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Distopia: expectativas e o passado uma análise sobre o horizonte de expectativas da década de noventa a partir do filme "Doze Macacos"

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

FABRÍCIO MASSANEIRO OLIVEIRA E SILVA

DISTOPIA: EXPECTATIVAS E O PASSADO UMA ANÁLISE SOBRE O HORIZONTE DE EXPECTATIVAS DA DECADA DE NOVENTA A PARTIR

DO FILME “OS 12 MACACOS”

2018 Florianópolis

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

FABRÍCIO MASSANEIRO OLIVEIRA E SILVA

DISTOPIA: EXPECTATIVAS E O PASSADO UMA ANÁLISE SOBRE O HORIZONTE DE EXPECTATIVAS DA DECADA DE NOVENTA A PARTIR

DO FILME “DOZE MACACOS”

Trabalho Conclusão do Curso de

Graduação em História do Centro de Centro De Filosofia E Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a

obtenção do Título de

Bacharel/Licenciado em História Orientador: Prof.ª Dr.ª Flávia Florentino Varella

2018 Florianópolis

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DISTOPIA: EXPECTATIVAS E O PASSADO

UMA ANÁLISE SOBRE O HORIZONTE DE EXPECTATIVAS DA DECADA DE NOVENTA A PARTIR DO FILME “DOZE MACACOS”

Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de “Bacharel/Licenciado” e aprovado em sua forma final pelo Programa Curso de Graduação em História do Centro de Centro De Filosofia E Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina.

Local, 28 de Junho de 2018.

________________________ Prof. Dr. Rodrigo Bragio Bonaldo

Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

________________________ Prof.ª Dr.ª Flávia Florentino Varella

Orientadora

Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Prof. Dr. José Cláudio Siqueira Castanheira

Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Me. Rodrigo Prates de Andrade Universidade Federal de Santa Cataria

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a meu avô Isidoro que dizia: aquele que trabalha com a caneta sente dor nos dedos e não nas costas. A minha avó Marlene por todo o carinho, amor, mimo e por me lembrar constantemente o quanto pareço com meu avô, fazendo toda saudade que sinto escorrer dos olhos. A minha avó Maria de Fatima por me motivar a prosseguir na jornada em busca de conhecimento, espero seguir seus passos.

Agradeço a minha mãe pela força, dedicação e – principalmente - pela batalha empenhada em educar aquele menino bagunceiro e inquieto, essa conquista também é sua. A meu pai pelo suporte as minhas decisões, pelo zelo e por incentivar meu gosto pelas artes e busca por independência. Ao meu irmão Fabian pela parceria e apoio constante, ao meu irmão Felipe apesar das brigas seu carinho foi muito importante nesta jornada, ao meu irmão Klinger pela astucia e curiosidade que as somente as crianças possuem.

A Marta, minha amiga, companheira, camarada, comparsa, cúmplice e, por fim, namorada. Seu carinho fez destes anos uma experiência maravilhosa, ao seu lado todas as dificuldades foram facilmente superadas e em sua companhia passei por muitos dos momentos mais intensos da minha - ou nossa - vida. Sua ajuda foi imprescindível para o término deste trabalho, suas leituras e correções me auxiliaram aprimorar e refinar o texto.

Agradeço a minha orientadora Flávia que me auxiliou a desenvolver esta ideia, colocando um norte para meus estudos. Grato pela disponibilidade e por responder prontamente minhas dúvidas, questões, amenizando minha ansiedade e nervosismo.

Aos amigos e colegas que estiveram ao meu lado, vocês foram muito importantes na minha formação.

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RESUMO

O trabalha debate questões que relacionam os temas Distopia, Presentismo e Pós-modernidade. A partir da análise do filme “12 Macacos” de 1995 e “La Jetée” de 1962, relaciona aspectos das narrativas - os quais expressos em imagens - com os estudos sobre pós-modernidade. Explora como a ideia de distopia e as características da pós-modernidade se entrelaçam e colaboram para a perpetuação do regime presentista na sociedade contemporânea a medida que levanta um panorama geral das discussões sobre modernidade e pós-modernidade, insere um debate crítico sob as formas com as características da condição pós-moderna aparecem no filme e alavanca um debate teórico nestes. Investigou-se, assim, que há fortes conexões entre estes três elementos e como estas relações representam uma modificação na forma como percebemos e experienciamos o tempo.

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INDICE DE FIGURAS

F

IGURA 1 - CENA DE CRÉDITO EM OS 12 MACACOS AO QUE O FILME INSPIRA...1

F

IGURA 2 - ENCARCERADOS EM 1990...24

F

IGURA 3 - COLE ENCARCERADO NO F UTURO...24 F

IGURA 4 - COBAIAS NO FUTURO...25

F

IGURA 5 – COBAIAS NO PASSADO...25 F

IGURA 6 - HIGIENIZAÇÃO NO FUTURO...27 F

IGURA 7 - HIGIENIZAÇÃO 1990...27 F

IGURA 8 - DISCIPLINA/I NDISCIPLINA...29 F

IGURA 9 - GUARDAS NO FUTURO...30 F

IGURA 10 - ENFERMEIROS NO PASSADO...30 F

IGURA 11 - COLE EM SUA PRIMEIRA VIAGEM AO PASSADO (1990)...41

F

IGURA 12 - O FUTURO ESTÁ MELHOR PROTEGIDO QUE O PASSADO...44 F

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INDICE DE QUADROS

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UADRO 1 - COMPARATIVO DE DISCIPLINA...29

Q

UADRO 2 - JEFFREY G OINES E A PÓS- MODERNIDADE...32

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...1

2 DISTOPIA E PÓS-MODERNIDADE...7

2.1 MODERNIDADE, PÓS MODERNIDADE...8

2.2 DÉCADA DE 60 – VANGUARDA E PÓS- MODERNISMO...13

2.3 GLOBALIZAÇÃO E DISTOPIA...17

3 OS 12 MACACOS: O PRESENTE COMO DISTOPIA...23

3.1 CONDIÇÃO PÓS-MODERNA...31

3.1.1 Histeria, capitalismo – Por Jeffrey Goines...32

3.1.2 Goines e o excesso de informação...35

3.2 VIAGEM NO TEMPO, META-NARRATIVAS EOPASSADO...38

3.2.1 Cole e o anjo da História...39

3.3 LA JETÉE - NOUVELLE VOUGUE DE CRIS MARKER: INSPIRAÇÃO E EXPECTATIVAS...42

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...48

5 BIBLIOGRAFIA...53

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INTRODUÇÃO

Figura 1 - Cena de crédito em Os 12 Macacos ao que o filme inspira

O futuro assim como o passado está constantemente sendo projetado, usado e analisado pelos agentes do presente. A partir deste pressuposto, pretendo compreender expectativas sobre o futuro que tomam forma no filme 12 Macacos (Twelve Monkeys). Essa manifestação cultural apresenta uma sociedade em um futuro distópico, onde é afetada por uma epidemia causada por um vírus desconhecido até então. Nesse contexto, um grupo de cientistas desenvolve uma forma de voltar no tempo com intuito de enviar alguém ao passado para alterar o presente em que vivem. O filme foi produzido no ano de 1995 e é baseado em um curta-metragem da década de 1960 chamado La Jetée que, diferente do filme norte-americano, tem como ponto de partida um cenário pós-guerra nuclear. Contudo, o que une ambos é a prerrogativa de voltar ao passado para melhorar o presente.

Dentro das imagens distópicas apresentadas pelo filme 12 Macacos, busco discutir as expectativas que a década de 1990 apresentava sobre seu próprio futuro. O filme tem início no ano de 2035, onde um vírus produzido e liberado – supostamente - por uma organização chamada Doze Macacos e que dizimou grande parte da população mundial. A humanidade se viu obrigada a habitar no subterrâneo enquanto os recursos eram controlados por um grupo de cientistas que seria responsável por encontrar alternativas para neutralizar o vírus e levar a superfície os sobreviventes e reestruturar a sociedade. Neste sentido, o personagem interpretado por Bruce Willis - James Cole - é selecionado para um projeto de viagem no tempo, de modo que, este possa descobrir quem são os “doze macacos” e resolver no passado os problemas de seu presente. O filme foi dirigido pelo renomado diretor Terry Gilliam, que fez parte do grupo de comédia inglês Monty Python, onde atuava, dirigia e escrevia.

