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Um olhar para a saúde mental a partir da visão da psicologia no Sistema Único De Saúde - SUS

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

LEILA TAÍS KUNTZLER PEDROTTI

UM OLHAR PARA A SAÚDE MENTAL A PARTIR DA VISÃO DA PSICOLOGIA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS

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UNIVERSIDADE DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DHE- DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

UM OLHAR PARA A SAÚDE MENTAL A PARTIR DA VISÃO DA PSICOLOGIA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS

LEILA TAÍS KUNTZLER PEDROTTI

ORIENTADORA: Ms. BETINA BELTRAME

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo (a).

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3 DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a uma pessoa que mesmo frente a diversas dificuldades no percurso de formação nunca desistiu: eu, Leila Taís Kuntzler Pedrotti.

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4 AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe Cristina Kuntzler e minha irmã Laura Kuntzler Pedrotti pelo apoio e incentivo nos momentos de exaustão a nunca desistir.

Agradeço meu namorado Marcelo Prado pela ajuda com os trabalhos e recuperação de dados do computador.

Agradeço a minha amiga Sheli Lewandowski pelo companheirismo e ouvidos emprestados durante a formação.

Agradeço a Maria Carolina Magalhães Santos pela correção de ortografia do meu trabalho.

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5 EPÍGRAFE

“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante... ... do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Raul Seixas

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6 RESUMO

O trabalho a ser apresentado versa sobre a saúde mental e o Sistema Único de Saúde do Brasil no que concerne ao trabalho do profissional psicólogo. Desta forma, a presente pesquisa tem por objetivo explanar a atuação do psicólogo na saúde pública frente ao atendimento ao sujeito em sofrimento psíquico, sendo assim adotado como metodologia a pesquisa bibliográfica. Para tanto, contextualiza a história da saúde mental, bem como, a reforma psiquiatra a fim de entender os processos que se deram quanto ao atendimento e tratamento da loucura até os dias de hoje. Discorre-se também, sobre as leis que regulamentam os Discorre-serviços públicos de saúde e os direitos dos usuários da rede, focando nos sujeitos que se encontram em sofrimento psíquico. Incorporando todas as questões citadas acima, surge a psicologia e sua prática profissional frente ao campo da saúde pública e os desafios de atuação territorial para com o sujeito em sofrimento psíquico. Sendo assim, compreender a prática profissional do psicólogo neste novo cenário de atuação apresenta-se como um desafio, pois é uma prática construída dia após dia com os demais profissionais e com a comunidade geral. Portanto, após as leituras realizadas, é possível pensar que o profissional da psicologia ao atuar no campo do sistema único de saúde com o sujeito em sofrimento psíquico necessita trabalhar com o sujeito que busca tratamento para seu sofrimento bem como, com a sua equipe e principalmente com a comunidade, desmistificando as questões que rodeiam a loucura, promovendo saúde e inclusão social para o sujeito que se encontra em sofrimento psíquico.

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7 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...8

1. HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL...10

1.2 Saúde Mental no Brasil... ...17

2. REDE PÚBLICA DE SAÚDE ...25

2.1 Atuação da Psicologia no SUS: ênfase na Saúde Mental...30

CONSIDERAÇÕES FINAIS...42

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8 INTRODUÇÃO

Falar em saúde mental ainda é um tabu em nossa sociedade. Em pleno século XXI ainda encontramos pessoas que usam a terminologia loucura para caracterizar um sujeito que está em sofrimento psíquico e acredita que o mesmo oferece perigo para a população, devendo assim, ser afastado da vida em sociedade.

Foi a partir da reforma psiquiátrica que teve início na década de 1970, que foram pensadas novas formas para trabalhar com o sujeito em sofrimento psíquico, e desde então, vem sendo discutidas novas práticas de manejo das situações que se apresentam frente à saúde mental.

A psicologia, participando deste movimento, implicou-se na atuação do campo de saúde mental sem temer a recente inserção no campo da saúde pública. Desta forma, ainda se encontram em construção práticas a serem desenvolvidas para promover saúde e reinserção do sujeito desospitalizado no seu território social/familiar.

Percebe-se que ainda existe certo receio dos trabalhadores da saúde no que se refere ao atendimento ao sujeito em sofrimento psíquico, pois enquanto cidadã e futura Psicóloga, surgiu a preocupação, a partir de experiência presenciada, para com o usuário que participa do Centro de Atenção Psicossocial - CAPS e ao procurar a rede básica de atenção é recebido de forma estigmatizada por funcionários do Programa de Saúde da Família - PSF. Assim, surge a problematização para desenvolver o presente trabalho, a partir das contribuições que o profissional da Psicologia pode realizar para que o sujeito em sofrimento psíquico possua melhores condições de acolhimento, cuidando a sua totalidade, ou seja, visto como um sujeito biopsicossocial.

O objetivo deste trabalho visa identificar a contribuição da psicologia no âmbito da saúde pública, bem como a atuação da psicologia dentro deste sistema, a fim de

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proporcionar ao sujeito em sofrimento psíquico uma melhor qualidade de vida e inserção na sociedade, proporcionando assim sua emancipação.

A partir da revisão de literatura, busca-se estudar e compreender as práticas para o trabalho do Psicólogo no âmbito do atendimento ao sujeito em sofrimento psíquico na rede de saúde pública, a fim de que se possa oferecer melhor atendimento ao usuário e, que o mesmo tenha condições de um melhor convívio no seu território, com os vizinhos e familiares. Seguindo a mesma linha de pensamento, refletir se as práticas não estão, de certa maneira, institucionalizando novamente esses sujeitos que muitas vezes ficam presos ao CAPS e não conseguem procurar outras redes de atendimento.

O referido trabalho está estruturado em dois capítulos. No primeiro será feito um resgate da história da loucura/saúde mental, e com segundo tópico contextualizando a reforma psiquiátrica no Brasil. Já no segundo capítulo, será apresentada as políticas públicas que regem o sistema único de saúde e da saúde mental. Ademais, serão estudadas as propostas de trabalho e as alternativas terapêuticas para a inserção e desmistificação que carrega o sujeito em sofrimento psíquico. Para finalizar o trabalho, seguem as considerações finais, seguidas das referências utilizadas para o embasamento do tema proposto de pesquisa.

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10 1. HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL

A história da loucura até o momento em que se deu a reforma psiquiátrica passou por vários acontecimentos. Para que este trabalho seja efetivo, faz-se necessária a contextualização deste percurso, até os dias atuais para que o leitor compreenda e depois envolvam alguns aspectos culturais que abarcam o tema de saúde mental.

A começar pela terminologia loucura que foi muito usada até meados do século XX. A partir do momento em que a medicina se propõe a atuar com a população que estava institucionalizada e, pensar em tratamento para aqueles sujeitos, a denominação passa a ser transtorno mental.

