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O LAICATO ADULTO NA PERSPECTIVA DO CONCÍLIO VATICANO II

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O LAICATO ADULTO NA

PERSPECTIVA DO CONCÍLIO

VATICANO II

Sávio Carlos Desan Scopinho *

RESUMO: Este artigo desenvolve uma reflexão sobre o laicato adulto no Concílio Vaticano II (1962- 1965). Depois de apresentar sua fase preparatória, com seus respectivos aspectos teológicos e doutrinais, propõe-se uma compreensão do Concílio com ênfase nos documentos que se referem diretamente à questão do laicato. São eles: a Constituição Dogmática Lumen Gentium, o Decreto

Apostolicam Actuositatem e a Constituição Pastoral Gaudium et Spes. O contexto histórico em

que foram elaborados e suas abordagens teológicas e doutrinais contribuirão para entender os desafios e impasses sobre a temática na estrutura interna da Igreja Católica e na sua relação com a sociedade. Pretende-se demonstrar que o reconhecimento de um laicato adulto no atual contexto eclesial e social tem como referencial doutrinário e teológico as conclusões apresentadas nos respectivos documentos conciliares, com todos os avanços e recuos.

PALAVRAS CHAVE: Laicato, Teologia, Eclesiologia, Concílio Vaticano Segundo, Documentos Conciliares.

ABSTRACT: This article develops a reflection about the adult laity at the Second Vatican Council (1962-1965). After presenting its preparatory stage with its respective theological and doctrinal aspects, it is proposed a comprehension of the Council with an emphasis on the documents which are referred to the laity issue. They are: the Dogmatic Constitution Lumen Gentium, the Decree Apostolicam Actuositatem and the Pastoral Constitution Gaudium et Spes. The historical context in which they were made, and their theological and doctrinal approaches will contribute to understand the challenges and impasses about the theme, in the internal structure of the Catholic Church and in its relationship with the society. It aims to emphasize that the participation of the adult laity in the recent ecclesial and social context with its advances and retreats has as a theological and doctrinal reference the conclusions presented in the respective conciliar documents.

KEY WORDS: Laity, Theology, Ecclesiology, Second Vatican Council, Conciliar Documents.

* Diretor Acadêmico e Professor das Faculdades Integradas Claretianas de Rio Claro. Tem doutorado em Teologia Dogmática, pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma – Itália, mestrado em Filosofia Social, pela PUC de Campinas, e MBA em Administração Acadêmica & Universitária pelas Faculdades Integradas São Leopoldo, de Belo Horizonte – Minas Gerais.

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INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta as contribuições que o Concílio Vaticano II (1962- 1965) e seu respectivo contexto histórico trouxeram para a compreensão do laicato nos seus aspectos doutrinal, teológico e pastoral. O momento eclesial e social contemporâneo só pode ser compreendido quando se considera os elementos históricos, teológicos e doutrinais que propiciaram o levantamento de indagações e desafios que ainda se encontram presentes no atual contexto da Igreja e da sociedade. Com relação à questão do laicato na Igreja Católica a situação não é diferente. Por isso que retomar a visão sobre o laicato no contexto histórico, eclesial e social do Concílio Vaticano II se torna fundamental para entender a temática no contexto contemporâneo, principalmente quando se pensa na perspectiva de um laicato adulto, capaz de ser protagonista da sua própria ação eclesial e social, sem necessariamente se apresentar como simples colaborador da hierarquia eclesiástica.

Quando se estuda a participação do leigo na estrutura da Igreja Católica, muitas perguntas podem ser propostas, embora nem todas apresentem respostas razoáveis a respeito da temática. Até que ponto a Igreja possibilitou a participação ativa e efetiva do leigo no seu contexto eclesial e social? Em que sentido deve-se compreender essa participação? Pode-se refletir sobre uma «Teologia do Laicato» que não seja entendida apenas como subordinação a uma teologia eclesiástica? O leigo é considerado adulto na sua relação com a hierarquia? Sua ação não estaria subordinada a essa mesma hierarquia, sem que assuma posições próprias e autônomas? Estas e outras questões devem estar presentes quando se propõe estudar a questão do laicato no Concílio Vaticano II.

A TEMÁTICA DO LAICATO NO DEBATE CONCILIAR

Qual foi a interpretação conciliar sobre o laicato? Como aconteceu o processo de preparação, realização e elaboração dos textos conciliares, que refletiram a respeito do tema? As respostas a estas questões serão apresentadas nas reflexões que se seguem.

Visão geral do Concílio: etapas de preparação e realização

O ConcílioVaticano II indicou novosrumosna reflexãoteológica e doutrinal, oferecendo determinados elementos formais, categorias conceituais e estruturas

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mentais, que possibilitaram um aprofundamento posterior. Apresentou também uma eclesiologia renovada, tanto no método, nas formulações empregadas, como no conteúdo. Assim, os temas eclesiológicos e teológicos conciliares são importantes para os fundamentos da «Teologia do Laicato» e para uma compreensão do laicato adulto na vida interna da Igreja e na sua relação com a sociedade.

Na proposta eclesiológica conciliar, a missão da Igreja foi apresentada como sendo a missão de todo o povo de Deus. Mas, antes de apresentar a eclesiologia conciliar, e sua respectiva visão sobre o laicato, haverá um estudo sobre suas etapas de realização, considerando que devem ser compreendidas dentro de um processo evolutivo de reflexão.

As etapas ante-preparatórias, preparatórias e as sessões conciliares

O período ante-preparatório do Concílio Vaticano II aconteceu nos anos de 1959 e 1960. As atividades começaram com a nomeação de uma comissão responsável em elaborar os primeiros documentos de trabalho. A partir dessa iniciativa, encaminhou-se um questionário para ser respondido pelas Dioceses e outros organismos eclesiais, que deveria ser devolvido para a própria comissão ante-preparatória. É importante ressaltar que a comissão:

Foi convocada por João XXIII, no dia 17 de maio de 1959. A comissão, presidida pelo cardeal Tardini, tinha como função recolher sugestões dos bispos, das universidades, das faculdades católicas e dos orgãos da Cúria a respeito das questões mais importantes que poderiam ser tratadas no Concílio. Para a Comissão ante-preparatória foram enviadas 2.593 interpelações, e se obteve 1.998 retornos ou respostas. (ALBERIGO, 1990, p. 402; 1992, p. 7)

Com as informações obtidas, preparou-se um primeiro esquema geral, a partir do qual João XXIII, no dia 5 de junho de 1960, abriria a fase de preparação do Concílio, com o Motu Próprio Superno Dei nutu. O período preparatório aconteceu entre os anos 1960 e 1962. Nessa fase lamentavelmente se percebe a falta de participação dos leigos. Sete leigos faziam parte dos trabalhos da secretaria administrativa do Concílio, mas em todas as comissões preparatórias que organizavam os textos conciliares apenas um leigo constituía uma comissão que era para os estudos e os seminários. Apesar do esforço do presidente e do secretário, nenhum leigo foi nomeado para participar da comissão sobre o apostolado leigo, inclusive nenhuma mulher – mesmo leiga ou religiosa. (ALBERIGO, 1990, p. 188)

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Essa nova fase apresentava uma estrutura mais complexa e pormenorizada que a fase anterior. Compreendia uma comissão central e dez outras comissões, formadas de acordo com os diversos campos temáticos, ligados às Congregações da Cúria Romana. Eram as comissões sobre os bispos e o governo das dioceses, para a doutrina da fé e da moral, para a disciplina do clero e do povo cristão, para os religiosos, para a disciplina dos sacramentos, para os estudos e os seminários, para as missões, para as igrejas orientais, para a liturgia, para o Secretariado de imprensa e meios de comunicação, e para o apostolado dos leigos. A comissão sobre o apostolado dos leigos foi acrescentada na última hora por vontade pessoal de João XXIII.

