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Texto integrante dos Anais do XVIII Encontro Regional de História O historiador e seu tempo. ANPUH/SP UNESP/Assis, 24 a 28 de julho de Cd-rom.

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Academic year: 2021

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Título do trabalho: Futebol e identidade nacional brasileira: o caso da Copa do Mundo de 1938. Autor: Paulo Henrique do Nascimento. Filiação institucional: Universidade Estadual Paulista – Campus de Franca.

Texto: O objetivo deste trabalho é propor uma reflexão a respeito da repercussão que a Copa do Mundo de futebol de 1938, disputada na França, teve no Brasil. Analisar-se-á como este evento pode ser considerado emblemático em se tratando de nacionalismo e identidade nacional, e os esforços por parte do governo Getúlio Vargas em realizar uma associação direta entre elementos do que era considerado como cultura popular à época (o samba, o carnaval e o futebol são claros exemplos) com o que de mais íntimo e peculiar haveria na “essência” do brasileiro. Essa reflexão justifica-se pelo fato desta Copa do Mundo, um marco do projeto nacionalista varguista, ter atraído a atenção da sociedade brasileira em vários segmentos (sociais, políticos, intelectuais, etc). A partir deste evento iniciou-se um exercício que viria a ser um hábito no Brasil: elaborar uma analise sociológica do brasileiro por intermédio do futebol. A grande cobertura por parte da imprensa brasileira e a repercussão que a atuação da equipe brasileira teve no campeonato, são provas de que os esforços por parte do governo em associar futebol à “brasilidade” lograram demasiado êxito. Aquela foi a primeira de uma série que viria a se tornar uma constante na sociedade brasileira: a enorme mobilização dos brasileiros em prol da seleção nacional em épocas de Copa do Mundo de futebol. Isso é perceptível ainda nos dias de hoje; afinal, não há como negar que o posto de “país do futebol” hoje consolidado instiga sentimento de orgulho nos brasileiros de uma forma geral, servindo de fator de identificação entre estes, bem como soberba perante outras nacionalidades. Este trabalho trata de como a Copa do Mundo de futebol disputada em 1938, na França, pode ser considerada como o primeiro grande momento de entusiasmo do brasileiro para com o esporte num âmbito nacional relevante, sendo isso reflexo da crescente popularização do esporte. Uma vez o futebol sendo popular, ia ao encontro das pretensões governamentais do presidente Getúlio Vargas em transformá-lo em um elemento de identificação nacional. O objetivo por parte do governo caminhava no sentido de associar elementos típicos do que se entendia ser uma cultura popular ao que supostamente haveria de mais peculiar no brasileiro, bem como instigar no brasileiro um sentimento de orgulho patriótico. O futebol já podia ser entendido como popular e mobilizador antes da década de 30; o que aconteceu a partir do governo de Vargas foi a utilização deste esporte de intenso apelo junto ao povo pelo

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Estado como meio para que se atingisse “as massas”, com a nítida posição do governo em acampá-lo e institucionalizá-lo.

O futebol começa a ser praticado no Brasil no final do século XIX, em um período de transição da forma de governo no país: da monarquia para a república. Naquele período, era comum que a elite mandasse seus filhos para estudarem no exterior, afim de que tivessem contato com “a vanguarda” do pensamento europeu, um conhecimento que supostamente não seria possível de se conseguir no Brasil. Quando retornavam ao país, estes jovens traziam consigo, além do conhecimento intelectual, alguns hábitos importados do velho continente. O futebol foi um deles.

Praticado por estes garotos, o esporte teve, no início, um caráter elitista, servindo como uma espécie de traço distintivo desta juventude endinheirada, que transformou o futebol num elemento de status e se esforçava para que essa condição do esporte fosse mantida. O jogo era disputado em clubes de bairros luxuosos das grandes cidades – Rio de Janeiro e São Paulo foram as pioneiras.