Para a legislação brasileira e terminologia usada é sujeito portador de transtorno mental. Porém, para fins deste trabalho, cabe refletir o que é a saúde mental e normalidade. Portanto, utilizar-se-á a terminologia encontrada em Amarante (2008, p. 68) “sujeito ‘em’ sofrimento psíquico”, uma vez que este termo remete a um sujeito que encontra-se em um estado de sofrimento ou que viveu uma experiência que o fez sofrer em algum momento.

A grande maioria dos sujeitos atravessa um momento de sofrimento durante a vida. Nesta perspectiva, Freud (1996, p. 83) afirma que “A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis”.

O sofrimento pode se dar em três formas diferentes a saber

De nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens (FREUD, 1996, p. 85).

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Desde os tempos mais remotos, atribuía-se as pessoas que se diferenciavam das demais (suas formas orgânicas e psíquicas) caráter de exclusão e a elas vincularam o termo loucura. Por muito tempo, os sujeitos ditos loucos eram confinados em espaços fechados e longe do resto da população onde permaneciam até a morte (AMARANTE, 2008).

O termo loucura foi atribuído a pessoas com deficiência orgânica e psíquica, pessoas que possuíam ideais diferentes dos impostos pela sociedade, ou seja, qualquer pessoa que fugisse da regra da época em que vivia. As instituições que acolhiam estes sujeitos não possuíam caráter de tratamento, eram apenas um espaço para retirá-los da sociedade (AMARANTE, 2008).

A partir da década de 1970, estas instituições começam a oferecer tratamento, principalmente devido ao psiquiatra Fhilippe Pinel, médico conhecido “como o pai da psiquiatria, sucessora do alienismo” (AMARANTE, 2008). Pinel foi o precursor ao pensar em tratamento e cura para essas pessoas, e posteriormente inseri-las novamente na sociedade. Porém, sua teoria não teve muito sucesso na reinserção social.

Os médicos psiquiatras começam a perceber que nem todos os internados eram sujeitos em sofrimento psíquico. Muitas vezes, apenas eram excluídos da comunidade devido a sua forma de ser, sendo até mesmo física na qual o sujeito seria portador de alguma síndrome e pela sua forma de pensar, diferente dos demais. Foi Franco Basaglia, psiquiatra italiano, quem obteve experiência satisfatória para com a desinstitucionalização do sujeito que sofre e a extinção dos manicômios, propondo estratégias de enfrentamento.

Por um longo período a internação do sujeito em sofrimento psíquico foi uma forma de exclusão e não de tratamento dos sujeitos.

Amarante explicita que

Durante a Idade Média, a percepção social da loucura, representada pela ética do internamento, não se cruza com a elaboração de conhecimento sobre a loucura. O internamento na Idade Clássica é baseado em uma prática de ‘proteção’ e guarda, como um jardim das espécies; diferentemente do século XVIII, marcado pela convergência entre percepção, dedução e conhecimento, ganhando o internamento características médicas e terapêuticas (Amarante, 2015, p. 24).

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Durante a segunda metade do século XVIII, a desrazão vai perdendo espaço e a alienação passa a ocupar o lugar como critério de distinção do louco ante a ordem social. Esta trajetória prática e discursiva tem na instituição da doença mental o objeto fundante do saber e prática psiquiátrica (AMARANTE, 2015).

Foi a partir da era clássica (época que compreende os gregos, Platão e Aristóteles) que a loucura passou a ser condenada pela incapacidade de trabalhar. De acordo com Foucault (1978, p. 73) “Esta comunidade adquire um poder ético de divisão que lhe permite rejeitar, como num outro mundo, todas as formas de inutilidade social”.

Com base na produção econômica de cada sujeito, as instituições ganharam poder no momento que, no entendimento de Foucault (1978, p. 78) “a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade”.

Então, o louco seria aquele sujeito que é diferente frente aos outros, seria uma exceção frente aos demais. Aquele sujeito que age e pensa de forma desigual aos demais de seu território, um sujeito não reconhecido pela sociedade (FOUCAULT, 1978).

Primeiramente, os hospitais não tinham a finalidade médica de curar os pacientes. As instituições abrigavam pessoas excluídas socialmente devido a uma incapacidade de produtividade. Nas casas de misericórdia ou abrigos como eram chamadas, iam parar leprosos, pessoas que perderam seus familiares, pessoas com alguma deficiência e também os doentes mentais.

Outrossim, o hospital não era conhecido como uma instituição médica, fora criado na idade média com intuito de caridade, como nos afirma Amarante (2008, p. 22) para fins de “oferecer abrigo, alimentação e assistência religiosa aos pobres, miseráveis, mendigos, desabrigados e doentes”. Estas instituições religiosas foram denominadas hospital, pois em latim, como nos esclarece Amarante (2008, p. 22) hospital “significa hospedagem, hospedaria, hospitalidade”.

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13 o hospital geral não é, em sua origem, uma instituição médica, mas se ocupa de uma ordem social de exclusão/assistência/filantropia para os desafortunados e abandonados pela sorte divina e material (AMARANTE, 2015, p. 25).

Desta forma, Foucault (1978, p. 64), sobre o hospital geral, afirma que “De início, a instituição atribuía-se a tarefa de impedir “a mendicância e a ociosidade, bem como as fontes de todas as desordens”.

As instituições de longa permanência (ou asilo, termo popularmente conhecido), onde ficavam pessoas afastadas da convivência em sociedade apresenta caráter de fechamento do sujeito para com a vida fora da hospitalização. Conforme Foucault (1978, p. 83) “É nesses lugares da ociosidade maldita e condenada, nesse espaço inventado por uma sociedade que decifrava na lei do trabalho uma transcendência ética, que a loucura vai aparecer e rapidamente desenvolver-se ao ponto de anexá-los”.

A sociedade visava que os desajustados fossem retirados do convívio social, sendo que muitos pregavam a correção moral para os sujeitos que se diferenciavam do padrão imposto para convivência no meio social. Desta forma uma instituição de internamento é usada para reduzir as diferenças, reprimir os vícios, e extinguir irregularidades, denunciando o que se opõe às virtudes da sociedade (FOUCAULT, 1978).

Essas instituições (sociais) se organizam de forma a atender sujeitos que estão internados em situações semelhantes, separando-os da sociedade por um período de tempo (curto ou longo). Na instituição é imposta uma vida fechada sob uma administração rigorosa e formal, baseada no discurso dos objetivos institucionais, apresentando tendência de fechamento que simboliza seu caráter total (KUNZE, 2009).

Goffman atribui o conceito de instituição total para o modelo asilar preponderante e conceitua instituição total como

um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada (GOFFMAN, 2007, p. 11).

Os sujeitos que iam para as instituições não mais retornavam para a sociedade. Pois, ao adentrar para o espaço de tratamento mesmo quem poderia receber

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tratamento fora do hospital, ou quem era considerado doente mental por viver em situação diferente de quem diagnosticou, acabava por ser enquadrado nas medidas estratégicas que foram previstas pelo hospital (GOFFMAN, 2007).

