERÊNCIAS

RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa, Tomo I. Campinas, SP: Papirus, 1994. TYCHINSKI, Stan. A Brief History of the Graphic Novel. Disponível em:

<http://www.graphicnovels.brodart.com/history.htm> Acesso em: 03 de maio de 2010 XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2005.

A Rake's Progress (imagens) Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/A_Rake

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