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A teoria do neoconstitucionalismo: suas características, impactos e crítica

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

GABRIEL CADORE RODRIGUES

A TEORIA DO NEOCONSTITUCIONALISMO: SUAS CARACTERÍSTICAS, IMPACTOS E CRÍTICA

Ijuí (RS) 2019

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GABRIEL CADORE RODRIGUES

A TEORIA DO NEOCONSTITUCIONALISMO: SUAS CARACTERÍSTICAS, IMPACTOS E CRÍTICA

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia

UNIJUI – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: Prof. Dr. Mateus de Oliveira Fornasier

Ijuí (RS) 2019

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer a quem devo muito, aos meus pais e maiores inspiradores Paulo Cesar e Maristela, que tornaram meus sonhos atingíveis. Em segundo lugar, às minhas irmãs Ana Paula e Ana Carolina, com quem tenho a sorte de compartilhar momentos tão importantes. Ao meu orientador Prof. Dr. Mateus Fornasier pela disponibilidade, atenção e compromisso exemplares para a realização do presente trabalho. Também gostaria de agradecer aos meus grandes amigos de faculdade, que em meio de muitas risadas, dividimos todo nosso percurso acadêmico.

Por fim, quero agradecer a todos que, de alguma forma ou outra, contribuíram com meus estudos e progresso e prestaram apoio durante todo esse período. Meu muito obrigado.

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“Quando não construímos as condições de possibilidade para a constitucionalização do próprio debate acerca do Direito em um país como o Brasil, é porque há um corpus de representações que obstaculiza esse objetivo. No momento em que o Poder Judiciário continua julgando de forma solipsista, como se não houvesse ocorrido o “acontecimento da Constituição”, pode-se dizer que estamos diante de uma crise de paradigmas. A questão é que, embora a Constituição aponte para um novo Direito de perfil transformador, nossos juristas, inseridos em um senso comum teórico, continuam a “operar” (salas de aula, doutrina e práticas tribunalícias) como se o Direito fosse uma técnica, ou seja, uma mera racionalidade instrumental. Direito e democracia são inseparáveis.” STRECK

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RESUMO

O presente estudo busca realizar uma análise teórica perante diferentes enfoques a respeito da teoria neoconstitucional na qualidade de um movimento contemporâneo como resposta aos movimentos constitucionais pretéritos, examinando suas características, pontos de divergência doutrinária e influência às noções da jurisdição como ferramenta democrática a concretizar preceitos constitucionais. Este tópico é importante uma vez que os elementos e impactos do neoconstitucionalismo se fazem presentes em diversos Estados, incluindo o Brasil, após a cultura jurídica emergente aos meados do século XX, especificamente no período pós-guerra, em um momento de grande instabilidade política e jurídica que gerou questionamentos a respeito da instrumentalidade do Direito e a busca por soluções através do Judiciário. É necessário estudar a estrutura do novo constitucionalismo para se situar nas discussões jurídicas contemporâneas em território brasileiro a respeito do ativismo judicial, o uso da ponderação e da discricionariedade como solução dos litígios judiciais, a busca da eficácia constitucional como também a influência da moral e de subjetivismos nas decisões. Desta forma, preliminarmente, passar-se-á a analisar historicamente os diferentes movimentos constitucionais e teorias filosóficas norteadoras do direito para, então, se abordar quanto à complexa e inconsistente teoria que abrange o neoconstitucionalismo. O objetivo ao final é realizar, brevemente, um esclarecimento sobre os fundamentos e legitimidade do neoconstitucionalismo e sua possibilidade de prejudicar os compromissos democráticos e constitucionais de um Estado Democrático de Direito.

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ABSTRACT

The present work aims to realize a theoretical analysis under different approaches about the theory of the neoconstitutionalism as a contemporary movement and a response to ancient constitutionalism movements, studying its characteristics, differences, and influences to the notions about jurisdiction as a democratic tool to materialize constitutional precepts. This topic is important since the elements and impacts of neoconstitutionalism are present in several states, including Brazil, after the emerging legal culture in the mid-twentieth century, specifically in the post-war period, at a time of a high political and legal instability that generated questions about the instrumentality of Law and the search for solutions through the Judiciary. It’s necessary to study the framework of the new constitutionalism to be situated about legal contemporary discussions in Brazilian territory about judicial activism, the use of ponderation and discretionary as a solution to judicial disputes, the search of constitutional efficiency as well moral and subjectivism influences in the decisions. Thus, preliminary, It will be historically analyzed the different constitutional movements and philosophical guiding theories of law for, then, discuss about the complex and inconsistent theory that embrace the neoconstitutionalism. The final objective is to realize, briefly, a clarification about the elements and legitimacy of the neoconstitutionalism and its possibility of harming democratic and constitutional commitments in a State of Law.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1. A EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO E DAS CORRENTES FILOSÓFICAS NORTEADORAS DO DIREITO ... 9

1.1 O Constitucionalismo Antigo ... 11

1.2 O surgimento do Constitucionalismo Clássico e das Constituições Modernas ... 13

1.2.1 O Constitucionalismo Clássico Americano ... 14

1.2.2 O Constitucionalismo Clássico Francês ... 16

1.3 A superação do jusnaturalismo e a ascensão do positivismo jurídico como corrente filosófica norteadora do Direito ... 18

1.4 A Constituição frente ao Estado de bem-estar Social e o surgimento do constitucionalismo social ... 21

2. A TEORIA NEOCONSTITUCIONALISTA: SEUS MARCOS E SUAS CARACTERÍSTICAS ... 25

2.1 Os marcos do Novo Constitucionalismo ... 27

2.1.1 A força normativa da Constituição ... 27

2.1.2 O advento do pós-positivismo jurídico: a superação histórica do positivismo de Kelsen ... 30

2.1.3 A nova interpretação constitucional ... 32

2.2. A norma jurídica: entre os princípios e as regras ... 34

3. OS IMPACTOS DO NECOSONTITUCIONALISMO NA JURISDIÇÃO E SUA CRÍTICA ... 40

3.1 A problemática da preferência aos princípios e do uso da ponderação, de acordo com Humberto Ávila ... 42

3.2 O Fenômeno da judicialização da política e do ativismo judicial ... 46

3.3 A influência da moral e o impasse existente ... 52

CONCLUSÃO ... 54

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INTRODUÇÃO

A evolução do Estado é marcada pela sua crescente descentralização, sem perder seu caráter de soberania. A esse progresso, relaciona-se o movimento histórico do constitucionalismo e seu caminhar pela conquista de direitos e de garantias fundamentais entre diferentes aspectos sociais, políticos e jurídicos.

Contudo, as noções contemporâneas da Constituição são bastante recentes: possuem suas raízes conectadas a uma cultura jurídica emergente em meados do século XX, mais precisamente, no período posterior à segunda guerra mundial. Dessa compreensão surge a teoria que contorna o novo constitucionalismo ou

neoconstitucionalismo, que em termos gerais representa uma busca pela

efetividade e aplicabilidade constitucional a ser realizada pelo Poder Judiciário através de uma releitura das diferentes disposições contidas na chamada Lei Maior desde o constitucionalismo liberal, inaugurador do constitucionalismo clássico. No Brasil, seu advento está ligado à promulgação da Constituição Federal de 1988 e ao processo de redemocratização, período de grande importância para o constitucionalismo brasileiro que marcou a consolidação de nosso Estado Democrático de Direito.

