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A1. escola ciclada em mato grosso - livro branco

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Academic year: 2021

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ESCOLA CICLADA

DE MATO GROSSO

NOVOS TEMPOS E ESPAÇOS PARA

ENSINAR - APRENDER A SENTIR,

SER E FAZER

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ESTADO DE MATO GROSSO

SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO

Dante Martins de Oliveira Governador do Estado de Mato Grosso

José Rogério Salles Vice Governador

Dep. Carlos Carlão Nascimento Secretário de Estado de Educação

Profª Marlene Silva de O. Santos Subsecretária de Estado de Educação

Permínio Pinto Filho Chefe de Gabinete

Luis Volpato Neto Diretor do Fundo Estadual

Profª Abílio C. Fernandes Neto Coordenador de Políticas Pedagógicas

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Estamos construindo a Escola Democrática e de Qualidade que a sociedade precisa e deseja.

Ao assumir o Governo do Estado de Mato Grosso em 1995 encontramos a educação num total descaso e abandono, a reprovação e evasão somavam 39%. Apenas 10% dos jovens de 15 a 19 anos encontravam-se matriculados no Ensino Médio. 45% dos professores faziam parte do quadro dos profissionais interinos.

Para reverter este contexto muitas ações foram implementadas, dentre elas a ampliação das vagas nas escolas, implantação da Gestão Democrática e conselhos Comunitário Escolares, Descentralização administrativa e financeira, Qualificação, capacitação e valorização dos profissionais da Educação com a implantação da LC 50/98 (LOPEB) e o Concurso Público.

A Escola organizada em Ciclos de Formação é mais uma ação na luta de fazer da unidade escolar um local privilegiado de reflexão, estudo e construção da cidadania, na qual todos devem ter assegurado o direito de acesso, permanência e terminalidade da Educação Básica em um sistema de ensino público democrático, gratuito e de qualidade.

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2000, Secretaria de Estado de Educação Mato Grosso – Brasil Coordenação

Profª Ms. Mabel Strobel Moreira Weimer - Profª Esp. Noelci Bertelli Nakatani Consultoria e elaboração

Profª. Esp. Laura Isabel Marques V. de Almeida SME/Cbá. Profª. Eronildes de Castro. SEDUC.

Área de Avaliação

Profª Esp. Noelci Luiza Bertelli Nakatani - SEDUC. Profª. Drª. Lázara Nanci de B. Amância - UFMT/ROO. Profª Ms Mabel Strobel Moreira Weimer - SEDUC Área de Currículo

Profª Drª. Raquel Gonçalves Saldado - UFMT/ROO. Área de Psicologia do desenvolvimento

Profª. Ms. Maria Cristina Theobaldo - UFMT. Prof. Dr. Roberto de Barros Freire - UFMT. Área de Filosofia

Profª. Drª. Leiva Leal - UFMG.

Prof. Esp. Carlos Santana Neto – SEDUC Profª. Ceres de Moraes Gomes Lima Área das Linguagens

Prof. Ms. Gino Francisco Buzato - SME/UNIVAG. Profª. Ms. Laci Maria Araujo Alves - UFMT/ROO. Profª. Esp. Ir. Anete Albina Pedó - CONINTER. Áreas das Ciências Humanas e Sociais

Prof. Dr. João Filocre Saraiva - UFMG

Profª. Drª. Marta Maria Pontin Darsiê - UFMT. Área das Ciências da Natureza e Matemática

O Desenvolvimento da Criatividade como Condição para a Escola Inclusiva Prof. Dr. Aramando Silvio Montero de Miranda – UCLV- Cuba

PARTICIPAÇÃO

Profª Aparecida Regina Pereira de Faria Profª Julieta dos Santos R. N. Domingues Profª Maria Auxiliadora de Morais Avelino Profª Regina Dias de Moura Ferreira Profª Sonia de Andrade Costa Evangelista Profª Valdemir Nunes de Almeida Campos Profª Ceres de Morais Gomes Lima

Profª Eronilda de Castro Gomide Prof. Ms. Jair Reck

Profª Maria Dolores de Freitas Grossi Profª Maria Salete Bruschi Silva Profª Luiza Helena Rodrigues Profª Zenir da Costa

Profª Cleusa Botelho

Profª Maria Abadia L. Costa Profª Deusalina de Souza Silva

Profª Ms Jorcelina Elizabeth Fernandes Prof. Ms.Silvio Rocha

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Fotografia

Gentilmente cedidas pelas escolas Ilustração Digitação Paulo E. S. A .Pereira Revisão Editoração Eletrônica Correspondência

Secretaria de Estado de Educação Travessa B S/N

Centro político Administrativo Cep: 78.055.971

Fone: 613 10 00 R. 209 Fax: (65) 613 10 36

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APRESENTAÇÃO

O governo do Estado de Mato Grosso, institui a Educação Básica como prioridade. Por isso elaboramos e executamos programas inovadores através da Secretaria de Estado de Educação, visando romper com a cultura da evasão e exclusão escolar e ao mesmo tempo, desenvolvemos ações com o objetivo de ofertar uma educação pública de qualidade.

Esta publicação representa mais uma dessas ações. Através da proposta da Escola Ciclada pretendemos instigar os educadores para uma nova forma de trabalho pedagógico na educação do Estado do Mato Grosso. Ela imprime uma mudança significativa no Ensino Fundamental, superando os desafios que temos encontrado nas escolas, tais como: a falta de condições para atender aos alunos com dificuldade na aprendizagem, a avaliação usada como mecanismo de classificar e ainda, a falta de espaço e tempo para a construção efetiva do conhecimento. Esses fatores têm contribuído para os índices alarmantes de crianças, adolescentes e jovens excluídos dos sistema escolar deste estado. Certamente, este documento coloca-se como uma diretriz orientadora da política educacional do Ensino Fundamental, com a determinação de alavancar a melhoria da qualidade da educação de nossos estudantes.

A Escola Ciclada de Mato Grosso pretende colocar em prática uma Pedagogia da Inclusão e empreender um novo fazer pedagógico, mediador da mudança e transformador da escola em um espaço de alegrias, saberes, imaginação e criatividade. É com essa intenção que colocamos esta proposta à disposição dos educadores e da sociedade matogrossense. O desafio está posto, agora é vivenciá-lo com plenitude.

CARLOS CARLÃO NASCIMENTO Secretário de Estado de Educação

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ÍNDICE

Introdução

Capítulo 1 - CONTEXTUALIZANDO A ESCOLA CICLADA NA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE MATO

GROSSO---Capítulo 2 - INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA, JUVENTUDE E CONTEMPOREIDADE: DESAFIOS PARA A ESCOLA CICLADA_____________

2.1. A Escola Ciclada e o desenvolvimento humano: a emergência de novos paradigmas--2.1.1. Infância – o I Ciclo

---2.1.2. Pré-adolescência – o II Ciclo

---2.1.3. Adolescência e Juventude – o III Ciclo---2.2. Estrututura dos Ciclos de

Formação---2.3. Progressão---2.4. Educação Especial---2.5. Retenção

---2.6. Inclusão dos alunos defasados idade-ciclo – turmas der Superaçào e Aceleração---2.7. Os profissionais da Escola Ciclada e o tempo de

trabalho---Capítulo 3 - CURRÍCULO – APRENDIZAGEM E CONHECIMENTO3.1. Metodologia da Diretriz Curricular da Escola Ciclada – algumas opções

---3.1.1. Aspectos metodológico do trabalho em sala de aula: o tratamento didático-pedagógico dos conteúdos de ensino __________________

3.1.1.1. Projetos de Trabalho ---3.1.1.2. Projetos Integrados_____________ 3.1.1.3. Temas Geradores ____________

3.2. A investigação filosófica no currículo escolar como eixo interdisciplinar---3.2.1. Filosofia e interdisciplinaridade

---3.3. Diretriz curricular dos Ciclos de formação---3.3.1. O I

Ciclo---3.3.2. O II Ciclo---3.3.3. O III Ciclo__________ 3.4.

