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A escola como espaço de formação moral e ética: Reflexões sobre a indisciplina escolar

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA

NÁDIA MEIRELES TEIXEIRA

A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO MORAL E ÉTICA: REFLEXÕES SOBRE A INDISCIPLINA ESCOLAR

FORTALEZA-CEARÁ 2014

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NÁDIA MEIRELES TEIXEIRA

A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO MORAL E ÉTICA: REFLEXÕES SOBRE A INDISCIPLINA ESCOLAR

Monografia apresentada ao curso de graduação em Pedagogia, da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Ceará (UFC), como requisito parcial para a conclusão do curso.

Orientadora: Profª. Drª. Tania Vicente Viana.

FORTALEZA-CEARÁ 2014

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NÁDIA MEIRELES TEIXEIRA

A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO MORAL E ÉTICA: REFLEXÕES SOBRE A INDISCIPLINA ESCOLAR

Esta monografia foi submetida à apreciação da Comissão Examinadora como parte dos requisitos necessários à conclusão do curso de Graduação em Pedagogia, certificado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e encontra-se à disposição dos interessados na Biblioteca do Centro de Humanidades da mencionada instituição.

A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida, desde que seja feita em conformidade com as normas da ética científica.

DATA DA APROVAÇÃO: ____/____/____

________________________________________________ Profª. Drª. Tania Vicente Viana (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará

________________________________________________ Profª. Ms. Andréia Vieira de Mendonça

Associação Pestalozzi do Ceará

_____________________________________________ Profª. Ms. Marta Benevides Cavalcante Loureiro

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Ao SENHOR Deus, à minha família, àquele que será minha futura família e aos meus amigos, que fazem parte da minha vida e celebram minhas vitórias com se fossem as deles.

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AGRADECIMENTOS

Gratidão. Que palavra agradável! Expressa o reconhecimento de que não alcançamos nossos objetivos sozinhos e que o mérito não é todo nosso. Expressa humildade e alegria. Alegria de poder conviver com pessoas que estão dispostas a nos apoiar porque, por algum motivo, querem nos ver sorrir, nos motivar a crescer, querem amenizar nossos medos e preocupações, querem participar das nossas conquistas, querem nos ver felizes.

O que seria de nós sem essas pessoas? O que poderíamos fazer sem elas por perto? Nem sempre temos a iniciativa de agradecer pela ajuda, contribuição e companheirismo das pessoas que nos cercam. Mas, hoje, tenho em mãos uma linda oportunidade de agradecer por uma caminhada longa em que várias dessas pessoas incríveis contribuíram para minha felicidade e para conquista da minha formação no curso de Pedagogia.

Quanto a este trabalho monográfico, quero que minha professora orientadora Tania Viana saiba que ela nunca será esquecida e que seu exemplo como docente me deixou grandes marcas. Eu ainda não conheci uma professora melhor do que ela. Seu trabalho é realizado de maneira bastante competente e ao mesmo tempo amorosa. Agradeço muito por ter transformado minhas palavras de preocupação no resultado final deste trabalho, em palavras de gratidão e alegria. A motivação que me deu ao longo desses meses foi fundamental para que eu conseguisse prosseguir e concluir esta etapa. Não tenho palavras suficientes para agradecê-la!

Agradeço bastante pelo apoio e motivação que recebi da minha família, especialmente meus pais, João e Laura. Obrigada. Espero dar orgulho a vocês!

Agradeço aos meus irmãos, que tanto amo, Rafael e Alice, por terem sido uma das minhas maiores motivações para a escolha do curso e por muitas vezes, ao longo desta produção monográfica, terem compreendido minha ausência.

Pelo apoio e compreensão que recebi dos amigos que entendiam minha ausência como parte de uma etapa importante para meu crescimento: Nivaldo, Renata, Rozilda, Tânia, Tainah, meu pastor e sua esposa, Carlos e Kellen, obrigada, amo vocês.

De maneira especial, ao meu amor e amigo Luiz Fernando, na espera de um dia poder dizer: ao meu marido. Agradeço por todo estímulo, cobrança, apoio e carinho que recebi durante a construção deste trabalho. Sua ajuda e companhia foram fundamentais.

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Aos amigos que fiz ao longo do curso, que me motivaram e ensinaram bastante. Compartilhamos vários momentos preciosos. Lembro-me dos trabalhos de equipe que produzimos juntas, que foram uma rica oportunidade de troca e convivência. São pessoas muito queridas que tive a felicidade de conhecer. Em especial, agradeço à Renara Gonçalves e Rosiane Sousa, de quem recebi muita ajuda, conselhos e motivação ao longo do curso. À Amanda Moura, Ana Beatriz Souza, Gabriela de Aguiar, Glaudênia Honório, Glesiane Nogueira, Juliana Kramer, Sara Barbosa e Taiane Sales, pela amizade e carinho.

Ao corpo docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (Faced/UFC), por todo ensinamento e competência aliados ao amor pelo que fazem. Agradeço às professoras Bernadete Porto e Luciane Goldberg, pelo belo trabalho que realizam mostrando que a ludicidade e a arte enriquecem a prática pedagógica. À Rosimeire Andrade e Silvia Helena que mostraram a beleza, o valor e a importância da Educação Infantil. Ao Paulo Meireles Barguil e Ingrid Louback, por terem tido a disposição de me escutar e por seus conselhos nos momentos em que precisei. Mais uma vez, à Tania Vicente Viana, por me ensinar como procede um professor comprometido com a aprendizagem do aluno.

A todos os funcionários que nos prestaram seus serviços. Em Especial, a Alfieri e Cláudio, que sempre nos recebiam com disposição e gentileza.

Aos que contribuíram para meu ingresso no curso, meus tios Alessandra, Nicanor e Tânea, que me deram o apoio necessário para que eu chegasse até o Ensino Superior.

E por último, mas não por ordem importância, agradeço aquele que foi o responsável por tudo que citei até aqui. Ao Autor e Dono da minha vida, ao meu Deus. Que todas as conquistas que eu tiver sejam para o Louvor da Sua glória.

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RESUMO

Este trabalho monográfico tem como objetivo geral analisar a temática da indisciplina escolar. Especificamente, intenciona: i) refletir sobre a ética e a construção do juízo moral; ii) diferenciar os conceitos de indisciplina, violência, incivilidade e conflito; iii) apresentar sugestões práticas para que o professor possa lidar melhor com a indisciplina em sala de aula e na escola. Para esse propósito, foi realizado um estudo bibliográfico, sobre a indisciplina escolar, um tema de grande interesse dos professores, nos dias de hoje, devido ao amplo desrespeito observado, pelos mais jovens, às figuras de autoridade, dentre elas o professor, quando comparados ao comportamento da juventude de épocas passadas. Justifica-se este estudo também por causa da disseminação da violência, da ausência de limites verificada em crianças e adolescentes na sociedade contemporânea e da falta de maior investimento dos pais e professores na formação moral do aprendiz. O estudo sobre indisciplina comporta reflexões mais amplas sobre ética, moral, violência, incivilidade e conflito. Exploramos a indisciplina como uma atitude que está em desacordo com as regras estabelecidas e que pode ser trabalhada pedagogicamente em prol da cidadania. Diferenciamos as noções de autoridade e autoritarismo, assinalando a importância da autoridade nas interações sociais e no espaço da sala de aula. O docente ocupa o papel de uma autoridade instituída socialmente no processo formal de aprendizagem. Nesse sentido, o professor e a comunidade escolar podem intervir na formação do aluno a fim de que este atinja uma consciência autônoma sobre a importância que as regras e os princípios apresentam na qualidade das relações humanas e da vida em sociedade. Uma Educação voltada para a moral e a ética, além dos conteúdos escolares, colabora ativamente para o exercício pleno da cidadania, em que o educando se torna capaz de tomar decisões e de agir visando ao bem comum e à qualidade das relações humanas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. ... 9