La Jetée, filme que inspirou “12 Macacos”, do cineasta francês Chris Marker que,

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em terceira pessoa por um interlocutor onisciente que conta a história de uma França devastada pela terceira guerra mundial. Na obra de Chris Marker, a humanidade sobrevive no subsolo e a solução encontrada pelos cientistas deste mundo distópico (que são chamados de “vencedores” no filme) como forma de alterar este trágico cenário, é através de uma viagem ao passado com base nas memórias de um soldado.

As duas produções – 12 Macacos e La Jetée - encontram-se inclusas no gênero cinematográfico da ficção-cientifica e compreendem narrativas que se intersectam de tal forma que proporcionam o levantamento de inúmeras problemáticas, bem como, a produção de diversas análises. Contudo, neste Trabalho de Conclusão de Curso, farei um recorte que visa desenvolver as partes mais pertinentes no que se refere à ótica e a linguagem cinematográfica que é influenciada pela conjuntura, além de analisar a expressão distópica envolta na obra.

Acredito, como Koselleck, que "as narrativas futuras e as histórias passadas são determinadas por desejos e planos, assim como pelas questões que surgem hoje." (KOSELLECK, 2006, p. 168) Ou seja, de alguma forma as experiências que ocorreram no cenário político internacional da transição entre as décadas de 1980 e 1990 estão presentes, e até mesmo norteiam, as escolhas narrativas da obra em análise. Os temores da sociedade, ou de alguns grupos dela, são retratados e nos impactam por intermédio da cultura produzida na conjuntura em que ocorreram. Desta forma, no que se refere as circunstâncias que podem ter influenciado de alguma forma o filme 12 Macacos, é necessário, considerar as mudanças sofridas na política internacional após a dissolução da URSS e a reorganização espacial das nações que formavam este bloco, tendo aqui como exemplo:

a súbita dissolução dos regimes comunistas satélite (sic) na Europa, mais uma vez imprevista. Entre agosto de 1989 e o fim daquele ano, o poder comunista abdicou ou deixou de existir na Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia e República Democrática Alemã (...) A República Democrática Alemã logo seria anexa à Alemanha Ocidental e a Iugoslávia logo se desfaria em guerra civil. (HOBSBAWN. 1995, P. 471)

Busco uma leitura da narrativa do filme partindo de uma ótica distópica. Entendendo distopia como uma "negação de lugar" em que "dis-“, do latim, é um negativo ou indicativo de oposição, podendo indicar também algo “fora” ou “errado” e “topia-“, derivado do grego, vem de “topos”, lugar”( TONIN, 2015. P 45). Sendo assim, um lugar de não-existência que acaba concebendo um horizonte de expectativas. Faz-se necessário, também, ponderar sobre o conceito de utopia uma vez que expressa uma concepção de confronto à ideia de distopia, por ser convencionado como seu completo oposto. Contrapor tais conceitos é fundamental para

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atingir a compreensão no que se refere à existência desta condição de "negação de lugar", tendo em vista que esta não só evidencia a forma com que tais concepções surgem na sociedade e como também exprime uma cadeia de expectativas que nos fazem buscar ou negar alguns lugares afim de torná-los reais a partir de uma interação com a forma imagética do porvir.

Cenários distópicos estão presentes na sociedade humana através de manifestações das mais variadas expressões artísticas desde o início do século XX e se estendem até a contemporaneidade. São narrativas que buscam evidenciar possibilidades que, muitas vezes, são deixadas de lado pelos indivíduos ao longo do cotidiano. Elas funcionam como "lembretes de que há contorno, que estamos falando de um condicionamento e não de uma natureza, que estamos falando de valores culturais e projetos político, são hipóteses de um devir que não pode chegar."(TONIN, 2015. p. 49). São, por fim, temores de um tempo, de uma sociedade e de uma cultura, de tal forma que se transmutam em possíveis consequências estarrecedoras que partem dos acontecimentos do presente.

O que busco aqui é, portanto, evidenciar como as expectativas distópicas se relacionam historicamente com o seus respectivos presentes. A narrativa dentro do filme Os

12 Macacos (1995) e do curta-metragem La Jetée (1962) oferecem duas possibilidades

distintas de derrocada da sociedade. Apesar dessas diferenças de artifícios narrativos, as duas obras possuem forças motrizes – que são responsáveis por criar às problemáticas nas narrativas – criadas a partir de um horizonte de expectativa de seus próprios tempos. Ambos os filmes demonstram como o progresso tecnológico poderia acarretar em implicações devastadoras. Entretanto, enquanto o filme de 1962 recorre a temática de ataques nucleares, a obra de 1995 utiliza-se do temor proveniente das incertezas acerca dos avanços na biotecnologia e na área médica que tiveram grande desenvolvimento no final do século XX.

Para compreender os agouros e as expectativas que as obras nos retratam, proponho discutir o tempo histórico que opera como agente motor dessas narrativas. Encarar, assim, que em "determinado tempo presente, a dimensão temporal do passado entra em relação de reciprocidade com a dimensão do futuro” (KOSELLECK, 2006. P 15-16). Isto é, o passado e o futuro estão em constante interação com o tempo presente. O primeiro ocorre a partir das experiências adquiridas pela sociedade humana, enquanto o segundo interage das expectativas que este dispõe sobre o porvir. Busco, desta forma, compreender como algumas expectativas próprias da década de 1990 se articularam dentro do filme Os 12 Macacos. Além disso, tenho como objetivo identificar a forma com que elas se relacionam com o tempo passado e com suas respectivas expectativas. Ou seja, entender como um discurso neste caso o cinematográfico

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-é capaz de envolver a experiência histórica da sociedade, com base em uma projeção de futuro, que funciona como um alerta pessimista para o presente. É nesse recorte que encontro a distopia como objeto de estudo, pois o "não lugar" que esta encontra é, de fato, o lugar em que, diferente da utopia, não gostaríamos de rumar.

Se no trabalho histórico, estamos constantemente buscando as permanências latentes no presente ou as rupturas que não existem mais enquanto herança, a distopia é a sugestão de que em algum momento a sociedade humana colapsará e alcançará sua ruína. As maneiras como transcorreriam este suposto colapso é representado de diversas maneiras, de tal forma que estas podem expressar expectativas do período em que tais narrativas foram produzidas, por efeito, então a distopia retrata um não-lugar e um desejo de mudança. Como propõe Barros, a narrativa se faz:

suficientemente familiar às demandas do nosso tempo (do tempo do cineasta ou do escritor) para que, a princípio, esteja assegurada a possibilidade de que lhe sejam decifradas as fortes ligações com a realidade social (extra fílmica) que a estrutura (BARROS, 2012, p. 56)

Narrativas contêm, de fato, conexões com a realidade extra fílmica como já nos fora demonstrada por Ferro nos seus textos sobre cinema e história. Da mesma forma que o “cinema é um testemunho singular de seu tempo, pois está fora do controle de qualquer instância de produção, principalmente o Estado” (MORETTIN, 2003, p. 13), exprime, assim, a liberdade que o cinema possui para expressar as aflições e reações e, principalmente, as compreensões de um tempo, logo, a distopia, também, expressa as implicações que a pós-modernidade insere na sociedade. Posto isto, concordo com Tonin quando este afirma que “toda distopia afirma, ao demonstrar um futuro indesejável, um horizonte de expectativa desejável, uma utopia pós distópica" (TONIN 2014, p. 30), isto é, quando estivermos defronte de imagens que retratam um futuro desagradável, chocante, abominável ou repugnante, passamos a almejar a formação de outras possibilidades e assim conceber novas expectativas; refletir sobre elas para então alcança-las.

Sobre estas perspectivas procuro levantar alguns questionamentos durante esta investigação, tais como: a distopia relaciona com a realidade extra fílmicas do presente da produção? Como o cinema, objeto deste estudo, reflete as peças da conjuntura contemporânea e as expectativas de um tempo? De que forma o discurso e a narrativa de um filme podem expressar as mudanças de paradigmas vivenciados na década final do século XX?

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O cinema é considerado um “fenômeno complexo e que se entrecruzam fatores de ordem estética, política, econômica ou social” (VALIM, 2011, p. 283), expressando em imagens diversos aspectos da sociedade e, por vezes, emitindo mais que a proposta da própria narrativa. Tal fato tem levado historiadores a pensar as “relações entre as sociedades e os meios de comunicação, o seu caráter necessariamente multidisciplinar e a diversidade das abordagens e tendências metodológicas” (VALIM, 2011, p. 284), isto é, de que forma a história pode extrair dessas imagens em movimento as expressões ou impressões de um tempo especifico e quais são as formas de abordagem, método e analises possíveis.

