• Nenhum resultado encontrado

A prisão domiciliar como alternativa à prisão preventiva e a situação das mulheres presas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A prisão domiciliar como alternativa à prisão preventiva e a situação das mulheres presas"

Copied!
56
0
0

Texto

(1)

GRANDE DO SUL

NATHALIÊ SIQUEIRA

A PRISÃO DOMICILIAR COMO ALTERNATIVA À PRISÃO PREVENTIVA E A SITUAÇÃO DAS MULHERES PRESAS

Ijuí (RS) 2018

(2)

NATHALIÊ SIQUEIRA

A PRISÃO DOMICILIAR COMO ALTERNATIVA À PRISÃO PREVENTIVA E A SITUAÇÃO DAS MULHERES PRESAS

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Patrícia Borges Moura

Ijuí (RS) 2018

(3)

Dedico este trabalho a minha mãe e irmãs, que incansávelmente estiveram ao meu lado me dando forças e me orientando para os

melhores caminhos, iluminando minhas

decisões em momentos de tensões e sempre me fazendo lembrar de lutar pelos meus objetivos.

(4)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por atender minhas preces de aqui chegar, bem como aos espíritos de luz por me conduzirem e iluminarem meus caminhos;

Agradeço a minha mãe e irmãs, por serem o motivo da minha felicidade e gás para minhas incansáveis buscas;

Ao meu namorado André, por toda força e paciência;

Às minhas amigas pelo amparo e

momentos de lazer, os quais foram

absolutamente necessários para me dar forçar e continuar;

Por fim, agradeço especialmente à Mestre Patrícia Borges Moura por todos os ensinamentos de Processo Penal, e, sobretudo, pela dedicação, paciência e orientação para elaboração do presente trabalho.

(5)

“Os que acham que a morte é o maior de todos os males é porque não refletiram sobre os males que a injustiça pode causar.”

(6)

O presente trabalho de conclusão de curso analisou os argumentos do Supremo Tribunal Federal no voto que concedeu a ordem no Habeas Corpus Coletivo nº 143.641, julgado no dia 20 de fevereiro de 2018, pelo Supremo Tribunal Federal, e determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar às mulheres que ostentem a condição de gestantes, puérperas ou de mães com filhos até 12 anos de idade sob sua responsabilidade, bem como os limites dessa decisão e seus impactos para a política carcerária brasileira. Para tanto, analisou-se, preliminarmente, as circunstâncias em que vivem as mulheres presas, especialmente aquelas que se encontram nas condições supramencionadas, inclusive a partir da análise da ADPF nº 347, que declarou o sistema penitenciário como um estado de coisas inconstitucional, por manter seus prisioneiros em condições cruéis, desumanas e degradantes. Durante o delineamento do trabalho, utilizou-se a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, bem como, durante sua realização, foi utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo.

Palavras-Chave: Direitos Humanos. Direitos das mulheres presas. Habeas Corpus Coletivo.

(7)

The present work of conclusion of course analyzed the arguments of the Federal Supreme Court in the vote that granted the order in the Collective Habeas Corpus No. 143,641, judged on February 20, 2018, by the Federal Supreme Court, and ordered the substitution of preventive custody by domicile women who are pregnant, have given birth, or mothers with children up to the age of 12 under their responsibility, as well as the limits of this decision and its impact on Brazilian prison policy. In order to do so, a preliminary analysis was made of the circumstances of women in the Brazilian penitentiary system, especially those in the above conditions, including the analysis of ADPF No. 347, which declared the penitentiary system an unconstitutional state of affairs, for keeping their prisoners in cruel, inhuman and degrading conditions. During the design of the work, the data collection was used in bibliographic sources available in physical media and in the computer network, as well as during its realization, the hypothetical-deductive approach was used.

(8)

INTRODUÇÃO ... 8 1 POLÍTICA CARCERÁRIA BRASILEIRA: as mazelas da vida no cárcere e a situação das mulheres presas ... 10 1.1 Os direitos humanos dos presos: uma análise a partir dos Tratados Internacionais, do texto constitucional de 1988 à legislação infraconstitucional ... 11 1.2 Um retrato da vida no cárcere brasileiro: o declarado Estado de Coisas Incostitucional ... 17 1.3 A vida das mulheres do cárcere brasileiro ... 23 2 A POSSIBILIDADE DE PRISÃO DOMICILIAR ÀS MULHERES PRESAS PROVISÓRIAMENTE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA DECISÃO DO HC Nº 143.641 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ... 27 2.1 A prisão domiciliar e seu caráter substitutivo em relação à prisão preventiva após a publicação das Leis de n.º 12.403/2011 e 13.257/2016 ... 29 2.2 Os fundamentos da concessão do HC nº 143.641 pelo STF ... 34 2.3 O por que de um habeas corpus coletivo? Qual a eficácia dessa decisão e seus impactos para a política carcerária brasileira? ... 44 CONCLUSÃO ... 49 REFERÊNCIAS ... 52

(9)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo das discriminações ocorridas no sistema carcerário brasileiro, em que os direitos fundamentais dos presos são notoriamente desrespeitados. O excesso de decretações de prisões no Brasil é percebido pelos índices informativos do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, uma vez que a taxa de crescimento da população carcerária, indicada entre a década de 90 até o ano de 2016, demonstra um aumento em 707% naquele período, explicando, assim, a superlotação do sistema penitenciário, cujo déficit chegou a 358.663 mil vagas, segundo informações da pesquisa supramencionada. Além disso, o descaso do executivo com a estrutura prisional é aterrorizante, não obedecendo a legislação orientadora do sistema, a qual está pautada nas condições adequadas aos direitos humanos. A realidade em que vivem os presos se caracteriza como condição desumana e degradante, cujo respeito com a dignidade da pessoa humana é mínimo.

Isso tudo caracteriza o sistema penitenciário como um todo, entretanto, mais alarmante são as condições das mulheres encarceradas, cujo sistema, fundado na cultura patriarcal, não oferece o mínimo de estrutura que se adeque à condição especial da mulher, tornando ainda mais cruel a pena cumprida, sobretudo das mulheres que estão sob a condição de gestantes, puérperas ou mesmo já mães, deixando-as sujeitas às situações desumanas e degradantes na prisão, o que consequentemente se estende aos seus filhos, ocasionando uma série de violações a direitos fundamentais deflagradas pelos próprios responsáveis em preveni-las.

Além das questões estruturais, observa-se, também, uma banalização no que se refere ao instituto das prisões preventivas, especialmente no que tange a sua excepcionalidade, vez que decretadas exageradamente, configurando a chamada “cultura do encarceramento”.

(10)

As condições sub-humanas em que vivem os presos, aliado à falência dos fins ressocializadores da prisão, demonstram que a pena privativa de liberdade não consegue cumprir com os fins difundidos pelo discurso jurídico, ocasionando tão somente a rotulação do sujeito perante a sociedade, o que justifica o uso dos institutos alternativos à prisão pena, sobretudo para garantir aos sujeitos do sistema penal que estejam em condições dignas, e, portanto, de acordo com o Estado Democrático de Direito. Trata-se de uma dura realidade, que necessita de um novo olhar sobre o modo de se fazer a execução penal no Brasil, em especial no que tange à vida das mulheres no cárcere.

Dessa forma, o trabalho estudará os direitos fundamentais das presas, em especial daquelas que se encontram sob a condição de gestantes, puérperas ou mães com filhos com até 12 anos de idade, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como os direitos de seus filhos, contrapondo-os com a realidade fática dos Sistemas Prisionais femininos. Analisar-se-á, também, os argumentos da concessão da ordem do Habeas Corpus Coletivo n° 143.641, julgado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em 20 de fevereiro de 2018, que determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar às mulheres presas preventivamente que se encontrem nas condições supramencionadas.