1 REFLEXÕES SOBRE ÉTICA NA ESCOLA E CONSTRUÇÃO DO JUÍZO MORAL...12

1.1 Ética e juízo moral...13

1.1.1 Ética nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)...15

1.1.2 A construção do juízo moral segundo Piaget...18

1.2 Moral na escola: regras ou princípios?...21

2 INSDISCIPLINA OU VIOLÊNCIA ESCOLAR?...25

2.1 Indisciplina, violência e incivilidade...26

2.2 Conflitos na escola segundo as perspectivas de Wallon, Piaget e Freud...30

3 POSSÍVEIS INTERVENÇÕES CONTRA A INDISCIPLINA ESCOLAR ...35

3.1 Postura do professor: prática da autoridade ou do autoritarismo? ...36

3.2 Sugestões para lidar com a indisciplina na escola...41

CONCLUSÃO ... ...46

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INTRODUÇÃO

A Educação tem seu valor merecidamente reconhecido diante do seu papel fundamental na sociedade. O ensinamento dos conhecimentos formais e valores básicos da cultura são delegados à escola, com base na crença de que somente através da Educação o sujeito recebe formação básica e condições para atuar de forma plena em corpo social. Seu papel formador é inquestionável, de maneira que quase não se ouve discussões a este respeito devido à consciente valorização que esta recebe como instituição formadora e socializadora. Para La Taille, Pedro-Silva e Justo (2010), enquanto outras instituições tradicionais sofrem declínio, a escola se mantêm sólida em seus fundamentos, valorizada e preservada.

Diante disso, vemos que, sobre essa instituição, o peso de sua responsabilidade tem aumentado, visto que recebe crianças cada vez mais novas e que têm a necessidade de serem educadas e cuidadas de maneira integral. A demanda já não é mais somente de uma formação intelectual, mas também emocional, afetiva, social, política, dentre outras. O que exige um alto grau comprometimento dos profissionais envolvidos, especialmente os professores, e, em consequência, acarreta diversos desafios.

Dentre estes desafios, discutiremos, ao longo deste trabalho, sobre o que é considerado por Amos e Orem (1968) como a principal preocupação do futuro professor: a ordem e a (in) disciplina na escola. Esse tema merece a atenção de educadores, dentre muitos fatores, porque pode ser um empecilho para uma aprendizagem significativa dos alunos e motivo de estresse, condições desfavoráveis de trabalho e favoráveis ao esgotamento mental dos professores.

Não queremos atribuir somente à escola a responsabilidade sobre a educação moral dos alunos. “A escola não é a única instituição responsável pela educação moral. A família tem muito peso e os valores nela presentes podem atrapalhar, e muito, ou ajudar, e muito, o trabalho dos professores” (LA TAILLE; PEDRO-SILVA; JUSTO, 2010, p. 15). Mas sabemos que, contando com o apoio da família ou não, este desafio está presente no trabalho docente e precisamos saber lidar com ele buscando soluções efetivas.

Pensando nisso, elaboramos este trabalho a fim de que contribua para a discussão do problema da indisciplina enfrentada na escola, especialmente por professores iniciantes, que ainda não obtiveram a experiência e a reflexão necessária para enfrentar esse obstáculo

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sabendo melhor do que se trata e como pode ser contornado. As contribuições deste texto são dadas na expectativa de que o leitor sinta-se motivado a prosseguir com as pesquisas sobre a indisciplina escolar, como também a uma atenção maior à formação moral das crianças, o que exerceria grande impacto social. Ao invés de vermos professores esgotados por sua luta contra a indisciplina de sua turma, poderemos chegar ao ponto de vermos educadores engajados e comprometidos com o processor de formação da autonomia moral de seus alunos, do mesmo modo como se dedicam ao ensino dos conteúdos, e testemunharmos uma sociedade mais justa e ética, pautada pelo respeito, pelo diálogo e pela reciprocidade.

Este trabalho monográfico tem como objetivo geral analisar a temática da indisciplina escolar. Especificamente, intenciona: i) refletir sobre a ética e a construção do juízo moral; ii) diferenciar os conceitos de indisciplina, violência, incivilidade e conflito; iii) apresentar sugestões práticas para que o professor possa lidar melhor com a indisciplina em sala de aula e na escola. Para esse propósito, foi realizada uma pesquisa de natureza bibliográfica.

O primeiro capítulo intitula-se Reflexões sobre a ética na escola e a construção do juízo moral. Aborda definições de ética e moral, enfatizando-se sua importância nas relações sociais. Apresenta a concepção de ética na perspectiva dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), bem como expõe as ideias acerca do desenvolvimento do juízo moral desenvolvidas por Jean Piaget1. Reflete-se, ainda, sobre a moral na escola, por intermédio da discussão de regras e princípios (JUSTO, 2010; LA TAILLE, 2010; PEDRO-SILVA, 2010; PIAGET, 1932/1994).

No segundo capítulo, denominado Indisciplina ou violência escolar?, intenciona-se caracterizar a indisciplina escolar. Para isso, faz-se necessário diferenciá-la de situações de violência, incivilidade e conflito. No que se refere aos conflitos interpessoais, são de expressiva importância na formação do sujeito. Logo, a escola deve ser um espaço seguro que promova a resolução de conflitos de maneira ética e respeitosa (FREUD, 1925; GALVÃO, 2004; ZECHI, 2008).

1 N

o campo de investigações psicológicas sobre o desenvolvimento moral, o epistemólogo suíço Jean Piaget (1932) foi pioneiro e inovador com suas ideias apresentadas no livro O Juízo Moral na Criança. Os resultados de suas investigações possibilitaram a formulação de uma teoria psicogenética interacionista do desenvolvimento moral que indica tendências evolutivas estruturais caracterizadas pelos estágios pré-moral (anomia), de moralidade heterônoma (heteronomia) e de moralidade autônoma (autonomia) (VASCONCELOS, 2005).

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No terceiro capítulo, são abordadas Possíveis intervenções contra a indisciplina escolar. Discute-se a diferença entre autoridade e autoritarismo. A postura pedagógica do docente deve contribuir para que sua autoridade seja conquistada, não somente porque foi instituída pela escola ou pelos pais, mas pelo respeito à qualidade de seu trabalho educacional (AMOS; OREM, 1968; OLIVEIRA, 2005; PEDRO-SILVA, 2010).

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1 REFLEXÕES SOBRE ÉTICA NA ESCOLA E CONSTRUÇÃO DO JUÍZO MORAL

Em termos educacionais, a “indisciplina escolar” constitui um tema relevante. A qualidade das relações pessoais na sala de aula interfere diretamente no processo de ensino-aprendizagem. Cumpre mencionar que repercute, ainda, na saúde e bem-estar do professor em seu exercício profissional ao longo de sua carreira no magistério. O estudo dessa temática constitui uma importante ferramenta a ser utilizada pelo educador com o objetivo de aprimorar sua prática pedagógica, bem como a interação com seus alunos. No que diz respeito à aprendizagem, esta não se limita somente aos conteúdos programados, mas abrange igualmente uma formação moral.

Podemos encontrar, na literatura especializada, várias definições para a indisciplina que ocorre nas relações dentro da escola; na prática, não é difícil identificá-la. O desafio enfrentado pelos educadores reside em como manter um ambiente propício à aprendizagem e ao desenvolvimento dos alunos, sem a desordem que pode ocorrer na sala e o desgaste que ela pode gerar. Para que sejam alcançados os objetivos previstos para uma determinada aula, necessita-se de um contexto de atenção, concentração e interesse. A desordem, os conflitos, até mesmo a falta de respeito devem ser contornados e mediados pelo professor (AMOS; OREM, 1968; AQUINO, 1996; LA TAILLE, 1992, 2003).

Nesse sentido, os conflitos devem ser tratados visando à aprendizagem e ao progresso do aluno. “[...] o ambiente controla o indivíduo e limita sua atuação” (AMOS; OREM, 1968, p. 33). Contudo, essa responsabilidade que recai sobre o professor pode lhe causar uma deterioração emocional profunda, um estado de desânimo e desestímulo, dependendo da intensidade e continuidade das situações indisciplinares no cotidiano. Todos os integrantes do grupo devem assumir a responsabilidade de manter a integridade física e psicológica do ambiente. Sob o direcionamento do educador, os educandos devem estar cientes do seu dever e da sua parcela de contribuição para a harmonia das relações no meio em que se encontram. Apesar de serem livres em suas atitudes, não podem ultrapassar os limites do outro, princípio básico de uma boa convivência. Para esse propósito, convém refletir sobre os conceitos de ética e moral.

