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(In) aplicabilidade do princípio da insignificância ao crime do art. 15 da Lei n 7.802/89

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

JOSÉ VALMIR STIVAL FILHO

(IN)APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DO ART. 15 DA LEI N 7.802/89

Ijuí (RS) 2016

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JOSÉ VALMIR STIVAL FILHO

(IN)APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DO ART. 15 DA LEI N 7.802/89

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DEJ - Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientadora: MSc. Emmanuelle de Araujo Malgarim

Ijuí (RS) 2016

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AGRADECIMENTOS

À minha família, que sempre esteve presente e me incentivou com apoio e confiança durante toda a minha vida.

Aos meus amigos, irmãos na amizade, que fizeram parte da minha formação е que vão continuar presentes em minha vida cоm certeza, pelo incentivo e pelo apoio constantes.

Agradeço também a todos os professores que me acompanharam durante a graduação, bem como à minha orientadora Emmanuelle de Araújo Malgarim, com quem eu tive o privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade.

Por fim, de forma especial, agradeço à minha namorada Ariane Dreher Rodrigues

por todo o apoio, compreensão,

companheirismo e carinho, que de forma especial me deu força e coragem nos momentos de dificuldades.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise do princípio da insignificância, em especial a possibilidade de aplicação, ou não, ao crime previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89, conhecida popularmente como Lei de Agrotóxicos. Inicialmente, faz a abordagem dos inúmeros conceitos do instituto “princípios”. Na sequência, aborda especificamente o conceito do princípio da insignificância e os requisitos para sua aplicação. Estuda o posicionamento atual da jurisprudência em relação a aplicação do princípio aos crimes ambientais, de uma forma geral. Faz uma breve análise do crime previsto no art. 15 da Lei de Agrotóxicos, passando pelas condutas criminalizadas, pelos bens jurídicos protegidos, pelos sujeitos ativo e passivo, pelo elemento subjetivo e momento consumativo. Finaliza concluindo pela impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao crime do art. 15 da Lei de Agrotóxicos, especialmente em razão da ausência do vetor referente à periculosidade social da ação.

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ABSTRACT

This course conclusion work is an analysis of the principle of insignificance, especially the possibility or not for it’s aplication to the crime contained in article 15 of Law nº 7.802/89, popularly known as the Pesticides Act. Initially, it approaches the numerous concepts of the institute "principles." Following, addresses specifically the concept of the principle of insignificance and the requirements for it application. Studies the current positioning of the Superior Courts regarding the application of the principle in environmental crimes in general. A brief analysis of the crime contained in artcile 15 of the Pesticides Act, including the criminalized conducts, the protected interests, the subjects, the subjective element and moment of consumation. Terminates concluding the impossibility of aplication the principle of insignificance to the crime contained in article 15 of the Pesticides Act, especially given the absence of the vector regarding the social dangerousness of the conduct.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ... 9

1.1 Conceito de princípio ... 9

1.2 O princípio da insignificância ... 11

1.3 Requisitos para aplicação, sob o ponto de vista dos Tribunais Superiores ... 16

2 ANÁLISE DO ART. 15 DA LEI DE AGROTÓXICOS (LEI Nº 7.802/89) ... 18

2.1 Disciplina legal ... 18

2.2 Conceito de agrotóxico ... 19

2.3 Condutas criminalizadas pelo art. 15 da Lei nº 7.802/89 ... 20

2.4 Bem jurídico protegido ... 22

2.5 Sujeitos ativo e passivo ... 22

2.6 Elemento subjetivo ... 22

2.7 Momento consumativo ... 23

2.8 Possibilidade de concurso de delitos ... 24

3 APLICABILIDADE OU NÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DO ART. 15 DA LEI DE AGROTÓXICOS ... 25

3.1 Inaplicabilidade do princípio em razão da natureza jurídica difusa do bem jurídico tutelado ... 25

3.2 Inaplicabilidade do princípio por se tratar de crime de perigo abstrato ... 29

CONCLUSÃO ... 34

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade ou não de aplicação do princípio da insignificância ao crime previsto no art. 15 da Lei de Agrotóxicos, considerando a relevância dos bens jurídicos tutelados pela referida norma e a contemporaneidade da discussão envolvendo os agrotóxicos, principalmente os efeitos nocivos ao meio ambiente e à saúde humana.

O estudo também se justifica diante da política criminal moderna, que se orienta no sentido de reduzir ao máximo o sistema punitivo do Estado, somente reconhecendo sua aplicação quando realmente necessário, sempre de forma subsidiária e fragmentária. Ademais, verifica-se que o princípio da insignificância ganhou relevância a partir da fixação, pelo Supremo Tribunal Federal, de critérios para seu reconhecimento. Desta forma, destaca-se que a problemática do tema será desenvolvida tendo por base a divergência de opiniões ainda enfrentadas para a aplicação do princípio da insignificância, tanto em relação aos crimes ambientais de uma forma geral, como em relação ao crime previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89.

No primeiro momento deste trabalho, analisar-se-á os conceitos doutrinários do instituto “princípio”, para após abordar o contexto em que desenvolvido o princípio da insignificância. Na sequência, passa-se a análise do princípio à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, apresentando os vetores utilizados para identificar condutas e situações consideradas insignificantes perante o Direito Penal e, especificamente, ao Direito Penal Ambiental. Por fim, faz-se uma análise dos elementos típicos do delito previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89 e analisa-se a possibilidade ou não de aplicação do princípio da insignificância ao referido delito.

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Por fim, destaca-se que o presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, pretendendo, em breves linhas, discorrer sobre os temas propostos e apresentando a conclusão que se entende mais justa e coerente com a relevância dos bens jurídicos tutelados pelo art. 15 da Lei de Agrotóxicos.

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1 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O foco do presente trabalho é o princípio da insignificância, mais especificamente a possibilidade, ou não, de aplicação do princípio da insignificância ao crime previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89, conhecida informalmente como Lei dos Agrotóxicos. Dessa forma, antes que seja possível adentrar no tema específico, imprescindível que inicialmente seja apontado o conceito de princípio, bem como sejam analisados os requisitos para aplicação do princípio da insignificância aos crimes em geral, bem como aos crimes ambientais.

1.1 Conceito de princípio

A expressão “princípio” possui diversos significados. Como destacado por Espíndola (2002, p. 53),

Pode-se concluir que a ideia de princípio ou a sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de ideias, pensamentos ou normas por uma ideia mestra, por um pensamento-chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais ideias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.

Atualmente vislumbra-se nos princípios, estejam expressos ou implícitos, caráter normativo. O princípio, ou norma-princípio, é, em verdade, espécie de norma jurídica que possui conteúdo aberto e alto grau de densidade normativa, ao contrário da segunda espécie de norma jurídica, a norma-regra, que possui conteúdo fechado e já traz em si mesma uma solução.

Um dos principais doutrinadores a respeito do tema é Ávila (2005, p. 70), que assim distinguiu princípios e regras:

Regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

Princípios são normas imediatamente finalísticas, primeiramente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.