Benjamin, em 1936 escreve o texto “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica” no qual questiona a relação dos indivíduos e da sociedade com o avanço das técnicas de produção, reprodução e apreciação de arte em paralelo ao desenvolvimento da fotografia, cinema e dos aparelhos de reprodução de som. Em seu texto sobre o cinema este coloca que:

Dentre as funções sociais do cinema, a mais importante é a de estabelecer o equilíbrio entro o homem e o aparato. Essa tarefa o cinema cumpre inteiramente, não só pelo modo como o homem se representa diante do aparato de registro, mas também pelo modo como representa a si o mundo com a ajuda desse aparato. (BENJAMIN, 2014, p. 95)

Assim, o cinema constrói a imagem que o homem tem de si, produzida por ele mesmo. E este fato torna oportuno a busca por técnicas e métodos de análise capazes de extrair tais informações da fonte imagética, fazendo com que a análise fílmica seja fundamental para que tal objetivo seja alcançado. São esses tipos de análise que, de acordo com Penafria, consistem em ir além do que faz a crítica cinematográfica – que busca “atribuir um valor, um juízo” (PENAFRIA, 2009, p. 1) – mas sim, usufruir-se de métodos que viabilizem “decompor” o filme e, assim, fazer uso das narrativas e imagens na construção de um discurso histórico, tendo em vista que os filmes são fontes ricas para o debate histórico a análise deve ser feita de acordo com “as configurações comprovadamente presentes no texto” (CARDOSO, 2004, p. 151), pois:

Os filmes operam necessariamente escolhas do que mostram ou omitem, de como mostram; organizam os elementos entre si, recortam no real e no imaginário, constroem um mundo ficcional cujas relações com o mundo real são complexas. O filme tanto pode pretender ser reflexo quanto recusa daquilo que existe; mas será sempre um ponto de vista sobre certos aspectos do mundo em que nasceu, estruturados em sua narrativa de determinadas maneiras que o analista deve procurar (CARDOSO, 2004, p. 61)

Decompor o filme é, desta forma, uma tarefa essencial no processo de investigação do mesmo e demanda a elaboração de um recorte que “deverá ser realizado tendo como objetivos

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estabelecidos a priori e que se trata de uma atividade que exige uma observação rigorosa, atenta e detalhada” (PENAFRIA, 2009). No caso deste trabalho, os recortes de imagens serão apresentados no segundo capítulo e a partir dessa seleção investigar-se-á as relações que o filme apresenta com a experiencia pós-moderna no tempo. É a partir desta discussão que as narrativas distópicas e a análise de filmes se entrecruzam, pois da mesma forma que a distopia revela certa expectativa de um tempo, o filme igualmente reflete tais características que são referentes ao momento de produção, uma vez que é um “conjunto de representações que remetem direta ou indiretamente ao período e à sociedade que o produziu” (VALIM, 2011, p. 285).

A partir destas questões que norteiam o trabalho, pretende-se não só seguir um plano metodológico que se desenrola a partir de fotogramas1, como também discutir a concepção do

universo diegético do filme, visto que, diegese “se entende a soma do enredo com o contexto

imaginário” (CARDOSO, 2004, p. 138), ou seja, as maneiras que o universo descrito na narrativa desenvolve sua concepção de tempo e realidade. O objetivo desses fotogramas expostos neste trabalho é de conceber um paralelo entre as temporalidades exploradas nas narrativas, bem como, discutir suas semelhanças no que tange a construção das cenas e como elas podem representar uma ótica, ou discurso, sobre o passado e o porvir, em virtude da natureza fílmica, visto que esta é mais que apenas uma narrativa, ou texto. Uma produção cinematográfica é sintoma de um tempo e suas problemáticas, à vista disso, é justo que o historiador possa utiliza-lo para as investigações pertinentes no campo da história. A análise é, portanto, um processo metodológico, porém subjetivo e, desta forma, não existe pretensão de se esgotar todas as discussões acerca dos filmes em foco, pelo contrário, busca-se – precisamente - levantar questionamentos e novas possibilidades de analise, além de, entremear as obras – 12 Macacos e La Jetée - nas discussões sobre narrativas distópicas.

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1 DISTOPIA E PÓS-MODERNIDADE

As narrativas distópicas estão presentes desde a primeira metade do século XX em meios artísticos dos mais diversos – tais como livros, cinemas, quadrinhos – deste modo, cabe investigar a maneira com que as distopias se relacionam com a pós-modernidade. Distopias são narrativas de uma sociedade em ruínas, em um futuro próximo ou distante e podem ser compreendidas como um sintoma do período em que sua produção está inserida, visto que estas simbolizam expectativas. Em contraste com os modernos os quais criavam, a partir de um ideal de progresso, belíssimas narrativas acerca do futuro – as utopias – temos na condição pós-moderna um confronto com a descrença no futuro, resultando em um pesar sob a expectativa do porvir.

O século XX foi um período conturbado na história da humanidade. Inúmeros eventos transcorreram em um pequeno intervalo de tempo e, consequentemente, a eclosão de narrativas distópicas justamente neste momento não causa estranheza. Os acontecimentos que se desenrolaram neste período são responsáveis por fomentar o surgimento de produções artísticas distópicas, podendo citar como exemplo o livro “1984”2 de George Orwell obra que narra o poder de controle de um estado totalitário – argumento que somente se tornou concebível no imaginário daquela época após a ascensão dos estados totalitários da Segunda Guerra Mundial.

De forma correlata ao terror produzido pelos estados totalitários vemos expressados às telas o temor recente dos impactos ambientais causados pelo homem no filme “Mad Max”3, visto que, a produção tenta expor o quão nociva a humanidade pode vir a ser ao planeta devido não somente ao uso desenfreado de recursos naturais não renováveis, como também em função da deficiência dos estados nacionais que carecem de estabilidade e podem levar a sociedade ao seu completo colapso. A partir destas conjunturas, o filme exprime e expõe o medo do fim dos recursos energéticos que sofreu a sociedade ocidental no terceiro quarto do século XX.

2 George Orwell (1903-1950) foi um escritor inglês que escreveu o livro “1984” que narra a história de um Estado Totalitário que desenvolveu elaboradas ferramentas de controle sobre a sociedade, é uma ficção política literária e ficção científica distópica, de extrema importante para a literatura contemporânea.

3 O filme Mad Max(1979) foi escrito, dirigido e produzido por George Miller (1945) a sinopse do filme

é: “Em um futuro distópico não muito distante, os recursos de óleo foram esgotados e o mundo está mergulhado em guerra, fome e caos financeiro. É quando o policial Mad Max, que não tem mais nada além de seus instintos de sobrevivência e retaliação, começa uma vingança contra a gangue que perseguiu e assassinou sua esposa e filhos.”. O filme virou uma franquia de films que contam com outros três fimes: Mad Max 2 - A Caçada Continua (1981), Mad Max Além da Cúpula do Trovão(1985) e Mad Max: Estrada da Fúria (2015).

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Cada narrativa distópica contém suas peculiaridades e suas próprias representações de um tempo vindouro. Então o que essas narrativas têm a nos dizer sobre as expectativas do tempo de onde elas foram criadas? Quais os lugares, ou melhor, “não-lugares” que estas narrativas tentam representar? A partir do filme Os 12 Macacos faremos uma análise sobre esse tema, tentando buscar a mudança no horizonte de expectativas que se formou na década final do século XX. Buscando compreender a mudança que ocorre, desde a construção utópica progressista moderna até a formação de uma ótica distópica que reflete a pós-modernidade.

Realizar-se-á uma revisão sobre a experiência do tempo na modernidade, no que tange a forma com que as pessoas encaravam o presente e o passado, e desta forma, como eles entendiam o tempo porvir: o futuro. Durante a modernidade o vindouro se encontrava aberto o que possibilitou a materialização do progresso humano, porém analises que partem de meados do século passado, mais especificamente a partir da década de 60, acentuam uma alteração nesta percepção que coloca o futuro sob um prognostico negativo, de pesar e descrença. E é este que se relaciona com as narrativas pós-utópicas: as distopias.