Como já fora explicado, foi Pinel, médico psiquiatra, que começou a pensar no tratamento para esses sujeitos poderem retornar para a vida em sociedade, separando primeiramente os pacientes por demanda com a intenção de proporcionar tratamento. Porém, mesmo com a ideia de tratá-los, os mesmos continuavam institucionalizados até o fim de suas vidas. Assim, a figura do médico clínico, que surgiu a partir de 1793, tem em Pinel sua principal e primeira expressão (AMARANTE, 2015).

Para Pinel, de acordo com as palavras de Velloso e Meireles

as doenças mentais resultavam de tensões sociais e psicológicas excessivas, em alguns casos com interferência de causas hereditárias, ou também resultantes de acidentes físicos. Combateu a crença reinante entre o povo e mesmo entre médicos de que os doentes mentais eram possuídos por alguma manifestação diabólica (VELLOSO; MEIRELES, 2007, p.78).

Enrique Pichòn- Riviéri, médico psiquiatra e psicanalista argentino que ficou conhecido pelo seu trabalho desenvolvido no hospício de Las Mercedes, muito contribuiu para o cuidado com a saúde mental. Este acreditava que os profissionais vinculados à saúde mental, quando ainda em formação acadêmica deveriam atender em hospitais psiquiátricos, sob supervisão dos mais experientes para que assim os futuros profissionais da saúde se implicassem mais com a problemática em questão. Ou seja, os futuros profissionais da psiquiatria, ao vivenciar o cuidado com o campo da saúde mental tornar-se-iam mais sensíveis e comprometidos com as reais necessidades do público-alvo (VELLOSO; MEIRELES, 2007).

Pichón ingressou no hospital de La Mercedes, por meio de concurso público em 1936, onde sua primeira função foi a de fazer uma triagem dos pacientes que iriam para as enfermarias. Neste posto de trabalho se depara com um tratamento indiscriminado para com os pacientes e se vê diante de duas problemáticas: uma relativa aos pacientes e outra referente às equipes de enfermagem que prestavam o atendimento (VELLOSO; MEIRELES, 2007).

Frente às observações diárias do trabalho no hospital, Pichón percebeu que para o sujeito que estava sendo hospitalizado ter um tratamento efetivo fazia-se

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necessária uma boa relação desde o início da internação dos enfermeiros para com a família e paciente. Caso contrário, o sujeito cairia na estigmatização da loucura e seria abandonado pelos familiares na instituição. Nesta época, profissionais e familiares temiam contaminar-se com a loucura e Pichòn, percebeu que faltava capacitação dos profissionais para um melhor atendimento dos sujeitos (VELLOSO; MEIRELES, 2007).

Pichón se vê diante de uma incapacidade de trabalho individual e perante esta necessidade passa a capacitar os enfermeiros que trabalhavam na instituição em formas de grupos, onde discutia sobre os pacientes internados e a forma de tratamento. Surge então, o conceito de ECRO (Esquema Conceitual Referencial e Operativo) que é um conjunto de conceitos teóricos referidos a um setor real, em determinado discurso onde permite uma aproximação instrumental ao objeto concreto (VELLOSO; MEIRELES, 2007).

Ao final da década de 1970, é instituída na Itália a Lei 180 de 13 de maio de 1878, conhecida como Lei Basaglia a qual reformula o modelo assistencial ao sujeito em sofrimento psíquico prevendo que os controles e tratamentos sanitários deveriam ser de natureza voluntária (GOULART, 2007).

Além disso, a Lei 180 proibia a construção de novos manicômios, impedindo novas admissões. Com o fechamento dos manicômios italianos ativos, os trabalhadores da saúde mental, visando à reabilitação social dos sujeitos em sofrimento psíquico, pensaram novas formas de pensar e fazer o cuidado com esta população (GOULART, 2007).

Nos casos de internação por determinação de autoridade sanitária, no modelo italiano de desinstitucionalização, a lei acima citada defende a dignidade do sujeito e seus direitos civis garantidos pela constituição italiana bem como, o direito de escolha do médico e do local de atendimento pelo sujeito, sempre que possível. Assegura ainda o direito de comunicação com quem o sujeito internado julgar congruente (GOULART, 2007).

Referente a internação hospitalar a lei 180 estabelecia que

a proposta de tratamento sanitário obrigatório pode prever que a assistência venha a acontecer em condições de internação hospitalar apenas se existirem alterações psíquicas tão agudas que requisitem intervenção terapêutica urgente, se os tratamentos não forem aceitos pelo doente e se

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16 não existirem as condições e as circunstâncias que permitam adotar oportunas e ágeis medidas sanitárias extra-hospitalares (Art. 2, parágrafo 2).1 Além do mais, no modelo italiano de desinstitucionalização, qualquer pessoa pode pedir a revogação ou alteração da medida determinada para o tratamento sanitário obrigatório. Ressalva-se também, que as medidas de intervenção de prevenção, tratamento e reabilitação relacionadas à saúde mental, por regra, devem ser exercidas por serviços extra-hospitalares e para que o serviço no território seja de fato efetivo defende o número máximo de 15 leitos nos hospitais (GOULART, 2007).

A psiquiatria constitui-se a partir do momento em que nomeia a loucura e prescreve intervenções (medicamentosas), criando um campo de práticas adequadas ao sujeito. Dessa maneira, o louco vai perdendo o seu rótulo e passa a ser denominado doente mental. O conceito de doença mental é uma construção discursiva que se deu a partir de fatos não discursivos pela legitimação do saber e poder médico, diante de várias transformações sociais, culturais e político-econômicas (AMARANTE; CARVALHO, 2000).

Deste modo, a reforma psiquiátrica pode ser entendida como um processo complexo que deve ser questionado constantemente, pois a implantação, a gerência e o desenvolvimento de novos serviços não devem ocorrer em detrimento da dimensão construtora de possibilidades de relação com as diferenças. Sendo assim, abandona-se o foco na doença e propõem-se pensar a melhoria da qualidade de vida e a extinção de relações sociais que produzem sofrimento aos sujeitos (AMARANTE; CARVALHO, 2000).

A reforma psiquiátrica italiana transformou o cenário assistencial que predominava no que refere-se ao atendimento em estruturas asilares. Outrossim, a reforma psiquiátrica

constituiu serviços territoriais capazes de acolher os transtornos mentais e viabilizou o fechamento dos manicômios italianos, numa ousada estratégia que pretendia ferir irremediavelmente os mecanismos legitimados de segregação dos doentes mentais (GOULART,2007, p. 23).

1Retirado de anexo do livro: GOULART, Maria Stella Brandão. As raízes italianas do movimento antimanicomial. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. (Coleção história da Psicologia no

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Todavia, a reforma psiquiátrica não produziu somente mudanças objetivas, mas promoveu transformações as quais Goulart (2007, p. 23) aponta que ocorreram “nos modos de interpretação do sofrimento mental e nas estratégias para o seu enfrentamento”. Tais mudanças se deram nos procedimentos técnicos fazendo repensar crenças e preconceitos, propiciando surgimento da solidariedade para com o sujeito em sofrimento psíquico.

