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LUIS ALBERTO TRINDADE MÉD. VETERINÁRIO

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Academic year: 2021

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SÉRIE

REALIDADE RURAL – VOLUME 50

M

ARIANA DE

A

NDRADE

S

OARES ANTROPÓLOGA

L

UIS

A

LBERTO

T

RINDADE MÉD. VETERINÁRIO

PORTO ALEGRE

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© 2007 EMATER/RS-ASCAR

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem prévia autorização deste órgão.

Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER/RS-ASCAR Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - ASCAR

MÁRIO AUGUSTO RIBAS DO NASCIMENTO

Presidente da EMATER/RS e Superintendente Geral da ASCAR

PAULO EDGAR DA SILVA

Diretor Técnico da EMATER/RS e Superintendente Técnica da ASCAR

CILON CARLOS FIALHO DA SILVA

Diretor Administrativo da EMATER/RS e Superintendente Administrativo da ASCAR

(Catalogação na publicação – Biblioteca da EMATER/RS-ASCAR)

REFERÊNCIA:

SOARES, Mariana de Andrade; TRINDADE, Luis Alberto. Um novo olhar sobre a Ater indígena no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR, 2008. 56 p. (Realidade Rural, 50)

EMATER/RS-ASCAR - Rua Botafogo, 1051 - 90150-053 - Porto Alegre - RS - Brasil fone (0XX51) 2125-3144 / fax (0XX51) 2125-3156

http://www.emater.tche.br e-mail: biblio@emater.tche.br

COLABORADORES:

Adriano Szynkaruk Julie Vivian Bitencourt Cláudio Reges Ferreira da Rosa Luiz Antônio Busatta Darci Luiz Scussel Marcos M. Franklin da Silva Dionísio Treviso Maria do Amparo F. de Souza Edson Santos Leal Pedro Urubatan Neto da Costa Fábio Vieira Dutra Roberto Guilherme S. Sacknies Felipe Bauer Scheffer Silvino Ramos da Silva Flávio Fagundes da Silva Tânia Marisa Treviso Gilberto Rodrigues Jaenisch Zacheu Gomes Canellas José Cleber Dias de Souza Warna Frühauf

José Nilton Munari Vitório José Maia

ÁREA TÉCNICA

 Gerência de Planejamento: Marcos Newton Pereira  Organização dos Textos: Marcelo Porto Nicola  Layout: Jacqueline Bittencourt Alves

 Normalização: Bibliotecária CRB 10/161 Mariléa Pinheiro Fabião S676u Soares, Mariana de Andrade

Um novo olhar sobre a Ater indígena no Rio Grande do Sul. - Porto Alegre : EMATER/RS-ASCAR, 2008.

56 p. : il. (Realidade Rural ; n. 50) ISBN 1808 0219

1. Extensão Rural. 2. Índio. 3. Rio Grande do Sul. 4. Guarani I. Titulo. II. Trindade, Luis Alberto.

CDU 63.001.8(=981.65)

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APRESENTAÇÃO

A Emater/RS-Ascar intensificou seu trabalho de extensão rural indígena na presente década, assistindo a um segmento denominado como público especial na ação do Estado.

Segundo os autores, somente em meados da década de 90 as políticas públicas trilharam novos caminhos, buscando atender diferentes segmentos vulneráveis da sociedade. No caso dos indígenas, elas caminham em direção à concretização dos direitos ao território e a cultura próprios, que começam a ser reconhecidos a partir da Constituição de 1988.

Em meados da década de 90, a temática indígena começou, de maneira incipiente, a fazer parte do conjunto de ações extensionistas da Emater/RS-Ascar e, na atual década, ela se intensificou, acumulou experiência e despertou a intenção de publicar documentos que resgatem a trajetória, os resultados e a natureza desse serviço de Ater, bem como as características peculiares desse público beneficiário.

Nesse contexto, durante os últimos anos, organizou-se informações dos técnicos que desenvolveram ações de Ater indígena para que subsidiassem textos para a Série Realidade Rural e outras publicações da instituição. Esse movimento teve por objetivo dar mais visibilidade, tanto internamente quanto para parceiros e sociedade, aos progressos alcançados pela ação extensionista em benefício da população indígena gaúcha.

No presente número da série, os autores, a antropóloga Mariana A. Soares e o Méd. Vet. Luís A. Trindade, descrevem uma experiência da Ater indígena gaúcha, executada pela Emater/RS-Ascar, especialmente com o Povo Guarani.

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Na parte inicial do trabalho são abordados alguns antecedentes essenciais que explicam o processo histórico que embasou o trabalho institucional com indígenas. Nela é descrito como a Emater/RS-Ascar passou a executar uma linha de ação específica voltada para os públicos diferenciados. É feito também um breve histórico sobre as políticas públicas voltadas para os índios em nível nacional e estadual.

Na seqüência, os autores apresentam a evolução do trabalho da Emater/RS-Ascar com as comunidades indígenas, desde meados dos anos 90. São apresentados os componentes do projeto que organizou o planejamento e a execução do trabalho, bem como uma avaliação a respeito dos resultados alcançados com base na visão dos atores envolvidos. No capítulo final, são sugeridos alguns componentes essenciais que devem ser considerados no desenho de políticas públicas indigenistas.

Assim, considerando a relevância do trabalho institucional executado com as comunidades indígenas e a qualidade da descrição aqui apresentada, a Gerência de Planejamento tem a satisfação de disponibilizar aos leitores da Série Realidade Rural, a presente publicação, sob o número 50, intitulada Um novo olhar sobre a Ater indígena no

RS.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Ritual de “boas vindas” aos participantes do I Encontro entre Extensionistas Rurais,

Representantes Indígenas e instituições parceiras sobre Ater nas Comunidades Guarani no Rio Grande do Sul, março de 2004, município de Porto Alegre...27 Figura 2 - Reunião na Comunidade Guarani para realização do diagnóstico da situação atual de

cada tekoá - Reserva Indígena Tekoá Koenjú – Município de São Miguel das Missões. ....30 Figura 3 - Capacitação de técnicos da Emater/RS-Ascar (regional e municipal) que atuam junto às

comunidades Guarani no Rio Grande do Sul por meio de trabalhos em grupos...34 Figura 4 - Casa de reza (opÿ) construída com cobertura de capim santa fé (Panicum rivulare) na

Terra Indígena Salto Grande do Jacuí, município de Salto do Jacuí...39 Figura 5 - Implantação da roça Guarani com cultivo múltiplo: milho (avati) e feijão (kumandá) na

Terra Indígena Salto Grande do Jacuí, município de Salto do Jacuí...42 Figura 6 - Artesanato feito com kurupyca´y, matéria-prima escassa em todas as áreas Guarani no

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Área de Abrangência e Público Beneficiário...26

Tabela 2 - Profissionais da Emater/RS-Ascar que atuam Junto às Comunidades Guarani...35

Tabela 3 - Unidades Didáticas...37

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS INDIGENISTAS NO BRASIL E RIO GRANDE DO SUL E DA ATER INDÍGENA GAÚCHA... 13

3 DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DE UMA METODOLOGIA ESPECÍFICA PARA A ATER INDÍGENA ... 19

4 UM PROJETO PARA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ATER INDÍGENA... 23

5 OS COMPONENTES TRABALHADOS NO PROJETO DE ATER INDÍGENA... 29

5.1 DIAGNÓSTICO DAS COMUNIDADES GUARANI ...29

5.1.1 Realização do Diagnóstico - Um Ritual Metodológico ...29

5.1.2 Os Achados do Diagnóstico: Aproximando o Olhar do Extensionista ao Olhar dos Guarani ...30

5.2 CAPACITAÇÃO DOS TÉCNICOS ...34

5.3 AÇÕES DE ATER ...36

5.3.1 Unidades Didáticas ...38

5.3.2 Oficina de Valorização Cultural...44

5.3.3 Seminário da Cultura Indígena ...46

6 AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA DO TRABALHO ... 47

6.1 AVALIAÇÃO E CONCLUSÕES DOS TÉCNICOS...48

6.2 AVALIAÇÃO DOS PARCEIROS...49

6.3 AVALIAÇÃO E CONCLUSÕES DOS REPRESENTANTES INDÍGENAS ...50

7 CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA COMUNIDADES INDÍGENAS ... 51

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1 INTRODUÇÃO

Após quatro séculos de invasão de terras e extermínio de pessoas, o processo civilizatório, imposto aos povos indígenas brasileiros pelo homem branco, tornou-se, a partir dos anos 1900, paternalista e integracionista às normas sociais dominantes.