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1.1 Ética e juízo moral

As ações morais podem estar em acordo ou desacordo com as regras existentes. Os termos “moral” e “ética” são etimologicamente sinônimos. Vindo do latim e do grego, respectivamente, ambos significam costume e remetem aos costumes de um povo. Sendo totalmente necessárias ao convívio, moral e ética regulam e garantem a vida em sociedade. Referem-se à atenção do ser humano aos costumes sociais, a como agir em sociedade, como conviver com as outras pessoas. Sem elas, estaríamos fadados ao completo caos nas relações, e inclusive ao desaparecimento, pois não haveria nada que impedisse ou mediasse a desordem contínua que ocorreria através da interferência no espaço do outro. Não existiriam limites para as ações do homem nem diretrizes para seu comportamento. Não haveria nenhuma penalidade que reparasse o prejuízo da relação social que fosse assim abalada (PEDRO-SILVA, 2010).

Yves de la Taille (LA TAILLE; PEDRO-SILVA; JUSTO, 2010) oferece uma concepção diversa, assinalando que moral e ética apresentam sentidos diferentes, porém complementares. A moral estaria relacionada à obrigatoriedade das ações, às regras e normas que são culturalmente impostas com o objetivo de harmonizar as relações sociais; aquilo que deve ser cumprido. Nesse sentido, a relação social é privilegiada e prevalece sobre a ética, que é entendida como a busca da harmonia individual ou de alguma forma de felicidade através da escolha de valores. Assim sendo, enquanto a moral nos diz, por exemplo, que é proibido roubar, a ética nos aconselha a tomar atitudes fundamentadas em reflexões nas quais os valores são comparados e hierarquizados a fim de que, posteriormente, as decisões sejam tomadas. Isso é possível a um sujeito que atingiu a moral característica da autonomia.

Importa esclarecer que, se a moral se refere à dimensão da obrigatoriedade e do dever, levando em consideração a coletividade, esta deve ser superior às decisões relacionadas à esfera pessoal:

Desse modo, a lei ‘é proibido matar o próximo’, por mais que pareça natural, é uma das regras constituintes da moral de nossa sociedade; já a reflexão que se faz sobre ela relaciona-se à ética, como a sua transgressão em determinadas situações que envolvem crimes hediondos (por exemplo, homicídio ou latrocínio) (PEDRO-SILVA, 2010, p. 58-59).

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Um professor interessado no desenvolvimento moral dos seus alunos deve estar atento às situações de conflito que ocorrem naturalmente no grupo e observar em quais momentos uma reflexão sobre uma determinada atitude incoerente, que prejudica a qualidade das relações interpessoais, deve ser discutida entre eles. Essa discussão pode levá-los a refletir sobre quais valores são indispensáveis e devem, portanto, ser priorizados. Se em dada situação, por exemplo, uma pessoa pondera sobre as virtudes que lhe são essenciais e depois decide pelo que lhe trará um benefício imediato em detrimento da obediência a alguma norma, esta atitude é caracterizada como culpável, por causa da transgressão à regra. Mas se a mesma atitude for tomada com vistas à sobrevivência e/ou em legítima defesa, ainda se torna digna de condenação? Observa-se, desse modo, que as reflexões sobre moral e ética envolvem elementos atenuantes e agravantes, a serem considerados em cada caso.

Mas “Para que a ação seja moral, ela tem que estar racionalmente de acordo com um princípio que o sujeito acredite ser universal” (ARAÚJO, 1996, p. 105). Essa ideia de princípio universal é descrita na obra do filósofo iluminista Immanuel Kant2 (1724–1804) denominada Fundamentos da metafísica dos costumes (1785), em que Piaget (1896–1980) se baseou para utilizar em sua teoria. Trata-se de analisar as ações sob duas perspectivas: categórica e hipotética. Para Kant, apenas o imperativo categórico tem valor moral, pois é válido universalmente e independe de situações que a tornem moralmente aceitável. A ação, nesse caso, deve ser feita não como um meio de se atingir um fim particular, ou um interesse próprio, mas como um fim em si mesmo. Racionalmente, a ação é executada porque se tem consciência de que é o correto a ser feito e que seu princípio é universal, sendo válido para toda a humanidade. Podemos tratar a humanidade ou um indivíduo como um outro “eu”, colocando-nos em seu lugar.

O imperativo hipotético representa uma ação como um meio para se atingir, na verdade, um outro fim. Não são atitudes baseadas em princípios universais, mas vinculadas a situações específicas, com uma intenção de atingir outro objetivo. Para Kant, essa ação não terá valor moral. É o caso da coação. “Esse tipo de ação do imperativo hipotético, que ocorre

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Em sua obra, o filósofo Immanuel Kant busca demonstrar que o homem deve ter um lugar de destaque na natureza por ser dotado de uma capacidade racional que o diferencia dos demais membros, e que tem fundamento na ideia da Liberdade, sendo esta última dada a conhecer pela própria Lei Moral (FERNANDES, 2007).

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por pressão externa (do outro e da sociedade) e que nos leva a agir por interesses próprios, desejos ou inclinações pessoais, é chamado por Kant de heteronomia” (ARAÚJO, 1996, p. 106). Percebemos então que, se um sujeito acata regras por coação externa através do respeito unilateral, com o propósito de preservar a relação de afeto com o outro ou por medo de ameaças e sanções, suas ações não são, na verdade, morais, pois estaria obedecendo a tais regras por motivações, com efeito, externas a ele.

As reflexões aqui expostas sobre moral e ética são tidas como uma relevante ferramenta pedagógica e incentivadas pelos profissionais da Educação que elaboraram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Esse documento também partilha da ideia de distinção entre os termos moral e ética (BRASIL, 1997).

1.1.1 Ética nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)

Este documento foi elaborado com a intenção de dar suporte aos educadores e oferecer uma base para dirigir trabalhos nos níveis de ensino Infantil, Fundamental e Médio sobre ética, um dos temas transversais trabalhados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1997). Nesse material, professores e gestores encontram orientações disponíveis, que contribuem para uma ação pedagógica embasada em reflexões sólidas sobre a ética e a moral. O objetivo da moral é entendido como o de garantir a vida em sociedade.

Esse tema não é obrigatório ao currículo escolar, mas entendemos ser essencial trabalhar questões sociais visando à formação integral do aluno e assim contribuindo para sua participação cidadã na sociedade. É muito importante que as crianças tenham acesso, desde cedo, ao conhecimento de que todos devem ter sua dignidade respeitada. “Os conteúdos apresentados aqui estão referenciados no princípio da dignidade do ser humano, um dos fundamentos da Constituição brasileira” (BRASIL, 1997, p. 69).

O material é bastante rico e oferece apoio aos professores, que o utilizam como fonte para a pesquisa e discussão do tema. Sua linguagem é simples e engloba uma série de informações contextualizadas e contemporâneas que norteiam o trabalho feito na escola,

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trazendo a proposta de que sejam realizadas atividades que possibilitem o desenvolvimento da autonomia moral, bem como de reflexões sobre ética. Para isso, quatro blocos de conteúdo foram escolhidos a fim de darem suporte a esse trabalho, que são: “[...] Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo e Solidariedade, valores referenciados no princípio da dignidade do ser humano, um dos fundamentos da Constituição brasileira” (Op. cit., p. 26).

O conceito de ética, nesse documento, postula que: “A Ética diz respeito às reflexões sobre as condutas humanas. A pergunta ética por excelência é: ‘Como agir perante os outros?’ Verifica-se que tal pergunta é ampla, complexa e sua resposta implica tomadas de posição valorativas” (BRASIL, 1997, p. 26).