Assim, conforme foi demostrada a história da saúde mental em contexto global, até o momento em que deu-se a reforma psiquiátrica. Apresentar-se-á a seguir a história da saúde mental no Brasil, bem como os movimentos de luta antimanicomial brasileira.

1.2 Saúde Mental no Brasil

No Brasil, a história de exclusão dos sujeitos considerados loucos não foi diferente dos cenários mundiais. Existiam as casas de misericórdia que recebiam leprosos, doentes mentais, filhas que perderam a virgindade antes do casamento, pessoas portadoras de necessidades especiais, crianças que perderam os familiares, etc.

No Brasil, a promoção em saúde mental passou a ser pensada a partir de Franco Basaglia, psiquiatra Italiano que, em visita ao Brasil deparou-se com as péssimas condições de vida dos sujeitos nos manicômios. Começou a participar dos fóruns e debates sobre saúde mental e usou-se da mídia para mostrar o que estava acontecendo nos manicômios brasileiros para a população em geral (GOULART, 2007).

A psicologia foi uma das profissões presentes na construção da reforma sanitária, como nomeia o Conselho Federal de Psicologia - CFP, em que os profissionais têm atuado para uma ‘reforma psiquiátrica antimanicomial’ que segundo

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o CFP (2013, p. 07) “valorize sujeitos e permita tratamento em liberdade, longe das prisões dos manicômios e com cidadania”.

Franco Basaglia foi o precursor do processo de humanização da saúde mental na Itália e devido as suas experiências, o Brasil, em especial, inspirou-se nas suas práticas assistivas. O movimento antimanicomial italiano é conceituado como referência de iniciativas de reforma psiquiátrica do cenário ocidental, desde o fim dos anos 1960, posto que nos alega Goulart (2007, p. 20) “por significar a radicalização de toda uma tendência do pós-guerra de reforma humanizadora das instituições psiquiátricas”.

Ademais, foi promovida uma aliança entre profissionais da saúde mental e sua clientela, revelando o elo político desse vínculo contratual. O movimento conduziu-se pela promoção da justiça e da liberdade, inclusive procurou-se reconstruir os vínculos comunitários promovendo a tolerância e solidariedade (GOULART, 2007).

O início do movimento da reforma psiquiátrica no Brasil de acordo com Amarante (2015, p. 51), “é compreendido entre os anos 1978 e 1980”. Trata-se de um processo que se inicia com o surgimento de um novo ator, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que por longo período desempenha o principal papel na formulação teórica e organização de novas práticas (AMARANTE, 2015).

Sob a mesma perspectiva de Amarante (2015), Goulart (2007, p. 29) revela que: “data de 1987 o início do movimento de luta antimanicomial brasileiro, que, nascido do conjunto de atores sociais que lutavam por democracia e por saúde”. Goulart (2007, p. 31) destaca: “o movimento de luta antimanicomial tornou-se, desde o final da década de 1980, um dos mais relevantes fenômenos associativos da sociedade civil brasileira no processo de mudança no campo da saúde mental”.

A denominação conhecida como reforma psiquiátrica deve-se ao fato de que foram os médicos psiquiatras que trabalhavam nos então chamados manicômios, fundamentalmente, a iniciarem os primeiros movimentos sociais para a desinstitucionalização e/ou desospitalização dos internos (GOULART, 2007). Para tanto, no Brasil, o termo mais conhecido é “Movimento Antimanicomial”, que iniciou como Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. De maneira inicial,

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discursava-se sobre movimento antiinstitucional. Sucessivamente, incorporaram-se os termos psiquiatria alternativa e psiquiatria democrática. Ultimamente referido a reforma efetivada o termo psiquiatria territorial tem sido utilizado (GOULART, 2007).

A terminologia Movimento Antimanicomial, aparenta ser a mais condizente com a situação brasileira, uma vez que atesta Goulart (2007, p. 19) “facilita a identificação e evidencia as conexões entre as duas realidades” (brasileira e italiana). Deste modo, explicita-se a especificidade do processo italiano. Seguindo a linha de pensamento, o mesmo autor (2007, p. 19) ressalta que: “a destruição das instituições psiquiátricas – tradicionais, asilares e segregantes – será o principal diferencial do movimento”.

Complementarmente a Goulart, Petuco traz a concepção de que a luta antimanicomial é um movimento que traduz vida e a transformação da realidade com entusiasmo e persistência, ao passo que a reforma psiquiátrica envolve esse movimento com a lei. A presente lei é nº10.216 de 06 de abril de 2001, conhecida como lei Paulo Delgado (PETUCO, [s.d.]).

O movimento social antimanicomial no Brasil iniciou com os médicos psiquiatras. Ao longo do tempo, outros públicos passaram a incorporar a luta antimanicomial que eram: profissionais da saúde e saúde mental (enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, etc.); profissionais de outras áreas como advogados, sociólogos e artistas; público leigo (familiares e amigos dos usuários, comunidade); usuários e ex-usuários dos serviços psiquiátricos; movimentos sociais; sindicatos; partidos políticos (GOULART, 2007).

Dentre os mais variados grupos envolvidos na formulação das políticas de saúde mental no Brasil, merece destaque (como já fora citado anteriormente) o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) e suas diversas formas de expressão – Núcleos Estaduais de Saúde Mental do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), Comissões de Saúde Mental dos Sindicatos dos Médicos, Movimento da Renovação Médica (REME), Rede de Alternativas à Psiquiatria e a Sociedade de Psicossíntese (AMARANTE, 2015).

Ainda outros atores de relevância para este movimento são a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Federação Brasileira de Hospitais (FBH), a indústria farmacêutica e as universidades, sendo que as duas últimas são de relevante

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importância pelo fato de legitimarem e instigarem a formulação das políticas de saúde mental. Temos ainda o Estado por meio do setor de saúde Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) (AMARANTE, 2015).

A luta antimanicomial brasileira e italiana como movimento social tem em comum, entre outros, como afirma Goulart (2007, p. 17) “o objetivo de denunciar a violência a que estão expostas as pessoas que sofrem de transtornos psíquicos graves e necessitam de apoio e tratamento especializado e dedicado”. Este movimento refere-se a evidenciar o preconceito, o abandono e as más condições de cuidados a que os sujeitos estão submetidos nas diversas instituições de tratamento, inclusive os que ficam do lado de fora dos muros das instituições de internação.

A psiquiatria clássica desenvolveu uma crise teórica/prática, reformulando o seu modo de trabalho deixando de lado o tratamento da doença mental e pensando a promoção em saúde mental. Dois grandes períodos marcaram o campo teórico assistencial da psiquiatria.

O primeiro período é marcado pela crítica à estrutura asilar. A principal preocupação do referido período é com a ideia de que o manicômio seria uma instituição de cura sendo organizado para tal fim. O segundo período é marcado pela ascensão da psiquiatria ao espaço público, com o objetivo de prevenir e promover a saúde mental, sendo marcado pelas experiências de psiquiatria de setor da França e psiquiatria comunitária/preventiva dos Estados Unidos (AMARANTE, 2015).