Somente a partir da Constituição Federal de 1988, os indígenas começaram a ter reconhecidos seus direitos a espaço (território) e cultura próprios. As políticas públicas, pressionadas pela mobilização dos índios e da sociedade, de meados dos anos 90 para cá, buscaram novos caminhos, em direção a concretização desses direitos.

Nesse contexto, o trabalho aqui apresentado descreve uma importante experiência em Extensão Rural Indígena desenvolvida pela Emater/RS-Ascar, em andamento nos anos 2000, especialmente com o Povo Guarani. Os dados apresentados são os resultados do projeto de Ater Indígena desenvolvido em 21 comunidades Guarani no Estado, no ano de 2004, através de recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), coordenado e apoiado pelos seus respectivos autores.

O capítulo inicial apresenta um breve histórico sobre as políticas públicas indigenistas, em nível nacional e estadual.

No segundo capítulo, apresenta-se comentários sobre a evolução específica do trabalho com as comunidades indígenas, que a Emater/RS-Ascar tem efetuado, desde meados dos anos 90 até 2004, ano em que começou a experiência aqui descrita.

No terceiro e quarto capítulos, o foco é dirigido para os componentes do projeto que organizou o planejamento do trabalho, bem como os principais aspectos de sua execução.

No quinto capítulo descreve-se uma avaliação dos técnicos, parceiros e indígenas sobre o trabalho e, no capítulo final, são destacados alguns componentes essenciais a serem considerados na construção de políticas públicas indigenistas.

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2 BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS INDIGENISTAS NO

BRASIL E RIO GRANDE DO SUL E DA ATER INDÍGENA

GAÚCHA

Desde 1910, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (Spiltn), a questão indígena passou a ser responsabilidade da União. A partir de 1918, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), para tratar especificamente da assistência e proteção aos índios. Cabe ressaltar que, desde o início, as políticas indigenistas sempre foram concebidas dentro de uma visão paternalista, tutelar e sob a ótica de que as comunidades indígenas deveriam ser integradas à sociedade brasileira.

No ano de 1967, em substituição ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), foi criada a Fundação Nacional do Índio (Funai). Justificaram a extinção do SPI diversas denúncias de maus tratos, corrupção e convivência com não-índios responsáveis pela exploração das terras e extermínio de milhares de índios (LIMA, 1995).

A partir de 1969, na tentativa de transformar o modelo legado do SPI, os dirigentes da Funai preocuparam-se em implementar projetos econômicos nas terras indígenas tais como: atividades agrícolas, de criação de gado, extração de madeira, comercialização de artesanato e contratos de arrendamento, que fossem capazes de gerar renda para as famílias indígenas. A idéia central era transformar o exercício da tutela em um gerenciamento de bens (terra, trabalho e outros), para tornar a assistência aos índios uma atividade capaz de financiar a própria burocracia estatal (OLIVEIRA e ALMEIDA, 1998).

Essa transformação expressou ainda mais o continuísmo do processo de mediação sob a mesma ideologia etnocêntrica e paternalista desenvolvida durante décadas. Aliás, tal postura ainda se evidencia até os dias atuais, e também está bastante enraizada nas práticas cotidianas dos agentes da Funai. Pode-se citar, como exemplo, a conivência de alguns funcionários com as chamadas “parcerias”, que nada mais são do que arrendamentos das terras indígenas por não-índios, prática ilegal em terras da União, que

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tem como objetivo final financiar a atividade do órgão, do próprio agente envolvido e das lideranças indígenas cooptadas no processo.

No final da década de 70, início dos anos 80, o movimento e a organização política das comunidades indígenas foram no sentido de trazer à opinião pública uma consciência do descaso do órgão indigenista oficial, em relação a sua “assistência e proteção”. Mais do que isso, a luta dos indígenas foi pelo reconhecimento de sua diferença cultural e pela garantia da demarcação das suas terras tradicionais.

A Constituição Federal de 1988 foi uma resposta positiva a essa luta política e incluiu, ainda, o direito a sua autodeterminação, rompendo assim com a tutela1, e a idéia de que são cidadãos incapazes de assumirem um projeto de vida conforme sua especificidade cultural:

Artigo 231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Sendo assim, o rompimento do poder tutelar (LIMA, 1995) e a própria desmoralização do órgão frente à opinião pública fizeram com que, gradativamente, a Funai fosse perdendo espaço no campo de mediação junto às comunidades indígenas2.

Nos anos 90, foi acelerado o processo de “sucateamento” da fundação através de repasses cada vez menores de recursos; falta de contratação e qualificação de profissionais; aumento da burocracia e morosidade no cumprimento das suas atribuições, especialmente na demarcação das terras indígenas. Além disso, foram tomadas medidas que resultaram na fragmentação e, conseqüentemente, na diminuição do poder do órgão junto às comunidades indígenas. Assim, a área de educação passou a ser responsabilidade dos estados, através das Secretarias Estaduais da Educação, e a área da saúde, responsabilidade da União, por meio da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

1 Apesar do rompimento da tutela assegurada na Constituição Federal de 1988, essa permanece, até hoje, na Lei N° 6.001-

Estatuto do Índio de 1973. O art. 7° estabelece que os índios e as comunidades indígenas ainda não integradas à comunhão nacional ficam sujeitos ao regime tutelar. Conforme § 2°, tal tutela está incumbida à União que exercerá através do órgão federal de assistência aos silvícolas. A reformulação dessa lei, em sua íntegra, está para ser votada no Congresso Nacional.

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Nesse novo arranjo, permaneceram como atribuições da Funai a garantia da demarcação das terras indígenas e o desenvolvimento de atividades produtivas junto às famílias indígenas.

Surgiram então no cenário novos mediadores sociais junto às comunidades indígenas, cabendo ao poder público (União, Estados e Municípios) a elaboração de políticas públicas específicas que atendam seus direitos enquanto cidadãos brasileiros e, ao mesmo tempo, culturalmente diferenciados.

No Rio Grande do Sul, através da Constituição Estadual de 1989, foram garantidos aos Povos Indígenas diversos direitos, e foi atribuído ao poder público estadual a responsabilidade em construir políticas públicas específicas. A criação do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepi), em 1993, foi uma importante conquista das duas etnias Guarani e Kaingang, garantindo a participação de seus representantes no processo de elaboração dessas políticas.

O primeiro programa estadual que contemplou recursos para as comunidades indígenas foi o RS Rural. Este programa, denominado inicialmente de Pró-Rural 2000, viabilizou suas ações através de um contrato de empréstimo com o Bird, assinado em 1997, para ser executado sob a coordenação da Secretaria da Agricultura e Abastecimento (SAA). Os objetivos do programa foram o combate à pobreza e a degradação ambiental no meio rural (COREZOLA et al., 2204). O Programa RS Rural desenvolveu-se entre os anos de 1997 e 2004, em 465 municípios, totalizando 3.414 projetos e abrangendo 131.785 famílias, onde foram investidos ao todo R$ 256.199.131,06 (EMATER/RS-ASCAR, 2004).

As regras do Programa RS Rural foram determinadas pelo Bird, cujos projetos foram estruturados de forma integrada, divididos em três ações prioritárias: manejo e conservação dos recursos naturais (ação obrigatória), geração de renda e infra-estrutura social básica (que não poderia exceder a 30% do valor total do projeto)3. Para cada ação foram enumeradas diversas práticas que deveriam ser definidas pelas próprias famílias beneficiárias.

3 Todos os projetos do RS Rural nas comunidades indígenas foram desenvolvidos com recursos a fundo perdido (sem retorno),

investindo o valor máximo de R$ 6 mil reais por família. Apesar de não ser uma regra pré-estabelecida, mas uma orientação técnica da Secretaria Executiva, os projetos foram elaborados através de práticas coletivas, ou seja, o total de cada projeto era o resultado da soma do valor individual de cada família indígena beneficiária.