1.1 MODERNIDADE, PÓS MODERNIDADE

Este trabalho encontra-se norteado pelos estudos sobre a pós-modernidade e para que se compreenda a relação que o ideal pós-moderno estabelece com o tempo é preciso discorrer sobre a modernidade e que “valores dominantes ele portava e como isso funcionou após a segunda Guerra Mundial” (HOBSBAWN, 2005) e é a partir deste complexo panorama, presente no pós-guerra, que “parte de uma transformação cultural que emerge lentamente nas sociedades ocidentais, uma mudança da sensibilidade para qual o termo pós-modernismo é realmente, pelo menos por enquanto, inteiramente adequado” (HUYSSEN, 1992).

A experiência antiga no tempo se constrói a partir de uma visão constituída a partir da leitura de Cicero e do topos historia magistra vitae – história mestra da vida – que incorpora a utilização da história como exemplo para os homens, utilizando como artifício de oratória, o que tornou-a não somente capaz de iluminar o pensamento dos homens, como também um método de evitar que erros cometidos no passado tornassem a acontecer. A crença do funcionamento da história cíclica – entendimento de História dos Antigos que se prolongou ao longo da Idade Média por intermédio da descoberta e leitura de Cícero pelos monges cristãos – difundiu-se pela Europa como consequência da expansão do cristianismo. Deste modo, a percepção cíclica da experiência humana, se consolida até início dos tempos modernos (KOSELLECK, 2006).

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É no período do século XVIII ao XX que a experiência passa a ter outra compreensão, a qual já não comporta a visão didática da história, tendo em vista que, a experiencia moderna concentrava-se na racionalização e na centralidade do homem como agente da história e no progresso do espírito humano.

A experiência moderna no tempo tem “orientação para o futuro presente” (BEZERRA, 2007, p. 180), logo, para a modernidade “tudo está por criar, tudo está por fazer, tudo está por inventar, em meio ao horizonte de ruptura, revolução e instabilidade anunciado com a quebra da tradição” (BEZERRA, 2007, p. 180). Deste modo, a orientação e tempo como noção de progresso em conjunto com a percepção do homem como agente atuante no processo histórico que desenvolveu na modernidade um grande apreço pelo futuro. Fato evidenciado por Habermas “a modernidade não pode e não quer tomar dos modelos de outra época os seus critérios de orientação, ela tem de extrair de si mesma a sua normatividade” (HABERMAS, 2012, p. 12), ou seja, a proposta desenvolvida pela modernidade é construir um futuro sem consultar um acervo de experiências.

Para Adorno e Horkheimer, o conhecimento nos colocou em posição de destaque no curso da história, assim “o progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar estes do medo e de investi-los na posição de senhores” (ADORNO e HORKEIHEIMER, 1985); deste modo, foi possível crer na responsabilidade da humanidade pelas ações que esta seguia a empreender, além de deter o poder de tomar as decisões que antes eram designadas aos desejos de entidades divinas tão comuns no pensamento cristão ocidental. Isto exprime que a razão funcionou como alicerce para o desenvolvimento do antropocentrismo e do pensamento moderno. Para Gumbrecht, o observador, ou o homem moderno, compreende-se como sujeito material, corpóreo que tem suas observações voltadas para a percepção materialista - sendo o maior interesse pela "anatomia, pelas funções e pelos objetos do sentido humano, e seu crescente fascínio pela especificidade da experiência estética" (GUMBRECHT, 1998, p. 13) um sintoma deste fato. Tal percepção do mundo material traz consigo uma complexa experiência baseada em conceitos, problemática que, segundo Gumbrecht, vivemos "talvez mais intensamente do que nunca" (GUMBRECHT, 1998, p. 13). O autor ainda afirma que no séc. XIX, a vida intelectual:

adotou o hábito de praticar a auto-observação ao observar o mundo, podemos entender como surgiu a impressão de que, para cada objeto do mundo - mantendo as perspectivas de observadores múltiplos - deve existir um potencial infinito de 'representações' ou 'interpretações'. (GUMBRECHT, 2015, p. 63)

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Trazendo a problemática das múltiplas representações e interpretações, ou de que "talvez nada no mundo seja completamente estável e idêntico a si mesmo" (GUMBRECHT, 1998, p. 13) as percepções particulares se desestabilizavam em relação a proposta progressista e unificante que se pretendia na modernidade. Motivo pelo qual a produção de biografias e histórias particulares foram caindo no desgosto dos intelectuais, enquanto as histórias totalizantes, como, por exemplo a de formação dos estados nacionais, exigiu maior proximidade representativa do passado (KOSELLECK, 2006, p. 51-53). Neste momento, eclode a concepção do homem enquanto intelectual e princípio de movimento. Nessa construção Gumbrecht, enquanto dialoga com Koselleck, coloca a percepção do tempo na modernidade:

A humanidade era vista no tempo, constantemente deixando para trás o passado como “esfera de experiência” e caminhando a passos largos para a frente, na direção de novos futuros, moldados pelos “horizontes abertos de possibilidades”. Entre estes futuros e aqueles passados o presente se manifestava como “mero momento de transição”; assim experienciado, oferecia ao sujeito cartesiano concentrado tão só nas funções da consciência, o seu habitat histórico” (GUMBRECHT, 2015, p. 64-65)

Na tentativa de solucionar o problema que colocou a história sob o perspectivismo, troca-se o sentido de "apreensão do mundo como um espelho" (GUMBRECHT, 2015, p. 64-65), ou seja, a perspectiva didática e exemplar - característica do topos Antigo história mestra da vida pela concepção da existência de apenas uma representação/interpretação para cada objeto, o que quer dizer "modos narrativos de entende-los" (GUMBRECHT, 2015, p. 65). Deste modo, o período é visto como uma época de singularizações e simplificações (KOSELLECK, 2006, p. 52), onde buscou-se narrativas em que fosse viável dispor as diferentes experiências em suas totalidades, isto é, as histórias particulares foram posicionadas dentro de uma grande narrativa. Representou-se na esfera “universal” as histórias privadas, para que assim, estas pudessem ser representadas como uma unidade. Isso é a construção de discurso totalizantes típicos dos historicistas que possibilitou a abertura de futuro para as utopias modernistas (GUMBRECHT, 2015, p. 63-65)

A proposta da modernidade foi, portanto, de afrontar o futuro desconhecido na tentativa de “alinhar experiencias passadas com as condições do presente e do futuro e escolher, de entre as possibilidades permitidas pelo futuro, projetos sempre novos” (BENJAMIN, 1987), ou seja, racionaliza-lo de modo a projetar suas expectativas, tendo em vista que, como aponta Koselleck, os exemplos do passado já não orientavam os eventos do presente (KOSELLECK, 2006), desta forma, o desejo de um futuro bom e ordenado seria o mote das narrativas modernistas e foi o

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que construiu a noção de progresso que colocou o futuro sob o prisma da utopia. Porém, como observa Huyssen, a modernidade se contentou com a ideia de que:

A recusa impiedosa do passado era um componente tão essencial ao movimento moderno quanto seu apelo à modernização através da padronização e racionalização. É sabido que a utopia modernista naufragou e suas próprias contradições internas e, o que é mais importante, na política e na história. (HUYSSEN, 1992, p. 28)

As “contradições internas”, das quais Huyssen aborda, servem de marco decisivo para a pós-modernidade como construção epistemológica (HUYSSEN, 1992). Os eventos que decorrem do início da Primeira Guerra Mundial até a formação dos Estados Totalitários e consequentemente a Segunda Guerra Mundial (COMPAGNON, 2010) demonstraram a distorção que sofreu a visão moderna da razão, já que é neste momento que os avanços conquistados na modernidade foram colocados em ação em prol da barbárie.

O estado Nazista, liderado por Hitler, expressou como o pensamento racional da modernidade foi corrompido. As ações de controle civil passaram a ser planejadas, teomando como exemplo a arquitetura moderna, esta anteriormente vangloriava-se por desenvolver projetos arquitetônicos racionais para uma sociedade que valoriza a razão e se propunha a desenvolver a utopia modernista após a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, na medida que, buscavam a reestruturação da Europa tendo como base a integração da arquitetura e do urbanismo à revolução social (COMPAGNON, 2010, p. 111). Contudo, as estruturas passaram a ser arquitetadas com o intuito de exercer controle sob mulheres e homens. Transformando-se assim em sinônimo de alienação e desumanização a partir da construção dos campos e guetos -complexos habitacionais utilizados para segregar a população entre os radicais nacionalistas e as minorias oprimidas pelo regime (COMPAGNON, 2010).