Para tanto, a pesquisa será do tipo exploratória. Utilizará no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização, será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo. Ademais, será estruturado em 2 capítulos, em que o primeiro terá como objeto de estudo a política carcerária brasileira, abordando as mazelas da vida no cárcere e a situação das mulheres presas, e o segundo analisará a possibilidade da prisão domiciliar às mulheres presas preventivamente, cuja análise abordará as Leis número 12.403/2011 e 13.257/2016, os fundamentos da concessão do Habeas Corpus Coletivo nº 143.641 e as questões processuais relativas à abrangência do remédio constitucional.

(11)

1 POLÍTICA CARCERÁRIA BRASILEIRA: AS MAZELAS DA VIDA NO CÁRCERE E A SITUAÇÃO DAS MULHERES PRESAS

Não é desconhecido o fato de que o sistema penitenciário brasileiro se encontra em profunda crise, e que os que vivem no cárcere são tratados de forma desumana, como se estivessem inseridos em uma sociedade à parte, com direitos a serem legitimamente sonegados. Aos encarcerados só resta um estranhamento por parte do restante do corpo social, como se as premissas e promessas de um Estado Democrático de Direitos não fossem para esses indivíduos.

Nesse contexto, embora se tenha uma série de direitos assegurados com o fim de respeitar, sem exceções, a dignidade da pessoa humana, segundo preconiza o texto constitucional brasileiro de 1988, o sistema penitenciário se mostra aniquilador de tais direitos, administrados pelos próprios responsáveis em garanti-los, se apresentando terrivelmente como um lugar exclusivamente punitivo e contrariando todos os avanços humanitários conquistados pela sociedade.

A partir de tais reflexões críticas se faz necessário estudar o conjunto de leis que asseguram – ou deveriam assegurar – os direitos dos presos, contrapondo-os com a realidade fática do sistema carcerário brasileiro, em que problemas como a superlotação, a falta de atendimento aos requisitos básicos estipulados pela LEP – como educação, saúde, alimentação, incentivo ao trabalho -, dentre outras mazelas, fizeram com que o sistema fosse reconhecido como um estado de coisas inconstitucional, sendo flagrante o desrespeito com o ser humano, deslegitimando o sistema penitenciário e suas funções preventiva e de reinserção social.

Aliado a isso, inclui-se na necessidade de análises as situações a que estão submetidas as mulheres presas, caracterizadas como desumanas, e degradantes, extrapolando, assim, os limites de punições permitidas pelo ordenamento jurídico. Eis a temática central do trabalho. Mas antes serão abordadas noções introdutórias acerca do sistema carcerário em si, e dos direitos das pessoas presas, previstos, inclusive, em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

(12)

1.1 Os direitos humanos dos presos: uma análise a partir dos Tratados Internacionais e do texto constitucional de 1988 à legislação infraconstitucional

Os direitos humanos visam à proteção dos valores mais preciosos da pessoa humana, quais sejam: a solidariedade, a igualdade, a fraternidade, a liberdade e a dignidade. Trata-se de uma temática que está inclusa em diversos debates sociais que, não rara as vezes, são realizados de forma equivocada e crítica à sua existência, uma vez que seus interlocutores são desprovidos de conhecimento quanto a sua essência. Por isso, se entende indispensável um breve resgate da historicidade desses direitos, uma vez que somente assim é possível demonstrar a razão de sua existência.

Os direitos humanos são direitos que foram sendo conquistados ao longo da história da humanidade, não apresentando uma sequência lógica, conforme ensina José Gregori (2010, p. 92):

Da caverna à civilização e dessa ao atual Estado Democrático de Direito houve um incessante esforço de modificação, superação e aperfeiçoamento.

Não se seguiu uma história contínua e coerente, mas, pelo contrário, uma curva cheia de avanços e recuos, altos e baixos, que, felizmente, no computo geral, segue sempre adiante.

Entretanto, o que se pode afirmar é que a conquista pelos direitos humanos é enraizada pelo desrespeito ao indivíduo, tendo em vista as barbáries e arbitrariedades cometidas pelo Estado, recheada de violência, perseguição, revoltas, lutas, lágrimas e sangue. Nesse contexto, Gregori (2010, p. 92) sintetizou em 5 fases a história dos direitos humanos, conforme a seguir se expõe:

a) suas raízes mergulham nas tradições gregas e judaico-cristãs da Antiguidade, com reconhecimento que o oriundo de uma cidade deve ter expressão política e que a mensagem de Cristo é libertadora e propugna o amor ao próximo; b) esclarecem-se no Iluminismo, quando o ser humano é colocado no centro das preocupações do pensamento individualista, em oposição ao período feudal, que o degradava na condição, no máximo, de servo; c) conceituam-se nas Revoluções Americana e Francesa que os proclamam na Declaração Jeffersoniana da Independência e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que defendem o indivíduo como titular de certos direitos inatos; d) prosseguem nas Revoluções Mexicana e Russa, na República de Weimar, quando o seu campo de abrangência abriu-se para a dimensão social, econômica e cultural; e) renascem, após o término da II Guerra Mundial e da derrota do nazifascismo, com a criação da ONU, ganhando culminância na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

(13)

Ademais, se observa que nos mais variados aspectos do tema Direitos Humanos possui dificuldades de compreensão, inclusive quanto sua conceituação. Nesse sentido, dispõe André de Carvalho Ramos, citando Peces-Barba que direitos humanos são:

faculdades que o Direito atribui a pessoas e aos grupos sociais, expressão de suas necessidades relativas à vida, liberdade, igualdade, participação política, ou social ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o desenvolvimento integral das pessoas em uma comunidade de homens livres, exigindo o respeito ou a atuação dos demais homens, dos grupos sociais e do Estado, e com garantia dos poderes públicos para restabelecer seu exercício em caso de violação ou para realizar sua prestação (RAMOS, 2012, p. 13).

Ainda, conforme Belisário dos Santos Júnior, citado por André Ramos Tavares, “os denominados direitos humanos serão aqueles essenciais, sem os quais não se reconhece o conceito estabelecido de vida. Não há uma relação estabelecida e final de tais direitos, já que seu caráter é progressivo (...)” (TAVARES, 2017, p. 362).

Segundo conceitua a Organização das Nações Unidas, Direitos Humanos são “garantias jurídicas universais, que protegem indivíduos e grupos contra as ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”. Estabelece o art. I, da Declaração Universal dos Direitos Humanos que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” e completa o sentido axiológico do termo direitos humanos com seu art. II, ao dizer que “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição” (ONU, 2009a, p. 4-5).

O termo “direitos humanos” é muito amplo, e pode ser usado no Direito, na Política, na Sociologia, na Filosofia e nas mais variadas formas, como diretos dos homens, direitos fundamentais, direitos naturais, etc. Entretanto, se pode estabelecer diferenciações na medida em que o termo “direitos dos homens” refere-se aos direitos de cunho jusnaturalistas, ou seja, são direitos intrínsecos à natureza humana; direitos fundamentais são aqueles direitos naturais que foram positivados em um texto constitucional e o termo direitos humanos é a evolução dos direitos fundamentais, direitos positivados elevados ao plano internacional (ÁUREA MARIA FERRAZ DE SOUSA, 2008.)