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Todos os projetos integrados tiveram que incluir recursos para a assistência técnica e a formação do público beneficiário (RS Rural, 2001). Isto se deve a lógica dos próprios programas destinados à pobreza, onde os próprios beneficiários, isto é, os classificados como “pobres”, passaram a ser responsáveis pela superação da sua situação vivida, por meio de diagnósticos e planejamentos participativos mediados por um órgão de assistência técnica e extensão rural.

Dentro da categoria “pobre”, foram considerados beneficiários do Programa os agricultores familiares, incluindo os públicos que foram denominados de “públicos especiais”, ou seja, as comunidades indígenas, remanescentes de quilombos, pescadores artesanais profissionais, pecuaristas familiares e assentados da reforma agrária.

Esses públicos foram incluídos, a partir de 1999, como públicos-alvo da Emater/RS-Ascar, instituição responsável por mais de 90% da execução do Programa RS Rural, e trouxeram inúmeros desafios para a extensão rural4.

A Emater/RS-Ascar historicamente atuou junto aos agricultores familiares tendo, inclusive, um espaço de mediação reconhecido e legitimado no meio rural. Ao assumir o trabalho com as comunidades indígenas, os mediadores (extensionistas rurais) tiveram que executar o Programa, através da elaboração de projetos, inicialmente, sem uma qualificação profissional adequada para tal cumprimento.

O que se constatou, no primeiro momento, foi à reprodução do mesmo “olhar” e paradigma proposto aos agricultores familiares que, constantemente, foi estendido às comunidades indígenas, como se as expectativas de vida fossem similares. Além disso, esse “olhar”, na maioria das vezes, estava imbuído da lógica produtivista (a exemplo do histórico das políticas públicas brasileiras), visando o seu desenvolvimento econômico, tendo como objetivos a produção para subsistência e de um excedente para a comercialização, sempre reproduzindo a lógica dos agricultores não-índios. Por exemplo, na visão inicial dos técnicos, as famílias Guarani deveriam ter uma vaca para garantir “o leite das crianças”. No processo de elaboração do projeto, as famílias aceitavam tal aquisição, mas como muitos deles afirmaram depois: “não sabiam o que tinha por trás da vaca”.

4 Deve-se registrar que a EMATER/RS-ASCAR, desde os anos 80, desenvolveu trabalhos pontuais junto às comunidades

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Os Guarani, sem nenhum conhecimento sobre o processo de ordenhamento, ou cuidados com os animais (não fazem parte da sua cultura), ocasionaram a morte ou o próprio abatimento para a alimentação das famílias. O fracasso dos projetos, por um lado, reforçou a visão dos técnicos de que os índios eram preguiçosos e difíceis de trabalhar, transferindo as responsabilidades para as famílias indígenas, e por outro, geraram insatisfação dos indígenas quanto à assistência técnica e aos programas que não atendiam suas necessidades.

Com a transferência de novas responsabilidades aos extensionistas rurais dos escritórios municipais, através da execução de programas em benefício dos públicos diferenciados, ocorreram mudanças em termos de sua atuação, em geral, e, em particular, na execução das ações de Ater. Isso, muitas vezes, veio acompanhado pela geração de conflitos, envolvendo outros setores da sociedade, que não aceitavam que a Emater/RS-Ascar se dedicasse, de forma especial, ao trabalho com indígenas.

O processo evoluiu sem a criação prévia de mecanismos que assegurassem um nivelamento de conceitos e ações, tanto internamente na instituição, quanto com parcerias e sociedade em geral. Essa deficiência também ocorreu no aporte estrutural, de conhecimento e recursos humanos adequados, para desenvolver o trabalho junto às comunidades indígenas.

Nesse trabalho com um novo público, não havia uma clara distribuição das responsabilidades e competências, de forma a assegurar a especificidade de atuação da Ater, em acordo com o novo modelo intercultural, em desenvolvimento. A Emater/RS-Ascar, tentando minimizar as dificuldades enfrentadas pelos extensionistas rurais no trabalho junto às comunidades indígenas, realizou algumas capacitações em áreas específicas como antropologia social com o apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e, posteriormente, contratou especialistas na área.

O que se notou é que, mesmo com possíveis dificuldades enfrentadas em relação aos agricultores familiares, os mediadores sentiam-se legítimos, pois muitos deles também são agricultores ou filhos de agricultores e dominam os códigos (mesmo mundo), ou pelo menos eram capazes de estabelecer uma comunicação (disposição de dialogar). Já com as comunidades indígenas, existiam fatores limitantes como o conhecimento de uma língua diferenciada, e mais do que isso, uma cultura diferenciada. Na maioria das vezes, os mediadores sociais que atuavam junto às comunidades indígenas elaboravam projetos construídos de “cima para baixo”. Além de não atender adequadamente às demandas e

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necessidades das famílias indígenas, muitas vezes, os mediadores não davam continuidade às ações, fator que é um dos aspectos fundamentais do processo de construção de qualquer projeto.

No entanto, toda ação tem uma reação e, diante da diversidade sociocultural e lingüística, criaram-se, espontaneamente, novos instrumentos para dar suporte às necessidades.

A partir de um grupo de extensionistas que faziam um curso de formação em rede, em Educação Ambiental, criou-se um grupo de estudos, ao qual integraram-se outros extensionistas com atuação nas áreas indígenas. Isso foi decisivo para que o grupo desenvolvesse a percepção pela prática e como conseqüência das discussões, que a ação de Ater deveria ser adequada às particularidades culturais dos diferentes grupos indígenas. Assim, através da formação continuada, a ação de Ater foi se consolidando e aperfeiçoando. E, a partir do reconhecimento dessas experiências positivas, diferenciadas e de qualidade, a Ater foi se aprimorando nas áreas indígenas.

Buscando novas concepções perante uma realidade cultural desconhecida, entre erros e acertos, os agentes de Ater conquistaram o reconhecimento dentro das áreas indígenas. Isso se deu, principalmente, pelo compromisso com as comunidades e pela busca do atendimento de suas demandas; pelo trabalho específico, diferenciado, e pela valorização da etnia indígena. Um exemplo concreto da atuação da extensão rural foi a proposição de incluir, em 2003, a prática de segurança alimentar dentro do Programa RS Rural, com ações voltadas para a subsistência das famílias indígenas, desenvolvidas através da implantação de roças e pomares, criação de pequenos animais (suínos e aves), piscicultura e apicultura. Através dessa inclusão, houve uma qualificação significativa nos projetos, uma vez que estes passaram à atender uma das maiores necessidades das famílias indígenas.

Tratando-se de um público culturalmente muito diferenciado, coube à extensão rural dois grandes desafios: o primeiro, de construir, junto com esse público e as instituições que o assistem (Funai, Funasa, ONGs, Universidades), propostas de trabalho partindo do respeito a suas diferenças étnicas, e, o segundo, de capacitar seus técnicos para atuar de forma qualificada e permanente.

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3 DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DE UMA METODOLOGIA

ESPECÍFICA PARA A ATER INDÍGENA

Durante décadas a Ater gaúcha teve como base institucional de trabalho os métodos difusionistas. As atividades com envolvimento de grupos e comunidades, que utilizavam princípios participativos, ocorriam empiricamente por algumas iniciativas individuais de extensionistas.

A partir da década de 1980, começou a fazer parte dos discursos e esforços institucionais a utilização oficial de metodologias participativas. A base teórica da metodologia fazia referência a Paulo Freire, ao Enfoque Participativo e às técnicas utilizadas no Programa Pró-Renda, desenvolvido com apoio da GTZ alemã, entre outras abordagens.

Esses conceitos passaram a ser mais presentes nas capacitações e práticas extensionistas. Embora não ocorresse de forma predominante, extensionistas de campo em vários municípios, nas diversas regiões, desenvolveram trabalhos junto às comunidades, com métodos participativos que resultaram principalmente da combinação dessas três abordagens.

