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COGNIÇÃO: CONCEITO, OBJETO E ESPÉCIES

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COGNIÇÃO: CONCEITO,

OBJETO E ESPÉCIES

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Após a análise dos aspectos ligados à teo ria geral do D ireito Processual, passa-se ao estu d o das três espécies adm itidas de m ódulo processual, com e­ çando-se pelo m ódulo processual de conhecim ento, ou cognitivo. Esse tipo de m ódulo processual é assim d enom inado por ter, com o atividade p rep o n d eran ­ te, a cognição, objeto de atenção nesse m o m e n to .1

Cognição é a técnica utilizada pelo juiz para, através d a consideração, aná­ lise e valoração das alegações e provas produzidas pelas partes, form ar juízos de valor acerca das qu estõ es suscitadas no processo, a fim de decidi-las.2 Trata- -se de atividade com um a todas as categorias de m ódulo processual, em bora se revele predom inante no m ódulo cognitivo.

Explique-se esse conceito: a finalidade essencial do m ódulo processual de conhecim ento é a obtenção de u m a declaração, consistente em conferir-se certeza jurídica à existência ou inexistência do d ireito afirm ado pelo d em an d an ­ 1 É de se notar que a denominação “processo de conhecimento” (ou, como prefiro dizer aqui, mais genericamente, módulo processual de conhecimento) é típica da linguagem dos proces- sualistas brasileiros e italianos. Não é, porém, a mais freqüente entre os juristas portugueses, que preferem designar essa espécie de processo pelo fim básico a que se destina, qual seja, a declaração da existência ou inexistência do direito afirmado pelo demandante, razão pela qual se fala, naquele país, em processo declarativo. Assim, por todos, Fernando Luso Soares, Direito processual civil, p. 211.

2 Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 41; Freitas Câmara, "O objeto da cognição no processo civil”, p. 207.

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te em su a petição inicial. Para prolatar o provim ento capaz de p erm itir que se alcance essa finalidade, é preciso que o juiz exam ine e valore as alegações e as provas produzidas no processo, a fim de em itir seus juízos de valor acerca das m esm as. A essa técnica de análise e valoração é que se dá o nom e de cognição.

A cognição é elem en to essencial para a adequação do processo às n e­ cessidades do d ireito m aterial, com o facilm ente se co m preenderá q u an d o da análise das diversas espécies em que a m esm a pode ser dividida.

D iscute-se em d o u trin a qual é o objeto da cognição. N ote-se, an tes de m ais nada, que o conceito de objeto d a cognição não coincide com o de objeto do processo, já estudado, sendo certo que este é m ais restrito , e encontra-se con­ tido naquele.3 O que se busca aqui é saber sobre o que incide a atividade cog­ nitiva do juiz, havendo pro fu n d a d issensão en tre os au to res que trata ra m do te m a em definir os co m ponentes desse objeto.

H á q u e se referir, em prim eiro lugar, aos au to res qu e defendem a ideia de que o objeto d a cognição é u m binômio, 4 form ado pelos p ressu p o sto s p ro ­

cessuais e pelas "condições d a ação”.5 De o u tro lado, en co n tram o s os defen­ sores d a ideia segundo a qual o objeto d a cognição judicial é form ado p o r um

trinômio de questões: "condições da ação”, p ressu p o sto s p rocessuais e m é rito .6

N ão se pode, ainda, d eixar de referir a teo ria segundo a qual o objeto da cognição seria u m quadrinômio: p ressu p o sto processual, su p o sto s processuais, "condições d a ação” e m é rito d a causa.7

A q u estão que o ra m e ocupa já m e preocupou antes, a p o n to de te r elabo­ rado, a seu respeito, ensaio já aqui referido.8 R eitero, agora, a ideia ali enuncia­ da, de q u e o objeto d a cognição é, sim , form ado p o r um trinômio de questões, m as não o trin ô m io tradicionalm ente enunciado. Em vez de falar em pressupostos

3 Sobre a distinção entre objeto da cognição e objeto do processo, consulte-se Freitas Câmara, “O objeto da cognição no processo civil”, p. 222, esp. nota de rodapé n° 30; Dinamarco, “O con­ ceito de mérito em processo civil", Fundamentos do processo civil moderno, p. 204.