As atrocidades cometidas pela administração estatal nazista em prol de um bem-comum e manutenção da ordem civil corrompeu a concepção de estado desenvolvido pela modernidade. A ideia de socialismo foi deslocada de seu objetivo principal e colocada sob a ótica nacionalista e racial evidenciado no nome do partido nazista “Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães”, isto exprimia a ideia de que apenas os indivíduos identificados como alemães poderiam usufruir dos direitos básicos de cidadania e igualdade – até mesmo de humanidade– diferente do entendimento dos modernos. Para estes deveria existir igualdade de direitos para todos os indivíduos, independentemente de sua etnia ou classe, desde que estivessem dentro dos limites demarcados do estado socialista (HOBSBAWN, 1995).

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O regime nazista, portanto, usufruiu-se dos avanços científicos para estruturação de instrumentos genocidas e, concomitantemente, desumanizaram um grupo étnico em nome do progresso científico (HARVEY, 1989). Neste sentido, evidencia-se a problemática em relação a experiencia e expectativa, pois ao enfrentar a onda de terror e violência que a Segunda Guerra Mundial provocou, não apenas o passado passou a ficar em descredito, mas principalmente as expectativas de futuro passaram a ser mais sombrias. Se para a modernidade o futuro seria moldado partir da razão – o que resultou em um dos maiores genocídios da história da – o futuro não poderia mais render a sociedade a esperança utópica característica da modernidade. É chegado o momento em que:

o homem moderno começou a despertar para o fato de ter chegado a viver em um mundo no qual sua mentalidade e sua tradição de pensamento não eram sequer capazes de formular as questões adequadas e significativas, e, menos ainda, dar respostas às suas perplexidades (ARENDT, 1979, p. 35)

É possível perceber, na primeira metade do século XX, que a problemática da experiência se voltará à percepção do tempo, como critica Benjamin em seu texto Teses sobre

o conceito de história de 1940, escrito enquanto tentava atravessar a fronteira entre a França e

a Espanha em plena Segunda Guerra. A percepção se constrói a partir de “uma imagem do passado que se dirige ao presente, sem que esse presente seja visado por ela” (BENJAMIN, 1987). Ou seja, o passado e o presente se relacionam. O primeiro pressionando o segundo, dando a este uma nova ótica a qual o passado estaria em constante revisão:

“a primeira coisa a ser observada é que não apenas o futuro – “ a onda do futuro” -, mas também o passado é visto como força, e não, como em praticamente todas as nossas metáforas, como um fardo com que o homem tem de arcar e de cujo peso morto os vivos podem ou mesmo devem se desfazer em suma marcha para o futuro.” (ARENDT, 1979)

Da mesma forma a alteração na percepção da experiencia foi sentida na modernidade, na querela entre antigos e modernos, despertamos aos poucos para uma nova forma de observar o passado e consequentemente o tempo. Passamos a empreender em um passado inesquecível devido à memória dos horrores vividos no século XX e, portanto, em um futuro pouco esperançoso que não se encaixa mais na premissa do progresso transmutado em algo cada vez menos próspero. O trem do progresso e da razão descarrilhou dos trilhos utópicos da modernidade e caiu na ruína dos estados totalitários. A pós-modernidade se deparara com problemas nunca vivenciados na experiência humana, buscando soluções baseadas em um deslocamento da modernidade. A pós-modernidade, assim, encontra-se face a distopia: o gênero

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literário que demonstra as fraquezas da sociedade e se apoia nos resultados da confluência do pensamento moderno com a barbárie, de forma que, possíveis desfechos pessimistas passam a fazer parte de um imaginário para o futuro da humanidade. Deixa-se de crer no futuro.

Em conjunto a estas narrativas, quando paralelas à história, podemos compreender que “abaixo de superfícies reconhecidas e uniformes, existem dobras em que há a imponderável diferença com diferentes níveis de desesperança” (BENTIVOGLIO, 2017, p. 23), ressaltando que a pós-modernidade não é uma modificação de “paradigma das ordens cultural, social e econômica, qualquer pretensão neste sentido seria claramente exagerada” (GUMBRECHT, 1998). Tal mudança pode ser percebida nas “formações de sensibilidade, das práticas e do discurso que torna um conjunto pós-moderno de posições, experiências e propostas distinguível do que marcava o período precedente” (GUMBRECHT, 1998) .

1.2 DÉCADA DE 60 – VANGUARDA E PÓS - MODERNISMO

A partir dos anos 1960, os primeiros sintomas de uma condição pós-moderna começam a apresentar-se na sociedade ocidental, tais como descrença no futuro, a indústria cultural atrelada à mídia e o aparecimento dos grupos de identidade, como o movimento negro e o movimento feminista, tal qual os primeiros avanços da globalização. Sintomas estes que constroem a experiência pós-moderna em consonância com a reformulação estética que ocorreu durante este período.

A vanguarda artística se constrói no séc. XIX a partir da compreensão do peso político que a expressão artística carrega, como expressa Compagnon, em Os cinco paradoxos da

modernidade, a definição do termo vanguarda passa por um processo de modificação em sua

utilização, que advém da esfera militar para designar os combatentes da frente dos batalhões, ou seja são os primeiros a sofrerem os danos e enfrentar os adversários. Ao passar para o vocábulo da arte tornou-se um termo político e estético (COMPAGNON, 2010, p. 41). Desta forma, vanguarda é uma forma de expressão artística que serve ao progresso social, através de produções de cunho político alinhado ao pensamento socialista ou de esquerda (COMPAGNON, 2010, p. 42). A temporalidade da vanguarda, caracterizada por sua direção ao futuro, pois almeja sua antecipação no presente enquanto segue um modelo evolutivo de arte ligado à filosofia hegeliana de adaptação ou, ainda, fundamenta-se da ideia de que os melhores são os que tem a maior capacidade adaptativa. Atributos estes que passam por uma revisão no século XX e, consequentemente, por uma mudança.

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Para o autor, existe uma diferença no que diz respeito à vanguarda, pois, em suas palavras, “a arte de vanguarda não esteve nunca na vanguarda da arte” (COMPAGNON, 2010, p. 42). Então, pontuar a existência da diferença entre a arte que busca a revolução social e a arte que anseia pela revolução, como aponta o autor:

(...)Deve-se distinguir duas vanguardas: uma política e outra estética, ou mais exatamente a dos artistas, a serviço da revolução política(...) e a dos artistas satisfeitos com um projeto de revolução estética. Dessas duas vanguardas, uma quer, em suma, utilizar a arte para mudar o mundo e a outra quer mudar a arte, estimando que o mundo a seguirá (COMPAGNON, 2010, p. 43).

A proposta de apontar essas duas “vanguardas” surge da necessidade de diferencia-las em duas esferas: a política e a artística. E, ao que tudo indica, a experiencia pós-moderna aflige principalmente a vanguarda política, uma vez que, a exploração artística e a renovação no campo das técnicas e das formas de expressão constituem a vanguarda na arte, ou seja, ela está em desenvolvimento constante. A vanguarda política é, portanto, mais suscetível as aflições pós-modernas, das quais discutiremos neste momento.

A década de 60 do século XX é o período que expressa como a concepção moderna de arte e vanguarda enfrentou um conflito interno causado pelas alterações ocorridas na percepção temporal que caracteriza a pós-modernidade. As construções modernistas de progresso, utopia e estética, passam por uma crise em seu propósito; por exemplo, na literatura com o movimento Beat, os autores não mais sentiam a certeza que o pensamento moderno empunhava sob a conduta da humanidade, desta forma, estavam dispostos a expressar seu descontentamento e inconformidade com a sociedade a partir da concepção de obras politizadas, assim surgiu uma “rebelião de uma nova geração de artistas como Rauschenberg e Jasper Jhons, Kerouac, Ginsberg e os beats, Burroughs e Barthelme, contra o predomínio do expressionismo abstrato, da música serial e do modernismo literário clássico” (HUYSSEN, 1992, p. 31-32), desacreditados com a arte moderna e como:

“As pretensões da arte e da literatura em relação à verdade e aos valores humanos pareciam esgotadas, e a crença na força constitutiva da imaginação moderna era apenas outra ilusão, ou se fazia sentir como um atalho para a liberação definitiva do instinto e da consciência”(HUYSSEN, 1992, p. 31-32)

Mesmo com anseio por uma ruptura esses artistas ainda se dividiam em duas vertentes. A primeira “apocalíptica desesperada” (HUYSSEN, 1992, p. 31-32), cujo integrantes não mais acreditavam em caminhos possíveis para a sociedade e o indivíduo; e a segunda, como “visionária festiva” (HUYSSEN, 1992, p. 31-32), a qual estaria festejando a brevidade da

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isto dava aos seguidores deste movimento a fama de boêmios e despreocupados. O que converge estas duas vertentes é a aversão mútua ao movimento modernista e não o anseio pela ruptura.