É notório que a teoria neoconstitucional é vista como um produto da pós-modernidade ao se apresentar como uma solução a uma época de profunda instabilidade, carregando incertezas sobre sua definição e principalmente sobre seu futuro. Ressalta-se o uso do termo “teoria”, pois o neoconstitucionalismo é alvo tanto de aplausos como de críticas pela doutrina jurídica desde que veio a influir no Direito brasileiro, seja por sua concepção, por seus parâmetros ou por seus efeitos gerados. Desta forma, a discussão em pauta gira em torno de um impasse da busca entre a efetividade constitucional a ser alcançada através de um judiciário discricionário e ativista, e entre a possível extrapolação desse dentro de seus

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limites constitucionais, ao se valer de supostos moralismos e de argumentos metajurídicos que eventualmente ferem a Constituição e a democracia.

Tendo-se em vista toda a estrutura teórica que envolve as características da teoria neoconstitucional, faz-se necessário primeiramente analisar todo o processo histórico do constitucionalismo e da Constituição em diferentes Estados e períodos que acarretaram em uma quebra de paradigmas as quais colaboraram na construção dos moldes do constitucionalismo contemporâneo. Ao promover novas diretrizes, também é substancial estudar as diferentes correntes filosóficas norteadoras que trataram de explicar, de fundamentar e de orientar a aplicação do Direito. Em um segundo momento, passar-se-á analisar as divergentes concepções das características do novo constitucionalismo, seus marcos e fundamentos, para finalmente analisar os impactos na jurisdição e os argumentos de sua crítica.

Em relação ao primeiro capítulo, o âmbito da pesquisa será baseado na cultura histórica, política e jurídica ocidental de períodos que incorporam a Baixa Idade Média, o surgimento do Estado Moderno, as Revoluções Liberais e o pós-guerra. Posteriormente, os capítulos finais se restringirão às discussões teóricas que se fizeram presentes na doutrina jurídica brasileira a respeito da teoria neoconstitucional e da recente atuação jurisdicional, mais precisamente após a promulgação da Constituição de 1988.

O método do estudo será histórico-evolutivo, porquanto se destina a uma explicação geral do constitucionalismo e seu progresso histórico. A abordagem será qualitativa e a técnica de pesquisa será bibliográfica, na medida em que se busca investigar a respeito de fundamentos teóricos doutrinários presentes em livros e artigos.

O interesse do estudo é a relevância para a compreensão da atual discussão entre os operadores do Direito a respeito da forma que a jurisdição tem se mostrado nos últimos tempos. É de grande importância qualquer debate que venha a abrir questionamentos sobre o papel da jurisdição como ferramenta essencial à democracia.

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1. A EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO E DAS CORRENTES FILOSÓFICAS NORTEADORAS DO DIREITO

Antes de abordar a respeito do fenômeno do constitucionalismo contemporâneo, se faz necessária uma breve contextualização a respeito do surgimento e evolução do constitucionalismo em certos Estados, sob uma perspectiva histórica e política, abrangendo primeiramente o constitucionalismo antigo, e após, o clássico, que emerge a partir dos movimentos liberais, gênese das Revoluções Liberais ou Burguesas, ocorridas especialmente nos Estados Unidos e na França nos meados do século XVIII, até o surgimento dos movimentos mais recentes. Desta forma, este primeiro capítulo busca realizar uma breve análise dos diferentes modelos constitucionais, relatando quanto às suas respectivas características, inovações, apontando suas divergências e tratando quanto aos seus aspectos políticos, jurídicos e socioeconômicos; além de um estudo quanto às diferentes correntes filosóficas que vieram a explicar e conceituar o Direito e estabelecer suas fontes e normas.

Ressalta-se que, segundo José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 52), em termos mais precisos, não há um constitucionalismo apenas, mas sim vários movimentos dentre os quais vieram a moldar a compreensão moderna da Constituição. Do decorrer dos tempos, os basilares dos movimentos constitucionais foram resultados de diferentes movimentos sociais e buscas à limitação estatal e sua descentralização. Trata-se o constitucionalismo, segundo o jurista lusitano:

Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo.

Imprescindível também incluir uma compreensão história não só do movimento do constitucionalismo, mas como também da própria Constituição como documento de organização de governo, limitação de poderes e assegurador de direitos e garantias fundamentais. Segundo Luís Roberto Barroso (2005), ao

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contrário do que se tem hoje, a Carta Magna nem sempre adotou em seu texto quanto a direitos sociais ou econômicos, ou mesmo teve plena força normativa para torná-la mais eficaz e aplicável na esfera jurídica. Prossegue o atual ministro do Supremo Tribunal Federal, que, por grande parte de sua história, a chamada Lei Maior tratou basicamente de apenas organizar o funcionamento estatal e limitar sua atuação de uma forma genérica e abstrata; bem como, nem sempre possuiu pleno status de norma jurídica: era visto como um documento essencialmente político a estimular o exercício dos Poderes Públicos. Destarte, houve ao decorrer das épocas uma ampliação da função, da dimensão e da eficiência da Constituição, cada vez mais reconhecida como uma importante ferramenta democrática de direitos e deveres essencial à cidadania.

Ademais, sustenta Barroso que, dos últimos tempos, sobretudo no século passado, houve um crescente fenômeno de constitucionalização do Direito, no sentido de expansão do texto constitucional, uma influência dos interesses constitucionais às normas, leis e na jurisdição, objetivando uma conformidade não só com a matéria infraconstitucional como também a atuação dos diferentes poderes. Sobre o tema, leciona Barroso (2005, p. 2):

A ideia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares. Veja-se como este processo, combinado com outras noções tradicionais, interfere com as esferas acima referidas.

A noção de constitucionalização do Direito abordada por Barroso possui relações com a teoria que abrange neoconstitucionalismo, já que ambos estão vinculados a uma ideia de uma recente busca pela efetivação e aplicabilidade das disposições constitucionais pelos Estados Modernos ao final da Segunda Guerra Mundial, após períodos de grandes desequilíbrios políticos e jurídicos, sobretudo em solo europeu.

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1.1 O Constitucionalismo Antigo

Preliminarmente, frisa-se que na doutrina não há uma unanimidade quanto à divisão dos períodos dos movimentos ou até mesmo quanto à sua nomenclatura de maneira mais intrínseca. Esta primeira subseção do primeiro capítulo será referente ao período anterior ao Constitucionalismo clássico, este último o qual foi marcado pelas Revoluções Americana e Francesa aos meados do século XVIII. De fato, pode-se dizer que, para o conceito mais preciso e moderno de Constituição como forma de limitação estatal e garantidor de direitos, o grande marco do constitucionalismo se dá justamente com as Revoluções Liberais. Porém, como sinaliza Karl Loewenstein, a ideia de uma Constituição escrita e formal, como é o caso franco-americano, não está necessariamente associada com os fundamentos centrais do constitucionalismo em si:

[...] a existência de uma constituição escrita não se identifica com o constitucionalismo. Organizações políticas anteriores viveram sob um governo constitucional sem sentir a necessidade de articular os limites estabelecidos ao exercício do poder político; estas limitações estavam tão profundamente enraizadas nas convicções da comunidade e nos costumes nacionais, que eram respeitadas por governantes e por governados. (LOEWENSTEIN, 1979, p.154)1

Portanto, mesmo em períodos históricos pretéritos, em Estados monárquicos, teocráticos, concebidos como totalitários devidos à sua centralidade de poderes, já havia certos interesses às questões de liberdades individuais, ainda que de forma precária e pouco concreta. Uma das manifestações mais pertinentes é o Constitucionalismo Inglês, que através de documentos como a Magna Carta, em latim Magna Cartha Libertatum, em 1215, a Petition of Rights de 1628, a Habeas

Corpus Act, em 1679 e a Bill of Rights de 1689, serviu como base do

constitucionalismo ocidental (CANOTILHO, 2003). A Magna Carta, por sinal, ainda que não seja concebida devidamente como uma Constituição – assim, como os demais documentos mencionados – é considerada por muitos como o precursor dos

1 Original: “[...] la existencia de una constitución escrita no se identifica com el constitucionalismo. Organizaciones políticas anteriores han vivido bajo um gobierno constitucional sin sentir la necesidad de articular lós límites establecidos al ejercicio del poder político; estas limitaciones estaban tan profundamente enraizadas em lãs conviciones de la comunidad y em lãs costumbres nacionales, que eran respetadas por gobernantes y por gobernados.”