O objetivo do documento é o de trazer reflexões acerca de princípios, e não de regras, sobre a conduta do ser humano diante de situações do cotidiano e da convivência social. As discussões sobre tais situações possibilitam que o senso de moral e os valores sejam construídos e contribuam para o desenvolvimento do senso de justiça. “Parte-se do pressuposto que é preciso possuir critérios, valores, e, mais ainda, estabelecer relações e hierarquias entre esses valores para nortear as ações em sociedade” (Op. cit., p. 26). Esse estímulo à reflexão deve ser mediado pelo professor, conversando sobre as ideias do seu grupo de maneira coerente e democrática.

Além de discussões com base em teorias sobre moral e ética, também encontramos, nos PCNs, o incentivo ao uso do que reza a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, utilizando-a como fonte de pesquisa sobre cidadania, direitos e deveres morais. Os trechos que discorrem sobre questões morais são mencionados com a intenção de instruir os professores a fazerem uso também desse documento em sala de aula. Dessa maneira, os alunos serão incentivados ao cumprimento de seus deveres, bem como à observação de seus direitos, tomando como fundamento as determinações expressas na lei, cujo objetivo maior é organizar a sociedade e sua conduta de maneira democrática. Exemplo disso ocorre quando exigimos dos alunos que respeitem a todos, sem qualquer distinção de origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação; nesse caso, podemos nos reportar ao Artigo 5º da Constituição Federal que resguarda essa exigência (BRASIL, 2007).

Certamente, há um peso maior para uma criança que tem a oportunidade de ter o conhecimento de que existem regras que regem os atos das pessoas e o porquê dessa

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necessidade em comparação à criança que somente ouve de um adulto orientações sobre o que não se deve fazer; por exemplo: não bater no colega mesmo que se tenha raiva dele no momento, sem maiores explicações, sem a oportunidade de compreender o sentido dos direitos e deveres para a convivência em sociedade.

Há uma carência na formação, tanto inicial quanto continuada, dos professores com relação a estudos sobre questões morais, indisciplina e resolução de conflitos. Em geral, os docentes reconhecem a necessidade de pesquisar sobre esses temas apenas quando se encontram diante de situações conflituosas que os obrigam, apressadamente, a buscar o conhecimento necessário para auxiliar na solução desses problemas. Ocorre que, com a urgência do problema, de modo geral, professores acabam por recorrer ao senso comum. Intervir em situações conflituosas e lidar com a indisciplina são questões que qualquer escola, turma ou professor estão sujeitos e os educadores devem estar preparados para isso. Concordamos que a formação moral guarda tamanha importância que deveria fazer parte do currículo obrigatório dos cursos de formação pedagógica.

Diante do exposto, o que percebemos é que a indisciplina está diretamente ligada à moralidade, tema que deve ser analisado mais profundamente se quisermos encontrar a raiz do problema e as atitudes necessárias para enfrentá-lo. O epistemólogo Jean Piaget (1896– 1980) buscou esclarecer, em seus estudos, que características apresentava o juízo moral no decurso do desenvolvimento cognitivo. A esse respeito, um questionamento se impõe: como a consciência chega a respeitar as regras? O estudioso constatou que essa conscientização se deve a um caminho psicogenético3 na construção ativa dessas noções a partir das relações que o sujeito estabelece com o meio (ARAÚJO, 1996; LA TAILLE, 1992; PEDRO-SILVA, 2010).

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1.1.2 A construção do juízo moral segundo Piaget

Em sua obra O juízo moral na criança (1994)4, o epistemólogo e psicólogo Jean Piaget (1896–1980) elabora concepções para uma melhor compreensão de como o juízo moral se desenvolve e a consciência atinge progressivamente a noção de respeito às regras. As relações interpessoais, no que diz respeito à moral, evoluem da coação para a cooperação. Na visão do estudioso, a moral, assim como a inteligência, não é uma capacidade inata do ser humano e, por isso, a interação entre o sujeito e o meio, suas experiências e relações sociais são de fundamental importância para a sua construção. Essas relações contribuem para o desenvolvimento do sujeito em direção ao estágio da autonomia, quando existe a consciência de que as regras regulam a convivência social e a compreensão de que o ponto de vista do outro deve ser levado em consideração nas decisões e ações morais realizadas (ARAÚJO, 1996; LA TAILLE, 1992, 2003; PEDRO-SILVA, 2010).

Para Jean Piaget, “[...] a moral diz respeito a um conjunto de regras e valores que têm por função regular as relações entre as pessoas numa dada sociedade” (PEDRO-SILVA, 2010, p. 58). Da mesma maneira que a inteligência, a moral se desenvolve, sendo construída pela ação do sujeito no meio. Piaget elaborou uma teoria sobre o desenvolvimento do juízo moral da criança que se tornou referência para pesquisas e estudos sobre o tema. Constatou que a moral se desenvolve em um percurso caracterizado por três fases: i) anomia, ii) heteronomia e iii) autonomia (ARAÚJO, 1996).

Essas etapas são desenvolvidas a partir da interação com o mundo físico e social na forma de experiências vividas pelo indivíduo que o fazem construir noções de respeito e justiça. Nas relações em que as regras sociais são estabelecidas e nos ambientes onde a criança interage com outros - como na família, comunidade, igreja e escola - essas noções vão sendo construídas e aperfeiçoadas, até que o sujeito seja capaz de conceber as regras e agir de acordo com elas, de tal modo que os outros sejam levados em consideração na decisão e execução de uma ação moral.

A primeira etapa, a anomia, é caracterizada pela ausência de compreensão das regras por parte da criança. Um bebê recém-nascido, por exemplo, não tem condições cognitivas

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suficientes que o possibilitem reconhecer qualquer regra. Não sabe o que é certo ou errado, o que deve ou não ser feito. O sufixo “nomia” vem do grego “nomos” e significa regra. O prefixo “a” se refere à negação ou ausência (LA TAILLE, 1992, 2003).

A heteronomia é a primeira fase da consciência moral. O prefixo “hetero” significa vários. Entende-se a heteronomia como um estado em que a criança já demonstra consciência de que existem regras que regulam a convivência social e que estas precisam ser seguidas. Sabe que existem coisas que devem ou não ser feitas, mas quem as determina e lhes impõem essas condições são os outros, os adultos circundantes.

A criança começa a perceber a existência dessas regras, geralmente, através da coação exercida pelas pessoas mais velhas. Através de ameaças de punições físicas ou psicológicas, as crianças são obrigadas a seguir as regras que foram anteriormente determinadas. No caso da heteronomia, as regras e deveres que a criança aceita cumprir, muitas vezes em desacordo pessoal com as mesmas, não são compreendidas como necessárias, mas são cumpridas porque lhes foram impostas por adultos.

Nessa perspectiva:

A relação de coação, como seu nome indica, é uma relação assimétrica, na qual um dos pólos impõe ao outro suas formas de pensar, seus critérios, suas verdades. Em uma palavra, é uma relação onde não existe reciprocidade. Pode-se também dizer que é uma relação constituída, no sentido de que suas regras são dadas de antemão, e não podem nem devem ser construídas pelos diferentes participantes (eles não podem ser ‘legisladores’) (LA TAILLE, 1992, p. 58-59, grifo do autor).

Essa relação de que há obediência da criança ao adulto por coação ocorre devido ao respeito unilateral. Apenas um dos lados, no caso o do adulto, detém as condições necessárias e o domínio para a imposição das regras. A submissão das crianças é motivada pelo afeto que se associa ao medo. O interesse da criança em obedecer, durante essa fase, está ou na ideia de preservar a relação afetiva com o adulto, porque o admira, ou pelo medo das punições; na verdade, por ambos, o que caracteriza uma moral de submissão.

A partir dos dois anos de idade, as crianças são introduzidas no mundo da moralidade e passam, aos poucos, a reconhecer os valores, as regras, o que é certo e o que é errado. Nesse estágio, as crianças apenas seguem as normas que lhes são impostas sem considerar seus princípios, sem que haja uma maior reflexão das ações, assim como também não levam a intencionalidade dos fatos em consideração. Deve-se cumprir o que é dito pelos pais ou

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adultos com quem a criança convive e nutre alguma relação afetiva por eles. Não há uma necessidade de consciência ou reflexão: o certo é o cumprimento das regras (LA TAILLE, 1992, 2003).