(14)

Contudo, independente do termo usado para se referir ao conjunto de direitos naturais aos seres humanos, os institutos buscam positivar normas a fim de que se obtenham garantias para o efetivo cumprimento e o respeito à dignidade da pessoa humana, conceituada por Uliana Lemos de Paiva (2011, p. 6-7) nos seguintes termos:

O conceito que construímos de dignidade humana remonta a uma obrigação de fazer e não fazer, por parte do Estado, e da comunidade em geral: em seu aspecto físico, o ser humano deve ser inviolável em sua dignidade corporal, não podendo o seu corpo ser vítima de maus-tratos; em seu aspecto psíquico, envolve um não fazer, para salvaguardar o indivíduo de qualquer instrumento de pressão ou tortura psicológica, e por fim, em seu aspecto social, exige-se do Estado certas prestações positivas, de modo a garantir o mínimo existencial à vida dos indivíduos, como, por exemplo, o direito à saúde, moradia, alimentação e à educação.

Tendo em vista a temática do presente trabalho, a análise dos direitos humanos será limitada aos direitos reconhecidos (ou negados) aos homens e mulheres que vivem no cárcere brasileiro, em especial ao público feminino que, além de estar sujeito aos desrespeitos da dignidade da pessoa humana pela situação do sistema carcerário como um todo, possuem sua situação agravada pela falta de políticas criminais que lhes ofereçam tratamentos dignos em relação a sua condição especial de mulher, com as peculiaridades próprias do gênero a que pertence.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), em seu título reservado aos princípios fundamentais, refere a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme se observa no inciso III de seu art. 1º. Em vista disso, esclarece Paiva (2011, p.7) que “a dignidade se mostra como um valor normativo superior; um valor insuperável, acima, mesmo, de qualquer norma. É o princípio fonte que deve guiar todo o ordenamento jurídico”.

Em razão do poder punitivo exclusivo do Estado, o art. 5º, do texto constitucional de 1988, relacionou direitos fundamentais que devem ser observados pelo Estado na concretização de seu poder de penar, quais sejam: vedação a tratamento desumano ou degradante (inciso III); individualização da pena (inciso XLV e XLVI); respeito à integridade física e moral do preso (inciso XLIX); julgamento por autoridade competente (inciso LIII); devido processo legal (inciso LIV); presunção de inocência (inciso LVIII); proibição de pernas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (inciso XLVII); cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (XLVIII); respeito à integridade física e moral (inciso

(15)

XLIX) e, às presidiadas, condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. Aliado a isso, determinou, em seu inciso 1XLI que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais” (BRASIL, 2018a).

No âmbito internacional, a valorização da dignidade da pessoa humana no cumprimento das sanções penais foi reconhecida com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, que estabeleceu, em seu art. 5º que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Por esta razão, após as barbáries cometidas na Segunda Guerra Mundial e o reconhecimento da dignidade da família humana como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, os países começaram a incluir tal fundamento como princípio em suas constituições, bem como a assinar tratados internacionais disciplinadores do poder punitivo do Estado (PAIVA, 2011).

Especificamente ao tratamento dos presos foram elaboradas as Regras Mínimas para Tratamento dos Prisioneiros, aprovadas pelo Conselho Econômico e Social da ONU, através das Resoluções 663 C I (XXIV), de 31 de julho de 1957, e 2076 (LXII), as quais foram utilizadas ao longo dos anos como um guia para estruturar sua justiça e sistema prisional. Tendo em vista as novas doutrinas sobre direitos humanos, estas regras foram revisadas e atualizadas e, em 22 de maio de 2015, foram oficializadas como Regras de Mandela, passando, então, a orientar a reestruturação do atual modelo de sistema penal e a percepção do encarceramento para a sociedade (CNJ, 2016).

Na mesma linha, em 22 de novembro de 1969, foi assinada pelos Estados-Partes das Nações Unidas a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), aderida pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 e, após procedimentos constitucionais, promulgada pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, sendo publicada no Diário Oficial da União no dia 09 do mesmo mês/ano. Em seu art. 5.2 estabelece que “ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”, bem como, em seu art. 5.6, reafirma as finalidades essenciais da pena de prisão, estabelecendo que “as penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados” (BRASIL, 2018b).

(16)

Ainda, outro documento normativo internacional de extrema importância para o presente trabalho são as chamadas Regras de Bangkok, aprovadas pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2010, cujo conteúdo diz respeito ao tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. De grande valia mencionar parte da apresentação do CNJ na publicação de tais regras na Serie Tratados Internacionais de Direitos Humanos, onde o Presidente, Ministro Ricardo Lewandowski escreveu que:

(...) O principal marco normativo internacional a abordar essa problemática são as chamadas Regras de Bangkok − Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Essas Regras propõem olhar diferenciado para as especificidades de gênero no encarceramento feminino, tanto no campo da execução penal, como também na priorização de medidas não privativas de liberdade, ou seja, que evitem a entrada de mulheres no sistema carcerário (CNJ, 2016).

Considerando que o Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direitos e estabelece como um de seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, conforme se observa pelo art. 1º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, suas ações deverão sempre estar de acordo com tal princípio, bem como, com as garantias fundamentais que, em razão dele, foram constituídas pelo ordenamento jurídico. Em vista disso, é necessário que o Estado trilhe os caminhos do devido processo penal para que possa colocar em ação seu poder punitivo (AURY LOPES JUNIOR, 2016). As etapas desse caminho estão instituídas do Código de Processo Penal, bem como em legislações especiais, através das quais apurar-se-á o cometimento de uma infração penal, bem como seu devido autor, e, então, permitirão, ou não, entrar em ação o poder punitivo estatal.

A execução da pena é regulamentada pela Lei nº 7.210/1984 que, já em seu artigo primeiro, determina a função preventiva e ressocializadora da pena. A referida lei traz em sua redação direitos aos condenados e deveres aos servidores do Estado que devem ser observados no momento da execução da pena, em especial em estabelecimentos destinados ao cumprimento das penas privativas de liberdade. Dessa forma, pode-se observar que o art. 40 da referida Lei determina o dever de todas as autoridades de respeitar a integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios (BRASIL, 2018c).

Conforme pertinência para o presente trabalho, destacam-se alguns direitos constantes expressamente na lei, como: existência de estabelecimentos próprios e adequados às mulheres – e maiores de 70 anos – (art. 82, §1º), os quais deverão ser dotados de berçário,

(17)

possibilitando que as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade (arts. 83, § 2º). (BRASIL, 2018c).

Além disso, estabelece a referida lei requisitos estruturais para os estabelecimentos destinados ao cumprimento de penas privativas de liberdade, como: separação dos condenados de acordo com a natureza da prisão e o tipo de delito praticado (art. 84), lotação dos estabelecimentos compatíveis com sua estrutura e finalidade, celas penitenciárias individuas, com salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, área mínima de 6m (art. 88) e, ainda, penitenciárias destinadas as mulheres dotadas de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa (art. 89) (BRASIL, 2018c).

Em que pese existir todo esse aparato legal para garantir que seja respeitada a dignidade da pessoa humana privada de sua liberdade, observa-se que a realidade não condiz com as normas garantidoras. Conforme informações do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - DEPEN, atualizado em junho de 2016, o número de pessoas privadas de liberdade no Brasil, neste período, chegava a 726.712, distribuído entre o Sistema Penitenciário Estadual, Sistema Penitenciário Federal e Delegacias Estaduais. As pessoas que se encontravam em albergues e com monitoração eletrônica foram excluídas daquele total. Informaram, também, que o número total de vagas dos supramencionados estabelecimentos prisionais era 368.049 mil, sendo que o número de pessoas aprisionadas reduzido pelo número de vagas prisionais alcançava o déficit de 358.663 mil vagas, trazendo à baila a superlotação do sistema penitenciário prisional (DEPEN, 2016, p. 8).