O trabalho das comissões consistia na elaboração dos textos que seriam encaminhados para as sessões conciliares. As comissões elaboraram 70 esquemas, com diversos argumentos que deveriam ser colocados para os padres conciliares. Nessa fase chegou-se à conclusão do motu próprio Concilium com o qual o papa João XXIII fixava o dia 11 de outubro de 1962 como o início dos trabalhos conciliares. Depois da elaboração dos respectivos textos, enviou-se para os bispos um pequeno número de esquemas, que versavam sobre as fontes da revelação, o depósito da fé, a ordem moral, a liturgia, a família, as comunicações e a unidade da Igreja. Juntamente com esse procedimento, João XXIII apresentou o regulamento que regeria o Concílio. Tais normas passaram por várias mudanças, de acordo com os encaminhamentos dos trabalhos. E por duas razões. A primeira, pela falta de experiência dos padres conciliares em conduzir um trabalho desse nível, considerando que o último Concílio tinha sido realizado no século passado, nos anos de 1869 e 1870, que foi denominado de Concílio Vaticano I. E segundo que, devido a não aceitação de alguns procedimentos assumidos na preparação e realização do Concílio, exigiu-se uma revisão das normas. Um Concílio que se esperava não apresentar grandes dificuldades na sua elaboração teve muitos questionamentos, que exigiram uma mudança no rumo dos seus encaminhamentos.

O período propriamente de realização conciliar aconteceu entre os anos de 1962 a 1965. A abertura das atividades ocorreu no dia 11 de outubro de 1962, com um discurso de João XXIII, que refletia sobre a importância dos Concílios na Igreja. O papa deu uma ênfase decisiva ao Concílio Vaticano II, no sentido de mostrar que sua proposta é de ser um diálogo com o mundo moderno. Em seguida, aconteceram as eleições das comissões de trabalho, realizadas no dia 16 do mesmo mês. Quanto aos participantes do Concílio, pode-se enumerar 1041 bispos europeus, que correspondiam a menos da metade dos partecipantes, 956 bispos americanos, 379 bispos africanos e 300 bispos asiáticos. O grupo nacional mais numeroso era sempre o italiano, com 379 bispos que, porém, constituía menos que um quinto da assembléia, significando um percentual muito limitado

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tendo em vista os Concílios precedentes. Depois da abertura, ocorreram vários eventos, a partir das diferentes fases da elaboração conciliar.

Numa primeira fase, aconteceram os seguintes encaminhamentos: de 22 de outubro a 13 de novembro, a assembléia discute a reforma litúrgica; no dia 14 de novembro ocorre um debate geral sobre as «Fontes da Revelação»; no dia 23 de novembro, o Concílio entra na última fase do primeiro período, que se encerra no dia 8 de dezembro, com a discussão de dois esquemas, um sobre os meios de comunicação social e outro sobre a unidade da Igreja; e, antes da conclusão do primeiro período, depois do dia primeiro de dezembro, examinou-se o esquema De ecclesia, texto com onze capítulos. A sua primeira redação, feita pela comissão preparatória, apresentou diversas dificuldades e questionamentos, entre eles por propor uma visão por demais «triunfalista» da Igreja. Nesse momento conciliar começavam a aparecer algumas tendências eclesiológicas divergentes. E, assim, terminava a primeira fase, sem a aprovação de nenhum esquema discutido.

Da primeira para a segunda fase acontece uma pausa de nove meses, ficando os materiais acumulados. Uma comissão composta por seis cardeais, nomeados por João XXIII, reduz o número de esquemas para 17. Nessa nova fase, começa o processo de reelaboração do esquema De ecclesia, que passaria por uma mudança proposta pelo teólogo belga Gérard Philips. Apresentou-se outro texto, com apenas quatro capítulos, assim constituídos: a) o mistério da Igreja; b) a sua constituição hierárquica; c) os leigos e o povo de Deus; d) os estados religiosos de perfeição.

Concluíram-se os trabalhos sobre o esquema relativo à liturgia, à revelação e ao ecumenismo. E formou-se uma comissão para estudar o esquema XVII, relativo à relação da Igreja com o mundo que, posteriormente, se transformaria no esquema XIII. Nesse período, mais precisamente no dia 03 de junho de 1963, morre João XXIII e assume o «trono pontifício» o cardeal Giovanni Battista Montini, papa Paulo VI. No dia 27 de junho sucessivo, o secretário de estado anunciou que o papa estava disposto não somente a continuar o Concílio, mas a aprofundá-lo em algumas questões essenciais, embora já havia fixado a data de 29 de setembro para o encerramento dos trabalhos por um período de duas semanas, no mesmo período de férias da cúria romana, para, em seguida, retormar as atividades conciliares.

Com Paulo VI, começava-se um segundo período, com várias mudanças no regulamento e na elaboração dos textos. O papa, inaugurando o novo período, em 29 de setembro de 1963, apresentava quatro tarefas que deveriam ser assumidas pelos padres conciliares, assim determinadas: a elaboração de uma sistematização teológica sobre a Igreja; o encaminhamento da sua renovação interior; a promoção da unidade dos cristãos; e o diálogo com o mundo contemporâneo.

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No ano de 1963, a preocupação era com o esquema De ecclesia, cujo texto para debate foi aprovado no dia primeiro de outubro do mesmo ano. Dentro do debate eclesial, discutiu-se a questão da colegialidade dos bispos, do diaconato permanente e da «Virgem Maria», que começou a fazer parte do esquema De ecclesia. Num primeiro momento, a refl xão sobre a «Virgem Maria» tinha sido proposta como um esquema separado.

Na segunda fase do período de Paulo VI, a discussão foi sobre a responsabilidade dos bispos e o ecumenismo. Concluído o segundo período, que culminou na sessão de 04 de dezembro de 1963, foi possível aprovar somente os primeiros dois textos: a constituição sobre a liturgia Sacrosanctum concilium e o decreto sobre os meios de comunicação social Inter mirifi a. O período de 1963 a 1964 era de revisão nos procedimentos assumidos, tanto no regulamento como em relação aos esquemas apresentados pelas comissões na fase preparatória. Nesse período era publicada a primeira encíclica eclesiológica de Paulo VI, denominada Ecclesiam suam.

Assim, superados os desafi daquele momento, entrou-se no terceiro período do Concílio. A sessão foi aberta por Paulo VI, no dia 14 de setembro de 1964. A celebração já apresentava algumas inovações litúrgicas propostas pela Constituição sobre a Liturgia Sacrosanctum concilium.

Entre os dias 16 e 30 de setembro retomou-se o debate sobre o esquema

De ecclesia, fi decidido que seu conteúdo seria apresentado em oito

capítulos. A preocupação de um bom número de padres conciliares era de fortalecer a proposta de uma eclesiologia de comunhão. O esquema II – De Ecclesia (1963) – apresentava a Igreja como mistério («mystêrion»: desígnio divino de salvação, no sentido paulino da palavra). O Concílio, assim, centrou defi amente a consideração da Igreja em sua realidade mistérica, destacando a ação de Deus uno e trino na origem e na existência da Igreja através de toda a economia da salvação. (ANTÓN, 1987, p. 115)

Nesse sentido, o Concílio deixou um espaço aberto para posteriores investigações, rompendo com o monopólio da temática sócio-jurídica da eclesiologia apologética, característica presente na mentalidade pré- vaticana. Houve uma superação do modelo eclesiológico da Igreja entendida como «societas inaequalis», passando de uma eclesiologia jurídica para uma eclesiologia de comunhão.

Também outros textos foram encaminhados. No dia 18 de setembro iniciou-se o exame do esquema sobre os bispos e o governo das dioceses. Entre os dias 30 de setembro e 06 de outubro, fez-se um exame sobre o novo texto a respeito da revelação divina. No dia 05 de outubro retomou-se o esquema

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sobre o ecumenismo. E no dia 06 do mesmo mês encaminhou-se o estudo sobre o esquema do apostolado dos leigos. Este último esquema não estava ligado institucionalmente a uma congregação da cúria. O interessante, nesse caso, é perceber a falta de presença do próprio leigo no debate sobre sua ação na Igreja e no mundo. Nos plenários conciliares essa ausência se constatava pela difi em defi a verdadeira ação do leigo na Igreja e na sua relação com a hierarquia. Nesse sentido, foi importante a intervenção de um leigo - Keegan - no debate conciliar a respeito do esquema De ecclesia e do apostolado dos leigos. No dia 13 de outubro ele tomou a palavra, fazendo sua intervenção no debate conciliar. Sua principal preocupação era no sentido de que a impostação teológica do documento De ecclesia e o esquema sobre o apostolado dos leigos não se restringisse a uma prescrição por demais detalhada da variedade das formas do apostolado laical.