4 Entre estes destaca-se, sem sombra de dúvida, a figura maior de Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 69.

5 Nunca é demais recordar que Chiovenda defendia uma concepção concreta da ação, o que o levava a considerar que as “condições da ação” eram os requisitos para obtenção de um jul­ gamento favorável, aí incluindo, portanto, a existência do direito substancial afirmado pelo de­ mandante.

6 Essa é, sem dúvida, a doutrina dominante. Assim, entre outros, Buzaid, Do agravo de petição no sistema do Código de Processo Civil, p. 90; Dinamarco, O conceito de mérito em processo civil, p. 205; Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 51; Machado Guimarães, Estudos de direito processual civil,

p. 99; Luís Eulálio de Bueno Vidigal, “Pressupostos processuais e condições da ação”, Revista de direito processual civil, vol. VI, 1967, p. 5-11; Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, vol. II, p. 177.

7 Neves, Estrutura fundamental do processo civil, p. 199. 8 Freitas Câmara, "O objeto da cognição no processo civil”, passim.

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processuais, "condições da ação” e mérito da causa com o co m ponentes do objeto da

cognição, parece-m e m ais acertado falar-se qu e os co m ponentes de tal trinô- m io são questões preliminares, questões prejudiciais e questões referentes ao mérito da

causa (objeto do processo).9

Em prim eiro lugar, a m eu sentir, devem ser apreciadas as questões preli­

minares. Estas são u m a espécie de q u estão prévia, assim com preendida to d a e

q u alq u er q u estão qu e deva ser apreciada antes do m érito d a causa. E n tre as q u estõ es prévias encontram -se duas espécies: preliminares e prejudiciais.10 As prim eiras, com que m e preocupo nesse m om ento, são aquelas q u estõ es p ré­ vias cuja solução pode im pedir o julgam ento do objeto do p ro cesso .11 Assim , p o r exem plo, a análise das q u estõ es sobre as "condições d a ação”, ou d as q u es­ tõ es sobre o processo (entre as quais se situ am os p ressu p o sto s processuais e os im p ed im en to s processuais, e n tre o u tra s), são prelim inares, visto que sua resolução pode im pedir a apreciação do m érito, extinguindo-se o processo sem que este seja resolvido.

São prelim inares as q u estõ es enunciadas no art. 301 do CPC, cabendo ao réu alegá-las n a contestação, sob p ena de resp o n d er pelas "cu stas do re­ ta rd a m en to ”. R egistre-se que, no art. 301, são incluídas d uas q u estõ es que não se enq u ad ram p ro p riam en te n o conceito apresentado de prelim inares: a incom petência ab so lu ta e a conexão (aí utilizado o te rm o em sen tid o am plo, abrangendo ta n to a conexão stricto sensu com o a continência). E ssas duas q u es­ tõ es não chegam jam ais a im pedir a apreciação do m érito d a causa, razão pela qual são denom inadas preliminares impróprias ou dilatórios.12

N ote-se, aqui, q u e a inclusão das "condições d a ação” e dos p ressu p o sto s processuais (e dem ais qu estõ es sobre o processo) n u m a m esm a categoria não im plica negar su a diversidade ontológica. Já ficou claro, ao longo da exposição de m inhas ideias, que "condições d a ação” e p ressu p o sto s processuais são ca­ tegorias d istin tas, d a m esm a form a com o são d istin to s os in stitu to s da ação e do processo. O que p reten d o é, tão som ente, a inclusão dessas categorias ontologicam ente d istin tas n u m a única categoria q u a n to à cognição judicial, u m a vez que am bas têm um elem ento em com um , qual seja, o fato de serem am bas qu estõ es que devem ser apreciadas an tes do objeto d o processo, e cuja resolução pode im pedir a apreciação deste.

U ltrapassadas as prelim inares, o qu e significa dizer que é possível a apre­ ciação do objeto do processo, passa-se à segunda espécie de q u estão prévia, a 9 Freitas Câmara, “O objeto da cognição no processo civil", p. 208.

10 Sobre as questões prévias como gênero, de que são espécies as preliminares e as prejudiciais. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil [de 1939], tomo IV, p. 63.