Além disso, resta demostrado no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias que, entre a década de 90 até o ano de 2016, a Taxa de Aprisionamento no Brasil aumentou em 707% (DEPEN, 2016, p. 9), bem como que do total de pessoas presas em junho de 2016, 40% não possuem condenação, índices que demonstram o excesso de decretações prisionais pelos magistrados e a banalização da excepcionalidade das Prisões Cautelares (DEPEN, 2016, p. 13).

(18)

Quanto à destinação dos estabelecimentos prisionais de acordo com o gênero, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – DEPEN, informa que 74% são designados ao público masculino, 7% ao público feminino, 17% a ambos os gêneros e 2% não apresentam informações (DEPEN, 2016, p. 19).

Observa-se, através das informações acima indicadas, que a maior parte dos estabelecimentos prisionais foram projetados para o público masculino, poucos destinam-se especialmente ao público feminino e muitos são utilizados para ambos os gêneros, demonstrando um espaço reservado a mulheres dentro de um estabelecimento originalmente masculino.

A situação dramática do Sistema Penitenciário Brasileiro é fato incontestável, o que pode ser verificado pelo reconhecimento deste como “estado de coisas inconstitucional”, em setembro de 2015, no julgamento liminar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 347, pelo Supremo Tribunal Federal, a qual foi ajuizada pelo PSOL – Partido Socialismo e Liberdade, visando a “consequente adoção de providências estruturais em face de lesões a preceitos fundamentais dos presos que, na visão do partido arguidor, são decorrentes ‘de ações e omissões dos Poderes Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal’” (PATRÍCIA BORGES MOURA, 2016, p. 12).

O referido estado de coisas inconstitucional é reconhecido em situação insuportáveis de desrespeito aos direitos e garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito, com requisitos próprios e objetivando a mudança do quadro reconhecido, conforme se demonstrará na próxima seção que se destina ao retrato do cárcere brasileiro e o declarado Estado de Coisas Inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF n° 347, ajuizada em 2015 pelo Partido Socialismo e Liberdade –PSOL.

1.2 Um retrato da vida no cárcere brasileiro: o declarado Estado de Coisas Inconstitucional

A situação dramática do sistema penitenciário brasileiro é tão reconhecida ao ponto de este ser declarado como estado de coisas inconstitucional, em 27 de agosto de 2015, na

(19)

Medida Cautelar da ADPF nº 347, do Supremo Tribunal Federal, cujo relator era o Ministro Marco Aurélio, e requerente o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

O requerente solicitou fosse declarado o referido estado de coisas do sistema penitenciário brasileiro, a fim de que o tribunal interferisse “na criação e implementação de políticas públicas, em alocações orçamentárias e na interpretação e aplicação da ordem processual penal, visando reduzir os problemas da superlotação dos presídios e das condições degradante do encarceramento”. (CARLOS ALEXANDRE DE AZEVEDO CAMPOS, 2015).

Importante ressaltar que em ambos os polos da ADPF 347, nas sustentações orais contra e a favor do pedido, houve o entendimento unanime de que o “sistema penitenciário é marcado por uma profunda e generalizada violação de direitos fundamentais dos presos, sendo necessárias medidas urgentes para a mudança do quadro”. (CAMPOS, 2015).

O Estado de Coisas Inconstitucional é um instrumento de decisão desenvolvido pela Corte Constitucional Colombiana “para o enfrentamento e a superação de situações de violações graves e sistemáticas dos direitos fundamentais, as quais exigem uma atuação coordenada de vários atores sociais” (MARIANA REZENDE GUIMARÃES, 2018, p. 81). Ainda, de acordo com a autora, citando a sentença T-025/04 da Corte Constitucional Colombiana, os fatores em destaque considerados pelo Tribunal Colombiano para definir a existência do estado de coisas são:

a) a vulneração massiva e generalizada de vários direitos fundamentais que afetam um número significativo e pessoas; b) a prolongada omissão das autoridades no cumprimento de suas obrigações para garantir esses direitos; c) a não adoção de medidas legislativas, administrativas ou orçamentárias necessárias para evitar a vulneração dos direitos; d) a existência de um problema social cuja solução demanda a intervenção de várias entidades, requer a adoção de um conjunto complexo e coordenado de ações bem como compromete significativos recursos orçamentários; e) a possibilidade de se lotar o Poder judiciário com ações repetitivas acerca das mesmas violações de direitos.

Campos (2015) define os supramencionados fatores como pressupostos do Estado de Coisas Inconstitucional, complementa a falta de adoção de medidas legislativas e administrativas com a falta de adoção de medidas também judiciais, caracterizando como “falha estatal estrutural”. Traz a ideia de que a medida se caracteriza como remédios com “ordens dirigidas não apenas a um órgão, e sim a uma pluralidade destes – são necessárias mudanças estruturais, novas políticas públicas ou o ajuste das existentes, alocação de

(20)

recursos, etc - , ainda, citando Clara Inés Vargas Hernández (2003, p. 225) que a corte “não mais se dirige a resolver problemas particulares, a assegurar direitos específicos de demandantes, e sim a proteger a dimensão objetiva dos direitos fundamentais em jogo”.

O estado de coisas inconstitucional, caracterizado como “remédio estrutural” tem como função dois objetivos principais: “superar bloqueios políticos e institucionais e aumentar a deliberação e o diálogo sobre causas e soluções do Estado de Coisas Inconstitucional”, os quais justificam Cortes tomarem ações de “ativismo judicial”, uma vez que, diante dos problemas causados por falhas estruturais, “acaba sendo o único meio para superar os desacordos políticos e institucionais, a falta de coordenação entre órgãos públicos, temores de custos políticos, legislative blindspots1, sub-representação de grupos sociais minoritários ou marginalizados” (CAMPOS, 2015).

No Brasil, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou a ADPF nº 347 com pedido de concessão de medida cautelar, objetivando fosse reconhecido pelo STF o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, bem como fossem determinadas medidas tendentes a sanar as gravíssimas lesões a preceitos fundamentais da Constituição, decorrentes de condutas comissivas e omissivas dos poderes públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal, no tratamento da questão prisional do Brasil (BRASIL, 2015d).

Consta da petição inicial que:

As prisões brasileiras são, em geral, verdadeiros infernos dantescos, com celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos. Homicídios, espancamentos, tortura e violência sexual contra os presos são frequentes, praticadas por outros detentos ou por agentes do próprio Estado. As instituições prisionais são comumente dominadas por facções criminosas, que impõem nas cadeias o seu reino de terror, às vezes com a cumplicidade do Poder Público. Faltam assistência judiciária adequada aos presos, acesso à educação, à saúde e ao trabalho. O controle estatal sobre o cumprimento das penas deixa muito a desejar e não é incomum que se encontrem, em mutirões carcerários, presos que já deveriam ter sido soltos há anos. Neste cenário revoltante, não é de se admirar a frequência com que ocorrem rebeliões e motins nas prisões, cada vez mais violentos. (BRASIL, 2015d).

1 Legislative Blindspots significa “pontos cegos legislativos”, cujo conceito refere-se a falta de “vontade política

dos poderes representativos em atuar em prol das minorias ou ainda, o temor dos custos políticos ao favorecer certos grupos” (ALVES, Et. Al., 2016, p. 1).

(21)

Ainda, o PSOL cita na petição inicial um relatório promovido pela Câmara dos Deputados em CPI do Sistema Carcerário, publicado em julho de 2008, o qual retrata o sistema penitenciário da seguinte maneira: “Apesar da excelente legislação e da monumental estrutura do Estado Nacional, os presos no Brasil, em sua esmagadora maioria, recebem tratamento pior do que o concedido aos animais: como lixo humano (...) Ao invés de recuperar quem se desviou da legalidade, o Estado embrutece, cria e devolve às ruas verdadeiras feras humanas”. Aliado a este, incluiu na inicial os dizeres do então Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo que admitiu publicamente “que as prisões brasileiras são verdadeiras masmorras medievais, confessando que preferia até morrer a ser preso numa delas” (BRASIL, 2015d).