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Barcellos (2002) enumera os sete critérios mais utilizados na doutrina para distinguir princípios e regras. Aponta que o primeiro critério diferenciador seria o conteúdo da norma. Os princípios estão mais próximos da ideia de valor e de direito. Eles formam uma exigência da justiça, da equidade ou da moralidade, ao passo que as regras têm um conteúdo diversificado e não necessariamente moral.

O segundo critério diferenciador apontado é a origem e a validade da norma analisada. A validade dos princípios decorre de seu próprio conteúdo, ao passo que as regras derivam de outras regras ou dos princípios. Assim, é possível identificar o momento e a forma como determinada regra tornou-se norma jurídica, perquirição essa que será inútil no que diz respeito aos princípios.

Um terceiro critério diferenciador seria o compromisso histórico. Os princípios seriam para muitos doutrinadores (ainda que não todos), em maior ou menor medida, universais, absolutos, objetivos e permanentes, ao passo que as regras caracterizam-se de forma bastante evidente pela contingência e relatividade de seus conteúdos, dependendo do tempo e lugar.

O quarto critério diferenciador é a função da norma do ordenamento jurídico. Os princípios têm uma função explicadora e justificadora em relação às regras. Ao modo dos axiomas e leis científicas, os princípios sintetizam uma grande quantidade de informação de um setor ou de todo o ordenamento jurídico, conferindo-lhe unidade e ordenação.

O quinto critério apontado pela autora citada é a estrutura linguística utilizada. Os princípios são mais abstratos que as regras, em geral não descrevem as condições necessárias para sua aplicação e, por isso mesmo, aplicam-se a um número indeterminado de situações. Em relação às regras, diferentemente, é possível identificar, com maior ou menor trabalho, suas hipóteses de aplicação.

O sexto critério diferenciador de princípios e regras seria o esforço interpretativo exigido. Os princípios exigem uma atividade argumentativa muito mais intensa, não apenas para precisar seu sentido, como também para inferir a solução que ele propõe para o caso, ao passo que as regras demandam apenas uma aplicabilidade burocrática e técnica.

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Por fim, o último critério utilizado para distinguir as normas seria o âmbito de sua aplicação. As regras têm estrutura biunívoca, aplicando-se de acordo com o modelo do “tudo ou nada”. Isto é, dado seu substrato fático típico, as regras só admitem duas espécies de situação: ou são válidas e se aplicam ou não se aplicam por inválidas. Não são admitidas gradações. Ao contrário das regras, os princípios determinam que algo seja realizado na maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades físicas e jurídicas existentes.

Por fim, aponta Barroso (2013) que princípios são aplicados de acordo com a dimensão de peso que assumem em uma situação específica. Tal característica se revela de especial importância em relação ao princípio da insignificância, aplicável ao direito penal, diante da necessidade de análise criteriosa da situação concreta para a conclusão sobre sua incidência ou não.

1.2 O princípio da insignificância

O princípio da insignificância, ou princípio da bagatela, tem como campo de aplicação o direito penal. A posição majoritária na doutrina é que o princípio tem sua origem no Direito Romano, fundado no brocardo minimis non curat praetor, significando que o magistrado deveria desprezar os casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis (CAPEZ, 2012).

Já a doutrina moderna vê em Claus Roxin, doutrinador alemão, o responsável pela reintrodução do princípio da insignificância na doutrina penal, como meio de aperfeiçoar a tese de Hans Welzel, segundo a qual lesões insignificantes deveriam ser excluídas da seara do Direito Penal (ESTEFAN; GONÇALVES, 2012).

É possível afirmar que o princípio da insignificância, que não conta com reconhecimento normativo explícito no Direito Brasileiro (salvo algumas exceções no Código Penal Militar), encontra fundamento em diversos outros princípios, dentre eles os princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade.

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Para que seja possível compreender o âmbito de atuação do princípio da proporcionalidade, e também da insignificância, necessária breve digressão sobre as funções do direito penal. Sobre o assunto, destaca Capez (2012, p. 18) que:

O Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação.

O direito penal possui duas funções, segundo Marinho e Freitas (2011). A primeira, a função de proteção ou tutela, possui natureza ético-social e visa a proteção dos bens jurídicos considerados fundamentais pela sociedade, através da ameaça de uma sanção grave no caso de descumprimento. A função de proteção engloba a escolha dos bens jurídicos tutelados e da modalidade de proteção, em termos quantitativos e qualitativos. A segunda, a função de garantia, apresenta-se como uma forma de defesa do cidadão contra eventuais abusos do poder de punir do Estado.

A partir das funções do direito penal, é possível afirmar que o princípio da proporcionalidade encontra legitimidade no princípio constitucional da proteção penal eficiente dos direitos fundamentais. Não basta que o legislador confira proteção penal aos bens jurídicos fundamentais, é necessário que essa proteção seja eficiente, dotando-se a intervenção penal de severidade suficiente e necessária para que o objeto seja protegido com efetividade. Nesse contexto, seria inconstitucional a cominação de penas inócuas ou excessivamente brandas a fatos cuja gravidade exige maior rigor. Da mesma forma, se por um lado se veda a proibição deficiente do bem jurídico, também não se admite o excesso de proteção a estes direitos. Nas palavras de Sarlet (2011),

Nesta perspectiva, o princípio da proporcionalidade não pode deixar de ser compreendido – para além de sua função como critério de aferição da legitimidade constitucional de medidas que restringem direitos fundamentais – na sua dupla dimensão como proibição de excesso e de insuficiência, já que ambas as facetas guardam conexão direta com as noções de necessidade e equilíbrio. A própria sobrevivência do garantismo (e, com ele, do Estado Democrático – e proporcional - de Direito) está em boa parte atrelada ao adequado manejo da noção de proporcionalidade também na esfera jurídico-penal e na capacidade de dar respostas adequadas (e, portanto, sempre afinadas com os princípios superiores da ordem constitucional) aos avanços de um fundamentalismo penal desagregador, do qual apenas podemos esperar a instauração do reinado da intolerância.

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Neste momento é possível vislumbrar-se a incidência do princípio da intervenção mínima, em seus dois aspectos, da fragmentariedade e da subsidiariedade. Pelo aspecto da subsidiariedade entende-se que o direito penal, por ser “o instrumento mais violento de intervenção nos direitos individuais, deve ser reservado para as violações mais sérias e bens e interesses sociais” (MARINHO; FREITAS, 2011, p. 49). Já pelo aspecto da fragmentariedade pode-se vislumbrar que o direito penal não tutela todas as lesões a todos os bens jurídicos existentes. O direito penal atuará somente em relação a fragmentos dos bens jurídicos selecionados.

Uma vez definidas pelo legislador as condutas penalmente tuteladas e previstas as penas, proporcionais à gravidade da lesão – evitando-se a proteção deficiente ou excessiva, surge o momento de efetivação do sistema diante da prática de uma infração penal.