Entre os anos de 1910 e 1920, um intenso processo de industrialização alterou a realidade das grandes cidades brasileiras. A arquitetura destas cidades foi bastante transformada, bem como seu cotidiano, de modo a abrigar uma nova realidade: maior número de indústrias e, conseqüentemente, de trabalhadores. Bairros inteiros são construídos com uma única perspectiva fabril: a criação de um espaço, apartado dos bairros nobres, onde o operário possa trabalhar e morar de uma forma razoavelmente digna. São justamente nestes bairros em que o futebol começou a se popularizar. Assim, o esporte passou a ser disputado em áreas “de várzea”; clubes foram criados, bem como ligas independentes, para que o futebol fosse praticado – as ligas “oficiais” não permitiam que tais clubes, oriundos da periferia das grandes cidades, disputassem os mesmos torneios que os clubes da elite. De qualquer modo, ao contrário do final do século XIX, pode se dizer que o futebol já possui nos anos 10 e 20 um grau de popularidade bastante acentuado.

No plano geopolítico mundial, um grande acontecimento na Europa trouxe conseqüências diretas ao nosso país, especialmente no plano cultural: a Primeira Guerra Mundial. Com ela, veio a sensação de crise do racionalismo, sendo este insuficiente para dar conta de todos os anseios humanos. Além disso, a cultura européia, sempre reverenciada, passou a ser relativizada, e esforços foram feitos para valorizar características culturais genuinamente brasileiras. Foi neste momento que surgiram marcos na esfera cultural brasileira, como o livro “Macunaíma”, de Mário de Andrade

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(considerado um marco na literatura brasileira do ponto de vista lingüístico e literário, cujo personagem-título, o herói sem nenhum caráter, é um protótipo sobre o que vinha a ser o brasileiro: um anti-herói malandro, mulherengo e avesso ao trabalho) e a Semana de Arte Moderna de 1922. Os modernistas foram grandes entusiastas da criação, valorização e consolidação de uma cultura genuinamente brasileira. E diante da perspectiva “antropofágica”, de deglutir o que viesse “de fora” para que este fosse regurgitado com traços nacionais, eram simpáticos à prática do futebol. Mas essa simpatia não foi consensual entre os intelectuais: outro escritor brasileiro, Graciliano Ramos, demonstrou pouca simpatia com a crescente inserção do futebol na sociedade brasileira nos idos anos 20, declarando categoricamente que “O ‘football’ não pega, tenham certeza”.

A década de 30 marcou o início do processo de incorporação e institucionalização da visão sobre a prática do futebol por parte do Estado. O governo de Getúlio Vargas adotou a postura de intervir na cultura para disseminar uma imagem moderna do país. O Brasil do samba, da mulata, do carnaval, do malandro e outros tantos arquétipos ainda hoje em voga em nossa sociedade surgiram nesta época. A idéia foi captar estes elementos de forte apelo cultural vigentes no país desde o início do século e aliá-los à idéia de “país moderno”. Foi assim que o ideário modernista foi convertido em política de governo, e o Estado passou a intervir na cultura como nunca o fizera. Surgiu aqui também a idéia de “cultura de massa”. O estado transformou grande parte da cultura brasileira numa vasta área detentora de uma imensa potencialidade de atuação política. Esta perspectiva política, que teve sua origem no governo Vargas, pode ser detectada até hoje. O intuito governamental à época era encontrar determinados traços da cultura do país que pudessem ser aceitos, pelo maior número de “patriotas”, como aquilo que existisse de mais brasileiro em seu país, no intuito de promover uma identificação nacional dos cidadãos com sua nação.

O futebol foi mais um dos elementos utilizados por Vargas como capaz de atrair a atenção do povo brasileiro e criar a identificação deste com sua “nação”. Tantos os jogos disputados no país quanto as atuações da seleção brasileira no exterior atraiam grande atenção do público. É neste período em que o futebol sai definitivamente do amadorismo e passa a ser institucionalizado.