Linguagens---3.4.1. O objetivo do ensino de

----3.4.1.1. Pressupostos pedagógicos e práticas da linguagem---3.4.2. A Educação Física e seus princípio pedagógicos__________ 3.5. Ciências da Natureza e Matemática_______

3.5.1. Ciências, Tecnologia e ensino de Ciências---3.5.1.1. Desafios para ensinar Ciências_________

3.5.1.2. . Dificuldades para aprender Ciências ________ 3.5.2. Educação Matemática______

3.5.2.1. A Matemática e sua dimensão interdisciplinarr_______ 3.5.2.2.O lúdico na aprendizagem da matemática_________ 3.5.2.3. A matemática do cotidiano e a matemática formal_______ 3.5.2.4. Os objetivos de matemática para os Ciclos de Formação---3.6. Ciências Humanas e Sociais________

3.6.1. Estrutura das Ciências Sociais e os Ciclos de Formação________ 3.6.2. Ensino

Religioso________-Capítulo 4 - A AVALIAÇÃO NA ESCOLA CICLADA---4.1. Avaliação

reflexiva---4.2. Instrumentos de registro da aprendizagem— 4.3. Instrumentos e Técnicas de avaliação_______ Considerações finais

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INTRODUÇÃO

Este livro foi elaborado com o objetivo de contribuir na reflexão sobre a prática pedagógica e na compreensão dos princípios orientadores da escola organizada em Ciclos de Formação. Não pretende apresentar uma análise completa dos problemas educacionais, mas auxiliar no debate de idéias que legitimam, explicitam e socializam concepções e experiências de como organizar o currículo nas escolas da Rede Pública, de forma mais humana, com novos tempos e espaços para ensinar e aprender a sentir, ser e fazer.

Na elaboração dessa proposta, alguns princípios teóricos se revelaram fundamentais para a sua própria estruturação. Aqui, eles serão apresentados para possibilitar clareza e entendimento daquilo que se pretende para o Ensino Fundamental do Estado do Mato Grosso, considerando o fluxo migratório em várias regiões, com municípios criados a partir de projeto de colonização, vindo de outros estados do país. Fato este que carrega em si, não só a exigência do aumento da demanda escolar, como o surgimento de novas e diferentes expectativas sobre a escola e seu currículo, para essa diversidade cultural presente nas diferentes etnias: branco, negro, índio e amarelo, dentre os povos que para cá vieram, pois o panorama da educação tem sido reflexo de um ensino distante dos avanços e também da realidade sócio-econômica e cultural desses povos.

Foto1 . Monumento da Carta da Terra, Chapada

O currículo escolar, quando não contempla a diversidade cultural por não emergir da prática social, torna-se distante da vida da maioria dos alunos. O conhecimento escolhido ou selecionado, valoriza apenas um gênero, um modo de expressar sentimentos e saberes e um ponto de vista como sendo o único e verdadeiro. Em se tratando do currículo das escolas públicas do Estado de Mato Grosso, parece-nos que, ao negar a diversidade cultural, nega-se uma das principais características deste Estado e a própria formação de sua população.

Como conseqüência dessa cultura escolar fragmentada, instituída ao longo de décadas, temos em Mato Grosso elevados índices de repetência (19,5%) e evasão (14,9%), alcançando em 1997, um total de 34,4% de fracasso escolar. Esses índices mostraram a necessidade de assumirmos novos compromissos, a serem conquistados com mudanças profundas ligadas à renúncia de paradigmas orientados pelo tecnicismo, linearidade, padronização e controle, até então predominantes, no sistema seriado.

Este é o desafio para os que fazem parte da educação em Mato Grosso. Dirigentes, assessores, professores, pais, alunos, imbuídos do propósito de consolidar a permanência dos alunos, com sucesso na escola. Não é simplesmente reduzir os índices do fracasso escolar, substituindo por outros números menos agressivos, mas principalmente, para transformar a escola num espaço propício à aprendizagem de todos, sem provocar baixas na auto-estima, sentimento de desvalia e outros sentimentos gerados pelos atos de classificar, reprovar e excluir as pessoas.

Entretanto, é necessário criar as condições concretas para que as mudanças ocorram e alcancem a melhoria da qualidade do ensino. Nesse sentido, a Equipe do Ensino Fundamental da Secretaria Estadual de Educação e as Assessorias Pedagógicas estiveram empenhadas para efetivar, com os professores e equipes técnicas das unidades escolares, uma inovação nas propostas curriculares e na organização de

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novos tempos e espaços para as aprendizagens. Inovação esta, principiada com a introdução do Projeto Terra em 1996 e o Ciclo Básico de Aprendizagem (CBA) em 1997. Essas propostas objetivaram, em suas bases teóricas e metodológicas, mudar o Sistema Seriado do Ensino para o Sistema Ciclado.

Estudos e acompanhamentos realizados nas escolas durante o período de 1997 a 1999, mostraram que o Programa CBA favoreceu flexibilidade na organização do ensino, sucesso escolar, revisão da prática pedagógica, garantia do direito de aprender e implantação de uma nova prática avaliativa resgatando no Ensino fundamental, um trabalho pedagógico de qualidade, eficiência e de inclusão.

Apresentaremos no primeiro capítulo, algumas razões para a mudança da Escola Seriada para a Ciclada, esta como superação daquela. Mostraremos o contexto do Ciclo na educação do Estado de Mato Grosso e aquilo que pretendemos com a ampliação dessa nova forma de organizar o currículo.

No segundo capítulo, discutiremos a organização das turmas tendo em vista as características humanas em cada Ciclo de Formação, bem como a estrutura curricular correspondente a essa organização.

No terceiro capítulo, ainda discutindo questões curriculares, abordaremos a organização da Matriz Curricular com uma visão globalizada e interdisciplinar e as opções metodológicas para essa prática. As áreas do conhecimento serão tratadas com essa visão globalizante, primeiramente de forma ampla e depois, de forma mais específica nas disciplinas que as compõem.

No quarto capítulo, a avaliação na Escola Ciclada é a estrela no palco das discussões. Juntamos a ela, os critérios e os instrumentos de registro da aprendizagem, tais como o Caderno de Campo, o Diário Reflexivo e o Diário da Turma. Nas Considerações finais constam as últimas análises que julgamos necessárias ao desenvolvimento de uma proposta pedagógica carregada de sensibilidade humana e de ação coletiva no desejo de contribuir na formação de pessoas para amar, respeitar e ser... gente ... feliz...

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CAPÍTULO I

CONTEXTUALIZANDO A ESCOLA CICLADA NA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO

A mudança de uma escola seriada para uma escola ciclada justifica-se pela necessidade imperiosa que a atual conjuntura político-econômica-social tem colocado exigindo um novo paradigma de escola e educação que atenda às reais necessidades da população, contemplando as novas relações entre desenvolvimento e democracia. Infelizmente, a permanência dos elevados índices de insucesso escolar tem levado a sociedade brasileira, de modo geral, a desacreditar da escola e a ver com naturalidade e banalização a retenção e a deserção dos alunos, especialmente daqueles provenientes de camadas populares.

Lamentavelmente, mesmo entre os professores, não é pequeno o número dos que concordam que a educação escolar seja seletiva e não acessível a todos os brasileiros, considerando isso natural. Ver a educação escolar apenas como um serviço prestado por instituições públicas e privadas, tem impedido que grandes parcelas dos responsáveis pela educação de nosso país a entendam como um direito de cada membro da sociedade brasileira (LDB, n. 9394/96, artigos 4o, 5o e 6o).

Numa visão democrática e progressista, a educação escolar é entendida como parte integrante da sociedade (Veiga, 1995), refletindo as contradições da estrutura social e evidenciando compromisso na divulgação de uma nova concepção de mundo, trabalhando em favor das camadas menos favorecidas da população. O objetivo de uma educação escolar nessa perspectiva é a constituição da cidadania, mediante a preparação do educando para a vida sócio-política e cultural. Embora no nível do discurso haja unanimidade dos educadores com relação à necessidade de transformar a escola, ainda são muitos os obstáculos que impedem a passagem de uma escola conservadora para uma escola que atenda os princípios apontados.

