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A prisão domiciliar e seu caráter substitutivo em relação à prisão preventiva após a publicação das Leis de n.º 12.403/2011 e 13.257/

2 A POSSIBILIDADE DE PRISÃO DOMICILIAR ÀS MULHERES PRESAS PROVISORIAMENTE: UMA ANÁLISE A PARTIR DA DECISÃO DO HC N.º

2.1 A prisão domiciliar e seu caráter substitutivo em relação à prisão preventiva após a publicação das Leis de n.º 12.403/2011 e 13.257/

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, algumas reformas do Código de Processo Penal foram realizadas para que pudesse se adequar à nova ordem jurídica e política do país, voltada para a implantação de valores de um Estado Democrático de Direito, o que se tornou extremamente necessário, pois o Código de Processo Penal, ainda em vigor, é de 1941, época em que, no Brasil, vigorava um regime autoritário.

Apesar das poucas reformas havidas desde então, mesmo que muitas, as mais atuais, tenham tido, segundo o discurso jurídico predominante, o intuito de fazer uma “filtragem constitucional” da legislação processual penal brasileira, críticas doutrinárias são lançadas sobre isso, vez que pugnam por um novo Código de Processo Penal, pois, conforme Lopes Júnior (2013, p. 13), as diversas reformas do Código de Processo Penal têm lhe transformado numa “colcha de retalhos”, causando inconsistências e incoerências semânticas.

No entanto, embora se concorde com o necessário advento de um novo código, podem ser citadas as Lei n.º 12.403/2011 e 13.257/2016, que promoveram grandes e importantes alterações no Código de Processo Penal, tendo em vista inovarem em seus institutos reguladores das privações de liberdades.

Inicialmente, a Lei n.º 12.403/2011 fez alterações em 32 artigos do Código de Processo Penal, mais especificamente em seu título IX, que antes se denominava “Da Prisão e Da Liberdade Provisória” e agora denomina-se “Da prisão, Das Medidas Cautelares e Da Liberdade Provisória”, inovando quanto a medidas cautelares alternativas à prisão provisória, enrijecendo as regras para decretação de prisões cautelares e trazendo uma forma especial de cumprimento de prisão preventiva, qual seja, a prisão domiciliar.

Sem desmerecer a importância dos demais institutos criados e/ou regulamentados pela legislação em comento, objetivar-se-á a redação do presente subtítulo adentrando-se logo quanto à questão da prisão domiciliar como substitutiva da prisão preventiva. Referida lei criou, portanto, no Capítulo IV, do Código de Processo Penal, a modalidade de sujeição à prisão preventiva de forma domiciliar, estabelecendo, em seu art. 317, que “a prisão

domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial”.

Ademais, estabeleceu, no art. 318 do Código de Processo Penal, um rol taxativo de requisitos de natureza pessoal do agente (indiciado ou acusado) em que a referida substituição poderá ser aplicada, a saber:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos2; II- extremamente debilitado por motivos de

doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Contudo, o parágrafo único do supramencionado artigo prevê que: “para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo”.

Em 8 de março de 2016, foi publicada a Lei nº 13.257, a qual dispõe sobre políticas públicas para a primeira infância, alterando diversas legislações, em especial o Código de Processo Penal quanto aos requisitos do art. 318. Mais especificamente, modificou o inciso IV, excluindo a necessidade de a gestante estar no sétimo mês ou com a gravidez em alto risco, estabelecendo apenas a condição de gestante, e incluiu os incisos V e VI, de forma que assim o artigo passou a vigorar:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante; V - mulher com filho de até

12 (doze) anos de idade incompletos; VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos (grifado).

A Lei n.º 13.257/2016 é voltada ao melhor atendimento às necessidades das crianças, estabelecendo princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano, conforme

2 De acordo com Cândido Furtado Maia Neto e André Luis de Lima Maia, em seu artigo intitulado “Prioridades

legais no sistema criminal acusatório democrático”, publicado no site do portal jurídico Migalhas, em 28 de agosto de 2017, a Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) define pessoa idosa aquela com 60 anos de idade ou mais, o que deverá prevalecer sobre as disposições constantes do Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execuções Penais, etc., pois mais favorável, uma vez que tais dispositivos, muitas vezes, ampliam a idade para 70 ou 80 anos a idade para concessão dos benefícios legais. Isso justifica-se pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois se trata de idade razoável do homem ou da mulher para desfrutar de direitos no final de sua existência.

estabelece em seu art. 1º. Ademais, está fundamentada no art. 227 da Constituição Federal, bem como art. 4º da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que definem ser, além da família e da sociedade, dever do Estado em assegurar, com a absoluta prioridade, os direitos da criança, do adolescente e do jovem.