No dia 14 de outubro, o Concílio debateu sobre o novo esquema do ministério e da vida sacerdotal. E no dia 20, entrava em debate o esquema XIII, sobre a relação da Igreja com o mundo, apresentando-se como um tema amplamente analisado e que gerou grandes discussões entre os padres conciliares. Também foram encaminhados os esquemas sobre os bispos e o governo das dioceses, sobre as missões, sobre a liberdade religiosa e sobre o ecumenismo, que receberam modifi ões sem a devida consulta dos padres conciliares - atitude que trouxe um clima de insatisfação na Assembléia -, entre outros. Adotou-se ainda um conjunto de medidas e propostas que culminou com a aprovação de vários documentos importantes, todos realizados na quinta sessão conciliar; entre eles, a constituição dogmática Lumen gentium. Durante a quinta sessão do Concílio, no dia 21 de novembro de 1964, foi aprovada solenemente a constituição dogmática Lumen gentium. Com ela, também o decreto sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio e o decreto sobre igrejas orientais Orientalium ecclesiarum.

Assim, passou-se para uma nova fase, convocada por Paulo VI, no dia 4 de janeiro de 1965. O papa propôs o dia 14 de setembro como data para o reinício dos trabalhos conciliares, cuja preocupação fundamental era com o esquema XIII. A partir daí, encaminhou-se o esquema sobre a liberdade religiosa e sobre a revelação. No dia 21 de setembro, a congregação geral, juntamente com a votação sobre a liberdade religiosa, se preocupou também com o texto emendado sobre o esquema da revelação, assim como sobre o esquema emendado por Paulo VI, sobre o apostolado dos leigos, votado entre os dias 23 e 27 de setembro. Naquele momento, outros temas foram apresentados, como a «família» e a «paz», entre outros. E muitos foram sendo aprovados como, por exemplo, sobre os bispos e o governo das dioceses, sobre a vida religiosa e a formação sacerdotal, sobre as religiões não-cristãs, sobre a educação cristã, entre outros.

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Dois documentos receberam a aprovação no dia 18 de novembro, que são a constituição dogmática sobre a revelação Dei verbum e o decreto sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem. O decreto constituia um ponto de chegada feito pelo importante movimentode promoção do laicato, que estava presente no catolicismo daquele momento. Desse ponto de vista é possível compreender como o referido decreto foi coordenado com muito desgaste e em medida sempre imperfeita à eclesiologia da constituição dogmática Lumen gentium. A Lumen gentium se centrava sobre a ideia de povo de Deus e não sobre o laicato, muito menos sobre a reivindicação da sua participação na relação com o sacerdócio. Articulado em seis capitulos, o decreto inicia invocando os fundamentos teológicos da participação dos leigos na missão da Igreja, indicando o que seria o escopo do apostolado laical, colocando um acento sobre o que se chamou de «animação do temporal». O texto descreve os vários âmbitos de tal empenho apostólico e as formas que se pode assumir, entre elas a mais privilegiada, com uma ótica predominantemente «romana», que era a Ação Católica. De certa forma, o documento renova a subordinação dos leigos à hierarquia e à necessidade da formação para o apostolado.

O decreto apresenta três aspectos importantes: a ação do leigo, entendida a partir da Ação Católica, a subordinação com a hierarquia e a formação para o apostolado. O decreto diz ainda que o «agente leigo» na Ação Católica é colaborador no apostolado hierárquico, sendo sua ação subordinada à hierarquia. A formação é para o apostolado, este entendido como «apostolado de colaboração». Com essa interpretação, como entender a atuação do «leigo adulto»? Os leigos não estariam ainda por demais dependentes de uma decisão que não é deles?

No dia 07 de dezembro de 1965, concluía-se o Concílio Vaticano II. A clausura aconteceu no dia seguinte, com a carta apostólica In Spiritu Sancto, de Paulo VI. Ainda no dia 07 de dezembro foram aprovados vários textos: a declaração sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanae; o decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes; o decreto sobre a vida e o ministério dos presbíteros Presbyterorum ordinis; e a constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes.

Assim, diante desse quadro sumariamente apresentado, é importante entender as principais temáticas teológicas e eclesiológicas presentes no debate conciliar. Essa explicitação contribuirá para interpretar a visão do Concílio sobre os seus membros, priorizando o tema que é objeto desta refl xão: a questão do laicato adulto.

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As principais questões teológicas e eclesiológicas

A partir das diversas etapas conciliares, é possível constatar vários avanços e, ao mesmo tempo, muitos limites nos documentos do Concílio Vaticano II. No capítulo primeiro da Constituição Dogmática Lumengentium, por exemplo, a Igreja é apresentada como mistério de Cristo, enfatizando sua dimensão transcendente. Em seguida, ela é entendida como corpo de Cristo e povo de Deus. É, também, apresentada como sacramento de unidade (LG 1) e sacramento universal de salvação (LG 48). Portanto, são propostos cinco modelos que superam o modelo institucional que entendia a Igreja como sociedade perfeita. (DULLES, 1975, pp. 14-29)

Tais modelos contribuem para a apresentação de sete itens sobre a eclesiologia do Vaticano II, que possibilitam uma reflexão mais profunda sobre a Igreja e o diálogo com o mundo contemporâneo, mesmo que ainda se coloquem como desafios e limites que ainda não foram suficientemente superados.

O primeiro diz respeito à relação entre Igreja, mundo e reino. O Concílio declarou que a Igreja é «o Reino de Cristo já presente em mistério» (LG 3) e que, pelo poder de Deus, cresce visivelmente no mundo. A Igreja é «o advento do Reino de Deus prometido nas Escrituras há séculos» (LG 5). Essa terminologia gerou duas interpretações, a partir de duas propostas teológicas diferentes. Existem aqueles que vêem a Igreja como uma instituição que se coloca a serviço da humanização, como promotora da liberdade, da paz e da justiça, sempre inserida no mundo. E existem aqueles que vêem a Igreja apenas como corpo ou sacramento de Cristo. Estes afirmam que a Igreja não deve se preocupar com os problemas do mundo, pois sua missão extrapola a realidade histórica e natural. A opção que prevaleceu na eclesiologia pós-conciliar foi a primeira, sem deixar de considerar que a segunda teve uma presença significativa em muitos setores da própria Igreja. A Constituição Dogmática Lumen gentium mostrou essa diversidade eclesiológica, constatada no interior das reflexões conciliares, uma jurídica e outra de comunhão.

O segundo é sobre a questão do ecumenismo e das missões. No Concílio houve um avanço na questão ecumênica e uma valorização das religiões não- cristãs, afirmando que tais religiões são também possibilidades de salvação (AG 11b). Os cristãos são chamados a descobrir e respeitar as «sementes do Verbo», presentes nas culturas dos vários países do mundo. A expressão «sementes do Verbo» tem sua origem com Justino, no século II d.C., que apresentava uma visão universalista da Encarnação. Segundo Justino, a encarnação teria sido preparada e realizada como promessa desde a criação. A «semente do Lógos» (sperma tou logou) é não só a capacidade ou aptidão para aprender a verdade, mas é a própria verdade presente no ser humano e que se manifesta na reta ordenação de sua

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vida. A proposta de Justino desenvolveu-se posteriormente e contribuiu para a formulação de uma teologia do Logos Spermatikós. (FIGUEIREDO, 1986, pp. 121- 136)

Modificou-se, assim, a motivação principal da obra missionária, como se entendia antes da realização do Concílio, cuja preocupação era com a conversão dos não-católicos, no sentido de que deveriam retornar à Igreja Católica. A nova perspectiva trouxe uma crise na interpretação da ação missionária, embora ainda permaneçam algumas questões como, por exemplo: como interpretar a ideia de que a Igreja de Cristo «subsiste na Igreja católica» (LG 8)? Para Pio XII, o corpo místico se identificava exclusivamente com a comunhão católica. As posições pós- conciliares foram divergentes na interpretação dessa afirmação, cuja preocupação foi retomada por Paulo VI, na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi.