Por compreender que a educação escolar é, acima de tudo, um direito social inquestionável e inviolável do cidadão e objetivando reverter esse quadro, a Secretaria de Estado da Educação de Mato Grosso – SEDUC – vem, desde o ano de 1996_ inovando, em termos de propostas alternativas. Implantou-se, em nível experimental, o Projeto Terra, no qual o Ensino Fundamental era estruturado em Ciclos de Formação. Esse projeto abrangia 22 escolas públicas urbanas e rurais e os resultados até agora são promissores, evidenciando a diminuição da retenção e da evasão escolar nas regiões onde foi implantado. Depois dessa experiência a SEDUC iniciou, no ano de 1998, uma reestruturação do Ensino Fundamental, com a Proposta de Implantação do Ciclo Básico de Aprendizagem -CBA- (MATO GROSSO, SEDUC, Série Subsídios n. 01, 1998).

Implantado na rede estadual de ensino, o CBA constituiu-se numa importante iniciativa que inaugurou uma estratégia político-pedagógica de caráter democrático para o enfrentamento do fracasso escolar, eliminando a reprovação no primeiro ano de escolaridade e contribuindo para a permanência de crianças em idade escolar no sistema de ensino, garantindo assim, inicialmente, o direito à alfabetização. Dando continuidade à implementação de uma política educacional de inclusão social, no final de 1999, a Secretaria de Estado de Educação propôs a implantação de Ciclos de Formação para todo o Ensino Fundamental, visando a permitir aos alunos que concluíam o CBA continuarem seus estudos no mesmo ritmo da proposta do Ciclo Básico de Aprendizagem.

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O objetivo maior na ampliação do sistema de Ciclos é garantir aos educandos o direito constitucional à continuidade e terminalidade dos estudos escolares. Assim, dando continuidade à sua política de reorganização do sistema de ensino a SEDUC passa a orientar as escolas públicas na implantação gradativa de Ciclos de Formação e, conseqüentemente, na extinção do sistema seriado.

Para tornar a proposta do CBA extensiva ao Ensino Fundamental, a metodologia utilizada foi da introdução de novos referenciais teóricos e metodológicos necessários ao estudo das especificidades dessa modalidade de ensino e ao entendimento das questões pertencentes não somente à Infância, mas à Pré -adolescência e Adolescência. Para finalizar o Projeto da Escola Ciclada (PEC), como foi denominado, realizou-se um encontro com os representantes das Assessorias Pedagógicas, nos dias 10, 11 e 12, de novembro de 1999, absorvendo as proposições oriundas das diferentes localidades, municípios e escolas, do estado. O resultado desses dias de trabalho foi elaborado da primeira versão da proposta da Escola Ciclada (PEC).

Em fevereiro de 2000, foi enviado para as escolas um Documento contendo orientações para o trabalho Projeto Escola Ciclada. De junho a agosto desse mesmo ano, o PEC é reorganizado após uma pesquisa com o objetivo de discutir as dificuldades e avanços na introdução do projeto e responder um questionário com indagações sobre o modo de agrupar os alunos, sugestões de temas para os cursos de capacitação, o modo como o professor articulador desenvolve seu trabalho, as dúvidas decorrentes da leitura do documento de orientações gerais da Escola Ciclada, qual o eixo de organização do currículo, quais os materiais pedagógicos utilizados e os critérios priorizados ao elaborar os relatórios da avaliação do educando. As discussões e as respostas dos participantes serviram de diagnóstico da situação real do trabalho pedagógico das escolas em relação ao Ciclo. Esse trabalho foi realizado em Cuiabá e Várzea Grande através de encontros coordenados pela Equipe do Ensino Fundamental e assessoria da Escola Ciclada, com diretores, coordenadores, professores articuladores e representantes do coletivo de professores das escolas. Nos outros municípios os encontros foram coordenados pelos assessores pedagógicos. Também participaram da pesquisa os Secretários de Educação, quando estes estiveram em Cuiabá, no seminário organizado pela União dos Dirigentes Municipais de Educação- UNDIME, nas datas de 08 e 09/06/2000.

FOTO 02 – EEEF SANTO ANTONIO – JACIARA

O diagnóstico envolveu trezentas e quarenta e sete (347) escolas estaduais totalizando 78% das escola de Ensino Fundamental, setenta e uma (71) escolas municipais e 65 municípios, setenta (60) Secretários Municipais de Educação e mostrou-nos, através das respostas dos participantes dos encontros, principalmente que, os pontos positivos da Escola Ciclada superam os pontos de dificuldades. Deste o maior destaque foi para a falta de continuidade das capacitações para os professores; o desconhecimento dos fundamentos teóricos e organizacionais da Escola Ciclada. Esses fatores provocam a necessidade de novos programas de formação continuada dos educadores. Um outro aspecto considerado negativo foi a dificuldade no ato de avaliar e de elaborar ou redigir o relatório da aprendizagem.

Dentre os pontos positivos houve destaque para a valorização do aluno em sua individualidade com oportunidade para avançar e o aumento da sua auto-estima; diminui a repetência e faz a adequação idade-Ciclo. Houve também um grande destaque para o fato do educando possuir um tempo maior para ser alfabetizado, numa

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metodologia que busca a a sua realidade e ainda, a presença e colaboração do professor articulador.

As sugestões de temas ou assuntos para as capacitações estiveram em maior número voltadas para a avaliação e seus registros; as bases teóricas do Ciclo de Formação; o currículo e a metodologia globalizada e interdisciplinar. Estas e outras questões serão discutidas nas partes que compõem esta publicação. Entretanto aqui ainda é preciso afirmar o quanto foi importante realizar esse diagnóstico. Ele nos deu a dimensão do conteúdo deste trabalho e daquilo que deve ser desmitificado, como por exemplo o tratamento de negligência às crianças com dificuldades na aprendizagem, o preconceito no trabalho com diferenças sócio-culturais e submeter a um só padrão, o desenvolvimento e a aprendizagem de todos os educandos.

As críticas à escola seriada são muitas e nos últimos anos acumularam-se de tal forma que levaram muitos sistema de ensino de inúmeros países e de vários estados brasileiros a adotarem uma outra forma de organização escolar - os Ciclos de Formação - que constitui-se numa medida pedagógico-administrativa coerente com o discurso assumido pela maioria dos educadores matogrossenses que defende o acesso e a permanência de todas as crianças numa escola democrática, de qualidade e constitutiva da cidadania.

Aos educadores engajados na busca de uma melhoria significativa para a educação matogrossense, cabe enfrentar e superar certos preconceitos e práticas que constituem-se em obstáculos ao percurso escolar dos alunos a que se destina a escola pública, principalmente o ensino fundamental. Muitas são as barreiras a serem ultrapassadas na construção de novas representações sobre uma escola que aposta no sucesso da aprendizagem de nossas crianças e jovens. Mas o mais importante é estarmos abertos ao diálogo, transformando em possibilidades reais o que nos parece simples utopia (lembrando que a utopia é fundamental para o avanço qualitativo de qualquer projeto educativo). É importante acreditarmos que é possível avançar:

- de uma escola com uma longa e cruel história de fracasso e exclusão, supostamente neutra, que presta serviços indistintamente, para uma escola comprometida políticamente com a população de baixa renda, tornando-se bem sucedida e de natureza inclusiva;

- de uma escola que produz analfabetos funcionais, depois de 8 a 12 anos de escolaridade, para uma escola que visa a formação do cidadão que demonstra, no cotidiano, depois da escolaridade obrigatória, competências e comportamentos alfabetizados;

- de uma escola acomodada, que aceita com naturalidade a deserção ou a não-aprendizagem (ou a pouca aprendizagem) dos alunos, para uma escola que se revolta com sua ineficiência social, criando alternativas para garantir, não apenas a permanência dos alunos, mas também sua aprendizagem significativa;

- de uma escola prestadora de serviços para uma escola cumpridora de seus deveres sociais, que se preocupa com os direitos dos educandos;

- de uma escola que avalia para classificar, em que a avaliação é utilizada como uma arma para classificar, enquadrar, rotular, reter, para uma escola em que a avaliação, entendida como parte do processo de aprendizagem, constitui-se em um recurso de ensino fundamental para a tomada de decisões a respeito desse processo.