A negação aos preceitos modernos e a busca pela legitimação de um movimento pós-modernista que atua como crítica ao alto modernismo, pois este último não objetivava a sua popularização nas ruas e, por essa razão, acabou perdendo seu “inegável papel contestatório”, que era o que caracterizava a ação das vanguardas. Desta forma, a arte nos anos 60 buscava a: cultura de confrontação absolutamente diversa, nas ruas e nas obras de arte, e que essa cultura de confrontação transformou as noções ideológicas herdadas sobre o estilo, forma e criatividade, autonomia artística e imaginação, às quais o modernismo já havia aquela altura sucumbido (HUYSSEN, 1992, p. 31-32)

O movimento pós-modernista dos anos 60 caracterizou-se, portanto, por “um forte sentido do futuro e novas fronteiras, de ruptura e de descontinuidade, de crise e de conflito de gerações” (HUYSSEN, 1992, p. 36), isto é, ele se fundamentou pela crítica às instituições culturais e “modos tradicionais de representação” (HUYSSEN, 1992, p. 36) característicos da modernidade e, para Compagnon, um sentimento de cansaço em relação as vanguardas, decepção com a tradição de ruptura e o fetichismo da mercadoria na sociedade de consumo, que vai alcançar seu auge na década de 80. De forma que, para ele, o movimento abarcado nos anos 60 evidenciava várias características modernistas e em alguns aspectos, como por exemplo na literatura, quase paradoxalmente o movimento pós-moderno apresenta-se mais moderno que o moderno, quando este expõe a busca pela ruptura e engajamento político (COMPAGNON, 2010).

No entanto, a partir de 1980, a cultura começa a fazer parte essencial da sociedade de consumo e sofre a generalização que esta deposita sobre a produção humana, assunto este que será abordado no subcapitulo 3.3 deste trabalho. Seguindo a análise dos anos 60, Stuart Hall pontua alguns eventos que acompanham a tentativa de ruptura com o pensamento moderno:

as revoltas estudantis, os movimentos juvenis contraculturais e antibelicistas, as lutas pelos direitos civis, os movimentos revolucionários no “terceiro mundo”, os movimentos pela paz e tudo aquilo que está associado à “1968” (HALL, 2015, p. 27).

Tais acessos políticos ocorridos nesta década estão inclusos no processo de “descentramento do sujeito”, que de acordo com Hall, faz parte de uma “série de rupturas nos discursos do conhecimento moderno” (HALL, 2015, p. 12) e, na visão do autor, existem aspectos que devemos “reter” do período em destaque, pois estes seriam, em um primeiro

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momento, movimentos que não apenas demonstraram um insatisfação com a “política liberal capitalista do Ocidente quanto à política ‘estalinista’ do Oriente”, como também passam a suspeitar das organizações burocráticas e políticas. Sendo assim, o fervor revolucionário “refletia o enfraquecimento ou fim da classe política e das organizações de massa com ela associadas, bem como sua fragmentação” (HALL, 2015).

Neste período ainda havia a crença no “poder da arte de transformar a realidade, de contribuir para a mudança da consciência e do impulso dos homens e mulheres, que poderiam mudar o mundo” (HUYSSEN, 1992, p. 102). Basta observar o movimento de contracultura que se moldou nos anos 60, no qual a expressão artística e os artistas deste período se relacionavam com os movimentos políticos, características herdadas dos movimentos de vanguarda. A crença na mudança, portanto, pode ser encarada como a busca por uma imagem de um futuro melhor. Os movimentos estudantis, por exemplo, carregam um leve saudosismo à arte de vanguarda e a contracultura também, desta forma, os elementos presentes na década de 60 são passiveis de serem considerados como marcos da exaustão da herança utópica modernista presentes na sociedade ocidental (HUYSSEN, 1992; JAMESON, 1992). Equitativamente, a partir desta incredibilidade com a sociedade surgem as primeiras críticas de massas em relação ao consumo que se caracterizam pelo surgimento dos grupos de defesa do meio ambiente, assim como o avanço nas pesquisas ambientais. Estas desenvolveram na década de 60 uma desorientação em relação ao futuro. Uma vez que se desejava um futuro melhor, por outro, existia um temor sob o porvir moldado a partir de um prognóstico pessimista que foi se tornando cada vez mais preciso e provável, através do debate científico.

Segundo Huyssen, com o início da década de 1970 essa esfera modifica-se, uma vez que, existe uma “mudança na concepção de temporalidade na esfera das artes” (JAMESON, 1996, p. 102), que fez com que a arte do modernismo, concebida sob a atmosfera progressista moderna, foi substituída pela ideia de tempos possíveis: de simultaneidade (GUMBRECHT, 2015). Tais mudanças, em outras palavras, seriam a dissolução da crença utópica da arte, o que na década de 70, pôde ser denominado de pós-utópica. A atenção não está mais voltada para o futuro, visto agora como inatingível e isso pode estar relacionado com a experiência no tempo pós-moderna (JAMESON, 1992).

O pós-modernismo sinalizou a descrença do futuro pós-moderno, ao passo que, caracteriza o retorno a um passado “inesquecível”, de tal forma, que são estes aspectos que, autores como Huyssen e Jameson, foram capazes de diagnosticar quando questionaram se as

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percepção do tempo (HUYSSEN, 1992; JAMESON, 1992). Para eles, o regresso e a coleta de signos do pregresso são vistos como uma tentativa de encontrar perspectivas futuras no passado, uma vez que, a perspectiva sobre o amanhã já não respeitava mais os ultrapassados preceitos utópicos. São sintomas, portanto, relacionados com a experiência no tempo pós-moderna, característicos de um presente em expansão – onde o passado está constantemente sendo explorado – à medida que o futuro se encontra fechado. A dificuldade de focalizar um prognostico positivo faz com que o passado se torne mais atrativo que o porvir. Tal fato, quando relacionado com a formação de narrativas distópicas, ou com a formação do pós-modernismo

– com o fim das vanguardas – corrobora para a desestruturação dos preceitos modernistas na produção artística, o que nos leva a perceber, a forma que distopias são, de fato, resultantes de um complexo processo cultural que se estabelece com a descrença na utopia moderna.

1.3 GLOBALIZAÇÃO E DISTOPIA

O crescente interesse pelas narrativas distópicas, dentro da indústria cinematográfica, possui um importante significado para analise em questão, tendo em vista que grande parte dos principais nomes do gênero (que se entrelaçam à ficção cientifica) encontram-se em um período de produção que parte do final da década de 60. Pode-se relacionar este crescimento com o advento de novas técnicas de gravação e avanços tecnológicos da mídia ocorridos na época, porém, a aceitação do público dos temas abordados possui uma relação mais intrínseca e significativa em conjunto com a questão distópica e a sociedade que se construía naquele momento.

A partir da ascensão dos governos liberais da década de 70, como os governos de Tachter e Reagan (GUMBRECHT, 2015; HUYSSEN, 1992), desenvolveu-se um sentimento de desilusão resultado da alternância na proposta de sociedade, que não condiziam com as pautas exploradas pela contracultura da década de 60. A nova conjuntura priorizou a agenda liberal capitalista que colaborou ainda mais para o desenvolvimento da sociedade de consumo. Consequentemente, temos o avanço da globalização junto ao desenvolvimento tecnológico (GUMBRECHT, 2015), bem como o crescimento ao acesso à informação, resultado da popularização dos aparelhos televisivos (GUMBRECHT, 2015; HUYSSEN, 2004).