O terceiro item é sobre a relação entre «unidade e diversidade». A Igreja universal, com sua sede em Roma, deve favorecer e aceitar a diversidade, fortalecendo a unidade (LG 13). A compreensão da missão da Igreja contribuiu para a inculturação do Evangelho. O Concílio possibilitou, assim, o desenvolvimento da relação fé e culturas, tema que teve diferentes enfoques e várias interpretações na teologia pós-conciliar. Um aspecto deixado sem solução foi o problema da relação entre Igreja universal e Igreja local. Essa temática seria retomada no Sínodo Extraordinário dos Bispos, realizado no ano de 1969.

O quarto item é sobre o problema do primado e da colegialidade. A colegialidade, princípio aceito sem dificuldades pelo Concílio, não tinha uma terminologia e uma interpretação precisas. No período pós-conciliar surgiram duas opiniões. Havia os que sustentavam a existência de dois sujeitos com poderes supremos na Igreja, que são o papa e o colégio dos bispos. E outros que sustentavam a existência de apenas um poder supremo, que seria o colégio, composto pelo papa com os demais bispos. Nesse segundo caso, cada exercício do poder é colegial. Diante dessa dupla possibilidade, surgiram algumas questões. Como interpretar a atuação da cúria romana nessa relação? Como entender o princípio de colegialidade nas Conferências Episcopais? E o princípio de subsidiariedade? Foram todas questões apresentadas posteriormente no Sínodo Extraordinário de 1985. (BEYER, 1986, pp. 801-822)

O quinto item apresenta uma reflexão sobre a relação entre magistério e teologia. O Concílio quase não refletiu sobre a tarefa e a autoridade dos teólogos. Alguns textos fazem uma referência, mas sem aprofundar devidamente a questão (GS 62). Qual deve ser a posição do teólogo na Igreja e na relação com o Magistério? Uma relação de submissão? De postura crítica? Existe um conjunto de questões dentro dessa temática, cujas implicações são decisivas para a Igreja e que

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foram apresentadas posteriormente pela Congregação para a Doutrina da Fé, na Instrução sobre a vocação teológica e eclesial do teólogo Donum veritatis (1990). O documento reflete sobre a relação do teólogo com o Magistério Eclesiástico, posteriormente retomado por João Paulo II, na Carta Encíclica Veritatis splendor (1993), onde afirma que o teólogo deve ser um colaborador do Magistério. A Encíclica é uma reflexão sobre o ensinamento moral relativo aos múltiplos âmbitos da vida humana, apresentando uma preocupação com a relação entre teologia e Magistério. Mas, no Concílio, essa relação ficou limitada à aceitação da autoridade do Magistério Eclesiástico.

O sexto item é sobre a questão dos ministérios. O sacerdote, entendido como ministro ordenado, é aquele que age «na pessoa de Cristo». Seu sacerdócio é diverso do sacerdócio comum dos fiéis na essência e não só em grau (LG 10). O Concílio reforçou o papel da hierarquia quando restaurou, por exemplo, o diaconato permanente nas igrejas de rito latino (LG 29). Na questão dos ministérios, que envolve a participação dos leigos, a situação se tornou contraditória. Houve um avanço na reflexão teológica e na prática pastoral, significando uma evolução da Igreja; mas, por outro lado, houve um predomínio do ministério sacerdotal, subordinando o ministério leigo ao sacramento da ordem.

O sétimo item é com relação à questão hermenêutica. Pelo menos duas tendências podem ser encontradas na reflexão teológica pós-conciliar. Uma, denominada liberal, e outra, denominada conservadora. A tendência liberal pode ser conhecida a partir da revista Concilium, fundada em 1965, com a proposta de divulgar as ideias fundamentais do Concílio Vaticano II. Já os conservadores podem ser conhecidos a partir da revista Communio: Revista Católica Internacional, que tinha como seu principal representante o cardeal Joseph Ratzinger. (DELLA CAVA, 1990, pp. 898-902) Os liberais interpretam o Concílio Vaticano II como algo novo em relação ao período precedente. Já os conservadores, não aceitando o diálogo com o mundo moderno, acusam os liberais de praticar o liberalismo, o secularismo e o modernismo. Dizem eles que, agindo assim, os liberais promovem um inaceitável pluralismo.

São, portanto, sete itens apresentados que ajudam a situar as diversas temáticas do debate conciliar e a entender sua retomada posterior. Ao mesmo tempo, é importante reconhecer que surgiram diversos limites e contradições nas diferentes posturas dos padres conciliares. Os intérpretes e estudiosos do Concílio são convidados a compor uma síntese coerente que faça justiça a uma e a outra interpretação.

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A questão do laicato nas etapas conciliares e nos documentos finais

Depois de contextualizar o Concílio Vaticano II e apresentar alguns de seus temas mais relevantes, é importante conhecer as etapas de evolução a respeito do laicato nos documentos conciliares. O referido Concílio é de grande profundidade doutrinal, espiritual e pastoral também no que diz respeito à reflexão sobre o lugar e a missão dos leigos na Igreja e no mundo. É preciso reconhecer o seu valor e a sua importância para a evolução da «Teologia do Laicato».

As etapas de reflexão sobre o termo «leigo» na etapa pré-conciliar

O Concílio possibilitou novas propostas teológicas e eclesiológicas, sendo que nas suas diversas abordagens surgiu a temática do laicato. Sua elaboração ocorreu através de um longo processo no interior das discussões eclesiológicas e doutrinais, cuja evolução esteve presente também nas etapas de preparação do próprio Concílio. No esboço original do esquema De ecclesia havia um capítulo sobre os leigos. O capítulo foi composto pela comissão pré-conciliar que, depois de examinado pela Comissão Central, foi apresentado aos padres conciliares em 1962, no início das atividades do Concílio. Nessa primeira fase de elaboração, foi apresentada uma definição do termo leigo e enviada à Comissão para revisão, que aconteceu no fim da primeira sessão conciliar. A definição serviu como base para os novos textos, que culminaram com a promulgação da Constituição Dogmática Lumen gentium.

A comissão não tinha como proposta apresentar uma definição teológica. Naprimeiraredação, oleigofoiapresentadopositivamentecomomembroda Igreja e do povo de Deus. E, restritivamente, como aquele que não pertence à hierarquia. Com esse enfoque, a definição enfatizou que o leigo é chamado a «ocupar-se nos negócios deste mundo». Para E. Schillebeeckx, isso parece insinuar que o cristão teria uma ordem jurisdicional distinta da hierarquia ordenada, exatamente pelo fato da referida ordem não ser mencionada na definição. Três elementos estariam incluídos no conceito cristão de leigo: «pertence à Igreja como povo de Deus; não é ordenado nem pertence a uma ordem religiosa ou congregação; e está engajado nos negócios deste mundo cristamente» (SCHILLEBEECKY, in: BARAÚNA, 1965, p. 985)

Depois da primeira redação, foi apresentado um segundo esquema, redigido pela comissão conciliar e preparado para debate durante a segunda sessão. O texto era semelhante ao primeiro, mas com uma diferença de enfoque. No primeiro esquema dizia: «que inclui atividade secular». No segundo diz: «que inclui atividade religiosa». Essa segunda afirmação coloca que os cristãos não estão fora da missão primária da Igreja, que é sua missão religiosa. A partir dessa

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comparação é importante considerar uma questão: o que significa dizer que a missão primária da Igreja é religiosa? Nessa afirmação começa a aparecer outra questão, que será retomada posteriormente: a relação entre sagrado e profano ou sagrado e leigo, cujas implicações levariam a uma visão dicotômica tanto da realidade social como eclesial. A Igreja como sacramento de Cristo é sinal do amor de Deus no mundo; mas o que é o mundo? Como entender a ação de Deus nesse mundo? Estas são algumas questões que devem ser debatidas, sem cair em posturas dualistas, como se constatou em vários momentos no debate teológico e em muitos documentos do Magistério Eclesiástico, antes, durante e depois da realização do Concílio. Para o segundo texto, o envolvimento do leigo com o mundo secular ficou fora do conceito teológico de laicato. No segundo esquema, o traço leigo ou secular do laicato entrava como elemento não eclesiológico. O acento estava na missão primária e religiosa. Já no terceiro esquema ocorreu uma divisão do segundo.