11 Barbosa Moreira, Questões prejudiciais e coisa julgada, p. 29-30. 12 Freitas Câmara, “O objeto da cognição no processo civil”, p. 209.

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prejudicial. E ntra-se, nesse m om ento, no segundo elem ento com ponente do

trin ô m io de q u estõ es que com põe o objeto da cognição judicial.

Q u estão prejudicial é a segunda espécie de q u estão prévia, e pode ser definida com o o an tece d en te lógico e necessário do ju lg a m en to do m érito (q u estão prejudicada), e que vincula a solução deste, poden d o se r objeto de d em an d a a u tô n o m a .13 Trata-se, com o se verifica facilm ente p ela definição apresentada, de q u estão que deve ser apreciada an tes d o objeto do processo, o q u e ju stifica su a inclusão com o elem e n to d istin to do m é rito no objeto da cognição judicial. A prejudicial é u m a q u estão prévia ao m érito e cuja solução te rá forte influência n a resolução do objeto do processo. Exem plo tradicional é o que se tem n a "ação de alim en to s”, em que o a u to r alega ser filho do réu, e este co n te sta a p rete n são do d em an d an te, negando a filiação. A n tes de ju lg ar a p rete n são d o autor, com o facilm ente se deduz, caberá ao ju iz verificar se ele é ou não filho do réu. E ssa q u estão não in teg ra o objeto do processo, sen d o a ele a n te rio r (q u estão prévia, p o rta n to ). Salta aos olhos, porém , que a solução que se dê à prejudicial influirá no ju lg a m e n to d a pretensão.

N ote-se qu e o juiz não julga a q uestão prejudicial, m as tão so m e n te dela

conhece. Isso explica p o r que, p o r exem plo, afirm a o art. 469, III, do CPC qu e a

resolução d a q uestão prejudicial não é alcançada pela coisa julgada. Essa afir­ m ação contida n a lei fica m ais clara q u an d o se sabe que só pode ser alcançado pela coisa julgada aquilo que é julgado, e isso não ocorre com as prejudiciais, que são apenas conhecidas. O juiz apenas conhece incidenter tantum das preju d i­ ciais, e não principaliter.14

A q u estão prejudicial pode ser interna (quando surge no m esm o processo onde será apreciada a q uestão prejudicada, com o ocorre no exem plo an terio r­ m en te aventado, d a "ação de alim en to s”), ou externa (quando su a apreciação se dará em o u tro processo, o q u e ocorreria, por exem plo, se a negação de p ater­ nidade d o exem plo aventado tivesse ocorrido em "ação negatória de p atern id a­ d e ”). Pode, ainda, ser classificada em homogênea (quando p erten ce ao m esm o ram o do D ireito que a q u estão prejudicada, e m ais um a vez cito o exem plo referido da "ação de alim en to s”, u m a vez que a obrigação de alim en tar e a fi­ liação pertencem , am bas, ao m esm o ram o d a ciência jurídica: o D ireito Civil) e

heterogênea (quando a prejudicial p ertence a ram o do D ireito diverso da q uestão

prejudicada, o que se dá, p o r exem plo, q u an d o n u m a d em an d a fundada no D i­ reito Civil surge u m a prejudicial de inconstitucionalidade de lei).

13 Antônio Scarance Fernandes, Prejudicialidade, p. 53; Freitas Câmara, "O objeto da cognição no processo civil”, p. 218.

14 Será visto mais adiante que há uma possibilidade de o juiz conhecer principaliter das ques­ tões prejudiciais, hipótese em que a postulação referente a estas será julgada e, por conseguinte, alcançada pela autoridade de coisa julgada. É o que se dá quando existe "ação declaratória inci- dental" (arts. 5o, 325 e 470 do CPC).