Já nos anos 90, por intermédio de consultoria, mediante convênio com o Cirad - Centre de Coopéracion Internacional en Recherche Agronomique pour Développement, da França, foi introduzido o Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), inicialmente para trabalho nos assentamentos de reforma agrária. Paralelamente, junto ao mesmo Cirad, a Emater/RS-Ascar agregou, ao conjunto de metodologias de planejamento e ação, conhecimentos sobre diagnóstico de sistemas agrários, envolvendo no seu escopo sistemas e cadeias de produção.

As metodologias participativas e os processos construtivistas de educação não-formal ganharam cada vez mais destaque, com ênfase para o empoderamento das comunidades, respeito ao saber e cultura dos diversos grupos étnicos, em diálogo com o conhecimento acadêmico, no embasamento de práticas de reflexão-ação coletivas.

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A instituição desenvolveu processos de formação massiva envolvendo todos os técnicos e, inclusive, parcerias e representações do público, o que resultou na disseminação de práticas participativas de planejamento e ação, em busca da construção de processos direcionados ao desenvolvimento sustentável. Os processos e instrumentos metodológicos avançaram bastante na identificação e empatia com os agricultores familiares, de forma a que esse conjunto de esforços permeasse, inclusive, junto à formulação de políticas públicas, especialmente em benefício dos menos favorecidos.

No entanto, essas ferramentas de DRP e planejamento comunitário que obtiveram avanços na sua aplicação junto a esse público da agricultura familiar necessitaram de profundas adaptações para sua utilização junto a públicos diferenciados como pescadores artesanais e quilombolas. E, mais do que isso, esbarraram em um enorme desafio perante sua inadequação à cultura indígena. Em 2001, foi desenvolvido um projeto utilizando-se de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente (Fnma), por meio de parceria entre a URI-Erechim e a Emater/RS-Ascar. Tratava-se da execução de um diagnóstico etno-ambiental na Terra Indígena (TI) Votouro, com a participação da comunidade Kaingang local, no município de Benjamin Constant do Sul/RS. O diagnóstico combinou procedimentos acadêmicos, inclusive com o uso de GPS, com várias ferramentas participativas, adaptadas do DRP, como mapas desenhados pela comunidade, entrevistas com grupos de indígenas e técnicos e caminhadas transversais. Foi construído participativamente um itinerário de desenvolvimento, com o resgate histórico da situação social e ambiental da TI e um itinerário técnico, social e ambiental para detalhamento das principais atividades desenvolvidas pela comunidade. Neste itinerário foi feita a caracterização de uma tipologia de meios de vida, a partir da realidade da comunidade e seu ambiente. Também, foi construído com a comunidade um plano de gestão ambiental para a TI. No entanto, essa metodologia, com todas as adaptações feitas para a comunidade Kaingang, foi insuficiente e não mostrou-se adequada na tentativa de desenvolver um trabalho junto ao público Guarani. Perante esse público, foi necessária a construção de uma metodologia com conceitos que passaram por um aprofundamento das bases antropológicas, combinados com um fator essencial, imprescindível, o da apropriação pelos extensionistas da ritualidade própria da cultura indígena, especificamente do público Guarani. Somente a partir da coordenação dos próprios índios, obedecendo sua ritualidade, se tornou possível chegar a uma metodologia de trabalho que contemplasse o diálogo intercultural.

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O sistema cultural Guarani é fundamentado na sua religião, onde todos os aspectos do seu cotidiano são "ritualizados". Nesse sentido, na visão dos Guarani, a presença de pessoas de fora da comunidade na aldeia, como por exemplo os extensionistas rurais, exige também o cumprimento de um "ritual". Porém, o desconhecimento da própria cultura Guarani por parte dos profissionais que atuam junto a essas comunidades, ocasiona desentendimentos estruturais e fundamentais na relação dialógica feita na “fronteira” entre duas culturas distintas.

A primeira questão a ser relativizada pelos técnicos que atuam junto às comunidades indígenas é a lógica temporal do relógio. Na maioria das vezes, a atuação dos técnicos é orientada por suas demandas, dificuldades de deslocamento, distância e prazos exíguos para o cumprimento de suas tarefas, cujas decisões têm que ser tomadas num tempo muito diferente do ritmo das famílias Guarani.

Outra situação freqüente é a prática dos técnicos de buscar, dentro das aldeias, o diálogo restrito com o cacique, entendido como o representante maior da comunidade indígena. É claro que dentro da aldeia, e de comunidades em geral, os atores sociais possuem papéis distintos. Entretanto, é necessário que os técnicos tenham uma visão geral sobre a organização social e política das comunidades, os papéis desempenhados por cada indígena e como eles são atribuídos do ponto de vista cultural. O cacique Guarani desempenha o papel de representante no contato com os não-índios, tendo a função de dialogar com todos os agentes externos, assim como outros homens da comunidade indígena também podem ter essa atribuição. Mas, isso não significa que o processo de tomada de decisão seja feito somente por eles. E, sem dúvida, este é o ponto chave na construção da metodologia do trabalho com os Guarani.

Na aldeia, os técnicos são sempre recepcionados por algum Guarani, geralmente o soldado (xondáro), que tem o papel de guardar e zelar pela ordem dentro das comunidades. Depois, tem o tempo de espera, onde os técnicos acomodam-se no local indicado e é servido o chimarrão. Ao mesmo tempo, o xondáro ou outro Guarani faz a negociação com as famílias que moram na aldeia para participarem da conversa com os não-índios, sendo que cada uma delas tem liberdade na sua tomada de decisão. Isto é necessário, porque dentro de uma mesma comunidade existem uma ou mais famílias extensas5, forma esta de sua organização social.

5 A família extensa é composta pelo casal (pais, sogros), filhos solteiros, filhas casadas e genros, além de netos, agregando

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Após a chegada das famílias para a reunião, os homens da aldeia sentam-se em círculo com os técnicos, e as mulheres ficam mais afastadas cuidando das crianças ou fazendo artesanato. Cabe salientar que os homens têm o papel de dialogar com os não-índios, função esta quase inexistente entre as mulheres Guarani. Entretanto, isto não significa que as mulheres estejam excluídas do processo de decisão de qualquer projeto para a comunidade.

A liderança religiosa (karaí) é a primeira a falar na língua Guarani para todos os participantes da reunião. Sendo o karaí detentor das belas palavras (arvú porã), solicita a permissão aos deuses para dar prosseguimento aos trabalhos que serão desenvolvidos naquele momento. Relembra o modo de vida tradicional Guarani (ñande rekó) como forma de atualização da sua cultura. A cultura é entendida como dinâmica, onde constantemente se dá a tensão entre o modo de ser vivido pelos seus antepassados e o vivido atualmente por essas comunidades. Nesse diálogo entre o passado, o presente e o futuro, o karaí ressalta a necessidade de manter a cultura e construir alternativas para sua manutenção. Para isso é necessário que os técnicos exerçam o ato de ouvir em detrimento do falar. Na língua Guarani, os não-índios são chamados de juruá, que pode ser traduzido como “palavras ao vento”. Isso expressa claramente o significado atribuído por eles ao poder da palavra, que está relacionada à própria alma Guarani.

A seguir, o cacique e outros Guarani também se manifestam na sua língua, incluindo homens e, algumas vezes, mulheres. Por fim, os técnicos são solicitados a explicar os motivos que os levaram à aldeia.

Após o entendimento da proposta do projeto pelos indígenas, é preciso um tempo para a tomada de decisão da comunidade. Os técnicos devem retornar numa outra ocasião, agendada com a comunidade. Durante esse tempo, as famílias conversam entre si, e as mulheres têm um papel fundamental nas definições das necessidades e demandas. Na próxima reunião entre os técnicos e a comunidade indígena são firmadas as prioridades e assumidas as responsabilidades na construção do seu projeto futuro.

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4 UM PROJETO PARA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ATER

INDÍGENA

Segundo dados oficiais, a população indígena brasileira é de cerca de 600 mil pessoas, divididas entre 227 etnias, falantes de 180 línguas diferentes (ISA, 2006). Isso revela a imensa diversidade existente tanto dentro da categoria genérica que engloba o termo "índio", quanto em relação a outros grupos da sociedade brasileira. Os indígenas vivem nos mais diversos pontos do território brasileiro e representam, em termos demográficos, um pequeno percentual da população de 170 milhões de habitantes do Brasil.