- de uma escola, na qual o conhecimento é trabalhado de forma compartimentada, fragmentada, para uma escola que entende a

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possibilidade de integração dos conteúdos de ensino e a importância da interdisciplinaridade;

- de uma escola que considera apenas o sujeito cognitivo para considerar o sujeito sócio-histórico, constituído nas múltiplas relações interpessoais. - de uma escola que espera aprender para poder fazer, para uma escola na

qual se aprende fazendo.

A construção de uma nova prática educativa demanda, sem dúvida, certo tempo e paciência pedagógica. Mas precisamos compreender que essa construção se dá no exercício da própria prática docente, no interior da escola, onde são forjadas nossas representações sobre essa instituição e sua função social. Queremos dizer, com isso, que essa construção precisa ser iniciada agora. Hoje é o tempo de começar.

1.1. A Escola Ciclada como superação da Escola Seriada

A organização do Ensino em ciclo no Brasil inicia na década de 80 quando vários Estados e Municípios reestruturam o ensino Fundamental, 1ª e 2ª série em um ciclo de dois anos que tinha como objetivo político reduzir os índices de evasão e reprovação nas séries iniciais. O principio orientador dessas propostas era a flexibilização do tempo, possibilitando que o currículo fosse trabalhado num período maior, permitindo assim respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem dos alunos.

Essas experiências apesar de terem apresentado alguns problemas estruturais e necessidades de ajustes da prática, mostraram que o currículo organizado por ciclos contribui efetivamente para a superação do fracasso escolar.

Hoje a Lei de Diretrizes e Bases Educação Nacional LDB 9394/96 estabelece novas formas de organização da Educação Básica.

Art. 23 “A educação básica poderá organizar-se em séries anuais,

período semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudo, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que aprendizagem assim o recomendar”.

Como podemos constatar, o MEC defende a organização do Ensino Fundamental baseado nas descobertas atuais da psicologia da aprendizagem e apoia-se na idéia que cada criança tem seu jeito de aprender e ritmo próprio. Precisamos ter cuidado de não incorrer em mal entendidos, rotulando alguns alunos de mais lentos que outros, estigmatizando aqueles que estão iniciando no processo de interação com os conhecimentos escolares, “...Que se constróem de forma cíclica e espiralada pela

ampliação e incorporação dialética de novas referências e não mais de forma linear e cumulativa que caracteriza os chamados pré-requisitos nos quais um conhecimento precede e depende de outro” (Uma nova avaliação para um novo contexto nas escolas

municipais de Cuiabá p. 12. 1999).

A Flexibilidade dos tempos para a aprendizagem permite trabalhar melhor, com as diferenças produzidas pela sociedade capitalista na qual os estudantes não têm a mesma oportunidade de acesso a certos objetos do conhecimento que fazem parte do repertório escolar. Analisando esta questão, Rego ao comentar Vygostky afirma: “Os diferentes ritmos, comportamentos, experiências, trajetórias pessoais, contexto familiares, valores e níveis de conhecimento de cada criança (e do professor) imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertório, de visão de mundo, confrontos, ajuda mutua e conseqüente ampliação das capacidades.

Esta flexibilidade não é suficiente para garantir a aprendizagem com sucesso, são necessárias também intervenções adequadas organizadas pelo coletivo dos professores do ciclo para garantir melhores condições de aprendizagem. Além disso,

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materiais alternativos e adoção de currículos escolares significativos para cada ciclo. Esses currículos devem evitar as tradicionais listagem de conteúdo ou o livro didático que o professor deve cumpri-lo no ano obrigando os alunos aprenderem todos no mesmo ritmo.

A estrutura de ciclos contempla um dos principais problemas da escolaridade, que une a 4º e 5º série para eliminar a ruptura desastrosa que aí ocorre com altos índices de repetência e evasão; não queremos dizer com isso que cabe ao regime seriado a responsabilidade pelo insucesso dos alunos. Ele se deve também a vários fatores, que deverão ser enfrentados com uma nova estrutura, que contemple: a organização da escola, os conteúdos escolares, avaliação, metodologia e os recursos didáticos, e espaços pedagógicos. Esses também devem ser flexibilizados, pois se antes a sala era o único espaço da aula, hoje compreendemos que também o pátio, a quadra, as ruas do bairro, as praças, os museus, a biblioteca, e outros, tornam-se locais privilegiados para a tarefa pedagógica

FOTO 3 – EEEF DR. Joaquim Augusto Costa Marques - ARAPUTANGA Nesta perspectiva, a comunidade escolar estabelece as capacidades e conhecimentos a serem desenvolvidos em cada ciclo, que se complexificam e aprofundam o trabalho pedagógico de fase para fase, e de fase para ciclo num processo flexível, pois, à medida que os alunos constróem as capacidades, e conhecimentos propostos, suas vivências deverão ser enriquecidas com outras informações e conhecimentos, dando a necessária continuidade ao processo de aprendizagem. Assim os conhecimentos passam por um processo de construção e reconstrução contínua e não por etapa fixas de ano letivo/séries com obstáculos como a reprovação, evasões, fragmentação em disciplinas estanques que colocam o aluno no inicio do processo não considerando o processo de desenvolvimento percorrido.

A Escola Ciclada pretende operacionalizar uma visão de totalidade no que se refere ao Ensino Fundamental, apontando como a escola, nesta modalidade de ensino, pode ser organizada evitando a fragmentação e a mudança parcial da estrutura curricular, pois a história da Pedagogia, mostra-nos que tais formas de mudança não levarão a uma real alteração da lógica da escola.

Ao pensarmos a escola em sua totalidade, nossa reflexão abarca, necessariamente, aspectos como: a organização escolar, a relação professor – aluno, as causas do insucesso e do abandono da escola, as condições de trabalho do professor, o contexto sócio-econômico e cultural no qual se encontra a realidade dos alunos e de suas famílias e ainda, a projeção do conhecimento e o desenvolvimento tecnológico e social característico dos avanços presentes na atualidade.

Os motivos para afirmarmos que a linha educacional a ser

desenvolvida na Rede Pública de ensino Mato Grossense, deve considerar a sua intensa diversidade cultural e étnica, que são históricos, sociais e humanos, que o olhar do ensino parcializado, pouco abrangente e desconectado não consegue captar. Na estrutura curricular deve existir uma flexibilidade para que o pensamento, a linguagem e a ação das pessoas sejam expressados, na busca de uma compreensão profunda das raízes e traços culturais que os constituem como educadores e educandos, como cidadãos conscientes de seus direitos e deveres tornando-os, cada vez mais atuantes, participativos, cooperativos, responsáveis e humanos.

A organização do processo educativo em Ciclos, através de seus princípios de democratização do espaço escolar, respeito aos ritmos de aprendizagem e promoção de um processo dinâmico e contínuo no ensinar e aprender, representa o

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atendimento às diferentes idades. Entretanto, este atendimento não ocorre isolado do campo psicológico e sócio-cultural, mas nas suas relações com as fases do desenvolvimento humano. Isto é, a idade cronológica das pessoas está inserida em alguma fase e ciclo do desenvolvimento humano, o qual expressa desejos, experiências, necessidades e aspirações, articuladas com o conhecimento adquirido do meio sócio-cultural em intercâmbio com o conhecimento acumulado pela humanidade e veiculado pela escola.

No espaço escolar ocorre uma vivência de hábitos, valores e habilidades. Aspectos a serem investigados para elaborar o plano didático e tratar o conhecimento a ser construído. Considerando os diferentes ritmos de aprendizagem, o currículo pode ser alterado quando necessário pela avaliação constante e contínua. A escola organizada em Ciclos de Formação possibilita espaço e tempo para se estabelecer o relacionamento interpessoal, realizar a observação do ritmo característico de cada educando, o seu conhecimento prévio e percurso de sua aprendizagem.