Os movimentos sociais do fim dos anos 60 foram irrigados pelo pós-modernismo artístico e exigiam uma renovação no âmbito social e político, da mesma forma que os artistas pós-modernistas buscaram expressar uma nova estética (JAMESON, 1992), isso contrastava com a desilusão e o fim dos movimentos estudantis que foram sucedidos pela agenda liberal

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consolidada no ocidente e, por conseguinte, estabelecendo uma ameaça à sustentação de um mundo socialista ou comunista - que se apresentavam como alternativas possíveis. Cabe ressaltar, ainda, que são eventos como os que ocorrem no ano de 1968, em especial o mês de maio na França, que funcionam como ecos de eventos passados que estruturaram a geopolítica até aquele momento (JAMESON, 1992; HALL, 2015), uma vez que, são reflexos da ação revolucionária em países pobres do globo, que após a Segunda Guerra Mundial, passaram a ser classificados como Terceiro Mundo, contrastando com o Primeiro Mundo capitalista ocidental e o Segundo Mundo socialista (JAMESON, 1992).

Para Jameson (1996), a pós-modernidade pode ser entendida conforme a “lógica cultural do capitalismo tardio” (JAMESON, 1996, p. 73), na medida que a sociedade pode ser definida como “sociedade do consumo, sociedade das mídias, sociedade da informação, sociedade eletrônica ou high tec” (JAMESON, 1996, p. 74), ou seja, o avanço tecnológico e científico, por vezes, entrelaça-se ao desenvolvimento do capitalismo, que de acordo com o autor, encontra-se “em seu terceiro estágio ou momento na evolução do capital” (JAMESON, 1996, p. 74). Segundo ele, a relação entre pós-modernidade e pós-modernismo fundamenta-se de forma similar ao processo de dominação cultural fomentado na sociedade ocidental contemporânea pelo capitalismo tardio.

Seguindo a leitura “fora de moda”, como o mesmo coloca, sua periodização sobre os anos 60 atua tal qual uma ferramenta de reflexão acerca das alterações sucedidas em todo o período e que corroboram para o estabelecimento deste mal-estar que se prolonga durante a pós-modernidade e, seria isso, este que findaria de vez a década de 60 – em algum momento entre os anos de 1972 e 1974. Tal sentimento incômodo que aflige a sociedade não somente relaciona-se profundamente com os avanços econômicos e tecnológicas desta década, como também se encontra posposto por crises econômicas e hegemônicas que surgiram a partir do fervor da Guerra Fria (JAMESON, 1992). Desta forma, podemos marcar o fim da década de 60, como:

Um momento em que a expansão do capitalismo em escala global produziu simultaneamente uma imensa liberação ou desprendimento de energias sociais, uma prodigiosa escalada de forças não-teorizadas que eclodiram por toda parte no terceiro mundo, os regionalismos, o desenvolvimento de novos e militantes portadores de suplus consciousness nos movimentos estudantis, de mulheres, bem como num sem-número de lutas de outros tipos. (JAMESON, 1992, p. 125)

Posto isso, foi a partir dos estudos de identidade que se desenvolveram no desenrolar da década de 60 uma outra consciência se revelava e expressava-se a partir de pesquisas sobre o

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meio ambiente, de tal forma que, os avanços desenvolvidos na área, corroboraram para o desenvolvimento de prognósticos do porvir, como reflete Gumbrecht:

Percebemos, em primeiro lugar, que talvez não exista espaço habitável no universo; e, em segundo lugar, que a nossa cultura e as nossas tecnologias podem pôr em risco precisamente as propriedades do nosso planeta, do qual depende a nossa sobrevivência. (GUMBRECHT, 2015, p. 52)

Este fenômeno difundido pelo mundo, associado aos eventos globalizantes, criou alicerces para um novo pensamento a respeito do planeta em que vivemos, desta forma, a reflexão sobre a maneira como usufruímos os recursos naturais foi convertida, também, em discurso político e, de certa maneira, transformou-se em um modo de reconsiderar e repensar a sociedade capitalista e o consumo.

Interessante perceber a forma que se desenvolvem narrativas distópicas, no fim do século XX, pois estas intercorrem, não só a partir do considerável avanço da degradação do meio ambiente, como também fundamentadas no desenvolvimento demasiado da tecnologia. De maneira tal que as narrativas criadas neste momento versam acerca de temáticas que tratam sobre a destruição quase que total de recursos, sejam eles naturais ou não.

Refletindo novamente sobre a franquia de “Mad Max”, do diretor George Miller, constata-se a maneira com que as narrativas repercutem as discussões ambientais. No primeiro filme, de1979, o arco narrativo aborda, primordialmente, a falta e a busca por gasolina - aqueles que possuíssem combustível teriam recursos para se locomover, fazer barganhas com outras comunidades, ou seja, teriam poder. Enquanto na produção mais recente da franquia: Mad Max - Fury Road (ou “Estrada da Fúria” em português) do ano de 2015, o cenário problema muda por completo. Quem possuía poder, neste novo mundo distópico, eram aqueles que controlavam outro tipo de recurso: a água. Tal mudança é um claro reflexo da época de produção de cada um dos filmes. À medida que a montagem do primeiro é datada na crise do petróleo, o mais recente relaciona-se muito mais como o período de apreensão com os avanços da poluição e a possível escassez de água, afetam assim, a ótica da narrativa distópica.

Os progressos dos estudos ambientais podem, portanto, ser compreendidos como um fator que corrobora com a concepção da visão de futuro fechado encarado na pós-modernidade (GUMBRECHT, 2015, p. 52) e, até mesmo, a formação de uma expectativa catastrófica conforme acontece entre filmes distópicos. Para Huyssen:

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os espectros do passado que assombram as sociedades modernas, com uma força nunca antes conhecida, articulam realmente, ela via do deslocamento, um crescente medo do futuro, num tempo em que a crença da modernidade está profundamente abalada. (HUYSSEN, 2004, p. 52)

Outro fator crucial no que se refere a análise está na intersecção entre a imensa quantidade de informação disponível e os efeitos da globalização, que para Gumbrecht, “criam reações de inércia” (GUMBRECHT, 2015, p. 62), e isso pode estar alinhado à dificuldade de deixar o “passado para trás”. Para Augé(1994) o problema pode ser a superabundância factual possível somente a partir da grande quantidade de informação disponível ao indivíduo, além das inéditas e aceleradas experiencias que a sociedade contemporânea foi acometida nas décadas finais do século XX. Tal fato produziu uma densidade factual responsável por impossibilitar o indivíduo de conferir qualquer significado ao mundo em que se encontra (AUGÉ, 1994). Desta forma, a experiência pós-moderna está instituída na insegurança do futuro, ao mesmo tempo, que o passado lhe é muito importante, como demonstra Huyssen:

Se a consciência temporal da alta modernidade no ocidente procurou garantir o futuro, então pode-se argumentar que a consciência temporal do final do Século XX envolve a não menos perigosa tarefa de assumir responsabilidade pelo passado (HUYSSEN, 2004, p. 23)

A partir dos estudos sobre a memória evidenciou-se quão o final do século XX é marcado por uma nostalgia aliada à preocupação excessiva com o passado próximo. Tanto para Huyssen, quanto para Gumbrecht, uma causa é clara: a fluidez e a forma que as informações se articulam desde a produção e difusão destas.

Ao estudar a memória Huyssen constata que estamos em um momento histórico onde está, não é apenas um discurso político, mas também encontra-se enquadrada tal qual um produto que serve ao meios midiáticos para fins comerciais, isto é, existe uma comercialização da memória e como o “passado está vendendo mais que o futuro” (HUYSSEN, 2004, p. 24) isso faz com que vivamos em um agora completamente obcecado pelo passado, o que resulta em uma expansão do presente (HUYSSEN, 2004, p. 26).

Gumbrecht também aponta que é a relação entre a independência da informação presente no espaço físico com os efeitos da globalização que causa essa expansão do presente, ou seja, a rápida difusão e produção de informação e o acesso a esta informação nos mantem sob um regime presentista que, como supõe o autor, poderia vir a modificar a concepção do sujeito cartesiano proveniente da preposição “penso, logo existo” para “produzo, faço circular e recebo informação, logo existo” (GUMBRECHT, 2015).

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O ponto de convergência está centrado no desenvolvimento da indústria cultural e da mídia, bem como, no rápido avanço tecnológico relacionado a transmissão de informação. De tal modo que passam a afetar nossa percepção do presente, e para Huyssen, é esta a forma que a memória é fomentada dentro de uma perspectiva capitalista de entretenimento, onde o passado gera mais lucro que o futuro, ou mesmo que o presente. E isso coloca em questão as ondas de retrô e nostalgia (HUYSSEN, 2004), desta maneira constata-se:

uma lenta, mas palpável transformação da temporalidade em nossas vidas, provocada pela mudança tecnológica, mídia de massa e novos padrões de consumo, trabalho e mobilidade global (HUYSSEN, 2004, p. 25).