O segundo esquema foi aprovado como base de discussão. Todavia, a Comissão de Coordenação tinha decidido dividir o terceiro capítulo, «Sobre o Povo de Deus e em particular sobre os leigos» (esquema segundo, capítulo 3): o «povo de Deus» iria ser inserido entre o primeiro e o segundo capítulo do segundo esquema (= capítulo 2 do terceiro esquema), e o resto do capítulo original tornar-se-ia um capítulo separado «Sobre os leigos» (= capítulo 4 do terceiro esquema). (SCHILLEBEECKX, In: BARAÚNA, 1965, p. 986)

No debate conciliar, os bispos entenderam que a definição do leigo estava negativa e breve demais. Mas, mesmo assim, o texto do terceiro esquema foi o que acabou permanecendo e, com algumas modificações, entrou na Constituição Dogmática Lumen gentium. O texto ajuda a esclarecer alguns pontos importantes, tais como a possibilidade de uma análise mais completa do «estado comum dos fiéis de Cristo», o desenvolvimento mais pleno da responsabilidade leiga para o mundo secular e a explicação mais clara e objetiva da frase «(que) santifica o mundo, por assim dizer, de dentro para fora». A partir dessa visão, o leigo compartilha a missão do povo de Deus, não somente na Igreja, mas também no mundo. O laicato constitui-se assim como um estado de vida na Igreja, onde o mundo é seu lugar próprio e específico. O quarto esquema apresentou uma redação final, a partir da inserção das correções feitas nos esquemas anteriores, colocando o específico da ação do leigo.

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Os textos conciliares sobre o laicato

Muitos textos conciliares apresentam uma preocupação com a questão do laicato. Normalmente são textos que refletem sobre o tema de acordo com o assunto tratado pelo respectivo documento conciliar.

1. Sobre o leigo, mostrando a sua importância na vida da Igreja (AA 1, 17, 22, 29; LG 12, 30); 2. Sobre o significado da palavra «leigo» (LG 31; a respeito deste número, haverá um questionamento, no sentido de saber porque o Concílio não apresentou uma definição teológica de «leigo», mas apenas tipológica; e também se refletirá a questão da «índole secular» e dos aspectos positivo e negativo da definição); 3. A questão do leigo e da Ação Católica (AA 20); 4. A atividade dos leigos (AA 1, 10, 19; LG 34); 5. O apostolado dos leigos e o mundo (AA 7, 8, 13, 14, 16, 29; LG 36; AG 19, 21); 6. Os leigos e os bens eclesiásticos (PO 17, 21); 7. O caráter secular dos leigos (LG 31); 8. A comissão litúrgica (SC 44); 9. A comunhão sob as duas espécies (SC 55); 10. As condições do leigo (AA 2); 11. O conselho pastoral (AG 30); 12. A contribuição dos leigos ao bem da Igreja (LG 30, 34, 37, 41); 13. Os leigos e a esperança (LG 35); 14. Os leigos e a evangelização (AA 31, 33); 15. Os leigos e a hierarquia (AA 20, 24, 25, 26; LG 37; AG 21); 16. Os institutos leigos (PC 11); 17. Os institutos ou os mosteiros de homens e leigos (PC 15); 18. Os leigos como membros da sociedade humana (LG 36); 19. As missões dos leigos (AA 5, 24; LG 30, 31, 33, 35; AG 21); 20. Os leigos e as missões (AG 41); 21. Os leigos e os meios de comunicação social (IM 3, 13); 22. A obediência dos leigos (LG 37); 23. A formação dos leigos para o trabalho diocesano (AA 10, 25, 26, 27; CD 27); 24. A responsabilidade dos leigos (AA 1; LG 37; GS 43; PO 9); 25. As tarefas dos leigos: (AA 6, 17; AG 15); 26. A tarefa dos leigos na Igreja (AA 13, 29; CD 10; PO 9); 27. Os leigos e o ofício divino (SC 100); 28. A espiritualidade dos leigos (AA 4, 5); 29. Os leigos como testemunhas de Cristo (LG 35, 38;

GS 43; AG 21); 30. O trabalho dos leigos com os seminaristas (OT 11);

31. A união dos leigos e dos sacerdotes (AA 10; PO 9); 32. Os leigos e a verdade revelada (LG 35); 33. O apostolado dos leigos (AA 1, 2, 6, 13, 14, 18, 23, 24, 25; IM 16; LG 33, 35; CD 17, 30; AG 15, 19, 21; OT 6, 20); 34. O apostolado da palavra (AA 16); 35. Os fins do apostolado (AA 18, 24); 36. Exercício do apostolado dos leigos (AA 3, 6, 9, 18, 25); 37. A fecundidade do apostolado dos leigos (AA 4); 38. Formação para o apostolado dos leigos (AA 28, 29, 30, 31); 39. A oração dos leigos (SC 33; LG 37); 40. Os aspectos diversos do apostolado dos leigos (AA 9, 15, 18, 24, 28, 30, 31, 32); 41. O apostolado individual dos leigos (AA 17, 23); 42. O apostolado associativo dos leigos (AA 18); 43. As formas de apostolado associativo (AA 19); 44. As associações apostólicas dos leigos (AA 26, 30); 45. A promoção do apostolado dos leigos (AA 26); 46. A cooperação dos leigos (CD 30); 47. A evangelização (AA 2, 6, 20, 26; GS 44; AG 6, 7, 14, 17, 21, 23, 27, 29, 30, 35, 36, 38, 39, 40; PO 2, 5, 19); 48. A evangelização da Igreja (AG 14; LG 35; CD 6); 49. As obras de evangelização (LG 17); 50. A formação dos leigos (IM 15; CD 6, 15; AG 21, 41); 51. A participação na liturgia (SC 19, 33, 48, 55, 106; PO 5; PC 14; OE 15); 52. A participação dos leigos (AA 2); 53. A administração

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dos sacramentos da parte dos leigos (SC 79). (DERETZ – NOCENT, 1966).

Cada texto citado acima tem sua especificidade e mereceria um estudo detalhado e mais aprofundado, mas o objetivo não é fazer uma sinopse, nem um estudo crítico, mas apenas indicar algumas referências. A intenção fundamental é entenderaaçãodosleigos, a partir das decisõesconciliares, na ação evangelizadora da Igreja, e conhecer a possível contribuição do Concílio para a formação de um laicato adulto. O fato é que o leigo é chamado a ser um agente evangelizador. Na nova eclesiologia, caracterizada como povo de Deus e fundamentada na sua dimensão mistérica, a reflexão sobre o laicato torna-se uma realidade.

Assim, depois de considerar que existem vários textos sobre o laicato, a proposta é estudá-lo em três documentos conciliares, mais pormenorizadamente: a Constituição Dogmática Lumen gentium, o Decreto sobre os leigos Apostolicam actuositatem e a Constituição Pastoral Gaudium et spes.

A Constituição Dogmática Lumen gentium

A Lumen gentium é a Constituição Dogmática sobre a Igreja cujo documento final foi aprovado na quinta sessão conciliar do dia 21 de novembro de 1964. Trata-se de um texto importante do Concílio, cuja redação exigiu muitas reflexões e estudos. Seu conteúdo apresentou várias polêmicas, passando por várias redações e questionamentos. É importante compreender alguns aspectos da sua eclesiologia para, a partir daí, compreender sua reflexão sobre o laicato.