Esta alternativa pedagógica com base nos seus princípios e nas análises de experiências já realizadas em outros estados, demonstra ser a mais adequada e coerente com as características do Estado de Mato Grosso. Não é apenas uma estratégia para eliminar a evasão e a repetência, mas para propiciar a qualidade na educação. A idéia do Ciclo está baseada na dimensão formativa, na diversidade de ações pedagógicas como condição necessária ao aprimoramento do trabalho educativo para atender as características e necessidades dos educandos. Provoca o educador a buscar e instaurar na sua prática, novos estilos de ensinar, fazer escolhas e tomar decisões, visando adequar seu esquema de trabalho às características próprias dos alunos, no sentido de instigá-los para o conhecimento.

Nesse sentido, a formação do educando, sua idade cronológica, sua vivência sócio-cultural e sua capacidade de aprender - tendo em vista os interesses específicos de sua faixa etária e de seu contexto - são considerados elementos cruciais que não podem, nem devem, ser sacrificados em nome de qualquer outra medida que desconheça ou ignore a diversidade de cultura, de saberes ou de experiências dos alunos, ou em nome de uma uniformidade que não reconhece as diferenças, marginalizando com isso grandes contingentes de alunos, especialmente os das classes menos privilegiadas da população brasileira.

A formação do aluno como eixo do sistema escolar traz à tona algumas questões como a distorção idadesérie e a reincidência da nãoaprendizagem -que não podem mais ser ignoradas ou relegadas a um segundo plano, ou ainda, consideradas como uma anomalia que deve ser "tratada" por especialistas - sempre ausentes, ou em número insuficiente no sistema escolar. A falta de critérios e de medidas adequadas para tratar dessas e de outras questões igualmente importantes, acabam agravando uma situação que vem adquirindo, ao longo do tempo, proporções gigantescas, com conseqüências sociais alarmantes. O número de alunos que, apesar de freqüentar vários anos a escola pública, não chega a concluir o ensino fundamental e o número dos que o concluem num prazo excessivamente longo, extrapolando em muito o prazo dos oito anos de escolaridade obrigatória é imenso e inadmissível na atual conjuntura, para uma sociedade que, neste limiar do terceiro milênio, se deseja moderna e democrática, apresentando urgências no plano das realizações pessoais e sociais.

A organização do ensino em Ciclos de Formação possibilita um atendimento mais adequado aos educandos considerando não apenas os aspectos cognitivos, tradicionalmente considerados na organização do currículo escolar, mas também os aspectos sociais, morais, éticos e afetivos, constitutivos da natureza humana, num tempo escolar demarcado por critérios diferentes dos estabelecidos numa escola

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seriada, embasada teórico-metodologicamente no paradigma positivista e funcionalista que, pela sua natureza, ignora a flexibilidade, a mobilidade e a possibilidade diferenciada de avanços na apropriação do conhecimento e na constituição da cidadania. Nos Ciclos de Formação respeita-se a organização das turmas por idade, como decorrência da concepção de que o aluno, na convivência com seus pares da mesma idade, tem maior oportunidade de vivenciar um processo de interação riquíssimo que facilita, mediante as trocas socializantes, a construção de sua identidade e auto-imagem próprios de sua faixa etária. O fato de permanecer no mesmo grupo de idade (ou pelo menos no grupo mais próximo à sua idade) permite ao aluno maior intercâmbio e interação levando a uma socialização mais equilibrada. Obviamente, o agrupamento por si só não garante a interação nem a maior integração dos alunos, como não garante também a apropriação do conhecimento. A presença do professor, nesse caso, torna-se relevante. Mais do que nunca, torna-se fundamental a intervenção do professor - sujeito mais experiente culturalmente - como mediador do processo ensino-aprendizagem, exercendo sua importante função de planejar, organizar, orientar e articular as atividades relativas a esse processo.

O sucesso desta Unidade Organizativa busca o envolvimento de todos os profissionais da escola, no sentido de que se corresponsabilizem pelo processo ensino aprendizagem e desenvolvimento dos educandos. É necessário que se crie condições institucionais, SEDUC e ESCOLAS que permitam destinar espaço e tempo para a realização de reuniões, capacitações envolvendo professores funcionários e pais.

A Escola Ciclada de Mato Grosso amplia para 09 (nove) anos o Ensino Fundamental, definindo o inicio da escolarização aos 6 anos (como é na maioria dos países) dando oportunidade de acesso a objetos, conhecimentos, e rituais do repertório escolar num período maior de tempo.

Este é o desafio para os que fazem parte da educação em Mato Grosso. Dirigentes, assessores, professores, pais, alunos, imbuídos do propósito capazes de consolidar a permanência dos alunos, com sucesso na escola. Não é simplesmente reduzir os índices do fracasso escolar, substituindo por outros números menos agressivos, mas principalmente, para transformar a escola num espaço propício à aprendizagem de todos, sem provocar baixas na auto-estima, sentimento de desvalia e outros sentimentos gerados pelos atos de classificar, reprovar e excluir as pessoas.

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CAPITULO 2

INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA, JUVENTUDE E CONTEMPORANEIDADE: DESAFIOS PARA A ESCOLA CICLADA

O redimensionamento da educação escolar de crianças e adolescentes pressupõe a compreensão dos significados atribuídos à infância e à adolescência na esfera da cultura e da vida social contemporânea. Isso justifica-se pelo fato das políticas educacionais estarem ancoradas em formas de representar a criança e o adolescente, presentes nas diversas práticas socioculturais; ou seja, pensar as transformações no âmbito da educação escolar significa resgatar a construção histórica das noções de infância e adolescência, na tentativa de tecer paradigmas que apontem para uma escolarização de crianças e adolescentes mais atenta à dinâmica cultural da atualidade. É o que faremos aqui: iniciaremos a discussão com a análise de como a criança vem sendo pensada desde a Antigüidade até os tempos modernos, momento em que se dá a necessidade de educá-la e discipliná-la; em seguida, comentaremos as diversas concepções de infância no âmbito da Psicologia do Desenvolvimento e suas implicações pedagógicas, as quais, por fim, serão postas em xeque, considerando as vicissitudes do mundo contemporâneo; para isso, far-se-á necessário o resgate da criança e do adolescente como sujeitos da linguagem, sociais e culturais.

Ariès (1981), em seu estudo sobre a construção histórica do conceito de infância, mostra como as práticas socioculturais voltadas para a mesma, vigentes na sociedade ocidental, são delineadas por modos de representar a criança. Neste sentido, aponta como necessária a compreensão da infância segundo uma perspectiva histórica e social, e não como uma categoria abstrata, desconexa da vida social. Em seu trabalho, Ariès (1981) revela que, até o século XVI, a infância era concebida como um período transitório da vida humana, que deveria ser prontamente superado, assim que sua sobrevivência independesse dos cuidados adultos. A criança, assim, confundia-se com os adultos, já que não havia acomodações, brinquedos, roupas específicas para ela. A criança passou a se configurar como um adulto em miniatura, não sendo considerada em sua particularidade. Não havia, portanto, na sociedade medieval, o que Ariès (1981, p. 156) denomina de “sentimento da infância”.

Para uma melhor compreensão da produção histórica do conceito de infância, vale resgatar a etimologia da palavra infância, que, como destaca Gagnebin (1997), é proveniente do latim in-fans, significando aquele que não fala, destituído de linguagem e, portanto, de logos (razão). A visão da criança como in-fans remonta-se ao pensamento platônico, que a aborda como um ser próximo do estado animalesco e primitivo; característica esta que demanda a domesticação das paixões, segundo normas educacionais baseadas na razão. Seguindo esta orientação, Descartes admite que a infância se caracteriza pela exacerbação do aprisionamento da alma no corpo, o que condena o homem ao erro; uma vez que o conhecimento da verdade só é possível mediante o cogito, o pensamento puro, livre das sensações corpóreas. Assim, temos novamente a infância como condição marcada pela ausência da razão, como aponta Ghiraldelli (1997, p. 115):

“Descartes entende que o fato de termos sido crianças nos manteve durante muito tempo sob o governo de apetites e preceptores – o corpo e a cultura –, de modo que, uma vez adultos, nossos juízos não são tão puros e tão sólidos quanto seriam se tivéssemos tido o uso de

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nossa razão por inteiro desde o nascimento e se tivéssemos sido conduzidos só por ela.”