A moral é guiada pela percepção, pelo concreto, e não pela intencionalidade da ação. A responsabilidade pelos atos depende das consequências diretas observadas, dos resultados, mas não da motivação das ações. Se questionarmos uma criança heterônoma sobre alguma situação de culpa, esta será avaliada pelo resultado concreto da ação e não por sua intenção. Um exemplo dado por La Taille (2003) é o de que uma criança heterônoma considera mais culpada uma pessoa que quebrou dez copos sem a intenção, do que outra que tenha quebrado somente um copo, porém com a clara intenção de quebrá-lo.

Durante a moral heterônoma, a criança passa a refletir sobre o sentido das regras e proibições, passando a compreender, aos poucos, sua necessidade e dando importância à noção de justiça. No estágio seguinte, da autonomia, o sujeito começa a estabelecer relações de respeito mútuo em que entende o valor das regras para a convivência social, sendo capaz de decidir suas ações levando em consideração os outros, a partir de suas relações interpessoais. Nessa ocasião, a coação dá lugar à cooperação, quando não há mais necessidade de uma obediência pelo medo e a relação de respeito é mútua.

Assim sendo:

As relações de cooperação (co-operação, como às vezes escreveu Piaget para sublinhar a etimologia do termo) são simétricas; portanto, regidas pela

reciprocidade. São relações constituintes, que pedem, pois, mútuos acordos

entre os participantes, uma vez que as regras não são dadas de antemão. Somente com a cooperação, o desenvolvimento intelectual e moral pode ocorrer, pois ele exige que os sujeitos se descentrem para poder compreender o ponto de vista alheio. No que tange à moral, da cooperação derivam o

respeito mútuo e a autonomia (LA TAILLE, 1992, p. 59, grifo do autor).

O caminho que a moral percorre em direção à autonomia será mais estimulado quanto mais situações de respeito mútuo e cooperação existirem nas relações. Esse processo de desenvolvimento da moral ocorre gradualmente, sendo proporcional à socialização, seja em relação às pessoas adultas, seja em relação a outras crianças. Aos poucos, as relações deixam de se basear na obediência e passam a ser baseadas na reciprocidade e no sentimento de respeito mútuo que dá origem a uma moral de cooperação.

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Na moral da autonomia, o sujeito já sabe que existem regras, mas não depende mais de uma pressão externa para a compreensão de suas razões e seu consequente cumprimento. A fonte das regras reside agora nele próprio, pois já desenvolveu um ideal interno que o orienta a agir de maneira autônoma de acordo com o bem comum. Por isso o prefixo “auto” (ARAÚJO, 1996).

Atingir a moral autônoma significa que o indivíduo saiu do seu estado de egocentrismo5, característico da heteronomia, para cooperar de maneira consciente e racional com os outros e submeter-se, ou não, às regras sociais, conforme seu juízo autônomo. É a meta do desenvolvimento moral. O indivíduo passa a reconhecer e entender o sentido das seguinte, intitulado operacional concreto, entre sete a doze anos, a construção de um pensamento baseado na lógica permite a superação do egocentrismo intelectual (PIAGET, 2001).normas e a avaliá-las segundo seu contexto, regulando sua conduta voluntariamente.

Se o objetivo for o de cooperar para a construção de uma autonomia de pensamento que faça com que o aluno analise as regras com base em princípios de reciprocidade e respeito mútuo de maneira consciente, racional, certo de que tais regras são justas, faz-se necessário que as relações não envolvam coação e respeito unilateral, sendo a moral de cooperação e o juízo autônomo estimulados. Certamente, esse caminho não é o mais simples e demanda esforço e comprometimento por parte do professor. Caso a perspectiva do educador seja a da obediência às normas impostas por coação externa, o juízo heterônomo será ainda mais reforçado (LA TAILLE, 1992, 2003; PIAGET, 2001).

1.2 Moral na escola: regras ou princípios?

Podemos notar que, de maneira geral, a escola não dá a devida importância à formação moral dos alunos e que há um certo descaso com relação a essa formação. Havia, no Brasil (1969), uma disciplina chamada “Educação Moral e Cívica”, que surgiu de um

5 Na teoria piagetiana, o conceito de egocentrismo se refere à incapacidade cognitiva de se colocar no ponto de vista do outro, o que ocorre no estágio denominado pré-operacional, entre dois a sete anos de idade (PIAGET, 2001).

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regime ditatorial e autoritário6 para a formação das crianças e dos jovens. Com o passar dos anos, essa disciplina foi extinta, porém nenhuma disciplina a substituiu a fim de orientar os alunos sobre questões relativas à sociedade sob uma ótica moral. Para La Taille (LA TAILLE; PEDRO-SILVA; JUSTO, 2010, p. 14), isso demonstra que a moral é um valor que não está ocupando o lugar devido em muitas escolas. Na hierarquia de valores, estão deixando-a em um lugar de inferioridade, como se essa questão não tivesse a grande importância que, na verdade, apresenta, evidenciada através dos problemas de ordem moral que surgem nas escolas e do grande interesse dos professores sobre essa temática.

A moral diz respeito às relações sociais e estas estão naturalmente presentes na escola. Por causa disso, de uma maneira ou de outra, as questões morais são sempre discutidas e trabalhadas na instituição. O que ocorre é que, nesses casos, o assunto é tratado em situações pontuais, utilizando-se das regras. Isso restringe a discussão e o conhecimento do tema apenas a conversas circunstanciais, que nem sempre são eficientes.

La Taille (Op. cit.) faz uma comparação bastante interessante sobre as regras e os princípios. O autor promove uma reflexão sobre as limitações das regras e como estas podem ser superadas pelos princípios. Explica que as regras apresentam duas limitações, quais sejam: não existem regras suficientes para normatizar todas as situações pelas quais podemos passar; e a regra nos diz o que fazer, mas não o porquê de fazê-lo. A regra é uma formulação verbal, que nos diz precisamente, e sem ambiguidades, o que devemos ou não fazer. Os princípios, porém, nos permitem formular nossas próprias regras, fundamentados em orientações gerais que não nos dizem como agir, mas “com base em quê” devemos agir.

Uma vez que uma situação conflitante não for reprovada por nenhuma regra preestabelecida, podemos fazer uso dos princípios para julgá-la. Para esclarecer, utilizaremos exemplos. Exemplos de regras: “não matar”, “não furtar”, “não agredir fisicamente”. Aqui estão claras atitudes que não devem ser tomadas. Mas, por maior que seja a quantidade existente de regras, não poderemos conceber ou preestabelecer todas as situações que podem surgir nas relações interpessoais. Por outro lado, temos exemplos de princípios como: “respeitar uns aos outros”, “ser honestos com todos”, que não nos dizem com exatidão o que fazer, mas nos dão condições para elaborarmos nossas regras de acordo com a moral e a ética.

6 Golpe militar ocorrido no Brasil em abril de 1964. Os militares destituíram o presidente João Goulart e ocuparam o poder, erguendo no país um poderoso sistema de repressão e controle (COUTO, 2003).

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Esse tipo de construção leva ao pleno desenvolvimento da moral da autonomia, pois incentiva a elaboração interna de normas com vistas à qualidade das relações sociais.

Pode ocorrer que o excesso de proibições, na verdade, leve as pessoas à desobediência. O que, muitas vezes, vemos na escola é que há uma grande quantidade de imposições, regimentos e regras, porém pouca importância é conferida aos princípios que regem tais regulamentos. A importância da utilização das regras é genuína, porém sua existência não é suficiente. A discussão dos princípios e valores também deve ser uma realidade constantemente presente na escola. Em vez de busca imediata por mais regras, pode-se discutir as relações interpessoais, as responsabilidades de cada um, os princípios e virtudes que dão sentido à vida e contribuem para a harmonia das relações e a boa convivência (LA TAILLE; PEDRO-SILVA; JUSTO, 2010, p. 14).