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Direitos Humanos e o início, ainda que de forma mais simbólica, do constitucionalismo no ocidente.

Consoante Canotilho (2003), tais documentos foram pioneiros no sentido de fornecerem liberdades individuais ao seu povo, como também segurança da pessoa como cidadã e de sua propriedade. Além disto, uma das questões a serem observadas do modelo historicista inglês foi a criação de uma forma de processo regulado por lei, em que se estabeleceram regras disciplinadoras da privação da liberdade e da propriedade, a ser julgado não por legisladores, mas sim por juízes em um sistema judiciário independente, ainda que com influências dos ditames políticos do congresso quanto às normas. A partir deste novo modelo histórico, dá-se o início estrutural do sistema típico Inglês de Common Law, à atribuição de uma soberania parlamentar, a ser partilhada com o monarca, ocasionando a chamada Constituição Mista, como também o surgimento do Rule of Law, modelo de continuidade histórica aonde o monarca se submete ao modelo costumeiro de

Common Law e ao Parlamento Inglês.

Dentre todos estes fatores, o que mais serviu de influência ao chamado Constitucionalismo Clássico e aos movimentos futuros, foi certamente a concepção de liberdade frente ao Estado. Como exemplo, no artigo de número 39 da Magna

Carta, há menção expressa quanto à liberdade individual dos ingleses e da

segurança da pessoa e dos bens que é de sua propriedade. Outro fator de suma importância que vem a ser adotado por modelos futuros é a necessidade de limitação e descentralização dos poderes políticos exercidos pelos governantes, fundamental para a compreensão moderna de Estado Constitucional.

Ainda assim, Canotilho aponta para uma falta de atuação de um poder constituinte originário ao constitucionalismo histórico inglês. De forma ampla, o jurista lusitano entende que o poder constituinte se resume na legitimidade e poder para criar, modificar ou revogar a Carta Magna; ou, nas palavras de Bonavides, uma teoria capaz de legitimar “uma nova titularidade do poder soberano e conferindo expressão jurídica aos conceitos de soberania nacional e soberania popular” (BONAVIDES, 2010, p. 141). Evidentemente, a doutrina jurídica vem a defender a

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titularidade e legitimidade do povo ao poder constituinte originário, elemento central de sua promulgação.

1.2 O surgimento do Constitucionalismo Clássico e das Constituições Modernas

O chamado Constitucionalismo Clássico surge com as Revoluções Franco-Americanas ocorridas em meados do século XVIII, sob os ideais políticos e filosóficos dos movimentos liberais e iluministas, defendendo um Estado Liberal, menos centralizado e autoritário, voltado para a valorização da liberdade individual, dentre outros direitos concebidos como fundamentais. Tem-se como marco deste movimento a promulgação da Constituição Americana de 1787 e da Constituição Francesa de 1789, aonde agora há em sua essência um documento não só político, como também como jurídico, estabelecendo em seu texto disposições quanto à organização do governo, às limitações dos poderes estatais e suas separações, e contendo, sobretudo, um importante rol de direitos e garantias fundamentais mínimos (CANOTILHO, 2003). Em contextos mais históricos, tais movimentos revolucionários se erguiam em dicotomia ao Estado totalitário e absolutista, protagonizadas pela classe burguesa destes países buscando ascensão política.

Através dos movimentos liberais, o constitucionalismo clássico emerge como um movimento que questiona os planos políticos, filosóficos e jurídicos como também os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo uma nova forma de poder político. Tais fatores acabaram por quebrar os antigos paradigmas do constitucionalismo antigo, abrindo espaço para as conhecidas Constituições Modernas. Nas palavras de Canotilho (2003, p. 52):

O constitucionalismo moderno legitimou o aparecimento da chamada constituição moderna. Por constituição moderna entende-se a ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político. Podemos desdobrar este conceito de forma a captarmos as dimensões fundamentais que ele incorpora: (1) ordenação jurídico-política plasmada num

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documento escrito; (2) declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia; (3) organização do poder político segundo esquemas tendentes a torna-lo um poder limitado e moderado. Esse conceito de constituição converteu-se progressivamente num dos pressupostos básicos da cultura jurídica ocidental, a ponto de se ter já chamado “conceito ocidental de constituição”.

De acordo com Sarlet (2017), a compreensão de um Estado Constitucional, ou ainda, um Estado de Direito, na ideia de limitação jurídica do poder, tem certas premissas teóricas oriundas justamente da tradição constitucional inglesa, determinantes na projeção das primeiras experiências constitucionais inauguradoras do constitucionalismo clássico. De qualquer modo, pelos ensinamentos de Canotilho (2003) há uma forte e importante divergência do modelo clássico franco-americano quando comparado ao historicista inglês, haja vista que naquele caso se tratam de Constituições escritas e rígidas, dotadas de supremacia jurídica, e não parlamentar. Além disto, há mais centralidade do poder constituinte, demonstrando assim uma construção mais legitimamente democrática.

1.2.1 O Constitucionalismo Clássico Americano

A Constituição Americana de 1787 foi consequência das Revoluções Liberais ocorridas aos meados do século XVIII, época em que os Estados Unidos da América ainda eram colônia britânica, objetivando independência e liberdade perante o império britânico. Tal documento é concebido como o precursor do constitucionalismo clássico, vindo a influenciar as primeiras noções quanto ao papel e à função da Constituição, – mesmo contemplada sua precisa definição na eminente Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 1789 – sendo a primeira constituição rígida e de forma escrita. Segundo Canotilho (2003), uma das questões a serem observadas no documento é a menção expressa quanto à reclamação ao povo, o “We the people”, utilizando-se ainda dos preceitos básicos da tradição medieval inglesa e da Revolução Gloriosa de 1688. Porém, como observa o autor, da mesma forma em que há influência dos já antigos modelos, houve uma inclusão de princípios diferentes a estes, em que neste caso, há uma contraposição ao papel soberano do parlamento legislativo ao resguardar os

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interesses dos então cidadãos americanos. Nas palavras do jurista lusitano, “Aqui vem estroncar o momento We the people, ou seja, em que o povo toma decisões” (CANOTILHO, 2003, p. 58).