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Após a análise de eventual q u estão prejudicial que te n h a surgido no processo, passa-se ao terceiro elem ento do objeto da cognição, qual seja, o conjunto de q u estõ es referentes ao m érito da causa, ou objeto do processo (o Streitgegenstand da d o u trin a alem ã). Esse conceito já foi analisado an terio r­ m ente, sendo de lem brar, apenas, qu e o m é rito da causa n ada m ais é do qu e a p rete n são m anifestada pelo a u to r em su a dem anda. Em o u tras palavras, após a apreciação das q u estõ es prévias, p assa o ju iz a apreciar o m érito, ou seja, a julgar o pedido do a u to r.15

Registro, porém , e desde logo, que resolver q u estõ es não é julgar, m as algo que se faz a cam inho do julgam ento. Julgar é concluir, e só se consegue chegar à conclusão depois de resolvidas todas as questões. É preciso, então, que o juiz conheça de todas as q u estõ es de m érito, e as resolva, para que possa proferir seu ju lg am en to sobre a p reten são do dem andante. Essa observação deve ser feita p ara qu e se possa, depois, voltar ao p o n to (quando do e stu d o dos elem entos essenciais d a sentença).

A pós conceituar a cognição, e depois da exposição de seu objeto, h á que se p assar à classificação d a cognição, analisando-se cada u m a de suas espécies. A inda aqui não h á consenso d outrinário, em bora se po ssa verificar u m a certa uniform idade n o p en sam e n to da m aioria dos au to re s que tra to u do tem a.

U m a p rim eira ten tativ a de classificação d a cognição foi feita p o r Chioven­

da, que reconhecia a existência de u m a cognição ordinária ao lado de outra, su­ mária.16 Para esse au to r h á um a espécie ordinária de cognição, q u e seria "plena

e com pleta”, n a qual o juiz teria "por objeto o exam e afundo de todas as razões das partes, ou seja, de todas as condições para a existência do direito e da ação e de todas as exceções do ré u ”.17 Ao lado d essa prim eira espécie, reconhece

Chiovenda u m a cognição sum ária, incom pleta, "quando o exam e das razões das

p arte s ou não é exaustivo ou é parcial”.18

A cognição sum ária, para este autor, poderia se m anifestar de três formas: a) n a condenação com execução provisória, q u an d o se adm ite que

u m a sen ten ça condenatória, ain d a su je ita a recurso, pro d u za o efei­ to de abrir cam inho para a instauração d a execução forçada;

15 Note-se que, como julgar o mérito é julgar o pedido do autor, caberá ao juiz, quando da pro­ lação da sentença de mérito, julgar procedente ou improcedente o pedido (e não a ação, como se vê todos os dias na linguagem forense, e até mesmo na obra de diversos processualistas). Não se deve falar em “ação procedente” ou em “ação improcedente”, uma vez que não é do julgamento da existência ou inexistência do poder de ação que se trata aqui. O que está sob julgamento, quando da apreciação do objeto do processo, é o pedido formulado pelo demandante. Admitir-se como corretas as expressões aqui criticadas implicaria fazer-se uma concessão inadmissível às teorias concretas sobre a ação.

16 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 174-236. 17 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 175. 18 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 175.

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b) n a condenação sob reserva, q u an d o se adm ite que o ju iz p o ssa p ro ­ ferir sen ten ça condenatória, reservando o exam e de determ inadas exceções do réu para m o m en to posterior; e

c) no proced im en to m onitório, q u an d o a lei ad m ite que se p o ssa or­ d en ar u m pagam ento antes de ser ouvido o p reten so devedor. Ter-se-ia cognição su m ária nos três casos, sendo a cognição não definitiva (na h ip ó tese sub a), parcial (na h ip ó tese sub b) o u superficial (na h ip ó tese sub c ).19 N as três espécies de cognição sum ária, ter-se-ia com o objetivo a antecipa­ ção d a execução, razão pela qual deu Chiovenda a essas m edidas provenientes de cognição incom pleta o nom e de "declarações com p red o m in an te função executiva”.20 A dm itia, ainda, Chiovenda, haver cognição sum ária, em razão da urgência, para concessão de m edidas provisórias, acauteladoras ou não.21

E ssa classificação da cognição, em b o ra extrem am en te lógica, e tendo sido defendida pelo m ais influente en tre to d o s os processualistas, não recebeu acolhida da m elh o r d o u trin a. É realm en te preferível adotar-se o u tra form a de classificação, p ro p o sta n o Brasil pelas vozes m ais autorizadas que trata ra m do tem a.22 A ssim é qu e a cognição deve ser exam inada em dois planos, o horizontal (da extensão ou am plitude) e o vertical (da profundidade).