Cada capítulo da Constituição Dogmática tem a sua importância própria. O primeiro reflete sobre «o mistério da Igreja» (1-8); o segundo, sobre «o povo de Deus» (9-17); o terceiro, sobre «a constituição hierárquica da Igreja e, em especial, o episcopado» (18-29); o quarto, sobre «os leigos» (30-38); o quinto reflete sobre a «vocação universal à santidade na Igreja» (39-42); o sexto, sobre «os religiosos» (43-47); o sétimo apresenta a «índole escatológica da Igreja peregrina e sua união com a Igreja celeste» (48-51); e, finalmente, o oitavo, que reflete sobre «a bem- aventurada virgem Maria mãe de Deus no mistério de Cristo e da Igreja» (52-69). (Compêndio do Vaticano II, 1991, pp. 37-113; FAVALE, 1965; PHILIPS, 1966, II, pp. 5-62)

Para a temática do laicato são importantes os capítulos um, dois, três e quatro da constituição, por apresentarem uma proposta eclesiológica e uma reflexão específica sobre o laicato. As noções eclesiológicas de corpo místico de

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Cristo e de povo de Deus estão presentes nos dois primeiros capítulos. A Igreja, entendida como povo de Deus, a partir da definição de corpo místico de Cristo, tornou-se uma noção fundamental na eclesiologia conciliar. Nos dois capítulos do documento se faz a passagem da Igreja-mistério para a Igreja-povo de Deus, abrindo uma nova perspectiva eclesiológica que possibilita uma visão mais participativa e ecumênica na Igreja. A noção de povo de Deus está no capítulo dois da Lumen gentium, a partir do terceiro esquema De Ecclesia. A estrutura interna da constituição exigiu que se tratasse primeiro de todo o povo de Deus para, em seguida, refletir sobre as diversas categorias presentes dentro dessa noção.

O segundo capítulo prioriza a ideia de comunhão dos fiéis («communio christifidelium»). O povo de Deus é entendido como um povo que faz parte da comunhão de todos os regenerados em Cristo, pastores e simples fiéis. Ocorre uma verdadeira precedência da realidade comum de todos os fiéis cristãos. Depois se define a especificidade de cada um, dentro do contexto eclesial.

A noção de comunhão dos fiéis torna-se uma terminologia fecunda para o desenvolvimento da «Teologia do Laicato». Tal noção apresenta uma perspectiva de igualdade na vivência cristã, adquirida pelo batismo, e torna-se uma premissa indispensável e fundamental para determinar as relações entre a hierarquia e o laicato. O pressuposto é que todos são convocados por Deus para uma missão comum. Em primeiro plano, portanto, não está a distinção, mas a unidade, a solidariedade e a igualdade essencial de todos os batizados, assim como uma corresponsabilidade, a partir do mistério de comunhão com Cristo (1Pd 4,10).

A Lumen gentium afirma que todos os membros do povo de Deus, cada um à sua maneira, participam da função sacerdotal, profética e real de Cristo. Só depois considera que há uma constituição hierárquica na Igreja, afirmando que os ministros sagrados são escolhidos e enviados por Cristo. Portanto, deve- se considerar que existe uma comunhão hierárquica no interior da instituição eclesial. (LG III, n. 18; LG 21b; e LG 22a) Essa comunhão pressupõe a comunidade de todos os fiéis e deve ser exercida por meio do serviço (koinonia), sem o qual não se entende a missão da Igreja. Esse é um aspecto que não pode deixar de ser considerado na eclesiologia total proposto pelo Concílio.

O capítulo quarto reflete exclusivamente sobre os leigos na Igreja, esta entendida como povo de Deus. O capítulo coloca que a missão específica do leigo se realiza no mundo e está orientada para o progresso das realidades temporais e terrestres. A partir dessa afirmação, são apontados dois problemas, considerados graves pelo Concílio. Um é o perigo do secularismo do mundo moderno. O outro é o perigo da negação do mundo para evitar toda forma de mundanização. São duas posições radicais e unilaterais, a partir de uma experiência de secularização

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ou de clericalização. É preciso alcançar uma posição de equilíbrio diante desses dois extremos.

O capítulo sobre os leigos descreve amplamente a sua participação na tríplice função sacerdotal, profética e real de Cristo (LG III, nn. 34-36). O texto enfatiza, porém, que a participação dos leigos é de ordem diversa da participação da hierarquia na mesma tríplice função sacerdotal, profética e real (LG III, nn. 25- 27). Na Igreja, o leigo tem uma participação importante na função de santificar (LG V, nn. 39-42). E enfatiza que a vocação universal à santidade se realiza na participação do sacerdócio comum, por meio dos sacramentos do batismo e do crisma, pelo fato de serem, respectivamente, os sacramentos da regeneração cristã e da confirmação. A participação dos leigos na função de ensinar ocorre na sua atuação profética e no exemplo de vida. A participação na função de reger apresenta certa imprecisão e uma falta de explicitação, porque a constituição não distingue com clareza o que é próprio do secular em relação aos leigos.

Na discussão sobre o tríplice múnus de Cristo na eclesiologia do Concílio permanecem dois problemas, a partir da relação Igreja e mundo, que diz respeito aosdoisperigosapontadosanteriormente: oproblema da eclesialização domundo ou da mundanização da Igreja. Colocando em outros termos, a clericalização dos leigos ou a secularização dos ministros ordenados... Essa era uma preocupação constante nos textos conciliares. Mas não é uma preocupação apenas do Concílio; ela perpassa todos os documentos da Igreja. De fato, parece que esse é um ponto central a ser tratado, quando se propõe a elaboração de uma «Teologia do Laicato». Não seria necessário repensar essa interpretação, no sentido de superar ambos os medos, que seriam a clericalização do leigo e a laicização do clero?

A Constituição Dogmática Lumen gentium sublinha ainda a igualdade fundamental de todos os batizados, membros do povo eleito de Deus (LG IV, 32). A afirmação se sustenta na natureza mesma da Igreja, como sacramento de união íntima com Deus e unidade de todo gênero humano, corpo de Cristo e povo de Deus. Pode-se dizer que são dois elementos fundamentais na eclesiologia conciliar, a partir da condição batismal: a dignidade cristã e a atividade na edificação do corpo místico de Cristo. Tal proposta eclesiológica tem como pressuposto a igualdade de todos os membros do povo de Deus, não comprometendo o exercício da autoridade hierárquica, que tem sua função própria na eclesiologia de comunhão. Embora, a ideia de igualdade fundamental não deixe de apresentar consequências e implicações prático-pastorais na estruturação e no exercício da autoridade, gerando vários questionamentos, como, por exemplo, sobre como se vive o poder dentro da Igreja. Essa é uma questão séria pelo fato de que o exercício do poder na Igreja deve ser de serviço e não de dominação. E, finalmente, outro aspecto importante da Constituição Dogmática é o fato de considerar que existe

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uma relação entre a Igreja e o mundo, entre laicato e hierarquia, confirmando que existe uma unidade íntima entre o religioso e o temporal, por serem dois aspectos na vida de um mesmo ser cristão.

Assim, percebe-se que na Lumen gentium existem algumas orientações positivas para a elaboração de uma «Teologia do Laicato», numa perspectiva do laicato adulto, entendido como protagonista da sua ação eclesial e social. A constituição apresenta três elementos para a definição teológica do leigo: o elemento genérico e positivo; o elemento eclesial e funcional; e o elemento distintivo.

1. um elemento genérico e positivo - todos são membros ativos do povo de Deus, a Igreja; 2. um aspecto negativo, ou antes, eclesial e funcional - o leigo não possui cargo algum; 3. um elemento distintivo e positivo (também esclarecido pelo contraste com os religiosos) - a relação com o mundo secular enquanto esta é a maneira pela qual o leigo procura o reino de Deus. (SCHILLEBEECKX, In: BARAÚNA, 1965, p. 998)

Depois de apresentar os três elementos para a definição teológica do leigo e os vários questionamentos sobre a sua relação com a Igreja e com o mundo secular, Schillebeeckx conclui:

Portanto, os três elementos que perfazem a descrição tipológica do leigo no Concílio não são a conclusão dum debate longo e agitado, mas antes possibilitam um ajuste, a partir do qual se ganhem forças para desenvolvimentos posteriores. (in: BARAÚNA, 1965, p. 1000)

Mas, qual teologia é possível elaborar, a partir do documento? A resposta não é tão simples de ser apresentada. Ela exigiria uma compreensão da reflexão feita pelos teólogos depois do Concílio Vaticano II, pelo fato de que os textos conciliares não apresentaram muita clareza nas questões teológicas, ainda que se encontre uma definição doutrinária bem explícita a respeito.