Além da importância de relevar o papel do povo, caracterizando assim uma maior centralidade do que se entende hoje por poder constituinte, este modelo constitucional americano introduziu uma nova sistemática estatal, política e jurídica. Destarte, tem-se o surgimento do presidencialismo como sistema de governo, o federalismo como forma de estado, a instauração de uma Suprema Corte com a finalidade de promover a defesa dos interesses constitucionais e exercer o controle de constitucionalidade através do Poder Judiciário, este último que teve como marco o emblemático caso Marbury vs Madison em 1803. Em relação ao controle de constitucionalidade, no texto da Constituição Americana, consta expressamente em seu artigo VI:

Esta Constituição e as leis dos Estados Unidos, que serão feitas em consequência daquela, e todos os tratados feitos, ou que se vierem a fazer, sob a autoridade dos Estados Unidos, constituirão a lei suprema do país; e os juízes de cada Estado a ela estão obrigados, não obstante as disposições contrárias inseridas na Constituição ou nas leis de qualquer dos Estados.2

Acima de tudo, o constitucionalismo norte-americano significou o reconhecimento da liberdade individual, do direito à propriedade e a proteção contra a interferência estatal, pautada na ideia de um governo limitado através de uma lei máxima que estaria em uma posição hierarquicamente superior às leis infraconstitucionais, estas as quais não poderiam estar em desacordo (CANOTILHO, 2003, p.59). Neste ângulo:

Por outras palavras: o modelo americano de constituição assenta na ideia de limitação normativa do domínio político através de uma lei escrita. Esta “limitação normativa”, postulava, pois, a edição de uma “bíblia política do estado” condensadora dos princípios fundamentais da comunidade política e dos direitos dos particulares. Neste sentido, a constituição não é um contrato entre governantes e governados

2 Original: “

This Constitution, and the Laws of the United States which shall be made in Pursuance there of; and all Treaties made, or which shall be made, under the Authority of the United States, shall be the supreme Law of the Land; and the Judges in every State shall be bound there by, anything in the Constitution or Laws of any state to the Contrary notwithstanding”. Disponível em:

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mas sim um acordo celebrado pelo povo e no seio do povo a fim de se criar e construir um “governo” vinculado à lei fundamental. Poder-se-á dizer, deste modo, que os Framers (os “pais da constituição americana”) procuraram relevar numa lei fundamental escrita determinados direitos princípios fundamentais que, em virtude uma racionalidade intrínseca e da dimensão evidente da verdade neles transportada, ficam fora da disposição de uma “possible tyranny of

the majority”. A consequência lógica do entendimento da constituição

como higher law é ainda a elevação da lei constitucional a paramount

law, isto é, uma lei superior que torna nula (void) qualquer “lei” de

nível inferior, incluindo as leis ordinárias do legislador, se estas infringirem os preceitos constitucionais.

Do exposto, entende-se a razão pelo o qual o modelo americano foi um dos grandes marcos influenciadores da concepção de constitucionalismo e da própria Constituição como conhecemos hoje, seja pelo seu novo arcabouço estatal e jurídico como também pelas suas menções simbólicas reproduzidas em demais documentos, a exemplo de “Nós o povo...”, e “Todos nascem livres e iguais”. Contudo, aponta Canotilho (2003) que, apesar do papel do poder constituinte no modelo americano – que serviu para criar um corpo rígido de regras garantidoras de direitos, limitando os poderes – este não possuiu autonomia como no constitucionalismo francês.

1.2.2 O Constitucionalismo Clássico Francês

O constitucionalismo francês possui suas origens ligadas aos ideários iluministas protagonistas da Revolução de 1789. Afirma Canotilho (2003) que o povo francês buscava edificar através da Revolução Francesa uma nova ordem de direitos naturais dos indivíduos – ou seja, uma concepção individualista dos direitos – buscando uma quebra ao antigo regime ao afirmar que todos os homens são livres e dotam dos mesmos direitos. De lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, a revolução significou a criação de um novo regime, em que, tal qual o modelo norte-americano, passa-se a defender um Estado menos interventor, limitando o poder político exercido pelos governantes. Em comparação à carta americana, assegura Bobbio (2004) que a Constituição Francesa é mais intransigentemente individualista. O filósofo italiano aduz que enquanto os constituintes americanos relacionaram os

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direitos do indivíduo ao bem comum da sociedade, os franceses pretendiam afirmar primária e exclusivamente os direitos dos indivíduos.

De acordo com os ensinamentos de Canotilho (2003), tal qual o modelo norte-americano, tem-se no caso do constitucionalismo francês uma centralidade do poder constituinte, – que por sua vez, neste caso dota de mais autonomia – uma das características justamente mais notórias do constitucionalismo clássico, precursor da noção de um poder originário pertencente à nação, única a qual poderia promulgar o documento constitucional de forma legítima. Sobre a matéria, o jurista português comenta:

A Revolução Francesa transporta dimensões completamente novas quanto ao tema que nos ocupa. Referimo-nos às ideias de poder

constituinte e de assembleia constituinte. Surge agora com

centralidade política a nação, titular do poder constituinte. A nação não se reconduz à ideia de sociedade civil inglesa. Ela passa a deter um poder constituinte que se permite querer e criar uma nova ordem política e social, prescritivamente dirigida ao futuro mas, simultaneamente, de ruptura com o “ancien regime”. No pensamento e prática da França revolucionária a imagem e representação do poder vigorosamente expressa pelo abade E. Sieyés é esta: o poder constituinte tem um titular – La Nation – e caracteriza-se por ser um poder originário, autónomo e omnipotente. Um constitucionalista francês do século passado resumia bem a concepção criacionista da Revolução: “a constituição é um acto imperativo da nação, tirada do nada e organizando a hierarquia dos poderes”. (CANOTILHO, 2003, p. 71)

Ressalta-se que, talvez a principal questão a ser aqui apresentada, é que o constitucionalismo francês trouxe consigo a primeira grande definição ao mundo moderno ocidental do que se entende por Constituição. Contida na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, encontra-se expressamente em seu corpo em seu célebre artigo décimo sexto, que estabelece: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. Surge, a partir disto, a conceituação básica

pertinente à função da Constituição, um documento que prevê direitos individuais fundamentais como forma de limitação do poder de um Estado descentralizado em seus diferentes poderes.

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De forma semelhante ao modelo norte-americano, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, bem como a posterior Constituição Francesa de 1791, também trouxeram em seu corpo os reconhecimentos quanto à liberdade dos cidadãos e a separação e limitação dos poderes políticos sobre influências do pensamento liberal, favorável ao livre comércio, à tolerância religiosa e filosófica e a liberdade de pensamento; e desfavorável, por exemplo, à união da Igreja Católica com o Estado. Do constitucionalismo francês, tem-se a ideia de que não bastava apenas acabar com os paradigmas do antigo regime, era necessário também o reconhecimento constitucional do povo como principal atuante político.

1.3 A superação do jusnaturalismo e a ascensão do positivismo jurídico como corrente filosófica norteadora do Direito

Para se compreender grande parte da aplicação do Direito sob um aspecto histórico, é de relevada importância estudar as correntes que guiaram a filosofia de sua aplicação, de sua interpretação e de sua razão. Posteriormente ao surgimento do constitucionalismo clássico, ao final do século XIX e início do século XX, em diversos estados europeus, há a ascensão da corrente filosófica do positivismo jurídico como modo de interpretação jurídica, sobrepondo-se ao antigo modelo jusnaturalista ao buscar maior objetividade na aplicação da norma. Sobre o tema, à luz de Miguel Reale (2002, p. 310):

A ideia de um Direito Natural, distinto do Direito Positivo, é muito antiga. Nós a encontramos nas manifestações mais remotas da civilização ocidental a respeito do problema da lei e da justiça, o mesmo ocorrendo na cultura do Oriente. Todavia, é entre os pensadores gregos que a aceitação de um Direito Natural, como expressão de exigências éticas e racionais, superiores às do Direito positivo ou histórico, passa a ser objeto de estudos especiais, até se converter em verdadeira “teoria”.