O rádio foi um importante aliado para a popularização do futebol, visto que, uma vez o número de interessados no esporte ser bem superior ao que comporta um estádio, seu apelo diante do grande público deveria ser feito também por outros meios – e o

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rádio era dos principais meios a se fazê-lo. Na década de 30, o rádio ganhou importância no espaço privado do brasileiro, tendo um impacto fundamental na transformação deste em relação a sua visão de mundo. Pode-se perceber aqui também interferências de Vargas: a sansão de uma medida que liberava a publicidade nos intervalos dos programas de rádio fez com que toda a programação fosse repensada, de modo a atrair a atenção de consumidores em potencial. As agências de publicidade acabaram sendo as grandes responsáveis pela elaboração da programação das rádios, e a partir desta nova lógica, programas de forte apelo popular, como novelas, programas de auditório e musicais com as famosas cantoras de marchinhas de carnaval, por exemplo, passam a ganhar destaque na programação.

O futebol, dado seu forte apelo popular, também se insere na programação das rádios. Através de suas transmissões ao vivo, os locutores transformaram-se em importantes figuras, permitindo que o esporte fosse acompanhado por um grande número de pessoas, sempre numa linguagem de fácil percepção ao homem comum, o “amigo ouvinte”.

À época, uruguaios e italianos disputavam a soberania internacional do futebol; a conquista do bicampeonato olímpico no começo do século pelos uruguaios e o trunfo da equipe italiana na Copa de 1938 são exemplos de tal domínio. O que vale registrar aqui é a perspectiva com a qual as equipes latino-americanas disputavam torneios internacionais: vislumbravam, nesta disputa com a Europa, uma possibilidade de, ao menos em alguma esfera, serem reverenciados por sua superioridade – visto que em campos como economia, educação ou industrialização, tal vislumbre em comparação à Europa adquiria possibilidades escassas de sucesso.

Além disso, o pensamento nacionalista vigente no Brasil à época procurava destacar as especificidades do brasileiro, valorizando-as. A polêmica acerca da pertinência do “esporte bretão” em terras brasileiras fora encerrada, dada a popularidade que o esporte alcançou nos anos 30; não restavam dúvidas sobre a capacidade do brasileiro em incorporar algo “de fora” e configurá-lo para sua cultura, a ponto deste elemento exógeno ser tido como um dos grandes valores de sua “nacionalidade”, criando assim uma forma própria de lidar com este elemento – forma esta, no caso do futebol, que os brasileiros julgavam ser superior a de seus “criadores” europeus.

Algumas polêmicas marcaram as duas primeiras participações do Brasil em Copas do Mundo. A Copa de 1938 foi a primeira em que muitas controvérsias foram superadas. Com isso, tanto jogadores cariocas quanto paulistas estavam presentes na

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equipe, depois de vários conflitos entre federações do Rio de Janeiro e de São Paulo sobre a pertinência ou não da profissionalização do esporte, seguidos de boicotes ao time nacional; outro fato importante em 38 foi a liberação para que atletas negros também pudessem atuar no time. Desta forma, a equipe era considerada uma verdadeira seleção, pois era enfim composta por grande parte dos elementos étnicos e regionais que representavam o povo brasileiro.

Rio de Janeiro e São Paulo chegaram a um consenso, e com isso atletas dos clubes de ambas as cidades (que reuniam à época os principais jogadores do país) tornaram-se “selecionáveis”. Além disso, o esporte já tinha perdido seu cunho elitista de outrora; clubes da periferia já participavam das ligas oficiais, e o futebol, além de ter se profissionalizado (não somente sócios dos clubes disputavam partidas por suas respectivas associações; pelo contrário, a maioria dos atletas era devidamente remunerada pra tal “ofício”), via, por conseqüência, com bons olhos a participação de atletas negros no esporte, inclusive na seleção. Esperava-se que nesta Copa, além do coroamento do estilo de jogo brasileiro, também ocorresse a valorização da raça brasileira, que seria a síntese de várias culturas e diversas nacionalidades, e da democracia racial, debatida por intelectuais justamente ao longo da década de 30. Um dos maiores símbolos desta discussão sobre o que vinha a ser o brasileiro foi o livro “Casa-Grande e Senzala”, de Gilberto Freire. Publicado em 1933, o sociólogo faz nesta obra uma defesa da miscigenação de raças ocorrida na história do Brasil, e que seria esta “mistura” a grande vantagem dos brasileiros diante dos outros povos. O futebol era para Freire mais uma das áreas na qual o brasileiro se sobressairia diante os demais, graças principalmente a esta mistura, que aglutinou o que de melhor havia em brancos, negros e indígenas e trouxe como conseqüência a forma de ser do brasileiro.