Por meio da referida ADPF, o PSOL requereu a concessão de medida cautelar pelo STF a fim de solucionar gravíssimas violações aos direitos fundamentais dos presos brasileiros, estruturada em 8 pedidos de extrema coerência e necessidade para iniciar a mudança da realidade do sistema penitenciário. Os pedidos constantes da letra “a” e “b” diziam respeito a falta de aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, previstas no art. 319 do CPP, bem como o reconhecimento da audiência de custódia prevista em Pactos Internacionais, e sua imediata realização (BRASIL, 2015d).

Importante destaque se dá aos requerimentos constantes das letras “c” a “f” da medida cautelar, os quais pediam ao STF que determinasse aos juízes e tribunais brasileiros que considerassem o dramático quadro fático do sistema penitenciário brasileiro no momento da concessão de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal (“c”); reconhecessem que a pena é sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pela ordem jurídica, de forma que a preservação da proporcionalidade e humanidade da sanção impõe que os juízes brasileiros apliquem, sempre que viável, penas alternativas à prisão (“d”); afirmassem o poder-dever dos juízos de execução penal em abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos (progressão de regime, livramento condicional, suspensão condicional da pena), bem como abater o tempo de prisão a ser cumprida, quando presentes evidências de cumprimento de penas em condições muito mais severas do que as previstas no ordenamento jurídico e impostas pela sentença condenatória (“e” e “f”) (BRASIL, 2015d).

(22)

Para finalizar os requerimentos cautelares, os pedidos constantes da letra “g” diziam respeito à realização de mutirões carcerários coordenados pelo CNJ, com a finalidade de revisar todos os processos de execução penal em curso no país e adequá-los aos pedidos constantes nas letras “e” e “f”. Já o constante da letra “h” pediam ao STF que impusessem o descontigenciamento de verbas existentes no Fundo Penitenciário Nacional, bem como que evitassem a realização de novas contenções, até o reconhecimento da superação do estado de coisas inconstitucional (BRASIL, 2015d).

No dia 9 de setembro de 2015, o Colegiado do STF apreciou a medida cautelar da ADPF n° 347 de forma que deferiram, por decisão majoritária, os pedidos formulados nos itens “b” e “h”, bem como indeferiram os pedidos formulados nos itens “a”, “c”, “d”, “e”, e “f”, e considerou prejudicado o pedido formulados no item “g” (BRASIL, 2015d).

Na decisão, o Plenário do STF registou que no sistema penitenciário brasileiro há violação generalizada de direitos fundamentais dos presos, de modo que as penas privativas de liberdade se convertiam em penas cruéis e desumanas, transgredindo dispositivos constitucionais (art. 1º, III, 5º, III, XLVII, XLVIII, XLIX, LXXIV, e art. 6º), normas internacionais reconhecedoras dos direitos dos presos (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes e Convenção Americana de Direitos Humanos) e normas infraconstitucionais como a Lei de Execuções Penais e a Lei Complementar nº 79/1994 (BRASIL, 2015d).

Ainda, o Plenário do STF destacou que a forte violação dos direitos fundamentais dos presos não causa prejuízos apenas em relação a eles, mas sim a própria sociedade. Ainda, reconheceu a ineficiência do sistema penitenciário, pois não servem à ressocialização dos presos e fomenta o aumento da criminalidade, transformando pequenos delinquentes em “monstros do crime”. Traz como prova das referidas alegações a alta taxa de reincidência, uma vez que o reincidente passa a cometer crimes ainda mais graves. Consignou que “a situação seria assustadora: dentro dos presídios, violações sistemáticas de direitos humanos; fora deles, aumento da criminalidade e da insegurança social” (BRASIL, 2015d).

Por fim, reconheceu que a responsabilidade da referida situação não pode ser atribuída a um único poder ou ente federativo, e sim aos três poderes – legislativo, executivo e judiciário –, tanto da União, Estados-Membros, e Distrito Federal, destacando que:

(23)

A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representaria falha estrutural a gerar tanto a ofensa reiterada dos direitos, quanto a perpetuação e o agravamento da situação. O Poder Judiciário também seria responsável, já que aproximadamente 41% dos presos estariam sob custódia provisória e pesquisas demonstrariam que, quando julgados, a maioria alcançaria a absolvição ou a condenação a penas alternativas. Ademais, a manutenção de elevado número de presos para além do tempo de pena fixado evidenciaria a inadequada assistência judiciária (BRASIL, 2015d).

Como se demonstrou na referida ação, o sistema penitenciário não está conseguindo cumprir com suas funções, aliás, além disso, acaba ocasionando uma série de desrespeitos a preceitos estipulados pelo poder constituinte que instituiu a República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direitos. A situação não pode ser descrita de outra forma senão dramática, visto que, ao invés de resolver conflitos sociais, minimizando a criminalidade e preparando os detentos para o retorno à sociedade, acaba agravando a situação, não cumprindo com sua função preventiva e muito menos de reinserção social, pois os índices de reincidência são elevadíssimos, além de demonstrarem que a prisão tem sido caracterizada como “escola do crime”, pois os que voltam, na maioria das vezes, reintegram o sistema cometendo crimes ainda mais graves.

Uma pesquisa realizada por Kalleo Coura, intitulada “Presídio, a escola do crime”, publicada no site da Revista Veja, em 22 de maio de 2015, demonstrou que:

de cada dez detentos, nove cometeram crimes repetidas vezes – os chamados reincidentes. O que a análise da sequência e da natureza desses delitos revela é impressionante: três em cada quatro reincidentes cometeram crimes mais graves a cada prisão. Em outras palavras, o que o levantamento indica é que um bandido quase sempre sai da cadeia mais perigoso do que quando entrou. Que um estelionatário vira um traficante; um contrabandista, um sequestrador; um ladrão, um assassino.

Ainda, a fim de demonstrar de forma empírica os dados demonstrados na pesquisa, o autor ainda incluiu a história de Júlio Cesar Guedes de Moraes:

Na manhã de 26 de novembro de 1989, Julio Cesar Guedes de Moraes, de 18 anos, aproximou-se do Porsche azul parado na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta e, arma em punho, mandou que o motorista lhe entregasse o Rolex de ouro que levava no pulso. A vítima, um executivo, passou-lhe o relógio, mas, assim que o bandido se afastou, gritou: “Pega ladrão!”. O ladrão chegou a atirar, mas a polícia apareceu e o prendeu. Moraes passou oito meses na cadeia até conseguir fugir. Voltou a roubar, assaltou bancos e acabou preso novamente. Em 1993, quando dividia pela quarta vez uma cela abarrotada de criminosos de todos os calibres, entrou para uma facção criminosa recém-criada. Fugiu, foi preso outra vez e, em 1995, assassinou três detentos a golpes de faca junto com catorze comparsas. Em 2002, depois de uma sangrenta troca de comando na facção, Julio de Moraes, o

(24)

ladrão que havia sido preso pela primeira vez ao tentar roubar um relógio, já tinha outro nome e outro status: era Julinho Carambola, o segundo homem do PCC, a facção criminosa que domina os presídios de São Paulo e à qual se atribui a morte de centenas de homens, dentro e fora das cadeias (COURA, 2015).