Outros artigos do Código de Processo Penal foram modificados a fim de que o magistrado tenha conhecimento se o indiciado ou acusado possui filhos, suas respectivas idades, se possuem alguma deficiência e se possui outros responsáveis pelos cuidados dos filhos, os quais serão indicados pelo próprio indiciado. São os casos do art. 6º, inciso X, em que a autoridade policial deverá colher tais informações logo que tiver conhecimento da prática da infração penal; do art. 185, o qual prevê que o juiz deverá colher tais informações no momento do interrogatório do acusado; e do art. 304. §4º, em que, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, a autoridade competente deverá fazer constar as referidas informações.

Dessa forma, no momento da decretação da prisão preventiva, seja durante o inquérito ou a instrução processual, o magistrado já terá tais informações, e deverá, se for o caso, substituir a prisão preventiva pela domiciliar.

De acordo com Renato Marcão (2017), em seu artigo intitulado “Prisão domiciliar substitutiva da prisão preventiva: a lei 13.257/16 e o atual art. 318, incisos IV, I e VI do CPP”, em suas considerações iniciais, aduz que o instituto da substituição da prisão preventiva pela domiciliar possibilita vantagens como:

1º) restringir cautelarmente a liberdade do indivíduo preso em razão da decretação de prisão preventiva, sem, contudo, submetê-lo às conhecidas mazelas do sistema carcerário; 2º) tratar de maneira particularizada situações que fogem da normalidade dos casos e que, em razão disso, estão a exigir, por questões humanitárias e de assistência, o arrefecimento do rigor carcerário; 3º) reduzir o contingente carcerário, no que diz respeito aos presos cautelares; e 4º) reduzir as despesas do Estado advindas do encarceramento antecipado.

Indica, ainda, referido autor, que o instituto garante direitos constitucionais como o respeito à integridade física e moral do preso, condições especiais às mulheres presas para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação, evitar casos de tratamento desumano, além de fazer valer o princípio da intranscendência, em que a pena não passará da pessoa do condenado.

Interpretações e análises quanto ao art. 318 do Código de Processo Penal precisam ser ressaltadas no presente estudo. Com intuito didático, colacionar-se-á o caput do referido artigo: “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...)” (grifo meu).

De antemão, observa-se que o legislador optou por incluir o verbo “poderá” na redação da norma estudada, trazendo, portanto, uma impressão de faculdade do julgador na substituição da medida. Entretanto, oportuno fazer analogia com o Habeas Corpus Coletivo n° 143.641, julgado pelo STF, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, em que se determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas provisórias com as características e exceções apontadas na decisão.

Nessa linha, no decorrer das argumentações do relator na concessão da ordem, o Ministro Lewandowski citou a redação do art. 318, do Código de Processo Penal e interrogou: “Diante desse teor normativo, pergunta-se: quais devem ser os parâmetros para a substituição de que trata a lei? ”. Duas respostas foram mencionadas na decisão: primeiro, a das autoras e

amicus curiae3 em que o “poderá” deve ser lido como “deverá”, “para evitar que a

discricionariedade do magistrado seja, na prática, usada de forma a reforçar a cultura do encarceramento” (BRASIL, 2018e). A segunda resposta mencionada foi a da Procuradoria- Geral da República, a qual alegou que “a resposta deve ser formulada caso a caso, sempre à luz da particularidade do feito em análise”, sendo contestada pelo relator, o qual mencionou que “essa abordagem, contudo, parece ignorar as falhas estruturais de acesso à Justiça que existem no País”. (BRASIL, 2018e).

Ademais, o relator (BRASIL, 2018e) finalizou o questionamento com as seguintes palavras:

Diante dessas soluções díspares, e para evitar tanto a arbitrariedade judicial quanto a sistemática supressão de direitos, típica de sistemas jurídicos que não dispõem de soluções coletivas para problemas estruturais, a melhor saída, a meu ver, no feito sob exame, consiste em conceder a ordem, estabelecendo parâmetros a serem

3 Conforme Esther Maria Brighenti dos Santos, Amicus Curiae é um brocardo que significa “amigos da corte”,

sendo pessoa, entidade ou órgão, com grande interesse na questão jurídica levada à discussão junto ao Poder Judiciário. Ademias, explica que é amigo da corte, e não das partes, pois se insere como terceiro no processo, cujo papel é servir como fonte de conhecimento no assunto, possibilitando uma melhor discussão e atenção a fatos e circunstâncias antes da decisão.

observados, sem maiores dificuldades, pelos juízes, quando se depararem com a possibilidade de substituir a prisão preventiva pela domiciliar.