A primeira análise a ser feita pelo juiz, no caso concreto, refere-se à tipicidade formal. De forma simplificada, esta pode ser entendida, nas palavras de Marinho e Freitas (2011, p. 239), como “a perfeita correspondência entre um fato natural, ocorrido concretamente na vida real, e a descrição da conduta proibida, contida na lei penal incriminadora”. Portanto, o juiz se depara com uma conduta praticada que encontra tipicidade formal (perfeita correlação entre a conduta praticada e conduta vedada prevista em lei), e deve deliberar sobre a situação para impor o juízo de censura estatal. Nesse momento, pode surgir ao aplicador da lei o dilema de que a sanção penal, mesmo aplicada no menor grau, torne-se no caso concreto mais grave que o grau de reprovabilidade da conduta.

O princípio da insignificância se apresenta nesse contexto como forma de exclusão da tipicidade material, quando verificado, no caso concreto, que a conduta, muito embora formalmente típica, não viola de forma significante do bem jurídico tutelado. Verifica-se, assim, que no caso concreto o juiz fará uma análise da extensão da lesão ao bem jurídico, ou seja, ao grau de sua intensidade, para afastar a tipicidade material. O doutrinador Bitencourt (2012, p. 109-110) faz, neste tópico, uma importante observação:

Deve-se ter presente que a seleção dos bens jurídicos tuteláveis pelo Direito Penal e os critérios a serem utilizados nessa seleção constituem função do Poder Legislativo, sendo vedada aos intérpretes e aplicadores do direito essa função, privativa daquele Poder Institucional. […] Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente

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atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida [...].

Gomes (2015) sustenta que existem dois tipos de insignificância ou bagatela, própria e imprópria. Bagatela própria seria a situação em que o fato, apesar de formalmente típico, já nasce irrelevante pela ínfima lesão ao bem jurídico (ex.: subtração de um shampoo em supermercado). Já bagatela imprópria seria a nomenclatura dada à situação em que o fato nasce penalmente relevante, mas a pena se torna desnecessária na situação concreta, normalmente porque o réu já sofre uma “pena natural” (experimenta enorme e desproporcional sofrimento em razão do seu delito).

A distinção suprarreferida também é mencionada por Masson (2014). Segundo o autor,

De acordo com esse princípio, sem previsão legal no Brasil, inexiste legitimidade na imposição da pena nas hipóteses em que, nada obstante a infração penal esteja indiscutivelmente caracterizada, a aplicação da reprimenda desponte como desnecessária e inoportuna. A análise da pertinência da bagatela imprópria há de ser realizada, obrigatoriamente, na situação fática, e jamais no plano abstrato. O fato real deve ser confrontado com um princípio basilar do Direito Penal, qual seja, o da necessidade da pena (art. 59, caput, do CP). O juiz, levando em conta as circunstâncias simultâneas e posteriores ao fato típico e ilícito cometido por agente culpável, deixa de aplicar a pena, pois falta interesse para tanto. Ao contrário do que se verifica no princípio da insignificância (própria), o sujeito é regularmente processado. A ação penal precisa ser iniciada, mas a análise das circunstâncias do fato submetido ao crivo do Poder Judiciário recomenda a exclusão da pena. A bagatela imprópria tem como pressuposto inafastável a não incidência do princípio da insignificância (própria). (MASSON, 2014, p. 30).

Outra classificação é trazida por Cintra (2011), que distingue insignificância absoluta de relativa. Para o autor, a insignificância absoluta é aquela realmente ínfima, que não afeta o bem jurídico, carecendo a conduta de tipicidade material, sendo afastada do âmbito do direito penal, mas não do ordenamento como um todo. Sustenta o autor que:

É absoluta porque a insignificância se dá independentemente do referencial tomado. Um grão de areia é insignificante em relação a um punhado de areia ou a um caminhão de areia. Um centavo é insignificante seja em relação a um salário-mínimo, seja em relação a um milhão de reais. (CINTRA, 2011, p. 84).

Já insignificância relativa excluiria a culpabilidade, no caso de condutas que apresentam tipicidade formal e material, mas cuja lesão ao bem jurídico é de pequena intensidade. Seria considerada relativamente insignificante pois a análise demandaria a

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comparação entre o resultado causado e o bem jurídico concretamente considerado. Para o referido doutrinador, a individualização do bem jurídico demandaria considerar todas as condições do referido bem, de acordo com suas características próprias, como, por exemplo, sua disponibilidade no mercado ou na natureza e sua eventual capacidade de regeneração. Exemplifica Cintra (2011, p. 85), ainda, que:

A subtração de um liquidificador (que custe cerca de quinze por cento do salário-mínimo, por exemplo) ocasiona um prejuízo insignificante relativamente ao patrimônio de um grande supermercado. Contudo, em relação ao patrimônio de uma família cuja renda mensal é de um salário-mínimo, o prejuízo ocasionado não será insignificante.

A par das classificações apresentadas por parcela da doutrina, é certo que o princípio da insignificância não possui previsão legal expressa, e, assim, ainda encontra certa resistência da doutrina, especialmente em razão da ausência de critérios objetivos para aferição do que viria a ser considerada uma lesão insignificante ao bem jurídico.

Marinho e Freitas (2011) criticam a aplicação do princípio da insignificância, argumentando que seria um risco sério à estabilidade e certeza das relações jurídicas deixar para o magistrado a aplicação de um princípio sujeito a critérios vagos. Sustentam os referidos autores que o legislador brasileiro teria optado por não descriminalizar condutas que causem lesão de pequena monta. Apontam que o legislador já teria editado a Lei nº 9.099/95 prevendo regramento especial para os crimes de menor potencial ofensivo, assim optando por dar tratamento diferenciado às lesões de pequena monta, sem, no entanto, afastar a tipicidade material.

Concluem Marinho e Freitas (2011, p. 56) que:

Vê-se com absoluta clareza que a opção do legislador foi por não descriminalizar as condutas de escasso potencial ofensivo, mas por dar-lhes simplesmente um tratamento penal muito menos grave, evitando a imposição da pena privativa de liberdade.

Daí porque o princípio da insignificância não tem o mínimo respaldo legal, figurando como mera construção doutrinária, acatada com reservas pela jurisprudência.

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Em que pese a discordância de importantes doutrinadores, os Tribunais Superiores vêm admitindo, de forma sistemática, a aplicação do princípio da insignificância como forma de exclusão da tipicidade material.

1.3 Requisitos para aplicação, sob o ponto de vista dos Tribunais Superiores

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhecem o princípio da insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade material.

Relacionado à sua origem patrimonial, o critério outrora utilizado como referência para aplicação do princípio da insignificância era tão somente o valor monetário da lesão. Ocorre que, muito embora a origem de aplicação do princípio esteja relacionada aos crimes de natureza patrimonial, com o passar do tempo teve o campo de incidência ampliado consideravelmente.

Em razão disso, passou-se a entender que o valor do bem, por si só, ainda que pequeno, deveria ser analisado em meio às demais circunstâncias do fato, voltando-se os olhos para as condições subjetivas do próprio acusado, de modo a evitar que o postulado beneficie criminosos habituais.