Essas etnias habitam mais de 480 áreas, que correspondem a mais de 105 milhões de hectares, aproximadamente 12% do território nacional. Essas terras envolvem importantes (e extensas) jazidas minerais, florestas, recursos hídricos, e se localizam, muitas vezes, nas regiões de fronteira ou de eixos de transporte e intercomunicações.

Do espaço de 105 milhões de hectares ocupados por essas etnias, 97% dessas terras se localizam nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil - onde vivem 60% dessa população. Em contrapartida, os outros 3% das terras indígenas restantes são divididos entre as regiões Nordeste, Sudeste e Sul – para os 40% dessa população.

No estado do Rio Grande do Sul, existem cerca de 25 milhões de hectares de terras. Destas, cerca de 90 mil hectares dizem respeito a terras indígenas, ou seja, somente 0,37% das terras gaúchas pertencem às populações indígenas.

Apesar desse número reduzido de terras indígenas, o Rio Grande do Sul possui as duas etnias com a maior população no Brasil, que são os Guarani e os Kaingang, com sistemas culturais e processos históricos distintos, totalizando aproximadamente 20 mil indígenas divididos em torno de 3.600 famílias.

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Os Kaingang pertencem ao tronco lingüístico Macro-Jê, família Jê, estando concentrados na região Meridional do Brasil, abrangendo os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo (BECKER, 1976). Tradicionalmente, as florestas sub-tropicais do Brasil Meridional formavam o meio ambiente adequado para a reprodução do ethos Kaingang enquanto caçadores-coletores e cultivadores, de acordo com seus padrões estabelecidos culturalmente (TOMASSINO, 1995). Entretanto, esse antigo padrão de relação dos Kaingang com o meio ambiente transformou-se à medida que suas terras passaram as ser delimitadas no século XIX, quando foram constituídos os aldeamentos (atuais terras indígenas). A situação atual das áreas Kaingang é bastante precária, devido à ação predatória de não-índios, que ocasionaram a perda da mata, e conseqüentemente, a sua degradação ambiental (fauna, flora e recursos hídricos). Atualmente, as famílias Kaingang no Rio Grande do Sul estão dispersas em 15 áreas indígenas homologadas, concentradas no norte do estado, totalizando cerca de 18 mil pessoas. A maioria das comunidades Kaingang está inserida dentro da lógica dos agricultores não-índios do entorno das suas áreas, produzindo monoculturas (soja, milho, feijão) de forma extensiva e mecanizada, e animais (bovinos de corte e leite). Esta realidade é o resultado da ação indigenista, incluindo órgãos governamentais e não-governamentais, que visou à integração dos Kaingang na sociedade brasileira. Por outro lado, existem algumas famílias que mantêm a produção para subsistência, organizadas dentro do seu sistema familiar (vínculos de parentesco).

Já os Guarani pertencem ao tronco lingüístico Tupi Guarani, falantes da língua Guarani, e estão subdivididos em três parcialidades Mbyá, Kaiowá e Ñandéva. Estão concentrados na Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil. Nesse último, distribuídos pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul (LADEIRA & MATTA, 2004). Especificamente, no estado do Rio Grande do Sul, as famílias Guarani pertencem às parcialidades Mbyá e Ñandéva ou Xiripá. Essas vivenciaram processos históricos diferenciados que, a partir de contatos interétnicos, reelaboraram sua cultura de forma também diferenciada. A maioria das famílias no Estado pertence à parcialidade Mbyá, sendo que as famílias Ñandeva estão concentradas nas áreas próximas dos Kaingang, nos municípios de Benjamin Constant do Sul, Erval Seco e Planalto, mantendo relações matrimoniais e de afinidades, tanto com esse grupo étnico, quanto com italianos e alemães. As famílias Guarani estão dispersas em 24 áreas indígenas (terras, acampamentos e reservas indígenas), totalizado, em 2004, 1.314 pessoas. A etnia Guarani é apontada como a mais vulnerável socialmente, tanto pelas instituições que a assistem, como pelos próprios representantes indígenas do Estado. Durante décadas, os Guarani estiveram à margem da atuação do indigenismo oficial, que os considerava

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"estrangeiros", devido sua concepção de territorialidade, e também difíceis de trabalhar, dada a sua mobilidade social6. Outros fatores determinantes na construção da sua vulnerabilidade social são a ausência de demarcação de terras adequadas para sua reprodução física e cultural, e de políticas públicas efetivas para melhoria das suas condições de vida.

Diante deste cenário estadual, a Emater/RS-Ascar decidiu construir um projeto-piloto de Ater com as comunidades Guarani, partindo de uma discussão junto ao Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepi). O Cepi é um órgão de caráter deliberativo, normativo, consultivo e fiscalizador das ações e políticas relacionadas aos povos indígenas do estado do Rio Grande do Sul. Cabe ao Cepi definir e propor diretrizes para a política indigenista estadual, com o objetivo de incentivar as comunidades indígenas, garantindo-lhes os direitos constitucionalmente assegurados. O conselho é formado por 18 representantes Kaingang, 18 representantes Guarani e 18 representantes das secretarias de estado, incluindo órgãos federais como Funai e Funasa.

Para a concretização do projeto, a Emater/RS-Ascar contou com recursos provenientes do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), através de um primeiro convênio realizado em 2003 e executado em 2004 e, posteriormente, nos anos de 2005 e 2006.

Na ocasião do debate junto ao conselho, com a participação do Cacique Geral dos Guarani no Estado, foi decidido que o projeto de Ater teria que contemplar o Povo Guarani como um todo, sem diferenciação entre as parcialidades Mbyá e Ñandevá.

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O território Guarani é justificado apoiando-se na sua memória que é reatualizada através dos seus mitos, numa ocupação que abrange Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil (GARLET, 1997). Dentro desse território, as famílias Guarani se deslocam e migram (mobilidade social- que muitos denominam de nomadismo) por inúmeros motivos: doenças, premunições, morte, matrimônio, busca religiosa pela Terra sem Males. Numa dada situação, todas as famílias Guarani que residem numa mesma área podem migrar para outro lugar, ficando temporariamente sem ocupação até virem outras famílias.

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O projeto foi desenvolvido no ano de 2004, em 20 áreas Guarani no estado do Rio Grande do Sul, atingindo uma população de 304 famílias e 1.314 pessoas7, conforme tabela a seguir:

Tabela 1 - Área de Abrangência e Público Beneficiário

ESREG Município Área Guarani Nº de

Famílias

Nº de Pessoas

Bagé Caçapava do Sul Acampamento Beira da Estrada Irapuá 10 55 Benjamim Constant do

Sul Terra Indígena Guabiroba 08 31

Getúlio Vargas Acampamento Beira de Estrada Mato Preto 08 42

Aldeia M´baraká Miri 19 43

Erechim

Planalto

Aldeia Passo Feio 19 84

Ijuí Salto do Jacuí Terra Indígena Salto Grande do Jacuí 35 140 Reserva Indígena Tekoá Porã 17 85 Barra do Ribeiro Acampamento Beira da Estrada Flor do

Campo 12 60

Reserva Indígena Caa Miri 02 09 Camaquã

Terra Indígena Ivoporã 16 66

Caraá Terra Indígena Varzinha 24 97

Maquiné Terra Indígena Ñhum Porã 11 39

Palmares do Sul Terra Indígena Yriapú 07 26 Porto Alegre Reserva Indígena Tekoá Anhetenguá 16 70

Riozinho Reserva Indígena km 45 05 31

Terra Indígena Jataity 27 128 Reserva Indígena Estiva 17 79 Porto Alegre

Viamão

Reserva Indígena de Itapuã 07 34 Santa Maria Estrela Velha Reserva Indígena Flor da Mata 07 23 Santa Rosa São Miguel das Missões Reserva Indígena Tekoá Koenjú 37 172 06 ESREGs 15 Municípios 20 Ocupações Indígenas 304 1.314

Fonte: Emater/RS, 2005.

Após essa negociação com o Cepi, a Emater/RS-Ascar elaborou uma proposta inicial do projeto ao MDA, visando a construção de uma Ater diferenciada. Esse processo somente seria possível através da construção de uma metodologia de trabalho específica, tendo como base uma concepção participativa, construtivista e capacitadora.