A visão da infância como o lugar da inocência e da natureza pura, ainda não corrompida pela vida mundana adulta, faz-se presente no pensamento de Rousseau, que aponta a educação como meio de valorização dessa natureza infantil, em oposição ao mundo das perversões. Temos, assim, a criança como um ser frágil e inocente, que necessita de permanente controle e vigilância dos adultos, pois sua inocência pode ser corrompida a qualquer momento.

Permeado por esta visão, o século XVII marcou o momento em que a criança passou a ser vista como sujeito singular, distinto dos adultos, emergindo, assim, o que Ariès (1981) denomina de sentimento moderno de infância, caracterizado por práticas sociais diversas, que são: a paparicação e a necessidade de educar a criança mediante a moralização. Essas práticas, embora contraditórias, complementavam-se, pois a preocupação com a fragilidade e a debilidade da infância – característica do sentimento de paparicação – tornou urgente a educação do infante, com o aporte da moral, o que permitiu o desenvolvimento de seu caráter e de sua razão. A criança, então, constituiu-se como objeto de estudo de moralistas e educadores voltados ao estabelecimento de técnicas e métodos que visassem à disciplina, à vigilância e ao controle de seus costumes. Essa proposta culminou na criação dos primeiros colégios modernos – conforme mostra Ariès, caracterizados pela fusão ensino-disciplina-delação-castigos corporais.

É, no final do século XIX, com a emergência das ciências, acompanhada pela industrialização crescente da sociedade e pela expansão capitalista, que a infância passou a ser prescrita e normatizada pelo conhecimento científico, como podemos observar nas considerações de Castro (1999, p. 24):

“Como coloca Vonèche (1987), a infância de hoje sofreu um processo de colonização1 pelas práticas científicas desde o final do século passado, através do qual as necessidades, os direitos, a natureza e os desejos infantis podem ser descobertos e apresentados. Assim, pensar sobre o sentido da infância hoje significa examinar a construção da representação da infância na modernidade, quando, então, surgem os especialistas2 sobre a infância”.

Imersa nesse contexto, temos a Psicologia do Desenvolvimento que, seguindo os ditames positivistas vigentes na época, se constituiu como a ciência da sistematização e normalização do desenvolvimento humano. Nesse enfoque, o homem é compreendido a partir da segmentação de sua vida em fases/etapas, com o suporte da objetividade e da neutralidade, que definem o seu crescimento e amadurecimento. Afirma-se o caráter universal e linear da trajetória da existência humana, diluindo sua história social e cultural. A criança e o adolescente, portanto, são tratados como organismos biológicos em fase de maturação, desvinculados da cultura e da vida social. Esse discurso sobre a infância e a adolescência circunscreveu práticas científicas que visavam à categorização, via mensuração das habilidades e aptidões humanas, para a conseqüente normalização da conduta. Como ilustração disso, temos os testes psicológicos, com a finalidade de retratar objetivamente as competências intelectuais e lingüísticas do indivíduo, assim como suas habilidades.

1 Grifo da autora. 2 Idem.

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Segundo Castro (1999), a Psicologia do Desenvolvimento foi responsável pelas representações da infância e da adolescência na modernidade, determinando o que é normal e patológico, o que é desejável e o que não é, no âmbito das práticas educacionais infanto-juvenis. Dessa forma, o desenvolvimento humano deve percorrer uma linha reta, cujo início marca o germe do autocontrole e da adaptação social, que se aperfeiçoam gradativamente no decorrer da vida humana.

“Assim, o caminho do desenvolvimento pode ser pensado como o percurso que vai do social ao social, do pré-lógico ao pré-lógico, sendo que na origem já se pode constatar o desenlace final, o desdobramento do que “deve” aflorar, ou se manifestar” (Castro, 1999, p. 42).

Castro (1999) também aponta que a produção teórica no âmbito da Psicologia do Desenvolvimento não é homogênea, uma vez que abrange diversas versões sobre a infância e a adolescência, delineadas por diferentes necessidades de ordem política e social.

Entre as décadas de 20 e 60, temos o predomínio da Psicologia comportamental (Behaviorismo), que enfoca o desenvolvimento humano como o processo de aquisição gradativa de habilidades e competências proporcionadas através dos condicionamentos ambientais. Segundo essa perspectiva teórica, tanto a criança quanto o adolescente são considerados como sujeitos passivos, modelados pelas contingências sociais; e, por isso, as práticas educacionais devem permitir-lhes a formação de um repertório de conhecimentos, valores e normas de conduta necessárias à sua adaptação social.

Já na década de 70, verificamos uma reviravolta no campo teórico da Psicologia do Desenvolvimento e das intervenções educacionais, caracterizada pela presença das teorias cognitivistas, cujo maior representante é Jean Piaget, que concebe a criança como um sujeito ativo e cognoscente, capaz de construir conhecimento através da interação com a realidade física, e destaca a universalização da construção das estruturas cognitivas, rumo à adaptação gradativa do pensamento às demandas ambientais. A inclusão das experimentações de Piaget no currículo escolar, no sentido de verificar a existência de determinadas noções e conceitos foi uma das implicações educacionais dessa perspectiva teórica, com o propósito de acelerar o desenvolvimento de crianças em direção à consolidação de estruturas cognitivas lógicas. Com isso, o professor, na ânsia de ensinar as respostas certas para uma dada tarefa, acabaria perdendo a compreensão do processo de construção mental dos conceitos, princípio do Construtivismo de Piaget. Outra aplicação da teoria piagetiana na escola foi a espera, por parte do professor, pelo desenvolvimento das noções lógicas das crianças, que por ser considerado como inevitável e universal, dispensaria qualquer tipo de intervenção educativa (Jobim e Souza e Kramer, 1991).

Atualmente, em pleno final do século XX, ainda é possível e plausível pensar o desenvolvimento humano como algo que obedece a uma evolução linear, onde o tempo e o próprio indivíduo fragmentam-se e são decalcados da história e da cultura? Vivemos novos tempos que anunciam uma nova ordem cultural. Estamos na era tecnológica, pós-industrial; uma era que tem acarretado uma série de questionamentos no campo dos grandes sistemas de conhecimento da humanidade (a filosofia, as ciências em geral, as religiões e as artes), voltada para a ruptura dos conceitos consolidados na modernidade, que não mais atendem aos valores, à experiência humana e à vida social emergentes (Castro, 1999). Esses questionamentos marcam o que vários autores (Baudrillard, Lyotard, Jameson, Deleuze, Guattari, entre outros) denominam de pós-modernidade, caracterizada como o terreno fértil para reflexões sobre as transformações

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culturais experimentadas neste final de século e sobre os conceitos e os valores vigentes, que apontam para o esmaecimento de fronteiras que separam a cultura erudita da cultura popular e a racionalidade da sensibilidade. Nesse debate, é consensual – sem desconsiderar as divergências teóricas entre os diversos autores envolvidos – o fato da razão instrumental, paradigma fundador da modernidade, não ser mais a via de acesso privilegiada para o conhecimento do real.

Trazendo essas discussões para o campo da Psicologia do Desenvolvimento, faz-se urgente rever a temporalidade linear que prescreve o desenvolvimento humano. Isso, sem dúvida alguma, incita a busca de novos paradigmas que apontam para a reflexão da vida humana, considerando a dinâmica das experiências sociais e culturais da contemporaneidade. Neste sentido, há que considerar a emergência de novas formas e condições de subjetivação engendradas pela cultura contemporânea, caracterizada pela imponência das novas tecnologias e do consumo nas relações humanas.