Nos últimos anos foram estabelecidos pelos Tribunais Superiores alguns critérios que devem estar presentes no caso concreto para viabilizar a aplicação do princípio. Tais critérios, idealizados pelo Ministro Celso de Mello, no julgamento do HC 84.412/SP, são: a) Mínima ofensividade da conduta do agente; b) Ausência de periculosidade social da ação; c) Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Tais critérios ou vetores ainda são revestidos de elevada subjetividade, e os julgados não diferenciam exatamente o que seria cada um deles, tampouco havendo distinção efetiva por parte da doutrina.

Importante destaque se faz ao doutrinador Gomes (2015), que questiona a necessidade da presença concomitante ou não dos quatro requisitos apontados pelo Supremo Tribunal Federal. Aponta o doutrinador que a ausência de periculosidade social da ação, mínima

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ofensividade da conduta e falta da reprovabilidade da conduta referem-se à conduta do agente (desvalor da conduta), enquanto o critério da inexpressividade da lesão causado diz respeito ao resultado jurídico (desvalor do resultado). Para o doutrinador, a insignificância pode ser vislumbrada na conduta ou no resultado ou ainda em ambos, não sendo necessária a existência dos quatro requisitos para a aplicação do Princípio da Insignificância.

Em que pese o entendimento do referido jurista, ressalta-se que nos julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça prevalece a exigência da cumulação de todos os critérios acima elencados para a aplicação do Princípio da Insignificância.

Como já exposto, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que não é só o valor econômico da lesão que deve ser avaliado para concluir-se pela aplicação do princípio da insignificância. Já decidiu o Supremo que devem ser analisados o valor sentimental do bem subtraído, a condição econômica da vítima, as condições pessoais do agente, as circunstâncias e consequências do delito, dentre outros fatores.

Algumas situações parecem estar pacificadas nos Tribunais Superiores, em que não se admite a aplicação do princípio. Dentre outros exemplos, pode-se citar: a) Furto qualificado por rompimento de obstáculo ou por abuso de confiança, nos quais há maior reprovabilidade do comportamento; b) Crimes em que há emprego de violência física contra pessoa; c) Tráfico de drogas, por ser crime de perigo abstrato; d) Contrabando, já que o bem jurídico tutelado vai além do mero valor pecuniário do imposto elidido, alcançando também o interesse estatal de impedir a entrada e a comercialização de produtos proibidos em território nacional; e) Crimes militares, sob pena de afronta à autoridade, hierarquia e disciplina, bens jurídicos cuja preservação é importante para o regular funcionamento das instituições militares (CAVALCANTE, 2014).

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2 ANÁLISE DO ART. 15 DA LEI DE AGROTÓXICOS (LEI Nº 7.802/89)

2.1 Disciplina legal

A Lei nº 7.802/89 foi publicada em 12 de julho de 1989, para atender ao comando constitucional previsto no artigo 225, §1º, inciso V, que prevê a necessidade do Poder Público controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Aponta Londres (2011, p. 100) que se trata de

uma lei considerada avançada, que foi aprovada no período da chamada Nova República (período de transição entre a ditadura militar e a instituição do Estado Democrático de Direito, sob a presidência de José Sarney), pouco depois do assassinato de Chico Mendes. Foi um momento em que, devido a enormes pressões internacionais com foco sobre a Amazônia, ao medo dos militares de perder o controle sobre a floresta e suas fronteiras e a falta de apoio internacional, o governo brasileiro considerou estratégico aprovar um pacote de medidas pró meio ambiente (chamado ‘Nossa Natureza’), que incluía o Projeto de Lei sobre agrotóxicos.

A Lei nº 7.802/89, em sua redação original, tipificou no art. 15 as condutas de produzir, comercializar, transportar, aplicar ou prestar serviços na aplicação de agrotóxicos, seus componentes e afins, descumprindo as exigências estabelecidas nas leis e nos seus regulamentos.

Após a edição da Lei nº 9.605/98, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, surgiu polêmica envolvendo a subsistência ou não do crime previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89, em razão da criação do tipo penal de poluição, no art. 56, que criminalizou as condutas de

Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos

Prevaleceu na doutrina a posição de que a Lei de Crimes Ambientais não revogou o art. 15 da Lei nº 7.802/89, por ser esta norma especial, específica para substâncias tóxicas, perigosas ou nocivas identificadas como agrotóxicos. Portanto, no caso de agrotóxicos deve

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ser aplicada a Lei nº 7.802/89, tipificando-se na Lei nº 9.605/98 as condutas envolvendo as demais substâncias tóxicas (VAZ, 2005).

A Lei nº 9.974/2000 acabou por resolver a polêmica existente, uma vez que alterou a Lei de Agrotóxicos, conferindo nova redação ao art. 15, assim redigido

Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa.

Portanto, consolidou-se o entendimento de que o art. 15 da Lei nº 7.802/89, além de ser especial em relação ao art. 56 da Lei de Crimes Ambientais, também é lei posterior (se considerada a redação dada pela Lei nº 9.974/2000), motivo pelo qual deve prevalecer.

2.2 Conceito de agrotóxico

Existe um conceito legal de agrotóxico, previsto na própria Lei nº 7.802/89. Prevê o art. 2º, inciso I, do referido diploma legal como agrotóxicos

os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos.

[...].

Também define como “as substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento.” (BRASIL, 1989).

Para além do conceito legal, os agrotóxicos são tratados na linguagem popular como defensivos agrícolas, pesticidas, praguicidas, remédios de planta e veneno. Peres, Moreira e Dubois (2003) criticam a utilização dos referidos termos, já que a, depender dos interesses de grupo (ou grupos) envolvido(s), poderiam ser utilizados com conotações muitas vezes opostas ao sentido real. Apenas a título de exemplo, menciona-se o termo “defensivo agrícola”, denominação de caráter positivo que mascara a capacidade desses produtos de destruir vida

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animal ou vegetal.

O caráter tóxico dos produtos é ressaltado, ainda, pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, que elaboraram uma Cartilha apontando que

Agrotóxicos são produtos químicos biocidas, utilizados no combate às pragas e às doenças das plantas, que podem causar danos à saúde das pessoas, dos animais e ao meio ambiente. […] O agrotóxico elimina, juntamente com as pragas, organismos úteis, animais e vegetais, reduzindo a biodiversidade e implicando maior instabilidade dos ecossistemas1.

Estabelecido o conceito de agrotóxico, passa-se a análise específica das condutas criminalizadas pelo art. 15 da Lei nº 7.802/89.

2.3 Condutas criminalizadas pelo art. 15 da Lei nº 7.802/89

Como já apontado inicialmente, o art. 15 tipifica as condutas de produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente.

Antes da análise dos verbos nucleares, cumpre destacar que se trata de tipo misto alternativo. Ou seja, ainda que o agente realize mais de uma conduta prevista no tipo, terá sido praticado um único delito, sendo as múltiplas condutas relevantes no momento da fixação da pena, especificamente na primeira fase da fixação da pena.