Para La Taille, (Op. cit, p.14) “[...] o poder de convencimento da moral está nos princípios e não nas regras”. A escola pode escolher seus próprios princípios, como justiça, respeito, igualdade, dignidade e apresentá-los aos alunos, esclarecendo a importância que têm para o convívio em grupo. Com base nesses valores, todos devem administrar suas decisões e atitudes. Quando um dos princípios for ferido por um aluno, uma intervenção deve ser feita e, posteriormente, pode haver uma conversa, debate ou reunião que decida pela necessidade de criação de uma regra que contribua para a garantia de determinado princípio. Realizar um trabalho como esse é contribuir para a autonomia moral dos estudantes.

Diante do exposto, podemos concluir que a moral e a ética são aprendidas. São compreensões que vão sendo construídas e que são de responsabilidade da sociedade e de suas instituições, e não somente da escola. Contudo, duas instituições sociais sobressaem nesse sentido: a família e a escola.

Para garantir a harmonia nas relações humanas é necessário que a moral e a ética estejam presentes, pois estas regulam o comportamento orientado para o bem comum, para a qualidade das interações sociais. A construção do juízo moral é também a conscientização dessa importância. O respeito às regras é essencial para a convivência em sociedade. No contexto escolar, os professores devem estar cientes de qual etapa da construção da moral seus alunos se encontram e, a partir dessa observação, contribuir e mediar as situações que ocorrem no interior da escola, com vistas ao avanço e progresso moral dos educandos.

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Entendemos que a meta da moralidade, na concepção de Piaget, é o estágio da autonomia; compreendemos isso ao analisarmos o caminho que a moral percorre. Da mesma forma, podemos analisar as causas da resistência às regras e a ausência da preocupação com o bem estar social. Essas informações nos levam a uma melhor compreensão da indisciplina escolar (AQUINO, 1996; LA TAILLE, 1992, 2003; PEDRO-SILVA, 2010).

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2 INDISCIPLINA OU VIOLÊNCIA ESCOLAR?

As ideias sobre indisciplina não são consensuais por causa da complexidade do assunto e multiplicidade de interpretações sobre o tema. O próprio conceito está sujeito à variação dos valores e expectativas entre as diferentes culturas, classes sociais ou instituições ao longo da história. Na literatura especializada, não se observa um consenso entre os estudiosos sobre a diferenciação dos conceitos de indisciplina e de violência escolar.

Concordamos com autores como Charlot (2002) e La Taille (2001), que diferenciam os termos indisciplina e violência, além de nos apresentarem outro, denominado incivilidade; os conceitos são caracterizados de maneira clara e coerente. O objetivo deste capítulo será explorar essas concepções e oferecer esclarecimentos sobre os diferentes tipos de conflitos aos quais a escola está sujeita.

Uma sala de aula é composta por indivíduos diferentes que se relacionam em certo nível de convivência. As relações interpessoais passam, com frequência, por momentos de tensão ou desarmonia. O sociólogo Durkheim (1858-1917)7 esclarece que atitudes que não tomaríamos em particular são facilmente tomadas em grupo, devido à coerção externa que ocorre quando estamos reunidos. Em todas as relações sociais, estamos sujeitos a esse poder de coerção externa, ainda que de maneira inconsciente. Assim sendo, com frequência, acreditamos ter desenvolvido alguma atitude que, na verdade, foi-nos imposta exteriormente.

As definições apresentadas neste capítulo têm o objetivo de oferecer esclarecimentos e expor informações, estudos e teorias a respeito das condutas violentas que podem ocorrer na escola. Desse modo, podem ser relacionadas pelos profissionais da instituição com a realidade em que se deparam e podem ser repensadas formas para amenizar tais situações.

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2.1 Indisciplina, violência e incivilidade

As relações interpessoais fazem parte do processo de desenvolvimento e aprendizagem. No ambiente escolar, temos a tarefa de socialização secundária, onde o ensinamento dos conhecimentos e valores básicos da cultura é mediado por meio da convivência em sociedade. Muitas vezes, a família, que é a instituição social primária, não preza pela responsabilidade da formação humana da criança. Por vezes, a escola vem então suprir essa função (ZECHI, 2008).

A escola representa um importante papel como instituição social disciplinadora: Às crianças faltam qualidades morais e consideração em relação aos interesses dos outros; os adultos devem suprir essa ausência transformando as crianças, por meio da socialização, em seres sociais e morais, sendo que o espaço apropriado para disciplinar a criança é a escola com um sistema de regras que determina sua conduta (ZECHI, 2008, p. 19).

Amos e Orem (1968, p. 30) definem a disciplina como um “[...] processo que procura conseguir o domínio que cada um deve ter de si próprio e do ambiente circundante”. A liberdade individual é assim demarcada, visto que não podemos ultrapassar certos limites que são, com efeito, uma proteção para nós próprios. O autor advoga a importância do aluno pensar sobre a autodisciplina, estimulando-o a se desenvolver moralmente. A pessoa disciplinada é aquela que tem domínio de si própria e do meio circundante. Ao invés de estar sempre sendo cobrada, ainda que acate as ordens, sua meta é alcançar um nível moral de autonomia ou autodisciplina, em que o ideal interno ofereça condições para que o bem comum seja privilegiado sobre seus interesses individuais.

Em oposição, “Costuma-se compreender a indisciplina, manifesta por um indivíduo ou um grupo, como um comportamento inadequado, um sinal de rebeldia, intransigência, desacato, traduzida na ‘falta de educação ou de respeito pelas autoridades’, na bagunça ou agitação motora” (REGO, 1996, p. 85). Para Pedro-Silva (LA TAILLE; PEDRO-SILVA; JUSTO, 2010, p. 60), indisciplina é “[...] toda ação moral executada pelo sujeito que está em desacordo com as leis impostas ou construídas coletivamente, tendo o indisciplinado consciência ou não deste processo de elaboração”. A indisciplina é uma ação que pode tornar

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o ambiente conflituoso e talvez caótico se o professor não souber lidar com a situação de maneira equilibrada.

Camacho (2001, p. 128 apud ZECHI, 2008, p. 17), não concebe a dissociação entre a violência e a indisciplina. “A violência se confunde, se interpenetra, se interrelaciona com a agressão de modo geral e/ou com a indisciplina”.

Para Justo (LA TAILLE; PEDRO-SILVA; JUSTO, 2010, p. 44), a violência se caracteriza quando há força, poder, coação sobre o outro. Seu conceito é traduzido no:

Uso arbitrário da força sobre outrem ou imposição arbitrária da vontade de um sobre o outro mediante o uso de qualquer instrumento de poder, seja a força física, a coação psicológica ou qualquer outro tipo de submissão produzida numa relação assimétrica e que converta a diferença numa condição de desigualdade, inferioridade e impotência.

Para esses autores, a violência é um ato de desrespeito, que pode ser gerado em situações opressoras em que o outro se sente obrigado a agir de forma submissa à condição que lhe foi imposta coercitivamente. Esse tipo de situação ultrapassa o limite das relações e prejudica a convivência social e/ou interpessoal drasticamente (LA TAILLE; PEDRO-SILVA; JUSTO, 2010; ZECHI, 2008).

Ao pensarmos em violência no contexto escolar, podemos refletir sobre os tipos de relações interpessoais que ocorrem e em quais deles essa opressão pode acontecer. Se resumirmos os personagens desse quadro aos que representam a sala de aula, temos os alunos de um lado e o(s) educador(es) do outro. As atitudes de violência podem partir de ambos os lados, embora nosso enfoque seja a que é praticada pelo aluno contra outro aluno ou contra o professor.

Quando se fala em violência escolar, costumamos nos lembrar de cenas em que alunos, que não têm qualquer senso de respeito à integridade moral e mesmo física de colegas ou professores, como também ao patrimônio físico da escola, chegam ao ponto de desrespeitar e agredir o outro sem externar sentimento de culpa. As situações de agressões físicas e verbais, medo, opressão, descontrole e completa falta de limites são exemplos que presenciamos ou ouvimos de professores.