Duas considerações podem ser feitas sobre a questão. Uma diz respeito à primeira parte do texto, que propõe uma definição não de caráter teológico, mas funcional, refletindo a partir de uma descrição da figura do leigo, uma definição tipológica (LG 31a). Essa descrição apresenta um limite. Sendo o Concílio Vaticano II um evento da Igreja e para a Igreja, não seria importante uma definição teológica? A definição apenas descritiva não apresenta o inconveniente de se manterem

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indefinidos o papel e a missão do leigo na Igreja e na sociedade? Definir o leigo a partir do que ele não é - clero ou religioso - não expressaria uma determinada concepção de Igreja, constituída pelos três estados de vida, sem relação entre eles? Não existe o perigo de se perder a dimensão comunitária e participativa? Como entender a participação do leigo no múnus profético, real e sacerdotal de Jesus Cristo, a seu modo? São questionamentos que remetem para uma segunda consideração, presente na Lumen gentium (31b).

O número 31b do capítulo quarto da referida constituição reflete sobre a índole secular como própria e peculiar da ação do leigo. O que significa índole secular? Apresentar a definição do leigo somente a partir da índole secular, não limita a interpretação, dando-lhe um aspecto que deveria fazer parte de toda a Igreja? Como entender a relação da Igreja com o mundo, considerando a índole secular como própria apenas do leigo? Antes de definir a Igreja como expressão do amor de Deusaosseres humanose sacramentodesalvação, ela mesma nãodeveria ser entendida como uma realidade que faz parte do mundo? Compreendendo a índole secular como própria e peculiar apenas do leigo, não existe o perigo de descontextualizar ou descaracterizar a própria Igreja? O presbítero e o religioso também não estão inseridos no mundo? Como entender a relação entre reino de Deus e sociedade?

Assim, pode-se perceber que a expressão índole secular indica vários questionamentos que não foram suficientemente aprofundados e esclarecidos pelo documento conciliar. Como o Concílio não apresentou uma proposta definitiva nesse sentido, a reflexão deve ser realizada pelos teólogos, a partir desse referencial básico.

O Decreto Apostolicam actuositatem

O Decreto sobre o apostolado dos leigos Apostolicam actuositatem foi aprovado no dia 18 de novembro de 1965. O texto apresenta uma reflexão sistemática sobre o leigo em continuidade com a doutrina do Magistério, no que diz respeito ao papel e à missão do leigo na Igreja e na sociedade. O Decreto é constituído por seis capítulos, um proêmio e uma exortação final, assim distribuído: Proêmio; I: Vocação dos leigos para o apostolado (2-4); II: Objetivos a serem visados (5-8); III: Campos de apostolado (9-14); IV: Modalidades diversas do apostolado (15-22); V: Observância da reta ordem (23-27); VI: Formação para o apostolado (28-32); Exortação final (33). (Compêndio do Vaticano II, 1991, pp. 527-564) Para entendimento prévio e preliminar do texto, o mesmo é caracterizado como antigo para o seu tempo, porque não inovou a reflexão feita nas etapas pré-conciliares. (GROOTAERS, 1970, pp. 215-237)

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O Decreto conciliar poderia ter significado um avanço na reflexão sobre o laicato, mas vários limites, principalmente eclesiológicos, foram detectados e expressam o conteúdo de um texto inexpressivo para a contribuição de uma reflexão sobre o laicato adulto na Igreja e na sociedade. Dentre os vários limites percebidos, cabe destacar que o documento apresenta a Igreja apenas na sua concepção hierárquica e que a ação do leigo, entendida como apostolado, está sempre subordinada à hierarquia, sustentando uma perspectiva limitada e redutiva do seu papel e da sua missão. O Decreto conciliar nada mais faz do que sistematizar o que já existia, principalmente com a Ação Católica italiana, reduzindo a visão do mundo, quando o compreende apenas como espaço de apostolado, vinculado e subordinado à realidade eclesial e eclesiástica (AA II, n. 7).

Duas implicações podem ser constatadas na relação da Igreja com o mundo a partir do Decreto conciliar. A primeira é quanto à permanência da dualidade sagrado-profano, com suas respectivas consequências para a reflexão teológica e pastoral. Uma consequência significativa é quanto à dicotomia existente entre o natural e o sobrenatural, por estabelecer uma separação entre a realidade do mundo e as coisas de Deus, entendidas como ligadas ao universo religioso. Essa separação não deveria existir na concepção cristã do mundo e muito menos no texto conciliar. Pela encarnação, Jesus resgatou a condição humana, fazendo com que o ser humano fosse entendido como co-criador das obras de Deus e herdeiro do mundo (Gl. 4,1; 1Cor. 3,21). A outra consequência diz respeito à formação. Qual seria a formação doutrinal mais adequada para o leigo? Uma formação que reproduz conceitos já definidos, sem serem questionados e que devem ser aplicados como tais no contexto eclesial e social? Ou uma formação em que o leigo, no confronto com os problemas e desafios do mundo, é capaz de apresentar soluções humanas – sempre como leigo –, realizando o projeto humanizador e libertador do Evangelho?

Ainda sobre o Decreto Apostolicam actuositatem, duas questões devem ser explicitadas. A primeira é da ordem temporal, com respeito ao fim último do ser humano, e a segunda é do apostolado em relação à mesma ordem temporal. O texto apresenta uma reflexão sobre a tarefa da Igreja, que é a instauração cristã na ordem temporal, a partir da orientação dos pastores. E propõe, em seguida, a tarefa específica do leigo, sempre subordinada à autoridade eclesiástica. Sobre o seu apostolado não apresenta uma proposta objetiva e suficiente. Não diz o que é específico da animação cristã na ordem temporal. Nem explicita como se dá a subordinação com o mandato da hierarquia. O Decreto, nessa dupla situação, faz uma opção pela via média. (ZAMBON, 1994, p. 40) Fala-se de apostolado, mas, concretamente, o que significa esta palavra?

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Quem quer que sejam, todos são chamados para o apostolado (LG 33a, 82; 33b, 83; 35d, 90; 38, 99). E apostolado é todo o esforço no sentido de expandir o reino de Cristo sobre a terra, para a glória de Deus Pai, tornando os homens todos participantes da redenção salutar e orientando de fato através deles o mundo inteiro para Cristo (cf. AA 2a, 1334). E apostolado dos leigos «é participação na própria missão salvífica da Igreja» (LG 33b, 83). «Vocação cristã é, por sua natureza, também vocação para o apostolado [...] O membro que não trabalha para o aumento do Corpo segundo sua medida, deve considerar-se inútil para a Igreja e para si mesmo» (AA 2a, 1334). (KLOPPENBURG, 1967, p. 283)

Essa indefinição trouxe sérias implicações eclesiológicas, apresentando uma visão reducionista do mundo e uma falta de clareza eclesiológica. Além do que se coloca de forma imprecisa com respeito ao papel do apostolado leigo, apresentado sem uma orientação clara e objetiva. O documento conciliar sobre o leigo, definitivamente, não ajudou na compreensão da missão do leigo na Igreja e no mundo, tendo em vista os desafios da sociedade moderna, e nem apresentou elementos para a definição teológica do leigo.

Embora não se pode deixar de considerar que o texto tem alguns valores que se limitam às preocupações do momento em que foi escrito. Nesse sentido, a Constituição Dogmática Lumen gentium e a Constituição Pastoral Gaudium et spes apresentaram uma contribuição mais significativa para a reflexão teológica e ação pastoral sobre o laicato adulto.

A Constituição Pastoral Gaudium et spes

A Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes foi aprovada na nona sessão conciliar, no dia 7 de dezembro de 1965. O Concílio encerrou oficialmente suas atividades no dia seguinte à aprovação do documento. A temática da Constituição foi complexa, exigindo muito tempo de discussão para que se conseguisse sua aprovação definitiva. No que se refere à temática do laicato, três textos do documento são propostos para apreciação.

O primeiro texto é GS 22, que aborda a problemática antropológica na sua relação com a questão cristológica. O segundo é GS 43, que reflete diretamente a questão do laicato e sua atuação no mundo contemporâneo. E o terceiro é GS 19, que aborda a problemática do ateísmo na sociedade moderna, apresentando como uma de suas causas, a falsa imagem de Deus que, muitas vezes, é vivenciada pelos próprios cristãos.