Ainda, todas as condutas somente serão consideradas típicas se praticadas “em descumprimento às exigências na legislação pertinente”, classificando-se como norma penal em branco. Capez (2012) conceitua as normas penais em branco como normas cuja descrição da conduta está incompleta, necessitando de complementação por outra disposição legal ou regulamentar.

1

RIO GRANDE DO SUL. Secretaria Estadual de Saúde, Centro Estadual de Vigilância em Saúde/Agrotóxicos: Impactos à saúde e ao meio ambiente. Porto Alegre: CEVS, 2005.

(22)

No caso do art. 15 da Lei nº 7.802/89, as exigências para o manejo adequado dos agrotóxicos estão previstos principalmente no Decreto nº 4.074/2002, que regulamenta a lei referida, mas não se esgotam no referido Decreto.

Outrossim, imprescindível apontar que a expressão “descumprimento”, contida no tipo penal, engloba, no entendimento de Vaz (2005), a conduta de quem não esteja autorizado a manipular agrotóxicos e também a conduta de quem, embora autorizado pelos órgãos públicos, utilize o produto em desconformidade com as instruções previstas em lei ou nos regulamentos.

Feitos estes breves esclarecimentos, passa-se a análise das condutas típicas, nos termos expostos por Vaz (2005). Por “produzir” entende-se a conduta de originar, criar, fazer surgir o agrotóxico, seus componentes ou afins. Destaca-se, ainda, que também deve ser considerado como “produzir” a conduta de alterar as propriedades químicas originais do produto, que foram necessariamente avaliadas por ocasião do registro.

“Comercializar” significa colocar em circulação no mercado de consumo. Não importa se a conduta é praticada por comerciante habitual ou não, já que se trata de crime comum. Vaz (2005) destaca, neste tópico, que “comercializa” agrotóxico a pessoa que vende ou expõe à venda agrotóxicos, seus componentes e afins, sem que na embalagem constem os rótulos próprios e bulas, redigidos em português e contendo os dados exigidos pela Lei nº 7.802/89. No entanto, não se enquadraria a conduta de ceder a título gratuito, já que não se trata de comercialização.

“Transportar”, por sua vez, significaria a conduta de conduzir ou levar a substância de um lugar para o outro, sem observação das regras previstas na legislação. “Aplicar” é a utilização, de qualquer forma, do produto tóxico, seus componentes ou afins, sem respeito às normas técnicas aplicáveis.

“Prestar serviços” refere-se às atividades das pessoas físicas e jurídicas que executam o trabalho de prevenção, destruição e controle de seres vivos, considerados nocivos, aplicando agrotóxicos, seus componentes e afins. “Dar destinação ilegal a resíduos e embalagens vazias”, por fim, é descumprir, dentre outras, as disposições acrescentadas pela Lei nº

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9.974/2000, que disciplinam o fracionamento e a reembalagem de agrotóxicos, seus componentes e afins, e que impõem aos usuários o dever de efetuar a devolução das embalagens vazias dos produtos aos estabelecimentos comerciais em que foram adquiridos.

2.4 Bem jurídico protegido

O art. 14 da Lei nº 7.802/89, ao tratar da responsabilidade penal envolvendo agrotóxicos, prevê expressamente que os bens jurídicos protegidos são o meio ambiente e a saúde das pessoas. Trata-se de delito pluriofensivo, já que ofende, ao mesmo tempo, depois bens jurídicos.

Vaz (2005) indica que “meio ambiente”, conforme a definição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, é o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3º, I). Já “saúde pública” seria a expressão usada para indicar o estado de sanidade da população de um país, de uma região, de uma zona ou de uma cidade.

2.5 Sujeitos ativo e passivo

Qualquer pessoa, física ou jurídica, pode ser sujeito ativo do crime previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89. Classifica-se o delito, sob esse aspecto, como crime comum, já que a lei não exige qualidade especial do agente.

O sujeito passivo do delito previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89, entendido como o titular do bem jurídico tutelado, é a coletividade. Vaz (2005) ressalta que a conduta poderá eventualmente atingir também bens e interesses das pessoas jurídicas de direito público interno. Nesse caso, haverá pluralidade de sujeito passivo.

2.6 Elemento subjetivo

O art. 15 da Lei de Agrotóxicos, em sua redação original, previa como típicas tanto a forma dolosa como a forma culposa das condutas narradas. No entanto, com o advento da Lei nº 9.974/2000 foi extirpada da redação a forma culposa. Portanto, somente haverá crime

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quando a vontade do agente for dirigida à prática da conduta tipificada, mas não se exige um objetivo específico do agente. Em outras palavras, trata-se de dolo genérico.

2.7 Momento consumativo

Para Malinowski e Malinowski (2011), trata-se de delito de mera conduta, já que o tipo penal não descreve o resultado naturalístico. Para Vaz (2005), no entanto, trata-se de delito formal, cujo resultado naturalístico é descrito no tipo penal (“produto ou substância

tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente”), mas não precisa ocorrer

para a consumação do delito. Assim, o crime consumar-se-ia no momento da ação descrita no tipo, sendo o resultado considerado mero exaurimento (CUNHA, 2012).

Independente da classificação adotada, é certo que o delito consuma-se com a produção, comercialização, transporte, aplicação, prestação de serviço de aplicação ou destinação irregular de embalagens vazias de agrotóxicos, em descumprimento às exigências legais ou regulamentares, não dependendo de efetivo dano ambiental.

Classifica-se, ainda, como crime de perigo abstrato ou presumido, já que é irrelevante para a tipificação formal o resultado material, presumindo a lei, de forma absoluta, que a conduta do agente é perigosa.

De forma magistral, aponta Vaz (2005) que:

Cuidando-se da tutela da saúde humana e do meio ambiente, assume relevante importância a técnica de incriminação consubstanciada nos crimes de perigo, consagrando uma espécie de tutela penal preventiva ou inibitória, que se antecipa ao evento danoso aos bens jurídicos tutelados. O delito guarda, pois, consonância com a política de prevenção do dano ambiental. Em matéria de meio ambiente, o mais importante é prevenir o dano.

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Inobstante não haver muita doutrina sobre o tema, foi possível verificar que ao menos dois doutrinadores sustentam a possibilidade de concurso formal entre os delitos previstos no art. 15 da Lei nº 7.802/89 e delitos previstos da Lei nº 9.605/98 (VAZ, 2005; MALINOWSKI, 2011).

Isso porque o art. 15, como já exposto, é crime de perigo, que não exige a ocorrência de efetivo dano ambiental para sua consumação. Assim, caso das condutas previstas no tipo previsto no art. 15 da Lei de Agrotóxicos decorra efetivo dano ambiental, o agente poderá responder, também por outros delitos.