Pode-se perceber que a falência da pena de prisão não é inexplicável, muito pelo contrário, como o Estado poderia ser legitimado a apenar e reeducar detentos ao convívio social se ele mesmo não respeita a dignidade da pessoa humana? E isto não pode ser atribuído a falta de legislação ou estudos que já existem para prevenir tal situação, mas sim a falta de políticas públicas que possibilitem ao ser humano a ser respeitado como tal, simplesmente por sua natureza, além de cautelas do Legislativo, que mais se preocupa em endurecer penas do que respeitar o ser humano e fazer como ele saiba que possui sim valor como pessoa, bem como do Poder Judiciário que decreta prisões generalizadamente, sem utilizar de medidas alternativas à prisão para punir transgressores das normas sociais. Evidente falha estatal estrutural.

E não podemos deixar de citar, especialmente, a situação das mulheres presas que, além de sofrerem todas as violações generalizadas, encontram-se em situação precária agravada por suas condições especiais de mulher, as quais culturalmente são menosprezadas. Dando exemplo a tal situação, podemos citar as mulheres encarceradas grávidas e já mães que, na maioria das vezes, não possuem atendimento médico especializado, nem mesmo locais próprios para que permaneçam com seus filhos, os quais sofrem injustamente, contra princípios instituídos e qualquer ideologia humanitária para as penas da prisão, ponto que será objeto de análise na própria seção que retrata a vida das mulheres no cárcere brasileiro.

1.3 A vida das mulheres no cárcere brasileiro

Diante das considerações expostas nos itens anteriores, afirma-se que os problemas apresentados pelo sistema penitenciário, a revelar o flagrante e reiterado desrespeito com os direitos fundamentais humanos, é motivador das opiniões de que este sistema não consegue cumprir com seus propósitos preventivos e ressocializadores. Considerando essa situação geral, encontramos um agravante quanto à situação das mulheres presas, tendo em vista a forte vinculação do sistema penitenciário a uma matriz histórica patriarcal.

(25)

De acordo com informações do Infopen Mulheres, de junho de 2016, no Brasil havia 42.355, mil mulheres presas, esse número foi extraído de 1.418 unidades prisionais, distribuídas entre estabelecimentos penais masculinos, femininos e mistos (DEPEN, Infopen Mulheres, 2018, p.10/11).

Em vários estudos se encontra a superlotação do sistema penitenciário como uma forte característica do desrespeito aos direitos humanos. No sistema penitenciário feminino, o número de vagas disponíveis em junho de 2016 era de 27.029 mil, sendo que, naquele ano, 42.355 mil mulheres se encontravam aprisionadas, mais precisamente 41.087 mulheres ocupavam os espaços do sistema penitenciário, enquanto que as outras 1.268 estavam aprisionadas em carceragens de delegacias. Conforme tais informações, o sistema penitenciário contava com 15.326 aprisionamentos acima do número de vagas disponíveis (DEPEN, Infopen Mulheres, 2018, p. 11). Observa-se que o Brasil ocupa a 4ª posição entre os 12 países com maior população prisional feminina do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos (211.870), China (107.131) e Rússia (48.478). Entretanto, analisando historicamente a evolução de taxa de aprisionamento nos 4 países que mais encarceram mulheres no mundo, o Brasil não encontra parâmetro de compatibilidade, uma vez que, entre 2000 e 2016, a taxa de aprisionamento de mulheres aumentou em 455%, enquanto que nos Estados Unidos o aumento foi de 18%, na China foi de 105%, e na Rússia teve uma diminuição de 2% (DEPEN, Infopen Mulheres 2018, p. 14 apud World Prision Brief).

Comparando o crescimento populacional prisional no Brasil entre homens e mulheres, dentro do período entre o 2000 a 2016, de 6 mil mulheres presas no primeiro ano de referência, aumentou-se para 42 mil mulheres presas no segundo ano de referência, cuja taxa de aumento de aprisionamento chega a 656%, enquanto que o número de homens presos em 2000 era de 169 mil para 665 mil em 2016, cuja taxa cresceu em 293% (DEPEN, Infopen Mulheres 2018, p. 14/15).

Cabe ressaltar que o número apresentado no relatório de mulheres presas em carceragens de delegacias se apresenta abaixo da realidade:

as informações disponibilizadas pelos estados da federação acerca das pessoas custodiadas em carceragens de delegacias não apresentam, em grande parte dos casos, recorte de gênero, o que nos impede de aferir o número de homens e mulheres presentes nestes espaços e, assim, os números apresentados neste relatório acerca

(26)

desta população encontram-se, necessariamente, subnotificados (DEPEN, Infopen Mulheres, 2018, p. 10).

Outra informação que demonstra que existem ainda mais mulheres presas do que o registrado no relatório é que o número global de mulheres encarceradas foi extraído de 1.418 unidades prisionais estaduais (não existem mulheres aprisionadas nas 4 unidades federais), estas foram as que concluíram o preenchimento online do formulário, entretanto, a lista inicial informada pelos gestores do Infopen contava com 1.460 unidades que estavam em funcionamento em junho de 2016, sendo que apenas 1.429 preencheram seus formulários dentro do prazo estabelecido, destas, 7 foram excluídas da base de dados por se trataram de estabelecimentos destinados ao monitoramento eletrônico (DEPEN, Infopen Mulheres, 2018, p. 10).

A Lei nº 7.210/1984, Lei de Execução Penal, determina em seu art. 82, §1º, que a mulher e o maior de sessenta anos serão recolhidas a estabelecimento próprio e adequado à sua condição especial, bem como em seu art. 83, §2º, que os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade (BRASIL, 2018c)

Os direitos das mulheres encarceradas supramencionados foram incorporados à Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas no Sistema Prisional, conforme Portaria Interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014, cujo objetivo está em reformular as práticas do sistema prisional brasileiro, contribuindo para a garantia dos direitos das mulheres, nacionais e estrangerias, previstas nos artigos 10 (prevenção e ressocialização dos presos), 14, §3º (acompanhamento médico à mulher, especialmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido), 19, parágrafo único ( ensino profissional adequado à condição da mulher), 77, §2º (trabalho de pessoal de sexo feminino nos estabelecimentos prisionais femininos), 82, §1º (estabelecimento penal próprio e adequado a condição pessoas das mulheres e maiores de sessenta anos), 83, §§2º e 3º (estabelecimentos penais serão dotados de berçários; exclusividade de agentes do sexo feminino neste estabelecimentos), e 89 (a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 meses e menores de 7 anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa), da Lei 7.210/1984.

(27)

Quanto à destinação dos estabelecimentos penais de acordo com o gênero, a maior parte dos estabelecimentos penais foi projetada para o público masculino, uma vez que 74% destinam-se aos homens, apenas 7% destinam-se ao público masculino, e 16% são caracterizados como mistos, isso significa que existem mulheres encarceradas em estabelecimentos penais arquitetados originalmente para o público masculino (DEPEN, Infopen Mulheres, 2018, p. 22).

De acordo com o Infopen Mulheres, apenas 55 unidades prisionais (femininos/mistos) declararam apresentar cela ou dormitório adequado para custodiar gestantes, ressalta-se que 1.418 unidades prisionais participaram do levantamento. Ainda, os dados informam que havia 536 gestantes e 350 lactantes, sendo que apenas 269 gestantes estavam instaladas em celas adequadas (DEPEN, Infopen Mulheres, 2018, p. 29-31).

Quanto à capacidade de o sistema penitenciário oferecer espaço adequado para que a mulher privada de liberdade permaneça em contato com seus filhos e possa oferecer cuidados ao longo do período de amamentação, os dados demonstram que apenas 14% das unidades femininas ou mistas contam com berçário e/ou centro de referência materno-infantil, que compreendem os espaços destinados a bebês com até 2 anos de idade. Quanto às crianças acima de dois anos, os dados indicam que apenas 3% das unidades do País declararam contar com espaço de creches, somando uma capacidade total para receber até 72 crianças acima de 2 anos (DEPEN, Infopen Mulheres, 2018, p. 32/33).