Após a Segunda Guerra Mundial surge, inclusive no Brasil, como aponta Amarante (2015, p. 88) “as experiências socioterápicas, como a comunidade terapêutica inglesa, a psicoterapia institucional e a psiquiatria de setor francesas”.

Até então, as tentativas de cura se davam somente em caráter asilar, onde os sujeitos não entravam em contato com a sociedade sendo que por vezes não se consolidava um resultado satisfatório ao final do tratamento.

É neste momento que, segundo Amarante

a arcaica concepção de prevenção da psiquiatria higienista, outrora denominada de profilaxia, passa a superar a ideia de prevenção das desordens mentais, para alcançar o projeto de promoção da saúde mental. (AMARANTE, 2015, p. 88).

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O conceito de doente mental, até nos dias atuais é muito forte e tem atribuição a um sujeito que oferece perigo para a sociedade e necessita ficar trancafiado, longe de todos. Na percepção de Amarante (2008, p.18): “até muito pouco tempo atrás, trabalhar na “saúde mental” significava dizer que se trabalhava com doenças mentais, com hospícios, com manicômios!”.

Devido ao fato de que por um longo período de tempo foram retiradas do convívio social, os sujeitos que se encontravam em sofrimento psíquico, várias especulações sobre a saúde mental foram sendo criadas.

Mas, de certa forma, devem ser refletidas as questões que envolvem o sujeito em sofrimento psíquico, pois a saúde mental é um campo complexo, plural, intersetorial e com transversalidade de saberes, não consistindo somente em uma forma de conhecimento dificultando a delimitação de onde começam e terminam seus limites fronteiriços (AMARANTE, 2008).

Neste sentido, Amarante (2008, p. 16) ainda pontua que a: “saúde mental não é apenas psicopatologia, semiologia... Ou seja, não pode ser reduzida ao estudo e tratamento das doenças mentais...”. A rede de saberes que compõe o campo da saúde mental perpassa o campo da psiquiatria, da neurologia e das neurociências incluindo-se a psicologia e a psicanáliincluindo-se, a fisiologia, a filosofia, a antropologia, a filologia, a sociologia, a história, a geografia (AMARANTE, 2008).

Cabe neste momento, remeter para as perguntas de Amarante, onde este questiona o que é mesmo a doença mental? Se esta seria o oposto de saúde mental? A resposta que por muitas vezes aparece é a de que saúde mental é um estado normal, onde não se encontre desordem. Porém aqui entra outra questão: o que é normal? Depende do ponto de vista, da cultura, dos valores de cada sujeito (AMARANTE, 2008).

A partir do desenvolvimento científico de algumas áreas do conhecimento, com base em dados culturais e comportamentais observados pelo especialista constroem-se avaliações para fins de diagnosticar o sujeito em normal ou patológico (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).

Amarante (2008, p. 19) traz a concepção de que “saúde mental é um campo bastante polissêmico e plural na medida em que diz respeito ao estado mental dos

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sujeitos e das coletividades que, do mesmo modo, são condições altamente complexas”.

Pensando a partir de Amarante, em que a saúde mental é um campo plural, faz-se necessária uma reflexão sobre o que seria a saúde mental, o que diferencia o normal do patológico. Assim, diagnosticar um sujeito é um processo complicado, levando em conta que:

O conceito de normal e patológico é extremamente relativo. Do ponto de vista cultural, o que numa sociedade é considerado normal, adequado, aceito ou mesmo valorizado, em outra sociedade ou em outro momento histórico pode ser considerado anormal, desviante ou patológico. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 353).

Para Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 354) “A questão da normalidade acaba por desvelar o poder que a ciência tem de, a partir do diagnóstico fornecido por um especialista, formular o destino do indivíduo rotulado”.

Quando se fala em doença, logo se pensa na cura. No caso da doença mental a forma de cura varia conforme a teoria referencial do profissional. A cura pode se dar por meio medicamentoso (drogas quimioterápicas), eletrochoque, hospitalização e psicoterapia. Implica também, além de pensar na cura, pensar na prevenção. Na concepção de Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 356): “a prevenção da doença mental significa criar estratégias para evitar seu aparecimento [...] implica sempre ações localizadas no meio social”.

Sendo assim, a promoção da saúde visa pensar o sujeito em sua totalidade. Ou seja, como ser biológico, psicológico e sociológico, juntamente com as condições de vida que propiciam bem-estar físico, mental e social (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).

Deve-se levar em conta ainda, questões relacionadas à pobreza (satisfação das necessidades básicas); violência; sistema educacional (que vem gerando estímulos à competitividade); desumanização (fragilidade nas relações humanas que tendem a objetificar as pessoas) (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).

Se faz necessário considerar todas as situações envoltas ao sujeito para ter melhores condições de pensar nos fatores que determinam a loucura. Desta forma, Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 357) enfatizam: “como cidadãos, é preciso

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compreender que a saúde mental é, além de uma questão psicológica, uma questão política, e que interessa a todos os que estão comprometidos com a vida”.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que “saúde mental não é somente ausência de transtornos mentais”, trata-se de um estado de bem-estar onde o sujeito consciente de suas capacidades possui condições para enfrentar as adversidades do dia a dia, podendo trabalhar de forma produtiva e frutífera de modo a contribuir para com a comunidade.

De acordo com a Secretaria de Saúde do Governo do Estado do Paraná o termo saúde mental pode ser definido para descrever “o nível de qualidade de vida cognitiva ou emocional”. A secretaria afirma ainda que não existe uma definição única de saúde mental, visto que deve-se levar em conta os diferentes níveis culturais, julgamentos e teorias que envolvem a definição de saúde mental (SECRETARIA DA SAÚDE, [s.d.].

A saúde mental pode ser entendida como a capacidade de um sujeito de contemplar a vida, procurando balancear atividades e esforços necessários para atingir a resiliência psicológica. Saúde mental é também a capacidade de enfrentar as emoções (agradáveis ou não) advindas do dia a dia social. Desta forma, percebe-se que a saúde mental vai muito além da ausência de sofrimento psíquico (SECRETARIA DA SAÚDE, [s.d.].

Conforme a Carta de Ottawa: “Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo”.

Para que o sujeito e o grupo possam atingir o bem-estar físico, mental e social é necessário que os mesmos possuam condições de identificar planos futuros, buscando atender o que julgam necessário, transformando o meio ambiente de forma benéfica ao mesmo e as pessoas (CARTA DE OTTAWA, 1986).

Sendo assim, a saúde é um recurso para a vida e não um objetivo para se viver. Desta maneira, a saúde enfatiza os recursos sociais, pessoais e capacidades físicas do sujeito. Logo, a promoção da saúde não se apresenta como responsabilidade predominante do setor de saúde se caracterizando como algo que está acima de um

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estilo de vida saudável, buscando um bem-estar que envolve a todos os sujeitos (CARTA DE OTTAWA, 1986).