Vaz (2005) detalha algumas hipóteses possíveis de concurso formal. Aduz que se da aplicação irregular de agrotóxicos decorrer a morte de animais silvestres ou danos à flora, poderá ocorrer concurso com os delitos previstos nos artigos 29, 38, 40, 48, 49 ou 50 da Lei de Crimes Ambientais, a depender da situação. O autor aponta, ainda, que se o agente lavar embalagens ou equipamentos utilizados para aplicação dos agrotóxicos, sem respeito às normas ambientais, e com isso causar o perecimento de espécimes da fauna aquática, haverá concurso com o art. 33 da Lei de Crimes Ambientais.

Malinowski e Malinowski (2011), por sua vez, indicam que

Caso a poluição provocada pela utilização indevida de agrotóxico ocorra nos níveis estabelecidos na locução do art. 54 da Lei dos Crimes Ambientais, teremos um concurso formal, tendo em vista que apenas uma conduta preenche a descrição de dois delitos.

Assim, a partir de tais conclusões reforça-se a ideia de que o art. 15 da Lei de Agrotóxicos é crime de mera conduta e de perigo abstrato, e, dessa forma, não se mostra relevante para a tipificação a ocorrência do efetivo dano ambiental, o que se mostra extremamente relevante ao passar a análise do tema principal deste trabalho, que é a possibilidade ou não de aplicação do princípio da insignificância ao crime previsto no art. 15 da Lei de Agrotóxicos.

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DO ART. 15 DA LEI DE AGROTÓXICOS

3.1 Inaplicabilidade do princípio em razão da natureza jurídica difusa do bem jurídico tutelado

O crime do art. 15 da Lei de Agrotóxicos, como já afirmado, tem como um dos bens jurídicos tutelados o meio ambiente., que é conceituado infraconstitucionalmente pelo art. 3º, inciso I, da Lei nº 6.938/81 como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”

O conceito é tão amplo que, segundo Mazilli (2007, p. 151),

Nos autoriza a considerar de forma praticamente ilimitada a possibilidade de defesa da flora, da fauna, das águas, do solo, do subsolo, do ar, ou seja, de todas as formas de vida e de todos os recursos naturais, com base na conjugação do art. 225 da Constituição com as Leis nº 6.938/81 e 7.347/85. Estão assim alcançadas todas as formas de vida, não só aquelas da biota (conjunto de todos os seres vivos de uma região) como da biodiversidade (conjunto de todas as espécies de seres vivos existentes na biosfera, ou seja, todas formas de vida em geral no planeta) e até mesmo está protegido o meio que as abriga ou lhes permite a subsistência.

O meio ambiente encontra proteção na Constituição da República, que, no art. 225,

caput, prevê ser direito de todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo

considerado “bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Segundo Sirvinskas (2013), o dispositivo constitucional pode ser divido em quatro partes: a) o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental da pessoa humana (direito à vida com qualidade); b) o meio ambiente é um bem de uso comum do povo - bem difuso, portanto, indisponível; c) o meio ambiente é um bem difuso e essencial à sadia qualidade de vida do homem; e d) o meio ambiente deve ser protegido e defendido pelo Poder Público e pela coletividade para as presentes e futuras gerações.

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prevenir danos ambientais tendo em vista que, quando se trata de proteção ambiental, lida-se com bens muitas vezes inestimáveis, porque ligados diretamente à qualidade de vida do ser humano.

Para proteger o meio ambiente sob todos os seus aspectos é que o legislador constitucional, como já exposto, previu no art. 225 §3º, da CF/88, a proteção civil, penal e administrativa, nos seguintes termos: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Trata-se, para a doutrina, de “mandado expresso de criminalização” (GARCIA; THOMÉ, 2011, p. 94). Sobre o assunto, Amado (2013, p. 553) sustenta, ainda, que “os recursos ambientais são bens de extrema relevância jurídica, pressupostos indispensáveis a uma existência humana digna, devendo ser tutelados também na esfera criminal.”

No âmbito penal, essa proteção ocorre com a criminalização de certas condutas, prevendo-se sanções graves para o caso de descumprimento. Dá-se destaque, assim, para a função de prevenção da pena. Nesse ponto, destaca Capez (2012, p. 18) que:

A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc., denominados bens jurídicos. Essa proteção é exercida não apenas pela intimidação coletiva, mais conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aos possíveis infratores do risco da sanção penal, mas sobretudo pela celebração de compromissos éticos entre o Estado e o indivíduo, pelos quais se consiga o respeito às normas, menos por receio de punição e mais pela convicção da sua necessidade e justiça.

Portanto, o legislador, ao tipificar condutas como crimes ambientais, faz uma prévia seleção dos bens jurídicos passíveis de proteção, e comina a pena que reputa ser necessária e suficiente para prevenir futuras condutas lesivas ou perigosas, e, ao mesmo tempo, reprimir o infrator que concretiza a conduta proibida.

Embora seja consolidada na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância às condutas que não sejam capazes de ofender

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referido princípio nos crimes contra o meio ambiente.

Um primeiro entendimento defende a possibilidade da aplicação do princípio, mesmo quando o bem jurídico protegido for o meio ambiente, desde que a conduta não lese ou cause perigo de lesão ao bem jurídico protegido. Baseia-se no caráter ultima ratio do Direito Penal e na ideia de que a tipicidade exige ofensa de maior gravidade aos bens jurídicos protegidos. Nesse passo, quando a intervenção humana no ambiente for irrelevante, deverá ser excluída do âmbito criminal, considerando que não lesa o bem jurídico tutelado pela norma.

Os Tribunais Superiores atualmente concluem ser possível a aplicação do princípio da insignificância aos delitos ambientais, com a ressalva que deve ser restrita aos casos em que a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social, já que se trata de direito de natureza difusa protegido pela Constituição Federal/88.

Verifica-se, nos inúmeros julgados analisados, que os Tribunais Superiores, quando admitem a aplicação do princípio, vêm conferindo maior ênfase ao vetor “inexpressividade da lesão”. Amado (2013) destaca os casos em que foi reconhecida a insignificância de pesca de dois quilos de peixes com utilização de aparelhos não permitidos (art. 34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/98), do corte de duas árvores objeto de especial proteção (art. 50 da Lei 9.605/98) e da degradação de 0,0652 hectares de unidade de conservação permanente (art. 40 da Lei 9.605/98).

Um segundo entendimento sustenta a inaplicabilidade do princípio quando o bem jurídico for o meio ambiente, em virtude das características do referido bem, bem como por força das peculiaridades do tipo penal ambiental. De acordo com tal percepção, por se tratar de um direito difuso e, portanto, pertencente à coletividade, conforme estabelecido na Constituição Federal (art. 225, caput), qualquer lesão, mesmo aparentemente ínfima, torna-se significativa, porque afeta o equilíbrio do meio ambiente. Neste contexto, sustenta Amado (2013, p. 589), que:

Em que pese o posicionamento do STF e STJ, entende-se que não é possível admitir a incidência do princípio da bagatela aos delitos contra o meio ambiente, pois o bem jurídico protegido pela norma penal é imaterial e objetiva realizar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ademais, em regra, o

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ao ilícito penal, ainda que mínima, sendo que o manejo desse princípio poderá retirar a função de prevenção geral da lei penal, pois as pessoas poderão praticar pequenos crimes ambientais sabedoras da irrelevância penal de sua conduta. Outrossim, o que aparentemente pode parecer bagatela individualmente considerado, em conjunto toma uma dimensão significante, a exemplo da pesca de dois quilos de peixe em período de reprodução das espécies por dezenas ou centenas de pescadores.