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Gaudim et spes 22

No que se refere ao primeiro texto (GS 22), pode-se dizer que o Concílio Vaticano II propôs um novo elemento constitutivo da reflexão teológica, que é a questão antropológica. Esse tema já tinha sido debatido por diversos teólogos antes do Concílio, sem um reconhecimento oficial do Magistério. (LADARIA, 1994, pp. 9-38; 1995, pp. 174-202) Na Constituição Pastoral Gaudium et spes o tema foi reconhecido, valorizado e aprofundado.

A preocupação principal foi apresentar Cristo como o homem novo. Diante do mistério da vida humana, a única explicação possível só pode ser encontrada no mistério do Verbo encarnado. Para o Concílio, o mistério significa uma realidade que se refere diretamente a Deus. O ser humano não consegue dominá-lo e conhecê-lo, exatamentepor ser inacessível à sua condiçãohumana (GS 3). Somente através da graça é que ele pode se aproximar desse mistério. Com a encarnação do Filho de Deus – Jesus Cristo –, tornou-se possível a união de Deus com os seres humanos, inclusive com aqueles que não crêem, mas são considerados seres humanos de boa vontade. Neles, a mediação da graça atua de modo invisível (GS 38). Jesus, apresentado como o «homem perfeito», é uma afirmação própria de GS 22. A ideia do «homem perfeito» é no sentido de mostrar que, através dele, a humanidade tem a mesma possibilidade de alcançar a perfeição. O texto coloca que Jesus se uniu a cada ser humano, determinando o seu ser na sua totalidade. A vocação divina do ser humano se realiza na participação do mistério pascal de Cristo. Na pessoa de Jesus Cristo aparece claro que existe uma só vocação: a divina. A última frase do primeiro parágrafo de GS 22 oferece uma importante chave de interpretação. Diz que o homem só pode ser entendido à luz de Cristo. No segundo parágrafo, por sua vez, apresenta a ideia de que Jesus é o revelador de Deus e, ao mesmo tempo, é aquele que se apresenta como o «homem perfeito». No terceiro parágrafo, a ideia central é mostrar a solidariedade de Cristo para com cada homem, uma solidariedade que se manifestou através da sua morte. No quarto parágrafo, de fundamental importância, e que deve estar relacionado com o segundo, diz que o cristão se torna imagem de Cristo na medida em que assume a intensidade do seu amor filial. No quinto parágrafo, por sua vez, coloca que a reflexão feita sobre o cristão, como imagem de Cristo, vale também para todos os homens de boa vontade. E, finalmente, o último parágrafo insiste na grandeza do mistério do homem, cuja única vocação é a vocação sobrenatural.

Com esses elementos, têm-se algumas conclusões para abordar o tema do laicato adulto. A primeira é que o texto contribui para refletir o problema antropológico na teologia. Toda a Constituição Pastoral, e mais ainda a GS 22, aprofunda a reflexão sobre a dignidade e o valor da pessoa humana, que deve ser entendida no seu todo e não numa perspectiva dualista, a partir da relação corpo

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e alma. A pessoa humana é vista como um todo, expressão do amor de Deus

ao mundo e aos homens. Outra conclusão importante é que o texto reconhece o mistério da encarnação de Jesus Cristo, como algo que revela o mistério do próprio ser humano. Essa visão supera a concepção negativa e depreciativa da história. Com a encarnação do Filho de Deus, a história é reconhecida no seu valor e dignidade próprios. É na história que se realizam e se concretizam os eventos humanos e divinos. Na Idade Média, por exemplo, a história era desvalorizada, e até mesmo negada, porque não era reconhecida como importante para a salvação dos seres humanos. No contexto medieval, pelo contrário, a história atrapalhava exatamente por se referir a valores mundanos.

Outro aspecto que deve ser salientado é o reconhecimento da presença daqueles que, como homens de boa vontade, não se apresentam como cristãos. Nessa nova abordagem antropológica, abre-se uma perspectiva não só ecumênica, mas de diálogo com pessoas e grupos de outras concepções filosóficas e ideológicas, que apresentam princípios e fins compatíveis com a proposta cristã. Não se vê a religião e, por sua vez, a Igreja Católica, como único «caminho» de salvação. E, finalmente, a necessária superação da perspectiva «hierarcológica», ainda presente na Igreja, que diz ser o Magistério eclesiástico o único «depositário» da verdade, exatamente porque se apresenta como mediador da vontade de Deus em relação aos homens.

A Constituição Pastoral apresenta, portanto, uma superação de certos limites presentes em outros textos conciliares como, por exemplo, a própria Constituição Dogmática Lumen gentium e o Decreto Apostolicam actuositatem. Por outro lado, o texto também tem alguns limites que devem ser reconhecidos. Dentre eles, pode-se destacar a dificuldade em refletir sobre o problema protológico, não estabelecendo a relação entre criação e encarnação, e uma mentalidade e interpretação dualistas, no sentido ontológico, quando se refere somente à vocação sobrenatural do ser humano.

Mas, apesar de tais limites, a temática proposta em GS 22 apresenta uma contribuição importante para a teologia contemporânea e para a ação da Igreja no mundo. Especificamente para a «Teologia do Laicato», sua reflexão ajuda na compreensão e valorização do papel e da atuação do leigo adulto na Igreja e na sociedade, num contexto cada vez mais secularizado, autônomo e independente.

Gaudim et spes 43

A Constituição Pastoral tem outro texto que reflete especificamente sobre o laicato (GS IV, n. 43). O texto diz que a Igreja pode dar uma grande ajuda à

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atividade humana por intermédio da ação dos cristãos. A preocupação do cristão deve ser com a explicitação do interesse da Igreja em fortalecer sua relação com o mundo. O texto afirma que os cristãos, como membros da cidade terrestre e da cidade do céu («cidadãos de uma e de outra cidade»), têm um dever e um compromisso na cidade terrestre.

A terminologia empregada pretende superar a dicotomia entre fé e vida. Tem como pressuposto o fato de que não pode haver separação das duas realidades, que devem se complementar mutuamente. O texto mostra que o leigo não é simplesmente uma ponte entre a Igreja e o mundo, mas sim o principal responsávelpelaaçãonomundo. Apreocupaçãoestávoltadaparacadacristão, que deve se empenhar na colaboração e na construção de um mundo fundamentado na justiça e na solidariedade. O cristão deve contribuir na elaboração de um novo humanismo, que se concretiza no reconhecimento da dignidade dos irmãos e na valorização da própria história (GS 55). A responsabilidade é séria e importante, devendo superar toda forma de dualismo que impede a realização dos valores fundamentais da pessoa humana. O cristão é chamado a ter um pleno reconhecimento da importância do mundo na sua missão evangelizadora. E os leigos, de modo particular, devem colaborar na valorização da dignidade humana, superando uma Igreja por demais centralizada sobre si mesma e sobre sua autoridade interna. O texto aprofunda, portanto, a relação da Igreja com o mundo, relação polêmica e muito debatida nas sessões conciliares.

Os diversos elementos propostos pelo texto ajudam a ter uma referência do conjunto. Enfatizam que o laicato tem o dever de inserir-se no cotidiano da história, reforçam o aspecto histórico na vida da Igreja e da sociedade e reconhecem o limite da Igreja no seu relacionamento com o mundo. O texto faz ainda um convite aos bispos, no sentido de buscarem uma formação cada vez mais adequada para ajudar na compreensão dos problemas da sociedade moderna (GS 43e). Também, em GS 31a, menciona-se a importância da formação, mas, dessa vez, não ligada aos bispos e sim aos jovens. A Gaudium et spes n. 31a enfatiza a necessidade da educação para os jovens com personalidade forte e a necessidade de se ter consciência de que os valores e os princípios da realidade contemporânea não são os mesmos valores que sustentavam a Igreja e a sociedade em outros momentos da história. A formação permanente se torna sempre e cada vez mais necessária.

Gaudium et spes 19

ExisteoutrapreocupaçãoimportanteparaaIgreja,presentenaConstituição Pastoral, que se encontra no número 19, com continuidade nos números 20 e

Referências

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