Observa-se, diante dos índices, o profundo descaso do Estado com a situação especial das mulheres, bem como a falta de adequação às necessidades particulares do público feminino nos espaços destinados aos aprisionamentos, os quais cristalinamente e sem necessitar de maiores capacidades intelectuais, se encontram contrariando normas, nacionais e internacionais, que nasceram para amenizar as discriminações que as mulheres vêm sofrendo a séculos.

Não é novidade que a prisão é caracterizada por ser seletiva, tendo como característica a vulnerabilidade das pessoas que a compõe, situação que se agrava no que tange ao aprisionamento de mulheres, tornando-se uma cadeia de opressões, visto que sofrem discriminações quando inseridas no seio social, ou quando retiradas do mesmo, a fim de

(28)

cumprir penas que extrapolam as permitidas pelo ordenamento jurídico, sendo caracterizadas como desumanas e cruéis.

E para deixar o sofrimento ainda mais agudo, insuportável, porém sem qualquer meio que lhes ajude na mudança da situação, além de sofrerem particularmente física, psicológica ou emocionalmente, veem seus filhos submetidos aos terrores das prisões, ou senão obrigadas a cortar os laços familiares com os mesmos. Inadmissível tal situação quando as mulheres estão custodias provisoriamente, vulneráveis as decretações de prisões preventivas indiscriminadas pelos magistrados, decretando-as por pressa, tendo em vista o congestionamento do Poder Judiciário, ou movidos pelo “clamor social” de forma a ignorar todo o aparato de garantias constitucionais.

Todas essas questões serão melhor analisadas no próximo capítulo do presente trabalho, que terá como foco principal as razões do deferimento pelo Supremo Tribunal Federal da substituição da prisão preventiva pela domiciliar às mulheres grávidas, puérperas ou com filhos até 13 anos de idade, objeto do inovador Habeas Corpus Coletivo n° 143.641, julgado no dia 20 de fevereiro de 2018.

2 A POSSIBILIDADE DE PRISÃO DOMICILIAR ÀS MULHERES PRESAS PROVISORIAMENTE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA DECISÃO DO HC N.º 143.641

A Lei 12.403, de 04 de maio de 2011, alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, cuja evidência maior para o presente trabalho foi a criação do instituto da prisão domiciliar, aplicada no caso de substituição da prisão preventiva nos casos expressamente autorizados pelo art. 318 e seus incisos do Código de Processo Penal. Ressalta-se que, com a publicação da 13.257/2016, Estatuto da Primeira Infância, e, portanto, prevê formulações e implementações de políticas públicas voltadas para crianças, abrangeu a possibilidade de substituição de prisão preventiva pela domiciliar às gestantes e mulheres ou homens com filhos de até 12 anos de idade incompletos, cujos filhos estejam exclusivamente sob suas responsabilidades, conforme incisos IV, V e VI do supramencionado artigo.

O novo instituto tem como objetivo primar pelo desenvolvimento saudável das crianças, o qual vem se mostrando obstaculizado quando as mães se encontram em situação

(29)

prisional, seja para os nascituros ou já nascidos, uma vez que as mães presas não são assistidas por condições adequadas para o exercício da gestação e maternidade saudáveis dentro do cárcere. O que não é novidade, visto os inúmeros estudos já realizados que denunciam as condições precárias do sistema prisional brasileiro, que levam seus prisioneiros a cumprir penas cruéis, desumanas e degradantes.

Em que pese a criação de tal alternativa que não o cárcere, os magistrados vêm se mostrando contrários ao dispositivo, visto que, na maioria dos casos, desconsideram as condições no cárcere, continuam decretando exageradamente as prisões preventivas às mulheres gestantes e mães, e ignoram plenamente as condições em que mães e filhos vêm experimentando neste local.

Ainda, o que se demonstra é que a maioria das presas preventivas que no cárcere se encontram, são aquelas menos favorecidas, com baixíssimos graus de instrução, provedoras do lar, mães, pobres, negras, cujas pesquisas já demonstraram suas condições de vulnerabilidade social. Não há outra conclusão senão o óbice ao acesso à justiça e a políticas públicas de combate à desigualdade social, vez que as que lá se encontram não possuem condições de acessarem os meios para fazer valer seus direitos.

Nessa linha, o Coletivos de Advogados em Direitos Humanos impetrou Habeas Corpus Coletivo junto ao Supremo Tribunal Federal, a fim de fazer cessar as penas cruéis que estão submetidas mulheres e crianças, o qual foi concedido no dia 20 de fevereiro de 2018, determinando a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças com até 12 anos ou deficientes. A ordem foi estendida para outros casos que a seguir serão apontados, bem como as exceções.

Conforme o exposto, nos itens que a seguir virão serão aprofundadas as questões que envolvem tal situação, possibilitando clareza quanto ao instituto da prisão domiciliar como substitutivo da prisão preventiva, as condições em que as mulheres e crianças vivem no cárcere, suas consequências, e os fundamentos da decisão do Habeas Corpus Coletivo nº 143641, julgado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em 20 de fevereiro do corrente ano.

(30)

2.1 A prisão domiciliar e seu caráter substitutivo em relação à prisão preventiva após a publicação das Leis de n.º 12.403/2011 e 13.257/2016

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, algumas reformas do Código de Processo Penal foram realizadas para que pudesse se adequar à nova ordem jurídica e política do país, voltada para a implantação de valores de um Estado Democrático de Direito, o que se tornou extremamente necessário, pois o Código de Processo Penal, ainda em vigor, é de 1941, época em que, no Brasil, vigorava um regime autoritário.

Apesar das poucas reformas havidas desde então, mesmo que muitas, as mais atuais, tenham tido, segundo o discurso jurídico predominante, o intuito de fazer uma “filtragem constitucional” da legislação processual penal brasileira, críticas doutrinárias são lançadas sobre isso, vez que pugnam por um novo Código de Processo Penal, pois, conforme Lopes Júnior (2013, p. 13), as diversas reformas do Código de Processo Penal têm lhe transformado numa “colcha de retalhos”, causando inconsistências e incoerências semânticas.

No entanto, embora se concorde com o necessário advento de um novo código, podem ser citadas as Lei n.º 12.403/2011 e 13.257/2016, que promoveram grandes e importantes alterações no Código de Processo Penal, tendo em vista inovarem em seus institutos reguladores das privações de liberdades.

Inicialmente, a Lei n.º 12.403/2011 fez alterações em 32 artigos do Código de Processo Penal, mais especificamente em seu título IX, que antes se denominava “Da Prisão e Da Liberdade Provisória” e agora denomina-se “Da prisão, Das Medidas Cautelares e Da Liberdade Provisória”, inovando quanto a medidas cautelares alternativas à prisão provisória, enrijecendo as regras para decretação de prisões cautelares e trazendo uma forma especial de cumprimento de prisão preventiva, qual seja, a prisão domiciliar.

Sem desmerecer a importância dos demais institutos criados e/ou regulamentados pela legislação em comento, objetivar-se-á a redação do presente subtítulo adentrando-se logo quanto à questão da prisão domiciliar como substitutiva da prisão preventiva. Referida lei criou, portanto, no Capítulo IV, do Código de Processo Penal, a modalidade de sujeição à prisão preventiva de forma domiciliar, estabelecendo, em seu art. 317, que “a prisão

(31)

domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial”.