Ainda conforme a Carta de Ottawa (1986), a responsabilização pela promoção da saúde nos serviços de saúde “deve ser compartilhada entre indivíduos, comunidade, grupos, profissionais da saúde, instituições que prestam serviços de saúde e governos”. Trata-se de um trabalho em equipe em que todos devem colaborar para a obtenção de um elevado nível de saúde. Já as condições e recursos fundamentais para a saúde são: “Paz – Habitação – Educação – Alimentação – Renda – ecossistema estável – recursos sustentáveis – justiça social e equidade”.

A partir do que foi explicitado sobre a luta antimanicomial brasileira, faz-se necessário conhecer a atual política de saúde que trata dos sujeitos em sofrimento psíquico e seu modelo de atenção. O próximo capítulo tratará do Sistema Único de Saúde – SUS e sobre as Leis governamentais que garantem atendimento e tratamento dos sujeitos em sofrimento psíquico que procuram a saúde pública.

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25 2 . REDE PÚBLICA DE SAÚDE

Para poder compreender o papel do profissional da Psicologia no campo da saúde mental primeiramente se faz necessário conhecer o sistema onde o mesmo irá atuar, que no relato deste trabalho é o campo da saúde pública, ou seja, o Sistema Único de Saúde –SUS.

As políticas públicas de saúde, o Sistema Único de Saúde - SUS por exemplo, podem ser ditas recentes se pensadas na data de legitimação. Historicamente, antes da criação do SUS o atendimento de saúde era privatizado ou atendia somente trabalhadores formais, excluindo pessoas de poucas condições financeiras e desempregadas formalmente. A primeira abertura para um atendimento universal da saúde se deu com a constituição federal de 1988, onde institui-se atendimento gratuito a todos os cidadãos brasileiros.

A partir de então, a forma curativa de tratamento vai abrindo espaço para a prevenção da saúde. Percebe-se que são necessárias intervenções no campo social, para que as doenças contagiosas e provocadas pela falta de saneamento básico não disseminem-se na população.

Assim, em 19 de setembro de 1990, é instituída a Lei Nº 8.080 que dispõe sobre “as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes...”. Em 6 de abril de 2001 é instituída a Leiº 10.216 que garante ao sujeito em sofrimento psíquico atendimento na rede de saúde SUS.

Foi por meio da I Conferência Nacional de Saúde e, em seguida, de Saúde Mental (1987) que a sociedade civil propôs a constituição cidadã de 1988 que determinou a saúde como um direito do cidadão e o Estado como instituído do dever de assegurar saúde à população e posteriormente a criação do SUS, e dentro das

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ações do SUS estariam organizadas, inclusive, ações em saúde mental. Porém, o cuidado em saúde mental não teve muito impacto devido à mercantilização da loucura promovida pelo processo de privatização (GOULART, 2007).

A partir do Artigo 5º da Lei 8.080, são objetivos do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;

III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas (BRASIL, 1990).

Sendo assim, o Sistema Único de Saúde visa trabalhar não somente em processo curativo, mas também preventivo, atuando para a promoção da saúde da população geral. Para tanto, inclui no campo de atuação a execução de ações de vigilância sanitária, epidemiológica, saúde do trabalhador e assistência integral, incluindo a assistência farmacêutica (BRASIL, 1990).

Inclui também no exercício do SUS participação na formulação da política e execução de operações de saneamento básico; formação de recursos humanos na área da saúde; vigilância nutricional e orientação alimentar; proteção do meio ambiente (englobando o do ambiente de trabalho); esquematização da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e demais insumos de interesse para a saúde (inclusive participação na sua produção); controle e fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse da saúde; fiscalização e inspeção de alimentos, água e bebidas de consumo humano; participação na elaboração, guarda e utilização de substâncias ou produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; desenvolvimento científico e tecnológico; criação e aplicação da política de sangue e seus derivados (BRASIL, 1990).

Já a vigilância sanitária pode ser entendida como um conjunto de ações capazes de extinguir, diminuir ou prevenir os riscos à saúde e realizar intervenção nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, produção e circulação de bens e prestação de serviço. Ou seja, trata-se de ações que proporcionam conhecimento, detecção ou prevenção de mudança nos fatores determinantes e condicionantes da

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saúde (individual ou coletiva), tendo como propósito a recomendação e adoção de medidas de prevenção e controle das doenças ou de agravos das mesmas (BRASIL, 1990).

A saúde do trabalhador, para fins da presente lei, é uma série de atividades que se destina por meio das ações de vigilância epidemiológica e sanitária à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores bem como, à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho (BRASIL, 1990).

A lei 8.080 de 1990 abarca ainda: a assistência ao trabalhador que sofreu acidente de trabalho ou acometido por doença laboral; a participação em estudos; o controle das condições trabalhistas; a avaliação sobre o impacto que as tecnologias podem provocar à saúde; presta informações a trabalhadores, entidade sindical e empresas sobre riscos de acidentes de trabalho e possíveis doenças laborais; garantia de interdição de ambiente impróprio para exercício laboral (BRASIL, 1990).

Dentro deste sistema, a atenção básica de saúde configura-se como acesso primário (a porta de entrada) do usuário quando este necessita de algum tipo de intervenção no campo da saúde, assim este deve ser o contato preferencial dos usuários da rede de atenção à saúde.

Complementarmente

A atenção básica caracteriza-se como porta de entrada preferencial do SUS, formando um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, p. 19).

Buscando o melhor atendimento para o usuário, a atenção básica ou primária da saúde norteia-se

pelos princípios da universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social. A Atenção Básica considera o sujeito em sua singularidade e inserção sociocultural, buscando produzir a atenção integral. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, p. 19).

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O Ministério da saúde tem como diretriz que (2013, p. 19) “a atenção básica tem como um de seus princípios possibilitar o primeiro acesso das pessoas ao sistema de saúde, inclusive daquelas que demandam um cuidado em saúde mental.”

Seguindo a linha do Ministério da Saúde (2013, p. 11) compreende-se que “a saúde mental não está dissociada da saúde geral.” Assim, se faz importante pensar práticas para atender o público que se reporta a Unidade Básica de Saúde para atendimento/tratamento.

Complementarmente o Ministério da Saúde (2013, p.11) acrescenta que “faz-se necessário reconhecer que as demandas de saúde mental estão presentes em diversas queixas relatadas pelos pacientes que chegam aos serviços de saúde, em especial da Atenção Básica”.

Para trabalhar com a saúde pública, não necessariamente precisa ser criada uma forma nova de trabalho, primeiramente se verifica as demandas da população e podem ser usadas práticas já conhecidas onde os profissionais

incorporem ou aprimorem competências de cuidado em saúde mental na sua prática diária, de tal modo que suas intervenções sejam capazes de considerar a subjetividade, a singularidade e a visão de mundo do usuário no processo de cuidado integral à saúde. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,2013, p.11). A valorização da subjetividade do sujeito faz-se importante para que este sinta-se acolhido na sua queixa, assim todos os profissionais que atuam com o usuário podem compreendê-lo no seu todo (condição social e psíquica), proporcionando melhor planejamento para o processo de intervenção para tratamento do mesmo (se necessário, intervir também na família).