Por boa parte da história humana, o jusnaturalismo se fez presente como um norteador da ciência jurídica, aproximando a aplicação do Direito à moral e à ética, utilizando-se de valores pré-concebidos, compreendidos como as verdadeiras fontes jurídicas. O direito natural parte de um pressuposto que tais preceitos são imutáveis,

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universais, representantes de algo superior às questões humanas, quais deveriam ser consentâneas à aplicação do Direito. Segundo Hans Kelsen, tido como o mais importante mentor do positivismo jurídico, quanto ao conhecido Direito Natural (1996, p. 71):

A natureza - a natureza em geral ou a natureza do homem em particular - funciona como autoridade normativa, isto é, como autoridade legiferante. Quem observa os seus preceitos atua justamente. Estes preceitos, isto é, as normas da conduta justa, são imanentes à natureza. Por isso, eles podem ser deduzidos da natureza através de uma cuidadosa análise, ou seja, podem ser encontrados ou, por assim dizer, descobertos na natureza - o que significa que podem ser conhecidos. Não são, portanto, normas que - como as normas do direito positivo - sejam postas por atos da vontade humana, arbitrárias e, portanto, mutáveis, mas normas que já nos são dadas na natureza anteriormente à sua possível fixação por atos da vontade humana, normas por sua própria essência invariáveis e imutáveis.

Por entendimentos históricos, o direito natural possui suas raízes conectadas com pensamentos religiosos, ou seja, em tradições teológicas, mas acaba por romper com suas questões teocêntricas na modernidade, momento em que passa a dotar de um novo panorama teórico. Neste ínterim, sob os ensinamentos de pensadores como Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques-Rousseau, emerge a teoria do contrato social, tratando sobre os fundamentos da instauração de um Estado e sua necessidade para a civilidade. Ao formular esta teoria, cria-se a ideia de uma instrumentalidade por parte do Estado como instituição para atingir determinados fins comuns entre os homens e obter as vantagens da vivência social, opondo-se ao chamado Estado de Natureza, um momento anterior à sua instauração, aonde há a ausência de uma instituição reguladora da vida civil. Sobre a nova visão do jusnaturalismo aliada à teoria contratualista, de acordo com Lênio Streck e José Luis Bolzan de Morais (2006, p. 25):

Neste sentido, a perspectiva aberta pela escola do jusnaturalismo contratualista – nas suas variantes particulares, como se verá – é crucial para o entendimento da trajetória adotada pelo Estado Moderno e sua estrutura institucional como Estado Constitucional em seus diversos aspectos assumidos ao longo dos últimos cinco séculos. A concepção orgânica contrapõe-se à ideia contratualista, vendo a sociedade como “natural” ao homem. Nesta, por outro lado, a Sociedade/Estado é vista como uma criação artificial da razão humana através do consenso, acordo tácito ou expresso entre a

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maioria ou a unanimidade dos indivíduos... Fim do Estado Natural e o início do Estado Social e Político.

Em relação à ascensão do positivismo jurídico, o filósofo Norberto Bobbio (1995) comenta que esta nova passagem a esta corrente está ligada com a dissolução da sociedade medieval e à formação do Estado moderno, aonde a partir deste marco há uma sociedade monista em que este concentra os diferentes poderes – incluindo o poder Legislativo e Judiciário –, reaproximando tal entidade com o direito. Consequentemente, o Juiz passa de livre órgão da sociedade para tornar-se agora órgão do Estado, como um representante do poder judiciário frente aos dissídios, subordinado ao papel do poder legislativo como autor na norma.

Como uma dicotomia ao jusnaturalismo, o positivismo jurídico abandona as questões naturalísticas e filosóficas da norma e as aproxima de uma ideia de convenção dos homens; em outras palavras, o direito positivo buscou uma objetividade científica, equiparando o direito à lei posta, ou melhor, positivada, em que a fonte primária jurídica seria o comando normativo do parlamento sem interferência de convicções morais ou éticas. Logo, nesta corrente há uma compreensão do direito como um conjunto de comandos emanados pelo soberano, no caso o Estado, “[...] considerando, portanto como normas jurídicas todas as normas emanadas num determinado modo estabelecido pelo próprio ordenamento jurídico [...]” (BOBBIO, p. 142).

Prossegue o filósofo italiano, distinguindo as principais características das duas correntes, utilizando-se de diferentes critérios. Em resumo, Bobbio compreende a corrente jusnaturalista tendo um viés universal, qual se vale em todas as partes; imutável ao tempo; de fonte naturalística; conhecido pela nossa razão através de nossa concepção realística da ética; tendo os comportamentos compreendidos como bons ou maus em si mesmos; e valorizando e estabelecendo o que se entende como bom. Já a corrente juspositivista é concebida tendo como características sua particularidade, isto é, sua validade em determinados locais; sua mutabilidade ao decorrer do tempo; de fonte própria da construção do povo; conhecida através de uma declaração de vontade alheia (promulgação); compreendendo que os comportamentos regulados pelo direito positivo são por si mesmos indiferentes, mas

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quando regulados formalmente, possuem sua obrigatoriedade; estabelecendo o que se entende por útil. Assim, conclui Norberto Bobbio (1995, p. 28):

Se definimos, então, o ordenamento jurídico como o conjunto de regras acolhidas (ou que têm a possibilidade de serem acolhidas) por um juiz, e mantemos presente este esquema conceitual, compreendemos por que em certa época se falava em direito natural e direito positivo, enquanto agora se fala apenas de direito positivo. Antes da formação do Estado moderno, de fato, o juiz ao resolver as controvérsias não estava vinculado a escolher exclusivamente normas emanadas do órgão legislativo do Estado, mas tinha uma certa liberdade de escolha na determinação da norma a explicar; podias deduzi-la das regras do costume, ou ainda daquelas elaboradas pelos juristas ou, ainda, podia resolver o caso baseando-se em critérios eqüitativos, extraindo a regra do próprio caso em questão segundo princípios da razão natural. Todas estas regras estavam no mesmo nível, de todas podia o juiz obter normas a aplicar e, portanto, todas, na mesma proporção, constituíam “fontes do /direito”. O que permitia aos juristas falarem de duas espécies de direito, natural e positivo, e o juiz podia obter a norma a aplicar tanto de regras preexistentes na sociedade (direito positivo) quanto de princípios eqüitativos e de razão (direito natural) ”

Do exposto, pode-se concluir que a doutrina do positivismo jurídico estabelece que não existe o direito fora do que está positivado e está intrinsecamente relacionado à lei como ato da vontade do homem, dispensando o uso de critérios diversos, possuindo como finalidade a busca de objetividade e segurança jurídica frente a uma desordem do direito primitivo ao defender uma separação entre Direito, moral e política. No início do século XX, os contornos da corrente juspositivista começam a se tornar o novo modo de interpretação filosófica do Direito.

1.4 A Constituição frente ao Estado de bem-estar Social e o surgimento do constitucionalismo social

O Estado de bem-estar Social, ou Welfare State, se dá com uma nova ótica em que as regulamentações sociais se fazem cada vez mais necessárias, em virtude de uma crise institucional por parte do modelo do já antigo Estado Liberal-Burguês

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sob aspectos socioeconômicos na medida em que se crescia a desigualdade social em grandes potencias europeias. Para isto, se fez necessário atribuir novas funções e responsabilidades ao Estado e direitos ao povo, os reconhecendo perante à Constituição. É justamente nesta época que, ao final do século XIX e início do século XX, temos os primeiros esboços do que se entende por constitucionalismo contemporâneo.