Ademais, estabeleceu, no art. 318 do Código de Processo Penal, um rol taxativo de requisitos de natureza pessoal do agente (indiciado ou acusado) em que a referida substituição poderá ser aplicada, a saber:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos2; II- extremamente debilitado por motivos de

doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Contudo, o parágrafo único do supramencionado artigo prevê que: “para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo”.

Em 8 de março de 2016, foi publicada a Lei nº 13.257, a qual dispõe sobre políticas públicas para a primeira infância, alterando diversas legislações, em especial o Código de Processo Penal quanto aos requisitos do art. 318. Mais especificamente, modificou o inciso IV, excluindo a necessidade de a gestante estar no sétimo mês ou com a gravidez em alto risco, estabelecendo apenas a condição de gestante, e incluiu os incisos V e VI, de forma que assim o artigo passou a vigorar:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante; V - mulher com filho de até

12 (doze) anos de idade incompletos; VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos (grifado).

A Lei n.º 13.257/2016 é voltada ao melhor atendimento às necessidades das crianças, estabelecendo princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano, conforme

2 De acordo com Cândido Furtado Maia Neto e André Luis de Lima Maia, em seu artigo intitulado “Prioridades

legais no sistema criminal acusatório democrático”, publicado no site do portal jurídico Migalhas, em 28 de agosto de 2017, a Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) define pessoa idosa aquela com 60 anos de idade ou mais, o que deverá prevalecer sobre as disposições constantes do Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execuções Penais, etc., pois mais favorável, uma vez que tais dispositivos, muitas vezes, ampliam a idade para 70 ou 80 anos a idade para concessão dos benefícios legais. Isso justifica-se pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois se trata de idade razoável do homem ou da mulher para desfrutar de direitos no final de sua existência.

(32)

estabelece em seu art. 1º. Ademais, está fundamentada no art. 227 da Constituição Federal, bem como art. 4º da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que definem ser, além da família e da sociedade, dever do Estado em assegurar, com a absoluta prioridade, os direitos da criança, do adolescente e do jovem.

Outros artigos do Código de Processo Penal foram modificados a fim de que o magistrado tenha conhecimento se o indiciado ou acusado possui filhos, suas respectivas idades, se possuem alguma deficiência e se possui outros responsáveis pelos cuidados dos filhos, os quais serão indicados pelo próprio indiciado. São os casos do art. 6º, inciso X, em que a autoridade policial deverá colher tais informações logo que tiver conhecimento da prática da infração penal; do art. 185, o qual prevê que o juiz deverá colher tais informações no momento do interrogatório do acusado; e do art. 304. §4º, em que, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, a autoridade competente deverá fazer constar as referidas informações.

Dessa forma, no momento da decretação da prisão preventiva, seja durante o inquérito ou a instrução processual, o magistrado já terá tais informações, e deverá, se for o caso, substituir a prisão preventiva pela domiciliar.

De acordo com Renato Marcão (2017), em seu artigo intitulado “Prisão domiciliar substitutiva da prisão preventiva: a lei 13.257/16 e o atual art. 318, incisos IV, I e VI do CPP”, em suas considerações iniciais, aduz que o instituto da substituição da prisão preventiva pela domiciliar possibilita vantagens como:

1º) restringir cautelarmente a liberdade do indivíduo preso em razão da decretação de prisão preventiva, sem, contudo, submetê-lo às conhecidas mazelas do sistema carcerário; 2º) tratar de maneira particularizada situações que fogem da normalidade dos casos e que, em razão disso, estão a exigir, por questões humanitárias e de assistência, o arrefecimento do rigor carcerário; 3º) reduzir o contingente carcerário, no que diz respeito aos presos cautelares; e 4º) reduzir as despesas do Estado advindas do encarceramento antecipado.

Indica, ainda, referido autor, que o instituto garante direitos constitucionais como o respeito à integridade física e moral do preso, condições especiais às mulheres presas para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação, evitar casos de tratamento desumano, além de fazer valer o princípio da intranscendência, em que a pena não passará da pessoa do condenado.

(33)

Interpretações e análises quanto ao art. 318 do Código de Processo Penal precisam ser ressaltadas no presente estudo. Com intuito didático, colacionar-se-á o caput do referido artigo: “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...)” (grifo meu).

De antemão, observa-se que o legislador optou por incluir o verbo “poderá” na redação da norma estudada, trazendo, portanto, uma impressão de faculdade do julgador na substituição da medida. Entretanto, oportuno fazer analogia com o Habeas Corpus Coletivo n° 143.641, julgado pelo STF, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, em que se determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas provisórias com as características e exceções apontadas na decisão.

Nessa linha, no decorrer das argumentações do relator na concessão da ordem, o Ministro Lewandowski citou a redação do art. 318, do Código de Processo Penal e interrogou: “Diante desse teor normativo, pergunta-se: quais devem ser os parâmetros para a substituição de que trata a lei? ”. Duas respostas foram mencionadas na decisão: primeiro, a das autoras e

amicus curiae3 em que o “poderá” deve ser lido como “deverá”, “para evitar que a

discricionariedade do magistrado seja, na prática, usada de forma a reforçar a cultura do encarceramento” (BRASIL, 2018e). A segunda resposta mencionada foi a da Procuradoria-Geral da República, a qual alegou que “a resposta deve ser formulada caso a caso, sempre à luz da particularidade do feito em análise”, sendo contestada pelo relator, o qual mencionou que “essa abordagem, contudo, parece ignorar as falhas estruturais de acesso à Justiça que existem no País”. (BRASIL, 2018e).

Ademais, o relator (BRASIL, 2018e) finalizou o questionamento com as seguintes palavras:

Diante dessas soluções díspares, e para evitar tanto a arbitrariedade judicial quanto a sistemática supressão de direitos, típica de sistemas jurídicos que não dispõem de soluções coletivas para problemas estruturais, a melhor saída, a meu ver, no feito sob exame, consiste em conceder a ordem, estabelecendo parâmetros a serem

3 Conforme Esther Maria Brighenti dos Santos, Amicus Curiae é um brocardo que significa “amigos da corte”,

sendo pessoa, entidade ou órgão, com grande interesse na questão jurídica levada à discussão junto ao Poder Judiciário. Ademias, explica que é amigo da corte, e não das partes, pois se insere como terceiro no processo, cujo papel é servir como fonte de conhecimento no assunto, possibilitando uma melhor discussão e atenção a fatos e circunstâncias antes da decisão.

Referências

Documentos relacionados

Ademais, não vemos com acerto a redação formulada no art. 318, caput, do CPP: ‘poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar’. Afinal, inexiste, como ente

A partir da cabeça, assentamento do sagrado, retornamos à unidade deste corpo: a energia psíquica expande-se pelo tronco, segmenta-se no ventre para depositar-se no solo

Neste trabalho descreve-se uma metodologia para síntese e otimização de circuitos digitais, usando a teoria de algoritmos evolutivos e como plataforma os dispositivos

No período de 07 (sete) a 12 (doze) de dezembro de 2012, os candidatos aprovados e classificados ao Curso de Mestrado estão, respectivamente, relacionados na Tabela I por área

As medidas são obtidas através da comparação entre o raio que passou direto (branco) e o outro com ruídos gerados pelas perturbações dentro da coluna, ou seja, pelas

IV. formador de mercado para as Cotas do Fundo, quando for o caso. Parágrafo 6º - A contratação dos serviços de distribuição de Cotas, nos termos do inciso I do Parágrafo 5º

Nesse sentido, foram propostos os seguintes objetivos específicos: (a) descrever as principais características desses artigos ao longo do período analisado; (b) realizar uma

A decretação e a manutenção da prisão preventiva da gestante constituem uma violação de sua dignidade humana, porém há medidas mais eficazes, como a prisão domiciliar, a fim