Com as transformações científicas no campo da saúde, o modelo de atenção transitou conforme apontam Böing e Crepaldi (2014, p. 753) “de uma atenção biomédica, curativa, indivíduo-centrada, para um modelo de vigilância da saúde em uma rede de atenção”.

O Plano Nacional de Saúde – PNS 2012-2015 possui o objetivo de aperfeiçoar o Sistema Único de Saúde – SUS para que a população possa ter acesso integral e de qualidade aos serviços de saúde, para que melhorem as condições de saúde, promovendo assim a qualidade de vida dos sujeitos. Para isso possui 14 diretrizes

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que orientam o trabalho e das quais serão citadas a seguir as que cabem ao presente trabalho

Diretriz 1- Garantia do Acesso da população a serviços de qualidade, com equidade e em tempo adequado ao atendimento das necessidades de saúde, mediante aprimoramento da política de atenção básica e da atenção especializada.

Diretriz 4- Fortalecimento da rede de saúde mental, com ênfase no enfrentamento de dependência de crack e outras drogas. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011, p. 68).

A política nacional de saúde mental – PNSM teve avanços significativos na superação do modelo hospitalocêntrico no Brasil, principalmente a partir da criação da Lei nº 10.216/2001. No período de 2004 – 2007 fora construída uma rede aberta de atenção à saúde mental, com 1.143 Centros de Atenção Psicossocial – CAPS e 479 Residências Terapêuticas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011).

Com a implantação do programa De Volta Para Casa que foi criado a partir dos CAPS e Residências Terapêuticas, 2.800 sujeitos beneficiaram-se com a experiência de inclusão social pelo trabalho e por meio de cooperativas sociais além da diminuição relativa de leitos psiquiátricos, proporcionando o fechamento de leitos inadequados para uso sem prejudicar os sujeitos que necessitam de atendimento especializado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011).

A Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001 segundo Brasil (2001) “Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”. Ainda, proporciona segurança ao sujeito em sofrimento psíquico sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e grau de gravidade ou evolução do sofrimento, ou até mesmo qualquer outra forma que possa aparecer (BRASIL, 2001).

O artigo 2º, parágrafo único da presente Lei, norteia os direitos da pessoa portadora de transtorno mental a qual garante acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde; direito do sujeito ser tratado com humanidade e respeito, com interesse focado no benefício da sua saúde e almejando a recuperação com base na inserção na família, trabalho e comunidade; proteção contra qualquer forma de abuso e exploração; garantia de sigilo nas informações prestadas; direito à presença médica

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para esclarecimento da necessidade ou não de hospitalização involuntária; livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; recebimento de informações sobre sua doença e tratamento; tratamento em ambiente terapêutico de forma menos invasiva possível e tratamento, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental (BRASIL, 2001).

Conforme o artigo 4º da Lei 10.216 “A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”. A mesma lei ressalva ainda que o tratamento deve ser trabalhado com o intuito de reinserção social do paciente em seu meio, e o tratamento em regime de internação deve oferecer assistência integral ao sujeito em sofrimento psíquico, não sendo permitida a internação de pacientes em instituições com características asilares.

A internação psiquiátrica pode ser feita somente perante laudo médico circunstanciado que exemplifique os motivos de tal medida. São três as formas de internação psiquiátrica explicadas a seguir, a saber: voluntária, involuntária e compulsória.

Internação Voluntária: onde o próprio sujeito solicita a sua internação com seu consentimento, o término da internação pode se dar por determinação do médico assistente ou por solicitação do próprio paciente. Internação Involuntária: essa modalidade se dá sem o consentimento do sujeito sendo solicitada por um terceiro devendo ser comunicada ao Ministério Público Estadual no prazo de até 72 horas e quando da alta passar pelo mesmo procedimento. O fim da internação pode ser solicitado por familiar ou responsável legal ou pelo responsável pelo tratamento. Internação Compulsória: determinada pelo Juiz competente (BRASIL, 2001).

Depois da explicação sobre as políticas que regem o novo modelo de atenção à saúde e sobre o sujeito em sofrimento psíquico, volta-se o olhar para a prática profissional da psicologia no campo de atuação que abrange o sistema único de saúde e suas ferramentas e possibilidades de trabalho.

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A psicologia como ciência e profissão no Brasil é recente. Data de 27 de agosto de 1962 quando foi regulamentada pela Lei 4.119. São habilitados para o exercício da profissão aqueles que completarem o curso de graduação em Psicologia e se registrarem no órgão profissional que compete à profissão (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).

A atuação da Psicologia historicamente, restringia-se à Psicologia aplicada que era executada em consultórios particulares, escolas e empresas e tinham acesso ao serviço psicológico as pessoas que possuíam recursos financeiros para financiar o trabalho (CFP, 2013).

Principalmente a partir de 2000, profissionais da psicologia tem se empenhado cada vez mais nas práticas de promoção de saúde e se inserido no campo dos processos sociais dos sujeitos. A Psicologia desde então, procurou voltar a prática profissional para a realidade brasileira. Neste momento, surge o compromisso social da Psicologia com o país ligando as práticas psicológicas às políticas públicas (CFP, 2013).

O CFP (2013, p. 09) dispõe que “A presença da Psicologia brasileira nas instituições sociais ocorreu inicialmente no Século XIX, no interior da Medicina, junto à Psiquiatria”. Nesta época a Psicologia atuava de maneira auxiliar à Medicina, em um ponto de vista patologizante, cuja psicologia era secundária.

Desde os primeiros trabalhos de psicólogos no sistema único de saúde foram realizados estudos sobre a atuação profissional. Os estudos revelaram ênfase em uma atenção curativa, individual e ineficiente (BÖING; CREPALDI, 2014).

Concomitante a essa prática individual e voltada à burguesia Boing e Crepaldi (2014, p. 756) revelam que a psicologia assumiu “por muito tempo, como paradigma hegemônico da profissão, um modelo curativo e assistencialista voltado para o setor dos atendimentos privados”.

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32 era necessária uma Psicologia comprometida com as mudanças sociais, propostas pela Psicologia Comunitária, além daquelas trazidas pelo processo de redemocratização do país, em oposição a um estado autoritário, de políticas assistencialistas (CFP, 2013, p. 10).

Desse modo, a formação profissional direcionava o futuro psicólogo para um modelo de atuação limitado e precário para lidar com a demanda de clientela das instituições de saúde, bem como dificuldade de adaptar-se ao perfil profissional exigido pelo Sistema Único de Saúde (BÖING; CREPALDI, 2014).

Com a inserção do psicólogo no SUS (que representa um novo campo de atuação), faz-se necessário definir o campo, o lugar e as especialidades das aptidões, além do conhecimento e habilidades que carecem compor o currículo de formação profissional (CANTELE; ARPINI; ROSO, 2012).