Outro aspecto a ser considerado é que o dano ambiental não pode ser mensurado a partir de uma perspectiva econômica, devendo ser avaliado segundo sua dimensão ecológica, ou seja, não apenas quanto aos efeitos imediatos da conduta danosa, mas tendo em vista a repercussão em determinado ecossistema.

Filia-se à corrente doutrinária de que não é possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais e, especificamente, ao crime previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89. Entende-se que ao prever a conduta proibida, o legislador já considerou todas as repercussões possíveis ao bem jurídico meio ambiente, não sendo possível o afastamento da tipicidade material com base na insignificância, já que não há como se falar em lesão ínfima ao bem jurídico.

Qualquer lesão, mesmo aparentemente ínfima, torna-se significativa, porque afeta o equilíbrio do meio ambiente. No caso específico do crime do art. 15 da Lei de Agrotóxicos, deve-se ter em mente todos os reflexos do emprego irregular de tais substâncias tóxicas.

Soares (2010, p. 27), em estudo sobre os impactos dos agrotóxicos à saúde, expõe que

O despertar para o reconhecimento dos efeitos nocivos desses produtos se deu a partir de 1962, com a obra ‘Primavera Silenciosa’, de Rachel Carson, que trouxe à tona os efeitos adversos da utilização dos pesticidas e inseticidas químicos sintéticos, particularmente sobre o uso do DDT: i) penetrava na cadeia alimentar e acumulava-se nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive do homem, aumentando o risco de causar câncer e danos genéticos; ii) não só atingia as pragas, mas um número incontável de outras espécies, silenciando pássaros, peixes, até mesmo crianças; iii) permanecia tóxico no ambiente mesmo com sua diluição pela chuva, sendo que as espécies contaminadas poderiam migrar para outros ambientes, levando os possíveis riscos de contaminação para alvos bem mais distantes que sua origem.

Peres, Moreira e Dubois (2003) apontam, ainda, que efeitos de uma exposição crônica a agrotóxicos podem aparecer semanas, meses, anos ou até mesmo gerações após o período de

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casos, podem até ser confundidos com outros distúrbios, ou simplesmente não relacionados ao agente causador.

Informam Ribas e Matsumura (2009), ainda, que

Os efeitos dos pesticidas podem ser sentidos no ambiente das mais diversas formas. Os efeitos mais marcantes são relacionados à saúde humana, sendo responsáveis por mais de 20 mil mortes não intencionais por ano, com intoxicações agudas ou crônicas causando abortos, má formação de fetos, câncer, dermatose entre outras doenças.

[...].

O movimento de pesticidas para águas superficiais e subterrâneas está bem documentado, inclusive, há relatos de contaminação de água potável, o que, junto com contaminação de alimentos pelos resíduos de pesticidas, torna o homem o alvo mais sensível aos impactos do uso de pesticidas, fato que pode ser observado através das doenças e mortes daí decorrentes.

Portanto, fica evidente que no momento da prática da conduta é inviável determinar-se todas as repercussões do comportamento do agente, que somente poderão se evidenciar muito tempo depois da efetiva conduta. Assim, mostra-se incompatível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais de uma forma geral e também ao crime do art. 15 da Lei de Agrotóxicos.

3.2 Inaplicabilidade do princípio por se tratar de crime de perigo abstrato

Não se nega que o princípio da insignificância é uma importante ferramenta na busca pela concretização da Justiça, atuando como descriminalizador de certas condutas previstas na legislação penal brasileira, buscando evitar a desproporcionalidade na aplicação das normas penais, aplicando medidas mais eficientes e menos punitivas (HAAS; CHAVES JUNIOR, 2013).

Segundos os referidos autores, “esta ‘política criminal’ é construída sob a justificativa principal de que o Direito Penal não deve se ocupar com condutas de pouca relevância, que resultam em inexpressiva lesão aos bens jurídicos tutelados pela lei e/ou que sequer possuem aptidão para lesioná-lo (HAAS; CHAVES JUNIOR, 2013).”

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consumação a efetiva produção do resultado naturalístico, qual seja, a lesão ao meio ambiente ou à saúde, bens jurídicos protegidos pelo tipo. Classifica-se, assim, como crime de perigo abstrato.

Romero (2006), indica que crimes de perigo abstrato são aqueles em que “o tipo penal não descreve uma necessidade de real exposição do bem jurídico a qualquer perigo, mas sim encerra o tipo legal a descrição de uma conduta perigosa em si mesma”. Prossegue o autor afirmando que

Vislumbra-se que os crimes de perigo abstrato não buscam responder a determinado dano ou prejuízo social realizado pela conduta, senão evitá-la, barrá-la, prevenindo e protegendo o bem jurídico de lesão antes mesmo de sua exposição a perigo real, concreto, efetivo de dano. Ao fazer uso desta modalidade delitiva, quer o Direito Penal da atualidade proporcionar, ou melhor, dar a sensação de segurança ao corpo social.

Como mencionado por Greco (2015, p. 126),

a visão, para a conclusão da situação de perigo criada pela prática do comportamento típico, é realizada ex ante, independentemente da comprovação, no caso concreto, de que a conduta do agente tenha produzido, efetivamente ou não, a situação de perigo que o tipo procura evitar.

Portanto, o tipo previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89 não exige a ocorrência de lesão ao bem jurídico. Exige-se, tão somente, que se demonstre que a substância envolvida era, de fato, agrotóxico, e não outra substância tóxica ou perigosa.

Há doutrina que sustenta ser possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes de perigo. Cintra (2011, p. 126) defende que

a conduta que se subsume a um crime de perigo abstrato será absolutamente insignificante quando o próprio risco gerado for de tal forma diminuto que se torne praticamente impossível a hipótese de concretização deste risco e de consequente lesão ao bem jurídico ou quando o risco não é insignificante, mas a lesão que poderia dele resultar for absolutamente insignificante.

Apesar de defender a possibilidade de aplicação do princípio, o próprio doutrinador reconhece que na prática trata-se de “situação de difícil constatação empírica porque o crime

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não veio a ocorrer”. No entanto, seguindo o entendimento atualmente majoritário nos Tribunais Superiores, defende-se no presente trabalho não ser possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes de perigo, dentre eles o previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89.

Entende-se que nos crimes de perigo abstrato não está presente o requisito “ausência de periculosidade social da ação”, nos termos delineados pelos Tribunais Superiores e já expostos anteriormente. Para Cintra (2011, p. 101-102), o referido vetor “funciona como uma válvula de escape, para excluir a aplicação do princípio da insignificância em relação a condutas consideradas socialmente perigosas, já que colocariam em risco a ‘integridade da própria sociedade’.”