Historicamente, o surgimento do Estado de bem-estar Social teve como um dos seus pretextos o período da Grande Depressão, momento de profunda crise econômica vivenciada principalmente na Europa e na América do Norte desde a década de trinta até o final da segunda guerra mundial. Como resposta, nasce a ideia de um Estado mais interventor.

A respeito dos aspectos jurídicos, de acordo com Paulo Bonavides (2004), as Constituições tidas como liberais não detinham em rigor no plano teórico um compromisso instável, de modo que acabaram por abrir espaço para um modelo que venha a reconhecer questões sociais, econômicas e culturais como direitos, tornando frágeis os alicerces das antigas cartas, buscando formas de equilíbrio e transação na ideologia do Estado Social. Prossegue Bonavides que o reconhecimento dos direitos sociais às relações dos indivíduos representou uma novidade completamente desconhecida pelo constitucionalismo clássico liberal, abrindo uma lacuna para o surgimento do então conhecido constitucionalismo social. Por constitucionalismo social, entende Canotilho (2003), por ser um conjunto de direitos e princípios de natureza social formalmente plasmados na Constituição.

Desta forma, com o advento das noções do Estado de bem-estar Social, tem-se uma nova atribuição política ao adotar medidas intervencionistas por parte da entidade estatal em questões sociais e econômicas buscando-se maior igualdade em um sentido material. A Constituição regulará agora tópicos como, por exemplo, relações de trabalho, previdência social, segurança, saúde, saneamento e educação, agora reconhecidos como direitos fundamentais (STRECK; MORAIS, 2006). Como marcos deste novo modelo, tem-se a Constituição Mexicana de 1917, e a Constituição de Weimar, na Alemanha, de 1919 como os precursores do agora

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chamado constitucionalismo social. Neste sentido, nas palavras de Karl Loewestein (1970, p. 401):

Como postulados expressamente formulados, os Direitos Fundamentais socioeconômicos não são absolutamente novos: alguns deles, como o direito ao trabalho, foram inscritos nas Constituições Francesas de 1793 e 1848. Mas foi apenas em nosso século, depois da primeira e, em maior grau ainda, depois da segunda guerra mundial, que se converteram no equipamento-padrão do constitucionalismo. Foram proclamados pela primeira vez na Constituição Mexicana de 1917, que, com um salto, se poupou todo o caminho para realizá-los: todas as riquezas naturais foram nacionalizadas e o Estado assumiu completamente, pelo menos no papel, a responsabilidade social para garantir uma existência digna a cada um de seus cidadãos.

No caso da Constituição Mexicana de 1917, esta trouxe como uma de suas grandes características a inclusão em seu texto de direitos trabalhistas, agora reconhecidos como direitos fundamentais como os já antigos relacionados à liberdade. Como exemplo, há previsão em seu diploma legal o inovador artigo 123, que estabelece a jornada máxima de oito horas diárias, a proibição de trabalho para menores de 12 anos de idade e ainda previsão quanto ao descanso semanal e à licença à maternidade; além disto, a Carta Magna mexicana trouxe disposições relacionadas ao direito ao salário mínimo, à previdência social, ao direito à moradia e à livre formação de sindicatos.

A Constituição de Weimar em 1919 decorreu de um contexto social e político na Europa em um período subsequente à primeira guerra mundial, especificamente na Alemanha que vivenciava uma profunda instabilidade política e social. Porquanto, a assembleia constituinte alemã tratou de instituir um documento formalizando a organização do Estado e concedendo direitos e deveres fundamentais, acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo social (COMPARATO, 2007). Outrossim, enquanto a primeira parte da Constituição de Weimar, o Livro I, versa a respeito da organização do estado, a segunda parte, o Livro II, versa a respeito de direitos e deveres fundamentais com a inclusão de direitos sociais, trazendo em seu texto questões relacionadas à proteção e assistência à maternidade, à função social da propriedade, ao direito à educação,

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previdência social, ao trabalho, dentre outros. Nesta perspectiva, nas palavras de Fábio Comparato (2007, p. 193):

Essa estrutura dualista não teria minimamente chocado os juristas de formação conservadora, caso a segunda parte da Constituição de Weimar se tivesse limitado à clássica declaração de direitos e garantias individuais. Estes, com efeito, são instrumentos de defesa contra o Estado, delimitações do campo bem demarcado da liberdade individual, que os Poderes Públicos não estavam autorizados a invadir. Os direitos sociais, ao contrário, têm por objeto não uma abstenção, mas uma atividade positiva do Estado, pois o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência social e outros do mesmo gênero só se realizam por meio de políticas públicas, isto é, programas de ação governamental. Aqui, são grupos sociais inteiros, e não apenas indivíduos, que passam a exigir dos Poderes Públicos uma orientação determinada na política de investimentos e de distribuição de bens; o que implica uma intervenção estatal no livre jogo do mercado e uma redistribuição de renda pela via tributária.

Do exposto, conclui-se que a partir do século XX houve uma expressiva expansão quanto ao reconhecimento de direitos, principalmente se comparada a períodos pretéritos. Do constitucionalismo clássico, tem-se o que se chama de direitos fundamentais de primeira dimensão, que estão basicamente relacionados à liberdade individual, assim como direitos civis e políticos, como é o caso do direito à vida, à propriedade, à liberdade de expressão, entre outros. Contudo, foi só nos meados do século passado em que emergiram direitos fundamentais – constitucionalmente previstos – versando sobre matérias diversas, como é o caso dos de segunda dimensão, vinculados às questões sociais, aonde o Estado passa a ter um caráter mais intervencionista do que se defendia se comparado aos movimentos liberais, com a finalidade de garantir o bem-estar social. Ainda, posteriormente, no período pós-guerra, emergem os direitos fundamentais de terceira geração, de caráter transindividuais.

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2. A TEORIA NEOCONSTITUCIONALISTA: SEUS MARCOS E SUAS CARACTERÍSTICAS

O fenômeno chamado de neoconstitucionalismo abrange um significativo agrupamento de conceitos, que, em termos gerais, muito se traduzem em uma releitura das normas constitucionais estabelecidas desde o constitucionalismo clássico do século XVIII, de caráter liberal, até movimentos mais recentes, procurando-se uma maior efetividade e aplicabilidade em suas disposições, ou seja, a união do histórico do constitucionalismo e da função da constituição com a busca de sua plena efetividade. O movimento expressa uma conjuntura de atos e processos importantes dos quais acabam por ocasionar, sob diversos aspectos, uma mudança da noção e da interpretação constitucional, de sua aplicação e influência à jurisdição.

No tocante à sua origem, segundo José Renato Gaziero Cella e Renê Chiquetti Rodrigues, o termo neoconstitucionalismo não é de expressão comum em certos países como os Estados Unidos ou a Alemanha, mas faz-se presente em estudos realizados na Espanha ou Itália, sendo primeiramente mencionada pela jurista italiana Susanna Pozzolo no XVIII Congresso Mundial de Filosofia Jurídica y

Social, realizado em Buenos Aires e La Plata. A jurista, comenta que o termo vem a

expressar, em suas palavras, um “conceito de direito e da existência de uma

possível especificidade da interpretação constitucional” (2014, p. 04).