7 No ano de 2005, o projeto de Ater em Áreas Indígenas contemplou 21 comunidades Guarani, atingindo 313 famílias e 1.352

pessoas. Já em 2006, foram desenvolvidas ações de Ater em 22 comunidades Guarani, envolvendo 353 famílias e 1.609 pessoas. O aumento no número de comunidades se dá conforme à reivindicação das próprias famílias Guarani.

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Conforme reivindicação dos representantes Guarani, o primeiro passo foi viabilizar um encontro entre os representantes indígenas, os extensionistas rurais e as entidades parceiras que atuam junto às comunidades Guarani, visando a construção de uma Ater diferenciada. Durante quatro dias, os representantes das 20 comunidades estiveram reunidos na aldeia Tekoá Anhetenguá, em Porto Alegre, para discutirem internamente sobre a sustentabilidade e o papel da extensão rural nesse processo. Concomitantemente, os extensionistas rurais também se reuniram para debater sobre a atuação da Ater. Ao final do evento, houve o encontro de ambos, com a participação de parceiros. Esse encontro entre todos os atores envolvidos no projeto foi coordenado pelos próprios representantes Guarani, o que exigiu que os não-índios se comportassem na aldeia, conforme o sistema cultural indígena. Foi realizado um “ritual” de boas vindas a todos os participantes, coordenado por um soldado (xóndaro). Todos tiveram que se organizar em fila, primeiramente os homens, e depois as mulheres, para cumprimentar os Guarani que os esperavam em círculo e dançando ao som do violão e da rabeca (violino). A fila foi conduzida pela liderança religiosa (karaí) para dar a primeira volta e, na segunda, cumprimentando a todos com os dois braços levantados, pronunciando a palavra aguyjeve te (saudação tradicional). Após essa saudação, os não-índios foram conduzidos até um espaço à sombra, aguardando o final do ritual entre os Guarani.

Figura 1 - Ritual de “boas vindas” aos participantes do I Encontro entre Extensionistas Rurais,

Representantes Indígenas e instituições parceiras sobre Ater nas Comunidades Guarani no Rio Grande do Sul, março de 2004, município de Porto Alegre.

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Segundo o cacique geral do Povo Guarani, ficou definido, de forma mais ampla, que a assistência técnica e extensão rural deveria ser desenvolvida no sentido do fortalecimento do sistema Guarani. Essa concepção demarcou a fronteira étnica, ou seja, a diferença em relação aos não-índios, pois o sistema Guarani expressa a relação diferenciada do seu Povo com o meio ambiente, o social e o sobrenatural. Para isso, ficou definida a necessidade dos extensionistas rurais de serem capacitados sobre os conceitos básicos da cultura Guarani e princípios antropológicos, por meio de atividades que foram desenvolvidas ao longo do projeto.

A discussão interna dos Guarani foi centrada na manutenção do seu sistema cultural. Sendo sua cultura alicerçada na religião, priorizaram no projeto a construção das casas de rezas (opÿ), em todas as comunidades do Estado, o que já havia sido reivindicado em outras reuniões de representantes e lideranças religiosas (karaís). Isto, porque a comunidade que não tem opÿ desorganiza-se, desagrega-se, pois não estabelece uma relação com o plano espiritual, surgindo, por exemplo, doenças, uso de bebidas alcóolicas, ausência de roças. Na visão Guarani, com a construção da opÿ se constitui um espaço de rezas coletivas dentro da aldeia (tekoá), onde o karaí orienta e aconselha todas as famílias, relembrando o modo de vida dos seus antepassados e, ao mesmo tempo, reatualizando a sua cultura. Sendo assim, a comunidade organiza-se coletivamente para definir alternativas e estratégias de sustentabilidade, sejam elas culturais, econômicas, sociais ou ambientais. Além da valorização cultural (construção das opÿ), os Guarani definiram como prioridades os temas relacionados à segurança alimentar e geração de renda, mas sempre apontando à necessidade de se levar em conta a especificidade de cada uma das comunidades envolvidas no projeto.

A partir dessa definição tomada na condição de Povo, o projeto foi sendo estruturado, definindo suas metas, metodologia, avaliação e monitoramento das atividades.

O projeto foi formulado prevendo quatro metas: 1ª. Diagnóstico da situação atual das comunidades Guarani no RS; 2ª. Capacitação de Técnicos; 3ª. Assistência Técnica e Extensão Rural nas comunidades Guarani por meio da implantação das unidades didáticas; e 4ª. II Encontro Estadual entre Técnicos e Representantes Indígenas com a avaliação final dos resultados dos projeto.

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5 OS COMPONENTES TRABALHADOS NO PROJETO DE ATER

INDÍGENA

5.1 DIAGNÓSTICO DAS COMUNIDADES GUARANI

O diagnóstico das comunidades Guarani foi realizado com a participação de técnicos estaduais e municipais da Emater/RS-Ascar, parceiros e uma comissão indígena estadual. Essa comissão foi reivindicada pelos representantes indígenas, durante o encontro que definiu a estruturação do projeto, e foi composta pelo cacique geral e vice-cacique geral dos Guarani no Estado. A comissão acompanhou os técnicos da instituição em todas as comunidades envolvidas, o que foi de suma importância, tanto para o fortalecimento da organização interna do Povo Guarani, quanto para facilitar o diálogo entre as famílias indígenas e os extensionistas rurais, pois a língua Guarani é um fator limitante no trabalho de todos os mediadores sociais. A metodologia participativa utilizada buscou contemplar as especificidades da cultura Guarani, em geral, e de cada área, em particular, e foi bastante facilitada pela presença da comissão indígena estadual, auxiliando decisivamente na mediação com as comunidades.

5.1.1 Realização do Diagnóstico - Um Ritual Metodológico

Para a realização do diagnóstico, primeiramente, foram feitas reuniões em cada uma das comunidades Guarani, que eram previamente agendadas e sempre coordenadas pelos próprios indígenas. Através dessas reuniões, foi feita uma discussão com as famílias Guarani sobre a situação atual de cada aldeia (tekoá), respeitando todo o ritual descrito anteriormente, abordando limites, potencialidades e necessidades, para então definir as ações prioritárias a serem desenvolvidas pela Ater.

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Além disso, esse levantamento teve continuidade com a atuação permanente dos extensionistas rurais, através da observação, do contato e do diálogo com as famílias Guarani, por meio de visitas, encontros e durante todo o processo de implantação das unidades didáticas. No final do primeiro ano de projeto, cada escritório municipal enviou um relatório com os dados obtidos junto às comunidades Guarani, que foram sistematizados num relatório final. Esse acervo de conhecimento serve como referencial para atuação da instituição, e é constantemente rediscutido com cada comunidade para a priorização de novas demandas e necessidades.

Figura 2 - Reunião na Comunidade Guarani para realização do diagnóstico da situação

atual de cada tekoá - Reserva Indígena Tekoá Koenjú – Município de São Miguel das Missões.

5.1.2 Os Achados do Diagnóstico: Aproximando o Olhar do Extensionista ao Olhar dos Guarani

As comunidades Guarani no Rio Grande do Sul estão concentradas principalmente nas áreas do litoral norte e sul, e em diversos municípios no Estado. Trata-se de áreas relativamente pequenas e dispersas, definidas em função da manutenção e reprodução do seu sistema cultural.

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A situação jurídica das áreas ocupadas pelas famílias Guarani pode ser dividida em três tipos8:

− Terras Indígenas tradicionalmente ocupadas e demarcadas pela União (5.969,377 ha).

− Reservas Indígenas cedidas pelo estado, prefeitura ou particulares (984,43 ha).

− Acampamentos de beira de estrada localizados às margens de rodovias (4,5 ha).

Ao todo, as famílias Guarani ocupam 6.958,307 hectares de terras no estado do Rio Grande do Sul, com uma população de 1.314 pessoas, em 2004.