Diante disso, considerando que na decisão do Habeas Corpus nº 143.641, em que a 2ª Turma do STF, por maioria, concedeu a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar a todas as mulheres que se encontravam nas condições expostas no

wirt, bem como que na fundamentação da concessão ressaltou-se a ocorrência de

arbitrariedades judiciais e sistemática supressão de direitos, entende-se que o art. 318 se trata de um direito subjetivo das pessoas que se encontram nas condições e pressupostos lá arroladas, sendo, portanto, um poder-dever do magistrado substituir a prisão preventiva pela domiciliar nos casos elencados pelo artigo.

Ainda, para ilustrar o até aqui discorrido, bem como demonstrar a importância do precedente da decisão antes citada, colacionar-se-á ementa do Habeas Corpus nº 445.037, julgado pela 5ª turma do STJ, em 22 de maio de 2018, em que os ministros concederam a substituição da prisão preventiva pela domiciliar à paciente com 2 filhos menores de 12 anos:

HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA DECISÃO LIMINAR.

INADEQUAÇÃO. SÚMULA 691/STF. NÃO CONHECIMENTO. ANÁLISE DO MÉRITO. PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. PACIENTE COM 2 FILHOS MENORES DE 12 ANOS. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA. PRIORIDADE. HC COLETIVO N° 143.641/SP (STF). RECURSO PROVIDO (BRASIL, 2018f).

Outra questão a ser ressaltada quanto à interpretação do art. 318 do Código de Processo Penal é a de que o pressuposto para decretação da prisão domiciliar é a decretação da prisão preventiva, de modo que, deverão, necessariamente, estarem presentes os mesmos requisitos (fumus comissi delicti – prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria) e fundamentos (periculum libertatis4) da prisão preventiva, além de que, como toda medida cautelar, respeitar seus princípios, sob pena de ferir gravemente as garantias fundamentais asseguradas pelas Constituição da República Federativa do Brasil (Lopes Junior, 2013, p. 163).

4 Segundo Aury Lopes Júnior, em seu livro Direito Processual Penal, p. 435, Periculum Libertatis é fundamento

das medidas cautelares e significa “perigo da liberdade” do denunciado, uma vez que tal situação de liberdade coloca em risco a função punitiva do Estado (decorrente de sua eventual fuga) ou poderá ocasionar graves prejuízos ao processo (ausência do acusado ou sua intervenção na coleta de provas).

A prisão domiciliar não pode ser confundida com a medida cautelar exposta do art. 319, inciso V do Código de Processo Penal, conforme Lopes Júnior (2013, p. 163), “essa é uma prisão domiciliar por motivos pessoais do agente, de natureza humanitária, diversa, portanto, da medida cautelar de recolhimento domiciliar prevista no art. 319, inciso V”. Diferenciações claras estão na forma de cumprimento das diferentes medidas cautelares, uma vez que, na prisão domiciliar, o agente só poderá sair de seu domicílio por meio de autorização judicial expressa, enquanto que na medida cautelar diversa da prisão, o recolhimento domiciliar se restringe aos dias noturnos e nos dias de folga, quando o acusado tenha residência e trabalhos fixos, conforme se observa pelos artigos que regulam tais medidas.

Portanto, observa-se a possibilidade trazida pela legislação da substituição da prisão preventiva pela domiciliar nas situações subjetivas permitidas pelo art. 318 do Código de Processo Penal, bem como a partir do preenchimento dos requisitos e fundamentos autorizadores das medidas cautelares (fumus comissi delicti e periculum libertatis).

Observar-se-á com maior clareza o referido instituto da substituição da prisão preventiva pela domiciliar no caso concreto que ocasionou a interposição do Habeas Corpus n° 143.641 no Supremo Tribunal Federal, em que a decisão da 2ª Turma, de cujo relator é o Ministro Ricardo Lewandowski, por maioria, concedeu a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, julgado no dia 20 de fevereiro de 2018.