Etimologicamente, o prefixo “neo” expressa o novo, uma nova visão, e é de utilização muito recente no debate jurídico, apesar do movimento possuir muito de suas raízes ligadas a momentos pretéritos à origem de sua alcunha. Não obstante, ressalta-se que o neoconstitucionalismo traz consigo muita incerteza, sendo de difícil sintetização sem a explicação de diferentes fenômenos ocorridos aos meados do século XX que vieram a se torna suas características. Neste sentido e a respeito dos avanços do novo movimento, como bem observa Luís Roberto Barroso sobre o tema (2013, p. 189):

Talvez esta seja uma boa explicação para o recurso recorrente aos prefixos pós e neo: pós-modernidade, pós-positivismo, neoliberalismo, neoconstitucionalismo. Sabe-se que veio depois e

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que tem a pretensão de ser novo. Mas ainda não se sabe bem o que é. Tudo é ainda incerto. Pode ser avanço. Pode ser uma volta ao passado. Pode ser apenas um movimento circular, uma dessas guinadas de 360 graus.

Prossegue Barroso (2005), que o fenômeno do neoconstitucionalismo está relacionado com o advento de três diferentes marcos ocorridos aos meados do século XX, que apresentaram os basilares de tal movimento, sendo eles os marcos histórico, filosófico e teórico. No contexto histórico brasileiro, o advento do novo movimento constitucional está estritamente relacionado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, em um momento em que os preceitos do novo paradigma constitucional se mostraria hábil ao processo de redemocratização do estado brasileiro após enfrentar um regime de fragilidade de direitos e garantias fundamentais. Em relação às características destacados por Barroso que vieram a se tornar os basilares do neoconstitucionalismo, se destaca o advento da corrente pós-positivista como uma solução ao positivismo jurídico, a adição de força normativa ao texto constitucional, a ampliação da eficácia da jurisdição constitucional e a instauração de um modelo de supremacia constitucional, vinculado a um controle exercido por um tribunal superior em esfera federativa.

Em contrapartida, convém mencionar que a visão de Barroso sobre o tema não é exatamente condizente aos entendimentos dos demais juristas, apesar do mesmo ser uma das referências sobre o tema em solo brasileiro. Neste sentido, destaca-se que a teoria que engloba o neoconstitucionalismo é polêmica, no sentido de que suas características são imprecisas e acabam por variar de acordo com o entendimento doutrinário, gerando uma distinção tão grande entre seus adeptos e críticos que é de difícil tarefa conceituá-lo de maneira harmônica. Destarte, enquanto muitos veem o novo movimento constitucional como uma busca pela efetivação e aplicação de direitos, e classificam juristas como Ronald Dworkin, Robert Alexy e Gustavo Zagrebelsky como seus adeptos, outros discordam vigorosamente desta visão, afirmando que o neoconstitucionalismo não passa de uma forma de escusar um mero moralismo jurídico, que acabou por conceder maior arbitrariedade aos magistrados, legitimar ativismos e enfraquecer o Direito. De qualquer forma, mesmo de um consenso falho, será analisado brevemente a compreensão com diferentes

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óticas a respeito das características da teoria neoconstitucional, bem como os debates que giraram em torno da cultura jurídica durante o mesmo período em questão.

2.1 Os marcos do Novo Constitucionalismo

Sugere Barroso (2005) que o surgimento do neoconstitucionalismo em si não está atribuído a uma data ou evento em específico, mas sim a uma conjuntura de atos ocorridos aos meados do século XX no período pós-guerra, com uma finalidade de buscar maior controle de poder como medida aos regimes totalitários e suas atrocidades. De modo mais genérico, pode-se entender que as origens do neoconstitucionalismo e seus desdobramentos estão relacionados a uma cultura jurídica emergente como resultado do movimento pós-guerra, sobretudo em solo europeu. Para sua teoria, a partir de uma quebra de paradigmas que fulminaram nas noções do período da pós-modernidade, a Lei Maior passa a dotar de propriedades importantes pelos os quais se passará a buscar a sua máxima efetividade e aplicabilidade, em um momento de crise política e jurídica, em que o já então positivismo jurídico se apresentava insuficiente e a observância das premissas constitucionais se mostrava cada vez mais necessária.

2.1.1 A força normativa da Constituição

Atribuída por Barroso (2005) como um dos marcos teóricos do neoconstitucionalismo, a ideia de força normativa da constituição ganha forças durante o percorrer histórico do século XX, pela influência de Hans Kelsen, e – posteriormente à segunda guerra mundial – de Konrad Hesse, magistrado do Tribunal Constitucional Federal Alemão, ao defender a imperatividade do texto constitucional e sua aplicação normativa, buscando-se maior efetividade das ânsias contidas na Lei Maior. Com o status de norma jurídica, a constituição passa a obter

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um caráter vinculativo e obrigatório em suas disposições. Sobre o tema, assevera Gilmar Mendes (1959):

(...) sem desprezar o significado dos fatores históricos, políticos e sociais para a força normativa da Constituição, confere Hesse peculiar realce à chamada vontade da Constituição (Wille zur Verfassung). A Constituição, ensina Hesse, transforma-se em força ativa se existir a disposição de orientar a própria conduta segunda a ordem nela estabelecida, se fizerem presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição.

Ressalta-se que o posicionamento de Hesse consistiu em uma impugnação ao entendimento do teórico alemão Ferdinand Lassalle, este o qual afirmava que a constituição está intrinsicamente relacionada com os fatores reais de poder, o que a tornava de fato uma constituição política, e que na ausência destes tais fatores, a constituição se tornaria apenas um pedaço de papel. O que Lassalle entendia era justamente que as questões constitucionais são questões de cunho político, e não jurídico, e que estas deveriam estar de acordo com as diferentes relações de poder, compondo o que ele chama de constituição real. Ao contrário deste entendimento, Hesse resguarda pela imperatividade normativa do texto constitucional, defendendo a divisão entre a realidade fática e a constituição, sendo a norma constitucional fonte material intentada da realidade, e ao atingir tal pretensão, há então o alcance de sua força normativa.

Divergindo do entendimento do atual ministro do Supremo Tribunal Federal, que vê a força normativa da constituição de Konrad Hesse sendo um dos grandes paradigmas do novo movimento constitucional no século XX, Dimitri Dimoulis (2009) possui uma visão diversa, entendendo que não é possível alegar que a força jurídico-normativa constitucional somente foi reconhecida a partir da Segunda Guerra Mundial, ou que foi a partir deste mesmo momento em que se materializava o exercício do controle de constitucionalidade na esfera judicial. Assim, por sua conclusão, se entende que qualquer constituição que carece de seu caráter jurídico, de sua normatividade e de efeito vinculativo acaba por não possuir finalidade ou mesmo razão de existência. Neste sentido, nas palavras de Dimoulis (2009, p. 4):

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Em cada país e período histórico encontramos conteúdos constitucionais e reivindicações políticas conflitantes. Mas não conhecemos Constituição que desminta a regra de sua superioridade jurídica e do caráter material-valorativo-político de seus conteúdos. Poderia se contestar que a afirmação do caráter jurídico e supremo da Constituição não passava de um artifício retórico, quando havia, na realidade institucional, predominância absoluta do Poder Legislativo, sendo sua submissão aos mandamentos do texto constitucional mera ficção despida de garantias efetivas. Mas para isso, devemos ignorar (ou silenciar) que o Poder Judiciário assumiu, desde o início do constitucionalismo, um papel particularmente ativo em defesa da supremacia constitucional e da tutela dos direitos fundamentais, fiscalizando, contrariando e mesmo anulando as decisões do Poder Legislativo.