N o plano horizontal, em que se verifica a am p litu d e da cognição judicial, o que se busca é saber qual a extensão com que são analisados os elem entos com ponentes do objeto da cognição. Fala-se, assim , em cognição plena (quando todos os co m ponentes d o trin ô m io são apreciados) e limitada (quando ocorre algum a restrição n a am plitude d a cognição). A prim eira espécie é a m ais fre­ q ü en te no m ódulo processual de conhecim ento, já q u e o princípio da econom ia processual im põe se bu sq u e a existência de um processo capaz de asseg u rar o m áxim o de vantagem com o m ínim o de dispêndio. A ssim sendo, n a m aioria dos processos cognitivos o objeto d a cognição é in teiram en te analisado pelo juízo, com o q u e se g arante que a sen ten ça resolverá a q u estão su b m etid a ao crivo do judiciário da form a m ais com pleta possível.

Exem plo d a segunda espécie, em qu e a cognição é lim itada no plano horizontal, restrin g in d o -se assim a análise do objeto d a cognição, é o que se tem nas "ações possessórias”, em qu e - com o n o tó rio - não se pode exam inar a existência do dom ínio (vedação da "exceção de d o m ín io ”). A ssim , p o r exem ­ plo, se for p ro p o sta u m a "ação possessória” em que figure com o réu o p ro ­ p rietário do bem , este não p oderá alegar em defesa o dom ínio. A cognição é, 19 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 236-237.

20 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 237. 21 Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. I, p. 275.

22 Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 83-91; Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória,

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p o rtan to , lim itada, restrin g in d o -se à análise d a posse. Fica aberta, obviam ente, a via d a "ação p etitó ria” p ara qu e aquele que se considere proprietário possa fazer valer esse direito em juízo.

N o plano vertical, em que se busca saber a profundidade da análise dos elem entos a serem apreciados pelo juiz, têm -se três espécies de cognição: exau-

riente, sumária e superficial.

A p rim eira espécie é aquela em q u e a decisão judicial será proferida

com base em ju ízo de certeza. Cabe, aqui, u m a explicação. É qu e to d o ju ízo de certeza é, em verdade, u m ju ízo de verossim ilhança.23 Tal se d á p o rq u e o ju iz atua, em relação aos fatos d a causa, com o o h isto ria d o r em relação aos fatos históricos, bu scan d o reco n stru í-lo s. A ssim é q u e o juiz, em su a ativida­ de cognitiva, afirm a que dado fato é verdadeiro q u an d o alcança aquele grau de convencim ento que lhe é outo rg ad o p o r u m a m áxim a verossim ilhança. A certeza a qu e se refere aqui, p o rtan to , não é u m a certeza psicológica, m as um a certeza ju ríd ica.24

A cognição exauriente, p o rtan to , perm ite a prolação de u m a decisão ba­ seada em juízo de certeza (jurídica), o que justifica a form ação d a coisa julgada, m an to que reveste de im utabilidade e indiscutibilidade o co nteúdo dessa de­ cisão. Em o u tro s term os, a cognição exauriente p erm ite a resolução definitiva d a q u estão trazida ao crivo do judiciário, im pedindo, assim , o su rg im en to de processo p o sterio r qu e te n h a o m esm o objeto.

As principais características d a cognição exauriente são a existência de u m contraditório an teced en te ao provim ento jurisdicional (eis que o ju iz só p oderá form ar o ju ízo de certeza após ouvir as razões de am bas as p artes), o qual deverá se realizar nos te rm o s pred eterm in ad o s p o r lei, e n a possibilidade de o provim ento assim proferido ser alcançado pela im utabilidade e in d iscu ti­ bilidade da coisa julgada substancial.25

A cognição exauriente, com o facilm ente se verifica, é freqüente nos m ó­ dulos processuais de conhecim ento, u m a vez que a finalidade essencial destes é, precisam ente, a obtenção de certeza ju ríd ica q u a n to à existência o u inexis­ tência do direito substancial afirm ado pelo dem andante.

A segunda m odalidade de cognição no plano vertical é a cognição sumária. E sta se caracteriza p o r levar o juiz a em itir u m provim ento baseado em juízo de probabilidade. Cabe, aqui, o u tra rápida digressão. Os conceitos de possibilidade, 23 Piero Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, Opere giuridiche, vol. V, p. 616.