O futebol continua a exercer grande fascínio no Brasil: uma prova disso é o crescimento, no início do século, da imprensa especializada em futebol; as vitórias da seleção nacional sobre equipes de outros países passam a servir de justificativa para vinculações diretas destas conquistas ao que de mais peculiar teria o brasileiro – como se na esfera do futebol, não existisse para o brasileiro concorrente à altura; seria este o campo ideal para que os brasileiros desenvolvessem todas as potencialidades de sua genialidade, se inspirando assim para extrapolá-las para outros planos. A expectativa criada em torno da atuação da seleção brasileira na Copa de 1938 foi grande, visto que aquela seria a primeira vez em que um selecionado brasileiro disputaria uma Copa com sua força máxima.

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A campanha do Brasil na Copa empolgou a torcida por todo o país. Depois de uma vitória por 6 a 5 sobre a Polônia, seguida por um empate e uma vitória sobre a Tchecoslováquia, a confiança pelo título foi grande. Até que o time sucumbiu diante da Itália por 2 a 1, com um gol de pênalti altamente contestado pela equipe brasileira selando a vitória dos italianos, que viriam a conquistar o título. A derrota brasileira nas semifinais do torneio adquiriu caráter de catástrofe no país. A forma como a notícia repercutiu no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, então capital federal, foi registrada por Getúlio Vargas, que em meio às suas obrigações anotou em seu diário: “O jogo de

‘football’ monopolizou as atenções. A perda do ‘team’ brasileiro para o italiano causou uma grande decepção e tristeza no espírito público, como se se tratasse de uma desgraça nacional”.

A reação imediata da população no Brasil foi de indignação diante do resultado, que mais tarde deu lugar a uma espécie de refutação do mesmo. Integrantes da delegação brasileira cogitaram a possibilidade de reivindicar a revogação do jogo. Entretanto o resultado se manteve, e coube ao Brasil contentar-se com o terceiro lugar. A repercussão que esta Copa teve no país, nos mais diversos âmbitos sociais, foi enorme. As partidas eram transmitidas ao vivo pelo rádio. Editoriais em jornais de grande circulação foram dedicados a comentar a atuação brasileira no certame – em especial a derrota nas semifinais e o impacto que isso causara no país. Assim que chegaram ao Brasil, os atletas que estavam na França disputando a Copa foram ovacionados, receberam várias condecorações oficiais, desfilaram em carreata por ruas de Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Leônidas da Silva, maior artilheiro da competição, de tão popular, serviu como garoto-propaganda de um novo doce criado à época – seu apelido, “Diamante Negro”, serviu para dar nome a um chocolate ainda hoje popular no Brasil.

Esses são exemplos de que o futebol passara a ser assunto de grande importância para o brasileiro. Sua popularidade era incontestável. Era como se a partir de então, o brasileiro passasse a se enxergar enquanto indivíduo pertencente a uma nação atreves de um grande elemento identificador: o futebol. Como se a consciência do brasileiro sobre sua condição, sobre sua brasilidade, viesse por intermédio do futebol. A forma como o futebol passou a ser tratado no Brasil não foi obra do acaso: o governo Vargas,

percebendo o potencial mobilizador que o futebol tinha, foi bastante hábil em acampá-lo, patrocinando seu crescimento (via incentivo aos clubes, aos campeonatos disputados no Brasil e à participação da seleção nacional em torneios internacionais) para que, uma

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vez popular em um âmbito nacional, o futebol adquirisse este caráter de elemento propagador do nacionalismo brasileiro, característica presente ainda hoje na sociedade brasileira.

Referências

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