Muito embora não existam decisões envolvendo especificamente o delito previsto no art. 15 da Lei de Agrotóxicos, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu, em relação a outros crimes de perigo, ser inviável a aplicação do princípio da insignificância.

Em julgamento recente, o STJ decidiu que deveriam ser analisadas as circunstâncias específicas do caso concreto para aferir, com cautela, o grau de reprovabilidade, a relevância da periculosidade social, bem como a ofensividade da conduta, haja vista a fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e futuras gerações, consoante o princípio da equidade intergeracional.

Com efeito, o art. 56 da Lei 9.605/1998 descreve crime ambiental formal de perigo abstrato, ante a presunção absoluta do legislador de perigo na realização da conduta típica e a prescindibilidade de resultado naturalístico, e pluridimensional, pois, além de proteger o meio ambiente em si, tutela diretamente a saúde pública, haja vista a periclitância de seus objetos, altamente nocivos e prejudiciais, com alta capacidade ofensiva. Não há falar, portanto, em ausência de periculosidade social da ação, porquanto lhe é inerente2.

No mesmo sentido é o posicionamento atual do Superior Tribunal de Justiça em relação ao crime de tráfico de drogas e de porte ilegal de arma de fogo, que também são crimes de perigo abstrato.

2 BRASIL. RHC 64.039/RS, Quinta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, julgado

em 24/05/2016. In: Diário da Justiça, 03 jun. 2016. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 06 jun. 2016.

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da insignificância, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que a presunção de lesão nos crimes de perigo abstrato justifica-se na medida em que novos contextos de risco surgem na esfera social, exigindo uma tutela penal de prevenção, que incide antes mesmo da ocorrência de danos que, se ultimados, trariam resultados ainda mais maléficos para a comunidade. Com base nestes fundamentos, decidiu-se que

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. LESÃO À SEGURANÇA PÚBLICA E À PAZ COLETIVA. REANÁLISE DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.

1. No delito de posse ilegal de munição de uso restrito, o exame dos critérios utilizados para o reconhecimento da materialidade delitiva prescinde do revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, pois os crimes de perigo

abstrato dispensam a comprovação da existência de situação que tenha colocado em risco o bem jurídico tutelado, ou seja, não se exige a prova de perigo real, pois este é presumido pela norma, sendo suficiente a periculosidade da conduta, que é inerente à ação.

2. As condutas punidas por meio dos delitos de perigo abstrato são as que perturbam não apenas a ordem pública, mas lesionam o direito à segurança, daí porque se justifica a presunção de ofensa ao bem jurídico.

3. O simples fato de possuir ilegalmente munição de uso restrito caracteriza a conduta descrita no artigo 16 da Lei 10.826/2003, por se tratar de crime de perigo abstrato, cujo objeto imediato é a segurança coletiva, sendo inaplicável, ainda, o princípio da insignificância. Precedentes.

4. Agravo regimental desprovido3.

Ao analisar a conduta de tráfico de entorpecentes, o STJ acrescentou, além dos argumentos já ventilados, que, por ser o delito classificado como de perigo abstrato, a probabilidade de dano já foi presumida pelo legislador ao tipificar o crime. A quantidade de droga somente deveria ser considerada no momento da fixação da pena, e não para afastar a tipicidade material. Neste sentido:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. LAUDO PERICIAL. MATERIALIDADE DELITIVA. COMPROVAÇÃO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL

IMPROVIDO.

3BRASIL. AgRg no REsp 1558432/MG, Quinta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Rel. Ministro Jorge Mussi,

Julgado em 24/05/2016. In: Diário de Justiça, 03 jun. 2016. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 06 jun. 2016.

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laudos periciais atestaram o caráter entorpecente da substância apreendida em poder do recorrente.

2. Tendo as instâncias ordinárias considerado suficientes os elementos de prova constantes dos autos que levaram ao reconhecimento da autoria e materialidade, e, por consequência, à condenação do recorrente, não há como desconstituir o entendimento firmado, sob pena de profunda incursão na seara probatória, inviável na via processual eleita.

3. Prevalece nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que afigura-se inaplicável o princípio da insignificância ao delito de tráfico ilícito de drogas, porquanto trata-se de crime de perigo presumido ou abstrato, sendo irrelevante a quantidade de droga apreendida em poder do agente.

4. Decisão agravada mantida por seus próprios fundamentos. 5. Agravo regimental improvido4.

Verifica-se, pelos motivos acima expostos, que, seja em decorrência da natureza difusa do bem jurídico tutelado, seja em razão da classificação como crime de perigo abstrato, mostra-se inviável a aplicação do princípio da insignificância ao crime previsto do art. 15 da Lei de Agrotóxicos com causa supralegal de exclusão da tipicidade material.

4 BRASIL. AgRg no HC 271.479/RJ, Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Rel. Ministro Nefi Cordeiro,

Julgado em 03/05/2016, In: Diário de Justiça, 12 maio 2016. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 06 de junho de 2016.

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CONCLUSÃO

Feitas as considerações retro, conclui-se que o princípio da insignificância é uma importante ferramenta na busca pela concretização da Justiça, atuando como descriminalizador de certas condutas previstas no ordenamento jurídico, buscando evitar a desproporcionalidade na atuação do direito penal.

Esta “política criminal” é construída sob a justificativa de que o Direito Penal não deve se ocupar com condutas de pouca relevância, que resultam em ínfima lesão aos bens jurídicos tutelados pela lei ou que sequer possuam aptidão para lesioná-los.

Constatou-se que o Supremo Tribunal Federal criou parâmetros com vistas à aplicação do postulado da insignificância de forma homogênea, apontando a direção a ser seguida no caso concreto. Não se nega, no entanto, que os vetores criados pelo Tribunal Superior possuem certo grau de subjetividade, o que vem sendo criticado pela doutrina.

Após, passou-se a analisar as posições doutrinárias existentes sobre a possibilidade ou não de aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais, considerando trata-se de crimes que tutelam bens jurídicos difusos, de titularidade de toda a coletividade.

Por fim, passou-se ao foco principal deste trabalho, analisando-se a possibilidade de aplicação ou não da causa supralegal de extinção da tipicidade material ora estudada ao crime previsto no art. 15 da Lei nº 7.802/89.

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periculosidade social da ação”, onde se deve prevenir a ocorrência de dano, pois o dano gerado ao meio ambiente não pode ser mensurado, bem como o crime previsto no art. 15 da Lei 7.802/89, trata-se de crime de perigo abstrato e tem como bem jurídico tutela a coletividade, em virtude da natureza difusa do meio ambiente.

Por fim, destaca-se que o presente trabalho não teve a pretensão de esgotar o tema, apenas discorrendo em breves linhas sobre os temas propostos e apresentando a conclusão que se entende mais justa e coerente com a relevância dos bens jurídicos tutelados pelo art. 15 da Lei de Agrotóxicos.

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REFERÊNCIAS

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Referências

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