24 Piero Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile", p. 617.

25 Essas as características apontadas para o que chama cognizione piena, e que corresponde ao que aqui venho chamando cognição exauriente, Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile,

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verossimilhança e probabilidade são, em verdade, m u ito próxim os, sendo m esm o

com um que sejam em pregados com o sinônim os. N ão parece, porém , que essa seja a m elh o r form a de se in te rp re tar esses term o s. A ssim é qu e o p to por dar a esses três conceitos o sen tid o que lhes d á Calamandrei, em o b ra clássica já referida: possível é aquilo qu e pode ser verdade; verossímil é aquilo que tem a aparência de verdade; p o r fim, provável é aquilo qu e se pode co nsiderar com o razoável, ou seja, aquilo que d em o n stra grandes m otivos para fazer crer que corresponde à verdade.26 A presentam -se, pois, esses três term o s com o um a escala em direção à certeza: a m ais tê n u e das três figuras é a m era possibilidade (capaz de excluir, apenas, os fatos im possíveis de terem ocorrido). U m pouco m ais forte é a verossimilhança (que se afigura com o aparência de que o fato ocor­ reu) e, p o r fim, a probabilidade, algo com o u m a “quase-certeza”.

N a cognição sum ária, busca-se u m ju ízo de probabilidade, devendo o provim ento a se r proferido afirmar, apenas e tão som ente, que é provável a existência do direito, ou seja, q u e h á fortes indícios no sen tid o de sua ex istên ­ cia, convergindo para tal conclusão a m aioria dos fatores postos sob o exam e do juiz. Tal provim ento, obviam ente, não p o d erá jam ais ser tid o p o r im utável e indiscutível, já que não é capaz de afirm ar a existência do direito, sendo, p o rtan to , incapaz de ser alcançado p ela im utabilidade e indiscutibilidade d e­ correntes d a au to rid ad e de coisa julgada substancial.27

São diversas as h ip ó te se s em q u e o ju iz é cham ado a e m itir p ro v im en ­ to s com base em cognição sum ária, e n tre eles se d e stac an d o as m edidas cau- telares e a tu te la an tecip ad a.28 A cognição su m ária é u m a técn ica d e stin ad a a asse g u rar três escopos principais: eco n o m ia processual, evitar o ab u so do d ire ito de defesa e busca de efetividade da tu te la q u a n d o e s ta seja co m p ro ­ m e tid a pelo te m p o .29

26 Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, p. 621.

27 Não concordando com o que vai no texto, afirmando a possibilidade de um provimento ba­ seado em cognição sumária alcançar a coisa julgada material, Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência, p. 8-9. Registro, aqui, que o ordenamento pode estabelecer casos em que a decisão proferida com base em cognição sumária, em razão de algum fato posterior, passa a se equiparar a decisões baseadas em cognição exauriente. É o que se tem, por exemplo, no procedimento mo- nitório, em que o provimento liminar, baseado em juízo de probabilidade, somado à contumácia do demandado, permite a formação da coisa julgada material.

28 Sobre a natureza sumária da cognição em sede de tutela cautelar, para não multiplicar des­ necessariamente as citações, basta referir a principal obra já escrita sobre o tema: Piero Cala­ mandrei, "Introduzione alio studio sistemático dei prowedimenti cautelari”, Opere giuridiche, vol. IX, p. 201. Sobre a índole sumária da cognição na tutela antecipada, é farta a literatura no Brasil. Consulte-se, entre outros, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. I, p. 113; Nery Júnior,

Atualidades sobre o processo civil, p. 61; Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 145; Marinoni, A antecipação da tutela na reforma do processo civil, p. 22-24; Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 62.

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É de se notar, p o r fim, que, em razão d a diversidade conceptual an terio r­ m en te ap o n tad a en tre possibilidade, verossimilhança e probabilidade, não parece cor­ reto afirm ar que a cognição sum ária perm ite um "juízo de verossim ilhança”.30 E ste, com o se verá adiante, é o qu e se form a n a cognição superficial, terceira e ú ltim a espécie de cognição no aspecto vertical.