Dentro desta temporalidade presentista pode-se considerar, então, que o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, aliado ao descomedido acesso à informação

– fortalecido a partir da popularização das tecnologias de comunicação e do crescimento da indústria cultural – agem como um dos fatores fundamentais para a expansão do presente. Além disso, foi o desenvolvimento de uma consciência ambiental que nos tornou mais zelosos com o meio ambiente, isocronicamente, também nos trouxe a crescente certeza de que eventualmente os recursos naturais se esgotarão e que, na verdade, a humanidade representa um risco a sua própria existência. É a conjuntura de todos estes fatos que instituem, assim, essa descrença latente no futuro.

A constante reestruturação econômica presente no capitalismo está radicalmente relacionada a estes dois pontos supracitados, pois a cada dia que passa a complexidade da proporção produção/consumo aumenta, de tal forma, que força o mercado – estritamente voltado ao capital e ao lucro – a se reinventar constantemente para ajustar-se as novas necessidades da sociedade de consumo (moldada desde de 1972) que, quase como um sintoma de seu tempo, possui anseios cada vez maiores e mais urgentes (HARVEY, 1989). A experiência no tempo na pós-modernidade também se relaciona com a aceleração nos tempos de giro de produção que, de acordo com White, ocorreram em uma época pós-industrial e, desta forma, são reflexos da desaceleração que sucedeu o fordismo do pós guerra e resulta na alteração nos objetos de consumo os quais passaram de consumo de bens para o consumo de serviços (GUMBRECHT, 2015; HARVEY, 1989).

O autor destaca ainda que “na troca e no consumo, que produzem, por assim dizer, a perda de um sentido do futuro, exceto e na medida em que o futuro possa ser descontado do presente” (HARVEY, 1989, p. 258), ou seja, foi com a velocidade de produção que tornou

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produtos. Talvez, por essa razão, a obsolescência programada seja cada dia mais comum, pois o mercado necessita que o giro produtivo nunca termine. Na medida em que resulta na comercialização da imagem de futuro, a partir de novos e efêmeros produtos e serviços e, com o auxílio do marketing e a publicidade, peças publicitárias são criadas visando evidenciar o quão tecnológico e futurista são estes novos produtos “descartáveis”. Criando atmosferas futurísticas e high tech. O que ocorre, na realidade, é que a produção estética – indústria cultural

– está conectada a produção de mercadorias e serviços com objetivo de desenvolver, em ritmo acelerado, cada vez mais novos produtos – novidades – que possam ser comerciáveis (JAMESON, 1996).

Apontamos, sem o intuito de esgotar, mas de ilustrar, alguns dos eventos, da segunda metade com século XX, que colaboraram com a ascensão desta percepção presentista a partir de uma construção de uma ótica distópica de análise que, segundo defende Bentivoglio (BENTIVOGLIO, 2017), a distopia possa nortear o pensamento pós-moderno, tendo em vista que esta é considerada com uma alternativa possível. Na medida que representa a busca por uma análise que se contraponha a visão utópica da história e do desenvolvimento humano. Onde o passado é encarado, assim como o futuro, como um deslugar. Para que, desta forma, possamos, enfim, superar um passado não esquecível.

Cabe, então, investigar afim de compreender a forma que o desenvolvimento das narrativas distópicas se relacionam com as percepções contemporâneas do tempo, da mesma maneira, de quais medidas estas expressam nossa perplexidade acerca do rumo que o pensamento moderno tomou e a maneira que o pensamento utópico vem se extinguindo na sociedade pós-moderna.

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2 OS 12 MACACOS: O PRESENTE COMO DISTOPIA

Filmes distópicos se passam, em geral, em tempos futuros, contudo, alguns relatam mais de um tempo na narrativa, exemplo disso são os filmes que incorporam a temática de viagens no tempo na qual passado, presente e futuro se mesclam. É isso que ocorre no filme

12 Macacos. James Cole, personagem principal da trama, é escolhido para viajar ao passado

afim de investigá-lo com intuito de rastrear o vírus responsável pela morte de 99% da população mundial. Pretende-se discutir, neste capítulo, como o filme coloca entre as suas personagens a percepção do tempo.

James Cole é um presidiário, encarcerado por crimes que cometeu em um futuro distópico. Sua chance de ser perdoado é participar de experimentos elaborados por cientistas que buscam soluções possíveis para resolver o problema da extinção da humanidade: derrotar o vírus. Uma destas soluções é viajar ao passado e coletar informações para que possam impedir que o vírus se alastre pelo globo. Sem outras opções o então presidiário aceita participar dos experimentos, e torna-se um viajante do tempo. Sua missão tem como destino o ano de 1996, porém devido a um erro dos cientistas Cole é enviado para o ano de 1990. O presente no qual vive a personagem é uma imagem distópica de caos e desesperança, onde a superfície da terra esta desabitada pela humanidade, que se vê forçada a viver no subsolo, no entanto, quando este se materializa na década de 1990, o personagem se depara com um tempo que desconhece e que não lhe oferece caminhos para sua investigação.

O filme utiliza como artificio de roteiro elementos visuais que relacionam o futuro com o “passado presente” da produção. O que constrói, não apenas a ambientação e o cenário do filme, mas também uma ótica sobre os primeiros anos da década de 1990. Um exemplo disso é presenciado no começo da narrativa, onde é apresentado ao espectador duas cenas que constroem um quadro de encarceramento, tanto no passado quanto no presente do personagem principal. A cena composta pela chegada de Cole no passado se entrecruza com sua realidade presente e demonstra um cenário de caos, mesmo quando a sociedade se encontra segura do vírus e de suas consequências. Ao analisar as imagens, figura 2 e 3, é possível evidenciar semelhanças na atmosfera produzida pela produção das duas conjunturas e da proposta envolvida, ou seja, tanto o futuro como passado se encontram na imagem do cárcere e a reclusão.

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Figura 3 - Cole encarcerado no Futuro Figura 2 - Encarcerados em 1990

Investigar as relações construídas a partir da semelhança dos cenários, das ocasiões e da montagem dos planos, nos traz a ótica de um tempo que não se refere apenas ao futuro e ao passado, mas também de seu presente, pois parte da construção de um olhar sobre seu próprio tempo como de desordem e/ou caos. Situar a situação do cárcere, nesta comparação, faz com que se estruture a impressão de como as instituições exercem, em certa medida, controle sobre a vida dos indivíduos na sociedade. Isto nos faz refletir sobre a forma com que a ciência exerce controle na vida dos indivíduos da trama. O meio científico, no filme, é representado como uma instituição de controle que, no futuro, é simbolizada nas ações dos cientistas, enquanto no presente, está retratada no papel dos médicos psiquiatras. É, portando, da imagem do cárcere que surge a primeira manifestação da característica em que se propõe relacionar semelhanças entre o passado e futuro no filme.

Tendo como partida o quadro presente na prisão do futuro observamos um cubo aramado, onde diversos presos estão enjaulados e são selecionadas para participar dos mais diversos experimentos, afim de cumprir os objetivos da sociedade que foi moldada após a epidemia. Na figura 4, demonstra a forma como são selecionados os “voluntários” para participarem dos experimentos em troca da diminuição na pena, ou seja, os prisioneiros perdem completamente seus direitos em prol de possíveis descobertas sobre o passado e, consequentemente, informações do vírus. Por fim, se tornam cobaias: instrumentos científicos.

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Figura 4 - Cobaias no futuro

Concomitantemente, em um jogo comparativo entre o passado e o futuro, gravações de cientistas passam na televisão da clínica psiquiátrica do ano de 1990, tal qual demonstra a figura 5 abaixo, com imagens de cientistas efetuando testes em animais, ou seja, cobaias para o desenvolvimento de cosméticos.

Figura 5 – Cobaias no passado

A cena, representada na figura 5, apresenta um cientista que selecionando uma cobaia animal, para realizar um experimento. Pega-o pelas costas, retirando-o de sua gaiola e na medida que o utiliza para a realização de procedimentos científicos. No futuro, os presos

Referências

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