As situações de violência e indisciplina podem variar bastante a depender de seu contexto e dos sujeitos envolvidos. Nenhuma turma será homogênea e os indivíduos que a constituem em conjunto formam uma determinada turma com características próprias. “Há

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muitos processos, interiores ou ambientais, que permitem ao indivíduo desenvolver-se pelo caminho que lhe é próprio. Estes processos implicam experiências que modelem tanto a personalidade como o organismo físico” (AMOS; OREM, 1968, p. 52).

Podemos, inclusive, destacar esse fato como um dos motivos que impedem que haja uma fórmula ou receita para aniquilar o problema da indisciplina e da violência na escola. Cada grupo é formado por sujeitos com seu modo próprio de pensar, que receberam uma criação familiar particular, que vivenciaram experiências diferentes, ou seja, que detêm suas particularidades. Estes formam uma comunidade heterogênea, que deve ser analisada e investigada, considerando suas singularidades, se quisermos realizar um trabalho de formação moral com o objetivo de amenizar as ocorrências indisciplinares ou violentas.

Na concepção de Chauí (1998, p. 33-34 apud ZECHI, 2008, p.18), a violência é assim delimitada:

Violência vem do latim vis, força, e significa: 1. tudo o que abrange a força para ir contra a natureza de algum ser; [...], violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, pelo medo e pelo terror.

Vemos presente, nessa explicação, o uso da força, da brutalidade, da provocação de dano ao outro. Contudo, encontramos um problema quanto ao limite entre o que seria a violência, como um ato de criminalidade ou delinquência se comparado a pequenas transgressões e/ou atos indisciplinares. Ao entendermos esses termos como distintos, temos que compreender onde reside a diferença. “Aqui se dá a confusão entre violência e indisciplina, pois o entendimento dos atos vivenciados no meio escolar como violência, delinqüência ou atitudes indisciplinares depende dos agentes envolvidos e das relações sociais que se estabelecem” (ZECHI, 2008, p.18).

Charlot (2002, p. 28) apresenta a seguinte classificação sobre três diferentes níveis de violência escolar:

1. Violência: golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismos; 2. Incivilidades: humilhações, palavras grosseiras, falta de respeito; 3. Violência simbólica ou institucional: compreendida como a falta de sentido de permanecer na escola por tantos anos; o ensino como um desprazer, que obriga os jovens a aprender matérias e conteúdos alheios aos seus interesses.

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Vemos que, para o autor, a violência está caracterizada pela presença de força, do poder e da dominação. Já as incivilidades estão relacionadas a uma violência verbal, que gera discussões que acabam por prejudicar a harmonia do grupo e o equilíbrio nas relações, mas que podem ser classificadas como um tipo de violência mais leve, uma microviolência.

O conceito de incivilidade surgiu a partir das ideias do sociólogo alemão Nobert Elias (1897–1990), que estudou o processo civilizatório e a violência escolar na França. De modo geral, refere-se a atos indisciplinares que ocorrem no contexto escolar, de maneira que não se confundam com atos criminosos ou delinquentes, ou a categorias de violência regidas pelo código penal. São pequenas violências ou pequenas agressões que se repetem cotidianamente, como a falta de civilidade, desrespeito ao outro, violações dos códigos de boas maneiras, desordem, perturbação, falta de cooperação para a boa convivência do grupo, falta da ética de reciprocidade. São entendidos como formas leves de violência e, dependendo da intensidade e constância, podem transformar a instituição escolar num ambiente caótico. Costuma causar um forte desgaste emocional nos professores que se veem diante dessa situação, muitas vezes, fora de seu controle (ZECHI, 2008).

Porém, há um esclarecimento válido, feito por GARCIA (2006, p. 125), de que ocorrências de incivilidade nem sempre são indisciplina pelo fato de que algumas situações não estão em desacordo com regras preestabelecidas. Vejamos:

[...] algumas formas de ‘bagunça’, devido a sua pouca gravidade e previsibilidade, seriam incivilidades, e nem tanto indisciplina, no sentido de romper com regras de algum contrato pedagógico, ou mesmo em relação a alguma expectativa expressa no regimento escolar. [...] as chamadas incivilidades não rompem, necessariamente, com acordos, regras e esquemas pedagógicos. Antes, rompem com expectativas do que pode estar sendo tacitamente esperado como boa conduta social (GARCIA, 2006, p. 125).

Com frequência, os atos de incivilidade não são mediados, sendo mesmo ignorados, porque, em sua maioria, ocorrem entre os pares (pessoa de mesma idade), passando uma ideia errônea de que respeito só se deve oferecer a algumas pessoas, com alguma autoridade ou poder: no âmbito da escola, seriam os professores, gestores e funcionários em geral. A indisciplina, nesse caso, surge quando as incivilidades afetam diretamente o conteúdo estudado.

Convém assinalar que os fatores que são analisados, para as definições de indisciplina e violência são bastante diversificados, dependentes da relação e do contexto em que

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ocorrem; e exigem um exame minucioso para suas conclusões e classificações. Nessas variações, reside a dificuldade em conceituar a violência de modo absoluto. De qualquer modo, é imperioso zelar pela ética e pela disciplina na escola em benefício da aprendizagem e da qualidade das relações sociais.

2.2 Conflitos na escola segundo as perspectivas de Wallon, Piaget e Freud

Para a professora, pesquisadora e autora Izabel Galvão (2004), baseada nas ideias Wallon (1879-1962)8, o conflito é inerente ao ser humano e necessário à vida psíquica. Ela defende o papel dos conflitos na construção das relações com o meio social, porém esclarece que este termo não deve ser confundido com violência. “Embora comumente encarado como negativo e destruidor, o conflito é necessário à vida psíquica, como à dinâmica social” (GALVÃO, 2004, p. 15).

Os conflitos são, na verdade, situações de oposição, que podem ser expressas por diferentes condutas. Ocorrem de forma natural, cotidiana e inevitável nas relações interpessoais. Mas o que deve ser ressaltado é a maneira como as condutas de oposição são expressas. Estas devem se submeter a certos limites que a cerceiam; esses limites são as regras e os princípios, que regulam a vida em sociedade. Um exemplo simples disso seria quando deixamos claro pra uma criança que ela tem o direito de se opor e até de sentir raiva de alguém, contudo lhe é proibido agredir (física, verbal ou moralmente) o sujeito alvo dessa raiva, pois essa atitude fere a regra de violação da integridade física ou psíquica do sujeito (CHARLOT, 2002; GALVÃO, 2004; LA TAILLE, 2001).

É válido esclarecer que os conflitos são naturais e inerentes ao ser humano no âmbito das relações sociais e interpessoais. Podemos, inclusive, dizer que são necessários para o

8 Henri Wallon (1879-1962) foi médico, psicólogo e político, marxista convicto. Desenvolveu uma teoria psicogenética que aborda a pessoa completa, em seus aspectos motores, afetivos e cognitivos. Acreditava que o homem constrói sua identidade a partir das relações sociais em um movimento variável, conflituoso e caracterizado por transformação mútua.

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aperfeiçoamento da qualidade nas relações. A habilidade em administrar conflitos é uma ferramenta valiosa para a vida em sociedade (GALVÃO, 2004).

O convívio em grupo nos exige uma capacidade para lidar com objeções, obstáculos, oposições e situações inesperadas em que devemos estar preparados para expressar nossa opinião e decisão de maneira ética, respeitando o outro e as regras que nos são impostas. Essa capacidade é inicialmente construída na infância, quando surgem os primeiros sinais de oposição, porém tais situações são vivenciadas por toda a vida.

Vemos, na escola, um espaço apropriado para que a criança seja capaz de desenvolver essa capacidade, com a finalidade de tornar-se um sujeito autônomo, capaz de resolver seus próprios conflitos de maneira equilibrada dentro da moralidade estabelecida socialmente. Assim:

A escola é um meio que, além de acolher conflitos próprios aos indivíduos nela reunidos e à sociedade em que ela se insere, favorece a ocorrência de conflitos cujos sentidos e fatores desencadeadores são estritamente ligados às especificidades dessa instituição de educação coletiva (GALVÃO, 2004, p.11).