A principal luta dos Guarani é pela demarcação de terras, cujo tema é fortemente marcado pela morosidade na atuação do órgão indigenista oficial - a Fundação Nacional do Índio (Funai). Atualmente, a área do Mato Preto está em fase de identificação, no município de Getúlio Vargas, e a Terra Indígena Jataity em fase de ampliação, no município de Viamão. Entretanto, as famílias Guarani reivindicam também a demarcação de outras áreas como a Terra Indígena Irapuá, no município de Caçapava do Sul, a Mata São Lourenço e Esquina Ezequiel, no município de São Miguel das Missões, Ponta da Formiga, no município de Barra do Ribeiro e Parque Estadual de Itapuã, no município de Viamão, entre outras. Além da necessidade de ampliação da Reserva Indígena Tekoá Porã, no município de Barra do Ribeiro, Reserva Indígena Tekoá Anhetenguá, no município de Porto Alegre e Terra Indígena Ivoporã, no município de Camaquã.

Além da quantidade insuficiente de terras, as áreas ocupadas pelos Guarani são consideradas por eles como inadequadas para a reprodução do seu modo de vida (ñande

rekó). Isto é, não permitem a sua relação social, com o meio ambiente e o sobrenatural. Na

visão desse grupo étnico, “onde existe mato é terra do Guarani”, mas acreditamos que o inverso também seja verdadeiro, ou seja, “onde tem Guarani há mato”. Porém, as áreas por eles ocupadas são empobrecidas em termos de quantidade e qualidade de recursos naturais, devido a ação anterior dos colonizadores, ou pelo fato de serem áreas correspondentes a “sobras da colonização”.

8 As aldeias Passo Feio e M´baraka Miri (Terra Indígena do Nonoai) não estão somadas, pois não existe uma delimitação das

áreas ocupadas pelos Guarani, uma vez que esta terra é demarcada como Kaingang. Além disso, também não estão incluídas a aldeia Gengiva localizada dentro da Terra Indígena da Guarita, a Reserva Indígena Figueira, no município de Torres e outros acampamentos provisórios de famílias Guarani que não foram contempladas no primeiro ano do projeto.

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Cada área Guarani tem sua especificidade, algumas ainda possuem caça, pesca e permitem a coleta de frutas e plantas medicinais. Todos esses fatores são observados como critérios indispensáveis na escolha de uma área a ser ocupada pelas famílias Guarani. Entretanto, esses fatores inter-relacionados são raramente encontrados em uma única área. Por exemplo, as áreas indígenas Ñhum Porã, Varzinha e Km 45, localizadas nos municípios de Maquiné, Caraá e Riozinho respectivamente, possuem uma grande área de mata nativa (entre 65 a 95% do seu total), inseridas na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Sendo assim, nessas áreas também existem inúmeros animais nativos, tais como: tatu, macaco, quati, jaguatirica, tamanduá, graxaim, aves em geral. Ao contrário da realidade vivenciada pelas famílias que moram, por exemplo, na Reserva Indígena da Estiva, município de Viamão, em uma área de 5 hectares, ou no acampamento de beira de estrada de Irapuá, município de Caçapava do Sul, em uma área de 1,5 hectares junto à faixa de domínio da BR-290.

Como a maioria das áreas está degradada ambientalmente, isso se reflete nas condições das áreas agricultáveis. Isso porque, do ponto de vista cultural Guarani, são necessárias áreas de mato para reprodução do seu sistema de agricultura tradicional, como relataremos posteriormente. Além disso, os solos estão empobrecidos e degradados como os da Terra Indígena Yriapú, no município de Palmares do Sul, onde 90% da área se constituem por areias quartzosas.

Tradicionalmente, as famílias Guarani sobrevivem da caça, coleta, pesca e do cultivo de pequenas roças. Ao longo das décadas, em conseqüência da própria indefinição de áreas, os Guarani passaram a criar pequenos animais, como porco e galinha, e foram introduzindo novas culturas na sua produção de subsistência, como: cenoura, beterraba, alface, cebola, couve. Porém, em decorrência da precariedade dessas áreas, muitas famílias Guarani vivem em situação de insegurança alimentar.

As matérias-primas para confecção de casas tradicionais (ógas), casas de rezas (opÿ) e confecção do artesanato, como, por exemplo, taquara-mansa, capim-santa-fé, madeira, barro, pindó, pau-leiteiro e guaimbé, também são escassas em todas as áreas. Geralmente, as famílias Guarani dependem de vizinhos que permitam a extração desses materiais, por não atribuírem um valor econômico significativo para eles, ou por serem favoráveis à causa indígena.

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Isso dificulta diretamente a principal fonte de renda das famílias Guarani que é o artesanato. As esculturas de madeira, que retratam principalmente a fauna, os cestos e os colares são vendidos nas beiras de estradas, nas sedes dos municípios onde estão localizadas as áreas indígenas e, mais recentemente, em feiras e eventos. Além do artesanato, as famílias Guarani sobrevivem da aposentadoria, doação de cestas básicas, empregos como de professores bilíngües, agentes de saúde e de saneamento, e prestação de serviços nas comunidades do entorno. Algumas comunidades como as reservas indígenas Tekoá Anhetenguá no município de Porto Alegre, Tekoá Koenjú no município de São Miguel das Missões, e Estiva no município de Viamão, possuem um grupo de canto e dança tradicional que, por meio da gravação de um CD, geram renda com sua venda e respectiva apresentação artística.

Em relação à infra-estrutura nas áreas indígenas podemos destacar9:

− Água: O abastecimento de água nas áreas Guarani é feito da seguinte maneira: duas áreas possuem poço raso ou escavado; três áreas possuem poços artesianos; seis áreas possuem redes de abastecimento de água; quatro áreas contam com vertentes naturais sem proteção; e cinco áreas por meio de fontes protegidas.

− Energia elétrica: quatro áreas possuem rede de luz e 16 áreas não possuem rede de luz.

− Saneamento básico: 19 áreas não dispõem de estrutura adequada para a destinação adequada de dejetos (esgoto, águas servidas e lixo), restando uma área apenas com saneamento básico.

No que se refere à educação, tema bastante discutido entre os Guarani, em razão da tensão entre o tradicional e o moderno, não há um consenso sobre ter ou não escolas, remetendo a especificidade para cada comunidade. Ao todo, sete comunidades já possuem escola e 13 não possuem e/ou não querem escola.

Em relação a políticas públicas, 100% das famílias Guarani tiveram acesso ao Programa RS Rural entre os anos de 1999 a 2004, através da Emater/RS-Ascar Além disso, muitas famílias também têm acesso ao Programa Bolsa Família e ao Fome Zero.

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34 5.2 CAPACITAÇÃO DOS TÉCNICOS

Na capacitação dos técnicos, que se constitui em um processo contínuo, o princípio norteador é instrumentalizar o técnico em como “olhar” de forma diferenciada o público indígena, respeitando sua cultura, modo e expectativa de vida. O permanente desafio colocado aos extensionistas rurais é o de como abster-se de conceitos pré-definidos e de esteriótipos construídos a partir do imaginário coletivo do “civilizador”. Além disso, é necessário romper com a lógica de que os indígenas devem ser tratados como os agricultores familiares, pois a agricultura que praticam é de forma culturalmente diferenciada.

Figura 3 - Capacitação de técnicos da Emater/RS-Ascar (regional

e municipal) que atuam junto às comunidades Guarani no Rio Grande do Sul por meio de trabalhos em grupos.

A capacitação teve a participação de técnicos dos níveis estadual, regional e municipal, e foi desenvolvida por meio de palestras, debates e trabalhos em grupo. Os conteúdos programáticos abordaram conceitos básicos do sistema tradicional Guarani, postura do extensionista e metodologia a partir de uma visão antropológica. As atividades tiveram a participação de profissionais das áreas das ciências humanas e agrárias que desenvolvem pesquisas junto às comunidades Guarani. Ressalta-se, ainda, que durante a capacitação foram levadas em conta as demandas específicas dos extensionistas rurais nos temas relacionados à cultura Guarani. Isto porque, dentro de uma abordagem antropológica, a cultura Guarani é apreendida de forma sistêmica, como um “fato social total”, onde os aspectos sociais, econômicos, religiosos e culturais são inter-relacionados e interdependentes.