Trata-se, pois, de resgatar o sentido social e histórico do desenvolvimento humano, de modo que ser criança, adolescente, jovem, adulto ou velho não se reduza a etapas da vida, desconexas umas das outras. Com Benjamin (1986), temos uma visão de história em que passado, presente e futuro se entrecruzam, diluindo qualquer perspectiva de linearidade. Neste sentido, a rememoração do passado, no presente, não significa a recuperação do que de fato ocorreu, mas sim a busca de novos significados, que mobilizam uma nova compreensão do próprio passado, do presente e uma postura crítica perante o futuro. A rememoração, portanto, segundo a perspectiva de Benjamin (1986), é uma atitude crítica que visa ao resgate do fluxo da história a partir das ruínas e dos rastros, devastados pelo progresso que avassala o presente e o confunde com o futuro e, por isso, traz mais novidades do que certezas. Temos, assim, tanto a história individual quanto a social marcadas muito mais por descontinuidades do que por repetições.

Assim, a infância, para Benjamin, representa, alegoricamente, o resgate do passado, que ressignifica o presente e o futuro, trazendo à tona o novo, o inusitado e sentidos que subvertem o mundo ordenado pelos adultos. A infância, portanto, é o lugar da crítica por excelência, significa a possibilidade de concretizar o que não pôde se realizar porque reprimido ou proibido. É, por isso, que a inabilidade, a desorientação infantis e a capacidade de conferir à realidade significados outros, destoantes da determinação cultural, permitem à criança revelar ao adulto aquilo que ele não consegue mais ver (Jobim e Souza e Pereira, 1998). Bolle sintetiza muito bem os significados que a infância e a adolescência assumem no pensamento benjaminiano:

“Pois os momentos de plenitude da infância e da adolescência se projetam como iluminações, como oportunidades de se redimir o mal-estar na cultura adulta” (Bolle, 1984, p. 16).

Essa visão da infância e da adolescência rompe com a concepção abstrata, vigente no pensamento moderno, que as reduz a momentos da vida humana que precisam ser prontamente superados porque representam a ausência da lógica e da razão presentes no adulto. Ao assumirmos a criança e o adolescente como sujeitos que se constituem na linguagem e que também a produzem, situamo-los como sujeitos que se fazem na cultura, na história, inseridos na vida social. Esse é, sem dúvida, o aporte que Benjamin, pensador crítico da cultura, traz para a busca de novos paradigmas no âmbito da Psicologia do Desenvolvimento, que permitam reflexões sobre a infância e a adolescência no mundo contemporâneo.

Como vimos, a cultura contemporânea configura-se na ordem do consumo e das novas tecnologias, que vêm a cada dia redimensionando as relações

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humanas, o tempo e o espaço sociais. Na esfera do consumo, o sujeito só constitui-se como tal enquanto consumidor, uma vez que o próprio corpo se transforma em objeto de consumo. Presencia-se, assim, a objetivação do subjetivo; ou seja, o sujeito se torna objeto (Ghiraldelli, 1996). A infância e a adolescência, nessa lógica cultural, adquirem uma importância jamais vista em épocas anteriores, pois constituem-se em alvos privilegiados para o consumo, energia vital do capitalismo pós-industrial. “Ser criança é ter um corpo que consome coisas de criança” (Ghiraldelli, 1996, p. 38), o que significa ser o que é definido pela mídia. Nesse jogo em que mídia, tecnologia e consumo ditam as regras, assistimos, dia após dia, ao distanciamento da criança e do adolescente em relação ao adulto e, portanto, à sua intimidade com a televisão, os jogos eletrônicos e os brinquedos e utensílios, virtuais ou não, lançados diariamente no mercado. Temos os dois lados de uma mesma moeda: adultos ausentes – pais e mães imersos no mercado de trabalho, professores que já não falam a mesma língua que as crianças e os adolescentes, porque repassam conteúdos que, há muito tempo, não atendem aos interesses e às expectativas desses últimos – e crianças e adolescentes isolados em seus próprios guetos, tornando-se cada vez mais individualistas por causa da ausência do outro humano e da presença marcante do outro virtual.

Jobim e Souza e Pereira (1998) nos dizem que a separação vivida entre as gerações aponta para a nossa insensibilidade em descartar prontamente o outro que nos constitui. É, neste sentido, que a autora destaca a “alteridade em ruínas” (Jobim e Souza e Pereira, 1998, p. 39) como a principal marca das relações humanas na contemporaneidade. Por alteridade, entende-se a necessária presença do outro no processo de constituição do eu. Como Bakhtin (1992) ressalta, não há como existir na categoria do eu-para-mim, na dimensão do sujeito encerrado em si mesmo; pois a existência humana só é possível no interior do diálogo com o mundo e com os outros. “A pluralidade do humano está no próprio complemento que cada um representa para o outro” (Salgado, 1998, p. 11). Para Bakhtin (1992), o outro é quem confere ao eu seu acabamento estético, ao alterá-lo e transformá-lo mediante o diálogo.

Sendo assim, a subjetividade não pode ser entendida como uma essência inerente ao sujeito, que começa e termina nele, nem como algo pré-definido pelas determinações sociais e culturais; mas como um processo que se efetiva na interlocução entre o sujeito e a cultura, marcado por negociações de sentidos entre os sujeitos. Tudo isso chama a atenção para o fato do reconhecimento do outro como diferente, seja ele criança ou adulto, engendrando novos acordos e o próprio limite, o que provoca a aprendizagem e, portanto, a transformação com e na diferença revelada pela singularidade do outro. A partir da ruptura que a criança e o adolescente representam – recuperando o sentido benjaminiano –, caracterizada pela facilidade com que traduzem as novas linguagens, apropriando-se de novos valores e conhecimentos, e a partir da experiência cultural e social do adulto, temos a possibilidade de um encontro entre ambos, baseado no confronto entre diferentes temporalidades, valores e conhecimentos, tecido no jogo das relações humanas.

Ao trazer essas discussões para a vida escolar, somos impulsionados a rever o lugar e o papel que a escola tem assumido na vida de crianças e adolescentes no mundo contemporâneo. Seria ingênuo afirmar, nos dias de hoje, a soberania da escola no processo de aquisição de conhecimentos por parte desses sujeitos. Atualmente, a escola conta com parceiros que têm participado desse processo de forma cada vez mais eficaz e sedutora do que ela própria. Hoje crianças e adolescentes estão muito envolvidos com o que se aprende na mídia – televisão, jogos eletrônicos, revistas –, onde a imagem se constitui como o principal discurso. Por outro lado, a escola, ainda muito aprisionada nas suas certezas e princípios que já não respondem aos desafios de

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nossa era, insistindo em conceber a criança e o adolescente como etapas da vida marcadas pela falta e pela precariedade, continua, na maioria das vezes, reproduzindo práticas burocráticas, inócuas e distanciadas da vida social e cultural. Por isso, pensar e propor novas alternativas pedagógicas para a educação escolar de crianças e adolescentes na contemporaneidade significa estar atento para as transformações sociais, culturais e subjetivas que têm caracterizado a nossa era. Neste sentido, os valores e conhecimentos construídos a partir dessas transformações podem e devem ser contemplados no âmbito da educação escolar, não para que sejam apenas reiterados, mas principalmente para que possam ser confrontados com outros conhecimentos e valores, permitindo, assim, uma formação humana, ética e cultural que conteste a ordem social vigente. Esse é, sem dúvida, o grande desafio da escola hoje e que, portanto, estará norteando os pressupostos teórico-metodológicos do Projeto Escola Ciclada.

2.1. A Escola Ciclada e o desenvolvimento humano: a emergência de novos paradigmas

A busca de novas formas de pensar a criança e o adolescente e seus processos de escolarização tem sido impulsionada pela emergência de uma nova geração, com subjetividades, capacidades e necessidades cada vez mais diferenciadas (Green e Bigun, 1995). Trata-se de uma geração cujas formas de subjetivação estão sendo gradativamente engendradas pela mídia, que tem se caracterizado, sem sombra de dúvida, como um dos mais fortes contextos de socialização da infância e da adolescência na contemporaneidade.