Geralmente, as pessoas que têm essa habilidade para resolver conflitos são muito bem vistas pela sociedade. Na escola, costuma-se destacar como bom profissional o professor que tem o chamado “domínio da sala”, sabendo mediar os conflitos que surgem com seus alunos de maneira idônea, conduzindo sua turma à disciplina (AMOS; OREM, 1968).

Quando concordamos com a existência dos conflitos e negamos que eles se transformem em condutas violentas, estamos enveredando por um caminho que levará à formação moral como instrumento para a mediação de conflitos na escola. O desenvolvimento da moral na infância deve ser acompanhado por professores e gestores com o intuito de intervir na organização e disciplina das condutas de oposição, de maneira que sua expressão se dê de forma ética, equilibrada, respeitosa e jamais de forma violenta (GALVÃO, 2004).

As situações de oposição, como os conflitos interpessoais relacionados ao confronto de pontos de vista distintos sobre uma questão em foco, tem um papel importante na aprendizagem.

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A tendência é que as crianças atinjam resultados cognitivamente mais estruturados do que se não interagissem socialmente.

Na escola, presenciamos, muitas vezes, o professor conduzindo ou mediando situações de oposição. Isso ocorre especialmente nos níveis elementares de ensino, Educação Infantil e Ensino Fundamental. Essa orientação que a criança recebe está, ou deve estar, sempre relacionada à importância das boas maneiras e da educação com a finalidade de se obter um convívio harmonioso com o grupo.

La Taille (2001, p. 96) nos apresenta uma pesquisa empírica feita com crianças de 6, 9 e 12 anos de idade que mostra, através dos dados coletados, que a falta de polidez, que é associada à incivilidade, é vista pelas três faixas etárias como uma conduta de certa gravidade. Define a polidez como “[...] formas de falar e/ou de agir convencionais, nas relações sociais, como, por exemplo, falar ‘bom-dia’, ‘desculpe’, ‘obrigado’, sentar-se de determinadas formas, etc.”. Destaca, ainda, que a polidez não é universal e depende da cultura e dos costumes do grupo. Exemplo disso seriam os “palavrões”, que são muito mais admitidos hoje do que décadas atrás, quando sua expressão em público era considerada claramente como sinal de má educação.

Apesar de terem a percepção da gravidade das condutas de falta de polidez, apresentam algumas distinções de perspectivas. Nesse sentido:

Os dados mostram que: 1) a polidez pertence ao universo moral das crianças de 6 a 12 anos, mas com a peculiaridade de sua falta não merecer castigo; 2) que a falta de polidez é, para as crianças de 6 anos, um indício para se julgar o caráter moral de uma pessoa e deixa de sê-lo para as crianças de 12 anos, com uma fase de transição aos 9 anos (LA TAILLE, 2001, p. 89).

Diante dos dados obtidos pelo autor a respeito das concepções das crianças sobre a polidez, vê-se a necessidade de uma maior atenção psicológica e educacional para o tema da civilidade no desenvolvimento moral da criança.

La Taille (2001, p. 96) acredita que a polidez se relaciona à moral no sentido de que esta é uma demonstração de um mínimo respeito moral pelo outro. Acrescenta que o oposto, ou seja, a falta de cortesia, o desprezo, a indiferença e o desrespeito são costumeiramente entendidos como falta de uma boa educação. Associa, ainda, polidez à civilidade e sua ausência à incivilidade (que é uma forma de violência).

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No percurso de desenvolvimento moral, antes que se haja de maneira autônoma (a partir dos sete anos de idade), são impostas condutas de boas maneiras e, dentre elas, está a polidez:

A polidez sendo um conjunto de regras precisas cuja observância depende apenas de seu entendimento ao pé da letra, e tais regras costumam ser impostas e cobradas pelos adultos, as chamadas ‘boas maneiras’ são perfeitamente assimiláveis pelas crianças menores [...] (LA TAILLE, 2001, p. 101).

Sob a perspectiva construtivista temos que, se a criança for educada nesse enfoque, se a civilidade integrar o universo moral das crianças heterônomas, implicará, em parte, no desenvolvimento da autonomia, visto que a superação da heteronomia pela autonomia “[...] dependerá, inevitavelmente, de abstrações reflexivas e empíricas realizadas sobre as regras de boa educação (e sobre as demais) e seus efeitos no meio social“ (LA TAILLE, 2001, p. 101).

Dentre os conflitos e oposições que ocorrem na escola, podemos dizer que a violência recebe destaque quando se trata de quantidade de pesquisas realizadas em busca da compreensão de sua origem e impacto social. E a instituição escolar tem se tornado, ultimamente, um palco onde estas manifestações acontecem.

Para entendermos melhor a violência e sua relação com a agressividade, vamos recorrer à perspectiva psicanalítica utilizada por Justo (2010, p. 44). O autor se fundamenta na teoria psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939)9. Freud postulou a presença de duas forças básicas: a pulsão de vida e a de morte, que atuam no funcionamento psíquico do sujeito.

A pulsão de vida atua no sentido de estimular o funcionamento psíquico na busca por integrações, reuniões, fusões com os objetos que compõe o mundo ou mesmo com elementos que constituem o próprio sujeito, como as representações de si mesmo. É uma força que se expressa como atração, com o desejo de aproximar-se, de reunir-se. Está associada a sentimentos como amor, tolerância, simpatia, apreço, cuidado. É responsável pela formação de laços e vínculos e pelo prazer da convivência com o outro.

Em contraposição, há a pulsão de morte, caracterizada pela desintegração, segregação, fragmentação, desunião. É expressa, muitas vezes, pela agressividade, originária dessa pulsão. Trata-se da destruição de alguma unidade estabelecida com objetos do mundo, ou mesmo com o próprio sujeito, como no caso de suicídio ou autoagressão. A pulsão de morte é o que

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comanda sentidos e direções, meio e ações para a produção de desintegrações e é responsável pela aversão abrangendo “[...] desde a mais branda ofensa até a extrema destruição total da coisa visada” (JUSTO, 2010, p. 45).

Justo (2010) aponta que a pulsão de morte - bem como a agressividade e o ódio - ao contrário do que possa parecer, não é necessariamente negativa. Argumenta que a pulsão de morte garante nossa defesa contra situações adversas e ameaças e, sem ela, viveríamos à mercê do destino e de fatalidades, sobrevivendo passivamente. Através do ímpeto para destruir, somos também capazes de nos defender ou agir de forma transformadora. O autor defende essas forças, de direções opostas, que são a base do nosso aparelho psíquico, como interdependentes e fundamentais, pois fazem parte da dialética da existência humana. Com isso, demonstra-se que a intenção não é a de acabar com a agressividade ou o ódio (expressões de violência), mas é a de se pensar em alternativas que conduzam os sujeitos a aliarem esses sentimentos a seus projetos de vida, objetivando um mundo melhor.

A atenção especial conferida à expressão da violência se justifica por constituir uma passagem ao ato. Atitudes de violência se concretizam e formam vítimas quando um desejo ou intenção não pode mais aguardar e já não há mais tentativas de buscar, no plano simbólico, representativo, alternativas para descarregá-lo.

Nesse capítulo, refletimos sobre o tema da indisciplina e da violência escolar, abordando-se as especificidades dos termos indisciplina, violência e incivilidade. Além disso, tratamos o conflito como parte integrante do ser humano e das relações sociais, não somente através de perspectivas interacionistas, com base nos trabalhos de Wallon e Piaget, mas também por meio da ótica psicanalítica. Essa reflexão remete à discussão de ações que contribuam, efetivamente, com o trabalho realizado pelo professor na escola, a fim de abrandar situações indisciplinares e reduzir situações violentas (GALVÃO, 2004; LA TAILLE, 2001; LA TAILLE; PEDRO-SILVA; JUSTO, 2010; ZECHI, 2008).

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