As atividades de capacitação também tiveram conteúdos de monitoramento, avaliação e reflexão sobre as ações de Ater desenvolvidas nas comunidades Guarani. As situações vivenciadas dentro das áreas indígenas no cotidiano do trabalho da extensão rural eram trazidas pelos técnicos para estimular o debate e a troca de experiências. Além disso, resguardando as especificidades de cada comunidade, sempre foram apresentados e

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debatidos exemplos de ações de Ater, apontando aspectos positivos, negativos, limites e avanços entre todos os técnicos envolvidos.

A tabela abaixo mostra o quadro de profissionais da Emater/RS-Ascar que prestam assistência técnica às 20 comunidades Guarani envolvidas no projeto de Ater:

Tabela 2 - Profissionais da Emater/RS-Ascar que atuam Junto às Comunidades Guarani

ESREG MUNICÍPIO ÁREA INDÍGENA PROFISSIONAIS

Engenheiro Agrônomo Técnico Agrícola Bagé Caçapava do Sul Acampamento Beira de Estrada Irapuá

Extensionista Bem Estar Social Engenheiro Agrônomo

Benjamin Constant do

Sul Terra Indígena Guabiroba Engenheiro Agrônomo Getúlio Vargas Acampamento Beira de Estrada Mato Preto Técnico Agrícola

Aldeia M’baraka Miri Erechim

Planalto

Aldeia Passo Feio Extensionista Bem Estar Social Engenheiro Agrônomo

Técnico Agrícola Ijuí Salto do Jacuí Terra Indígena Salto Grande do Jacuí

Extensionista Bem Estar Social Reserva Indígena Tekoá Porá

Barra do

Ribeiro Acampamento Beira de Estrada Flor do Campo

Engenheiro Agrônomo Reserva Indígena Caa Miri

Camaquã

Terra Indígena Ivoporã Técnico Agrícola Caraá Terra Indígena Varzinha Engenheira Agrônoma Maquiné Terra Indígena Ñhum Porã Técnico Agrícola Palmares do

Sul Terra Indígena Yriapú Engenheiro Agrônomo Técnico Agrícola Porto Alegre Reserva Indígena Tekoá Anhetenguá

Extensionista Bem Estar Social Riozinho Reserva Indígena Km 45 Engenheiro Agrônomo

Terra Indígena Jataity Reserva Indígena Estiva Porto Alegre

Viamão

Reserva Indígena Itapuã

Técnico Agrícola Santa Maria Estrela Velha Reserva Indígena Flor da Mata Técnico Agrícola Santa Rosa São Miguel das Missões Reserva Indígena Tekoá Koenjù Engenheiro Agrônomo Escritório

Central Antropóloga

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36 5.3 AÇÕES DE ATER

As priorizações das linhas de ação de assistência técnica e extensão rural (Ater) ocorreram durante o I Encontro entre Técnicos e Representantes Indígenas, e as adequações às especificidades de cada área foram realizadas por ocasião do diagnóstico. As linhas priorizadas foram: valorização cultural, segurança alimentar e geração de renda.

No eixo de valorização cultural foi reivindicada a viabilização das construções das casas de rezas (opÿ), considerada a ação prioritária e essencial para as comunidades, devido sua importância simbólica-cultural-religiosa.

No eixo de segurança alimentar, as ações foram voltadas para o acesso aos alimentos das famílias Guarani através da implantação de roças, pomares, hortas e da criação de pequenos animais.

Já no eixo de geração de renda, as ações de Ater foram desenvolvidas em torno do artesanato, desde a produção da matéria-prima até a sua comercialização.

Durante a realização do diagnóstico em cada uma das 20 comunidades Guarani foram feitas as adequações de acordo com as especificidades de cada área.

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Em 2004, as ações de Ater foram desenvolvidas através da implantação de 39 unidades didáticas, uma oficina e um seminário, conforme o quadro abaixo:

Tabela 3 - Unidades Didáticas

ESREG Município Área Guarani Unidade Didática

Valorização Cultural Segurança Alimentar Bagé Caçapava do Sul Acampamento Beira da Estrada Irapuá

Educação Ambiental Benjamin Constant do Sul Terra Indígena Guabiroba Segurança Alimentar Getúlio Vargas Acampamento Beira da Estrada Mato

Preto Segurança Alimentar

Terra Indígena Nonoai: Aldeia M´baraka

Miri Segurança Alimentar

Valorização Cultural Segurança Alimentar Erechim

Planalto

Aldeia Passo Feio

Geração de Renda Valorização Cultural Segurança Alimentar Educação Ambiental Ijuí Salto do Jacuí Terra Indígena Salto Grande do Jacuí

Oficina

Valorização Cultural Reserva Indígena Tekoá Porã

Segurança Alimentar Valorização Cultural Barra do Ribeiro

Acampamento Beira da Estrada Flor do

Campo Segurança Alimentar

Reserva Indígena Caa Miri Segurança Alimentar Valorização Cultural Camaquã

Terra Indígena Ivoporã

Segurança Alimentar Valorização Cultural Caraá Terra Indígena Varzinha

Segurança Alimentar Valorização Cultural Maquiné Terra Indígena Ñhum Porã

Segurança Alimentar Palmares do Sul Terra Indígena Yriapú Segurança Alimentar Valorização Cultural Segurança Alimentar Porto Alegre Reserva Indígena Tekoá Anhetenguá

Geração de Renda Valorização Cultural Segurança Alimentar Riozinho Reserva Indígena Km 45

Geração de Renda Terra Indígena Jataity Segurança Alimentar

Valorização Cultural Reserva Indígena Estiva

Segurança Alimentar Valorização Cultural Porto Alegre

Viamão

Reserva Indígena Itapuã

Segurança Alimentar Valorização Cultural Segurança Alimentar Santa Maria Estrela Velha Reserva Indígena Flor da Mata

Seminário

Valorização Cultural Santa Rosa São Miguel das Missões Reserva Indígena Tekoá Koenjú

Segurança Alimentar 39 unidades didáticas 01 oficina TOTAL 01 seminário Fonte: Emater/RS, 2005.

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5.3.1 Unidades Didáticas

As 39 unidades didáticas visaram oportunizar um acompanhamento pedagógico das ações desenvolvidas nas comunidades Guarani por todos os atores envolvidos, fundamentadas em uma troca recíproca entre saberes técnico e tradicional, onde conjuntamente se “aprendeu fazendo”. A implantação das unidades didáticas foi feita pelos próprios Guarani, onde os técnicos aprenderam muito mais do que transferiram conhecimentos. A partir de uma relação aberta e participativa, as unidades didáticas garantiram a troca de experiências entre os agentes envolvidos. Esse processo permitiu aos técnicos conhecerem aspectos do modo de ser Guarani, através das ações e da convivência com o cotidiano, refletindo positivamente em mudanças na postura e prática extensionista. Ao mesmo tempo, favoreceu o fortalecimento dos laços de confiabilidade e reciprocidade das comunidades Guarani com os extensionistas.

5.3.1.1 Unidades Didáticas de Valorização Cultural

As unidades didáticas de valorização cultural foram desenvolvidas por meio da viabilização das construções das casas de rezas (opÿ). A casa de reza (opÿ) é um espaço onde os não-índios (juruá) não podem ter acesso, pois, segundo os Guarani, poderia ser rompida a ligação do karaí com os espíritos e seus deuses. O resultado de maior relevância foi a melhoria da relação de confiança conquistada pela Emater/RS-Ascar no processo de viabilização dessas construções. Isso oportunizou um espaço de diálogo e entendimento da dimensão simbólica e religiosa dos Guarani, que se situa na esfera do sagrado, e a reorganização das comunidades, a partir do plano espiritual, fortalecendo sua cultura e melhorando a sua qualidade de vida.

As principais dificuldades na construção das casas de rezas foram a falta de matéria-prima tradicional (barro, taquara, madeira, capim-santa-fé, pindó) e de conhecedores das técnicas de construção nas áreas Guarani. Essas dificuldades foram superadas por meio da intermediação da Emater/RS-Ascar e dos recursos financeiros aportados pelo projeto, viabilizando acesso aos materiais, aquisição e/ou transporte, troca de saberes e ações de solidariedade e mútua ajuda, dentro e entre as comunidades.

Referências

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