Afirma Dimoulis que o controle de constitucionalidade já se encontrava consolidado de forma concreta em diversos estados europeus no século XIX, sem contar com a emblemática decisão de Marbury vs Madison pela Suprema Corte estadunidense em 1803 – marco do controle difuso de constitucionalidade –, possibilitando a correção da normas infraconstitucionais diante de suas desavenças perante à constituição. Sobre os argumentos de Barroso, Dimoulis afirma que “[...] carecem de justificativa, tanto cronológica como teórica, algumas afirmações peremptórias que encontramos no texto do Prof. Barroso: “Hans Kelsen foi introdutor do controle de constitucionalidade na Europa, na Constituição da Áustria de 1920” ou ainda “o Estado constitucional de direito desenvolve-se a partir do término da 2ª Guerra Mundial e se aprofunda no último quarto do século XX” (p.5).

Desta forma, apesar de muitos considerarem a adoção de força normativa da constituição como um dos marcos do neoconstitucionalismo, como defende Barroso, tal entendimento não é unânime, ao passo que existem argumentos quanto à já existência de características da superioridade constitucional e seu controle de forma alegada pela teoria neoconstitucionalista. Em que pese o controle de constitucionalidade ter sido introduzido em vários Estados no século XX, ganhando expansão quantitativa e popularidade após os eventos da segunda guerra, há o entendimento doutrinário que tais fatores não dotaram de prerrogativas a quebrar os paradigmas da época e dar curso a um novo modelo constitucional.

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2.1.2 O advento do pós-positivismo jurídico: a superação histórica do positivismo de Kelsen

Provavelmente uma das maiores características atribuídas ao neoconstitucionalismo é o advento do pós-positivismo jurídico como resposta ao positivismo jurídico kelseniano. Atribuído por Barroso como o marco filosófico do neoconstitucionalismo, o pós-positivismo jurídico traz consigo uma aproximação da norma positivada com os valores éticos e morais, ou, em outras palavras, uma influência da corrente jusnaturalista ao juspositivismo. Sobre o tema, preceitua Barroso (2005, p. 1):

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a filosofia.

Historicamente, Barroso – assim como demais juristas que aderem à teoria neoconstitucionalista –, estabelece como ligação do fracasso do positivismo jurídico com os regimes totalitários da segunda guerra, a exemplo do Nazifascismo, baseado na ideia de que o positivismo jurídico legitimou muita das atrocidades ocorridas na Segunda Guerra Mundial. Neste sentido, sendo o positivismo jurídico um distanciamento do Direito e da moral e uma aproximação a uma forma mais objetiva, estabelecendo como critério de validade jurídica a norma devidamente positivada, possíveis ações autoritárias que promoveriam crueldades poderiam estar sob o manto da legalidade jurídica do Estado.

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Salienta-se que tal visão também é alvo de críticas por parte de certos autores. Apesar da influência do juspositivismo kelseniano aos Estados Europeus no século XX, é impreciso afirmar com clareza que suas teorias tecidas em sua obra mais famosa, intitulada de “Teoria Pura do Direito”, acabaram por servir como base aos atos bárbaros cometidos. Consoante o entendimento de Maus (2000), ao contrário de um sistema juspositivista típico, a validade das normas a serem aplicadas pelos juízes através do código penal nacional-socialista transcenderiam a lei positivada, se valendo de artifícios de caráter mais políticos do que essencialmente jurídicos, de um sistema de valores próprios da política nazista. Ainda, a corroborar tal entendimento, de acordo com Norberto Bobbio, “a ideologia jurídica do Nazismo era nitidamente contrária ao princípio juspositivista, segundo o qual o juiz deve decidir exclusivamente com base na lei, sustentando, ao contrário, que o juiz devia decidir com base no interesse político do Estado” (1995, p. 236).

De qualquer forma, posteriormente à Segunda Grande Guerra, muito foi discutido quanto à instrumentalidade do Direito na busca de soluções aos regimes totalitários e atos atentatórios à humanidade, razão pela qual se houve a ruptura do modelo do positivismo jurídico como corrente filosófica norteadora do Direito, sob o fundamento de que o critério de validade se utilizando simplesmente da norma jurídica devidamente positivada seria irrestrito e variável de acordo com os interesses dos grupos que se encontram no poder. Outrossim, houve uma noção de que o positivismo jurídico poderia considerar como válidas as normas injustas e que causassem o mal, sendo desprovidas da moralidade e do senso de justiça necessários para a aplicação do Direito. Assim, de acordo com Barroso (2005) nasce o que se conhece por pós-positivismo jurídico, resultado da busca de uma nova forma de interpretação jurídica, na qual se materializa preceitos e valores de ordem ética e moral na forma de princípios dotados de força normativa previstos constitucionalmente, norteadores da aplicação da lei. Sobre o tema, leciona Daniel Sarmento (2009, p. 269):

As teorias neoconstitucionalistas buscam construir novas grades teóricas que se compatibilizem com os fenômenos acima referidos, em substituição àquelas do positivismo tradicional, consideradas incompatíveis com a nova realidade. Assim, por exemplo, ao invés da insistência na subsunção e no silogismo do positivismo formalista, ou no mero reconhecimento da discricionariedade política do

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intérprete nos casos difíceis, na linha do positivismo mais moderno de Kelsen e Hart, o neoconstitucionalismo se dedica à discussão de métodos ou de teorias de argumentação que permitem a procura racional e intersubjetivamente controlável da melhor resposta para os ‘casos difíceis’ do Direito.

Destarte, o pós-positivismo jurídico pressupõe justamente a superação do positivismo jurídico como corrente filosófica norteadora do direito, uma vez que trouxe parte da influência da ética no pressuposto da aplicação das normas, se aproximando de certas características do antigo jusnaturalismo. Ocorre que, por tal aproximação, segundo parte do entendimento doutrinário, o neoconstitucionalismo carrega consigo tendências jusnaturalistas, distorcendo grande parte dos ditames juspositivistas ao dar preferência à ponderação e gerar a noção de que é a partir das decisões judiciais que se cria o Direito.

2.1.3 A nova interpretação constitucional

A hermenêutica jurídica sempre foi alvo de discussões na doutrina. A interpretação da norma é a busca de sua finalidade, de sua aplicabilidade em um caso concreto, para finalmente utilizá-la, garantindo a sua eficácia. Assim, entende-se o porquê da relevância quanto ao tema, no entende-sentido de que entende-sem a interpretação, a regra positivada acaba por perder sua função, sua imposição perante a realidade fática. Neste sentido, a teoria acobertada pelo neoconstitucionalismo sustenta uma nova modalidade de interpretação, pela busca da efetividade constitucional e sua aplicabilidade. De acordo com Barroso (2005), o neoconstitucionalismo trouxe consigo uma nova modalidade de interpretação jurídica que se sobrepôs ao modelo tradicional, este o qual se baseava, a princípio, na subsunção, ou seja, um critério de adequação da norma expressa ao contexto fático. Prossegue o jurista, que os operadores e teóricos do Direito demonstravam insatisfação quanto às antigas modalidades de interpretação, buscando novos métodos de interpretação, ou, nas suas próprias palavras, que “[...] as categorias tradicionais da interpretação jurídica não são inteiramente ajustadas para a solução de um conjunto de problemas ligados à realização da vontade constitucional.” (p. 1).

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