A probabilidade, exigida na cognição sum ária, corresponde a u m a "qua- se-certeza”, razão pela qual se exige, nesse cam po, a existência de algum a p ro ­ dução p ro b ató ria.31 E à luz dessas provas, insuficientes p ara p ro d u zir u m juízo de certeza, m as capazes de convencer o ju iz da probabilidade de existência do direito afirm ado, que se p ro latará o provim ento judicial deco rren te de cogni­ ção sum ária.

A firm e-se, para encerrar essa rápida exposição do conceito e das carac­ terísticas da cognição sum ária, que esto u convencido de que a probabilidade de existência do direito exigida p ara a prolação de um provim ento cautelar é a m esm a que se exige para a antecipação d a tu te la jurisdicional satisfativa.32

A terceira e ú ltim a das m odalidades de cognição q u an to à profundidade é a cognição superficial ou rarefeita. E sta se caracteriza p o r levar o juiz a um juízo de possibilidade (ou, pode-se dizer, a um ju íz o de verossim ilhança). É de se n o ta r que é aqui, n a cognição superficial, e não n a cognição sum ária, que h a­ verá verdadeiro ju ízo de verossim ilhança. A utilização indevida d essa palavra no caput d o art. 273 do CPC pode induzir o in té rp rete em erro, u m a vez qu e a h ip ó tese ali versada, tu te la antecipada, é exem plo típico de cognição sum ária.

V erossim ilhança, com o se sabe, é a aparência de verdade, sendo con­ ceito m ais rarefeito que o de probabilidade. O ju ízo de verossim ilhança, é de se deixar claro, não é um ju ízo a ser exercido sobre os fatos, m as sobre as afirm ações.33 O juízo de verossim ilhança, p o rtan to , característico d a cognição superficial, se d á n u m prim eiro m om ento, o das alegações, an tes de se iniciar o procedim ento probatório. Trata-se de um ju ízo que se p ro d u z sobre um a m áxim a de experiência, d ecorrente da verificação d a frequência com que se p ro d u z o fato alegado pela p arte.34 O ju ízo de verossim ilhança, pois, difere do 30 Vários autores, porém, fazem essa equiparação entre probabilidade e verossimilhança, que me parece errônea. Por todos, Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. I, p. 113.

31 Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 24-25.

32 Já afirmei isso anteriorm ente, em Freitas Câmara, Lineamentos do novo processo civil, p. 68. No mesmo sentido, Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 24, esp. nota de rodapé n° 30. Em sentido contrário, afirmando haver diferença de profundidade entre a cognição para a tutela antecipada e para a tutela cautelar, entendendo ser a exigência para a tutela cautelar mais tênue, Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, p. 145.

33 Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, p. 621-622. 34 Calamandrei, “Verità e verosimiglianza nel processo civile”, p. 622-623.

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juízo de probabilidade, típico da cognição sum ária, pois este se realiza após a produção de algum as provas.

A cognição superficial é típica das decisões lim inares em processo cau­ telar (m as não em todas as lim inares, visto que algum as são deferidas com base em cognição sum ária, com o no caso do m andado de segurança) .35 Pode- -se, pois, afirm ar que a decisão lim inar será deferida com base n u m a cognição que, n o plano vertical, encontra-se um "degrau” acim a daquela exigida para o provim ento final do processo onde a m esm a é prolatada. A ssim , p o r exem plo, no processo de conhecim ento de rito ordinário, o provim ento final - a se n ten ­ ça - é proferido com base em cognição exauriente. C onseqüência disso é que a lim inar antecipatória dos efeitos d a sen ten ça deverá ser deferida com base em cognição su m ária (um "degrau” acim a). Já no processo cautelar, em que o provim ento final é de cognição sum ária, a lim inar deverá ser proferida à luz de um ju ízo de m era verossim ilhança, ou seja, cognição superficial.

Afirm e-se, por fim, que as diversas m odalidades de cognição podem ser com binadas n u m m esm o processo, sendo possível adm itir-se a existência de processos com cognição p len a e exauriente, p len a e sum ária, lim itada e exau­ riente, e todas as o u tras com binações qu e se revelem possíveis e n tre a am pli­ tu d e (plano horizontal) e a profundidade (plano vertical) da cognição.36

35 Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, p. 26.

36 Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 85-86; Freitas Câmara, "O objeto da cognição no processo civil", p. 224-225.

Referências

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