Hoje, torna-se urgente pensarmos a educação escolar cada vez mais comprometida com a vida social e cultural, voltada para o desenvolvimento da criatividade, da crítica e de posturas éticas perante o mundo. Os conteúdos escolares não podem mais ser ensinados como conhecimentos abstratos, recortados da história e da cultura em que são forjados. Cada vez mais, o raciocínio crítico precisa ser exercitado para que novos conhecimentos possam ser produzidos a partir dos que já existem. Cada vez mais, a sensibilidade e a criatividade precisam ser aguçadas, que, graças à imaginação, permitem a experimentação estética do que é aprendido, ensinado e da própria vida.

Com base nessas considerações, trazemos à tona as discussões teóricas de autores da Psicologia sociocultural (Vygotsky, Leontiev e Wallon), que apontam como paradigma para a compreensão da constituição do sujeito a centralidade da história e da cultura no desenvolvimento do psiquismo humano.

Entendendo a linguagem como atividade mediadora e estrutural das relações humanas, Vygotsky (1991a) mostra como o acesso à mesma implica em transformações ao nível das funções psicológicas. É na linguagem que o sujeito, mediante as interações sociais com outros sujeitos, planeja suas ações, reflete, representa e significa a realidade. A linguagem transita na passagem do nível interpessoal (momento das interações sociais) para o nível intrapessoal (momento em que o sujeito se apropria do que foi compartilhado e experimentado socialmente). Por isso, a consciência, para Vygotsky (1991a), é de natureza semiótica, pois constitui-se na linguagem e, portanto, na cultura. Isso, por outro lado, não exclui a sua particularidade, tendo em vista que as formas de apropriação da cultura são singulares, específicas de cada sujeito.

Para Wallon, o ser humano também atualiza-se como um sujeito eminentemente social. Assim como Vygotsky, esse autor admite a mediação social como o alicerce do desenvolvimento. A relação com o outro é, portanto, ingrediente

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indispensável para que o psiquismo se constitua. A socialização é o esteio da individualização, que se aprimora a partir da ruptura gradativa com a dependência imediata do outro. Isso, entretanto, não descarta o fato do sujeito, mesmo autônomo e sozinho, continuar nutrindo-se da cultura, “socializando-se na solidão” (Dantas, 1992, p. 97)

O desenvolvimento e a aprendizagem, segundo a abordagem sociocultural, também são concebidos como processos que se efetivam na cultura. Nesse sentido, para Vygotsky, desenvolvimento e aprendizagem interagem desde o primeiro instante de vida, uma vez que não há como se desenvolver sem a participação do aprendizado. A aprendizagem, nessa concepção, mobiliza o desenvolvimento. No entanto, não se pode fundir esses processos em um único, dadas as suas particularidades. Mesmo em constante interação, o desenvolvimento e a aprendizagem não se identificam, pois como o próprio autor afirma:

“... aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas” (Vygotsky, 1991a, p. 101).

Segundo Vygotsky (1991a), há dois níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. O primeiro refere-se às funções psicológicas cujos ciclos de desenvolvimento já se completaram, ou seja, são as atividades que o sujeito realiza sozinho, sem o auxílio de uma outra pessoa, mas, para isso, foi necessária, anteriormente, a interação com uma outra pessoa mais experiente na cultura. Já o segundo nível corresponde às funções ainda não amadurecidas, uma vez que exigem a presença de um outro mais experiente culturalmente para que se desenvolvam. A distância entre o nível de desenvolvimento real e o potencial é denominada por Vygotsky (1991a) como zona de desenvolvimento proximal, pois refere-se às funções mentais que estão em processo de maturação, ainda embrionárias no sujeito. Para ele, essas funções podem ser consideradas como os “brotos ou flores do desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento” (Vygotsky, 1991a, p. 97). É no âmbito da zona de desenvolvimento proximal que temos a intervenção da educação escolar e do professor propriamente dito, uma vez que este, como mediador entre o aluno e o conhecimento, deve preocupar-se em fazer florescer os “brotos” do desenvolvimento, mobilizando as funções psicológicos que estão por se desenvolver. Dessa forma, a aprendizagem promove o desenvolvimento, despertando conceitos, conhecimentos, valores e ações até então adormecidos.

Para melhor compreendermos o conceito de zona de desenvolvimento proximal, algumas ressalvas são necessárias. O outro com quem a criança ou o adolescente aprende, permitindo o desenvolvimento de funções psíquicas, não é apenas o adulto. Outras crianças e adolescentes também podem se constituir como mediadores nesse processo de aprendizagem e desenvolvimento, desde que sejam mais experientes culturalmente do aquele com quem interagem. Uma outra questão digna de destaque é o fato de, na sociedade contemporânea, as crianças e os adolescentes estarem também interagindo com outros virtuais, presentes na mídia (TV, jogos eletrônicos, internet,

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entre outros), que vêm promovendo mudanças significativas nas formas de pensar e experimentar a realidade. Podemos afirmar, com isso, que numa cultura em que as fronteiras entre o real e o virtual estão cada vez mais tênues há novas configurações dos processos de desenvolvimento e aprendizagem e, portanto, novas reflexões sobre o processo de construção de conhecimentos a partir dessas mediações sociais.

Com base nas questões comentadas, abordaremos os processos de desenvolvimento e aprendizagem de acordo com os ciclos propostos para a realização do Ciclo Básico de Aprendizagem, do Projeto Escola Ciclada.

2.1.1. Infância – Primeiro Ciclo

Com o intuito de percorrer caminhos alternativos aos traçados pela perspectiva evolucionista, pretendemos aqui apontar a centralidade da linguagem e da atividade lúdica no desenvolvimento da criança.

Vimos que a infância se caracteriza pela possibilidade de subverter a ordem das coisas, atribuindo outros sentidos à realidade. Com a sensibilidade e a imaginação à flor da pele, a criança, brincando com a realidade, é capaz de invadir novos terrenos, derrubar fronteiras e desfazer a rotina petrificada do cotidiano.

A criança na idade escolar, por volta dos seis ou sete anos, já passou por momentos significativos do desenvolvimento do pensamento e da linguagem. De uma fala puramente nominativa, em que a palavra é vista como parte integrante ou característica do objeto a que se refere – os nomes das coisas equivalem aos seus atributos –, à fala com significados, em que as palavras passam a ser pensadas e não apenas pronunciadas, a criança vai se embrenhando no desafio de conhecer o mundo. Como Vygotsky (1991b) ressalta, esse desafio envolve o entrecruzamento do pensamento com a linguagem, em que ambos se transformam em torno de uma tarefa específica, que é a constituição dos significados das palavras.

Na idade escolar, a linguagem e o pensamento da criança já são cúmplices do processo de generalização e compreensão da realidade, caracterizando o que Vygotsky (1991b) denomina de fala interior. Esse processo de internalização, entretanto, tem como origem as interações sociais, a partir das quais a criança vai aos poucos apropriando-se dos valores, das concepções e dos significados construídos culturalmente, constituindo, assim, o seu próprio psiquismo. A abreviação e a imposição dos sentidos sobre os significados são algumas das principais características da fala interior. Admitindo que os sentidos representam os eventos psicológicos despertados pelas palavras em nossa consciência, Vygotsky (1991b) afirma que estes são dinâmicos e contextuais, enquanto os significados são estáveis e dicionarizáveis. O sentido molda-se a partir do contexto e transforma-molda-se conforme as situações sociais e a consciência que dele se apropria, por isso, é eminentemente cultural e histórico. Já o significado remete-se aos conceitos, fixados pela cultura, que as coisas assumem.

Voltamos a afirmar o caráter expressivo da linguagem, ao admitir que a constituição dos significados envolve os sentidos, que dão vida e emoção aos conceitos. A criança, ao pensar a realidade e significá-la, o faz com desejos, emoções e motivações. Nesse processo, tanto o pensamento quanto a linguagem não são destituídos de afetividade, pois desenvolvem-se no íntimo da vida, das necessidades, dos interesses pessoais e dos desejos daquele que pensa e fala. A atribuição de sentidos aos objetos do mundo circundante é um dos mais importantes resultados do desenvolvimento, visto que, com a linguagem, a criança fala sobre o que percebe, conferindo sentidos e valores ao percebido. Assim, as funções da percepção também modificam-se.

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