Complementarmente à ideia acima citada, para Bleger, existe uma falha no sistema de ensino dos profissionais da saúde. Um dos exemplos é o caso da medicina que para Bleger (2007, p. 19) espera-se “que a pessoa adoeça para curá-la, em lugar de evitar a doença e promover um melhor nível de saúde”. Bleger acredita ainda que se a carreira profissional do psicólogo limitar-se a terapêutica individual, seu trabalho não será efetivo no campo da saúde. Rey (2014, p. 11) acredita que deve ser investido na formação dos novos profissionais “esforços que garantam uma qualidade de escuta que situe o sujeito para além de seu narcisismo”.

No campo da saúde pública o psicólogo deve empenhar-se em todos os aspectos populacionais e intervir sobre eles para promover a prevenção de doenças e não somente esperar que o sujeito venha a adoecer para intervir (BLEGER, 2007).

Para uma efetiva atuação no campo da saúde, o psicólogo precisa administrar o conhecimento e as técnicas adquiridas durante a formação para assim, enfrentar os aspectos psicológicos que atravessam a saúde e a doença como fenômeno social e coletivo (BLEGER, 2007).

Para que o psicólogo tenha condições de realizar um trabalho condizente com a realidade populacional Bleger (2007, p. 21) orienta no sentido de que “temos que adquirir uma dimensão social da profissão do psicólogo e, com isto, consciência do lugar que ela ocupa dentro da saúde pública e da sociedade”.

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Atualmente, frente às mudanças no modelo de atenção à saúde, a prática do psicólogo na saúde pública requer, no entendimento de Boing e Crepaldi (2014, p. 756) “uma atuação interdisciplinar e práticas específicas da área mais adequadas ao contexto da saúde coletiva”.

O trabalho interdisciplinar surge como uma alternativa para alavancar a inter-relação de conhecimento das diferentes áreas e entre os diversos profissionais. O trabalho interdisciplinar é importante para entender de forma total o processo saúde-doença do usuário e território (BÖING; CREPALDI, 2014).

A equipe de trabalho interdisciplinar não visa a unificação de saberes, tampouco um consenso entre os profissionais, ao contrário, busca criatividade e flexibilidade promovendo a potencialidade de cada ciência e a compreensão de seus limites (BÖING; CREPALDI, 2014).

Na prática interdisciplinar, Böing e Crepaldi (2014, p. 756) sugerem que “o profissional deve renunciar o status e a onipotência que sua especialidade lhe confere e exercitar constantemente a humildade, condição necessária para uma postura de coconstrução”.

De forma alguma se anula ou desvaloriza as especialidades, pois elas constituem o cenário para a produção de saúde. A saúde é entendida como o ponto de partida e chegada para a intervenção profissional, que contextualizada possibilita uma compreensão das implicações sociais da prática profissional, oferecendo assim, condições para desenvolver um trabalho coletivo e eficaz (BÖING; CREPALDI, 2014).

Outrossim, pode-se notar que nenhum saber é superior ou inferior, eles se complementam (como um quebra-cabeça) para atender todas as necessidades do sujeito.

A atuação do psicólogo no campo da saúde pública, no contexto apresentado acima, caracteriza-se, por uma prática de clínica ampliada. A clínica ampliada propõe uma prática clínica em espaços públicos não habituais, compreendendo o sujeito em seu contexto (BÖING; CREPALDI, 2014).

Logo, para uma boa atuação do profissional da psicologia no campo da saúde, embasado pela prática de clínica ampliada Böing e Crepaldi (2014, p. 757) destacam que este campo “requer do psicólogo estar preparado para trabalhar com pessoas em

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diferentes fases do ciclo de vida e com proveniências sociais e culturais muito diversas”.

Porém, não se mostra suficiente apenas uma prática condizente às mudanças ocorridas no sistema único de saúde para que a prática profissional da psicologia seja de fato efetiva. É necessário, também, como destacam Böing e Crepaldi (2014, p. 757) “que o psicólogo tenha condições reais de trabalho que permitam o contato cotidiano com as pessoas, seus contextos de vida e com os demais profissionais de saúde”.

As condições de trabalho do psicólogo no SUS devem ser garantidas pelas políticas e gestores da saúde. No entanto, em especial na atenção básica, as políticas públicas voltadas para a área da saúde não ofertam reais condições para uma atuação interdisciplinar do psicólogo que está inserido na saúde pública. Por conseguinte, uma mudança efetiva no modelo de atenção à saúde requer uma nova configuração do padrão de atuação de todos os envolvidos no campo da saúde pública, independente se forem profissionais da saúde em geral, psicólogos, gestores ou cidadãos (BÖING; CREPALDI, 2014).

Pensar a prática do profissional da psicologia, na rede de atenção básica no que implica o atendimento ao sujeito em sofrimento psíquico, é um desafio. Visto que a desospitalização desse sujeito que sofre é recente, e o Centro de Atenção Psicossocial - CAPS tem acolhido a demanda, inserir o usuário novamente na atenção básica de saúde é um processo demorado e trabalhoso, pois a estigmatização da loucura ainda está presente na sociedade.

Assim devem ser refletidas práticas não somente com os trabalhadores da saúde mental, mas também com a comunidade em geral.

Reforçando a ideia já apresentada, a psicologia nos últimos anos tem se empenhado no compromisso social para com a população. Esse novo olhar da psicologia é capaz de compreender, no entendimento do Conselho Federal de Psicologia - CFP (2013, p. 09): “aspectos subjetivos que são constituídos no processo social e, ao mesmo tempo, constituem fenômenos sociais’, possibilitando que tais políticas efetivamente garantam direitos humanos”.

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35 pela aplicação dos conhecimentos psicológicos no sentido de uma intervenção específica junto aos indivíduos, grupos e instituições, com o objetivo de autoconhecimento, desenvolvimento pessoal, grupal e institucional, numa postura de promoção da saúde (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 157).

Os processos que envolvem o sujeito no campo social são de suma importância para pensar a realidade do sujeito com relação a sua história. Nesta perspectiva o CFP (2013, p. 07, a) afirma que “as políticas públicas são centrais para a melhoria da qualidade de vida da população. A promoção da saúde e a superação da pobreza são processos inseparáveis; um depende do outro”.

A história da Psicologia no Brasil e a história do país confundem-se, uma vez que o novo exercício profissional da psicologia provocou discussões sobre as políticas públicas que buscamos, tendo o movimento antimanicomial e a elaboração do SUS como momento ímpar tanto para o Brasil quanto para a Psicologia (CFP ,2013).

A Psicologia contribuiu para a reforma psiquiátrica por compreender e enfatizar que

A loucura é um fato social e que os melhores resultados nos tratamentos não estavam nos manicômios, mas sim no convívio social, rompendo a exclusão e propondo a inserção destes pacientes no contexto social e familiar, com acompanhamento do estado por meio de uma ampla rede de atenção (CFP, 2013).

A hospitalização dos sujeitos em sofrimento psíquico fez com que eles perdessem suas referências de vida, sendo excluídos do convívio familiar (do trabalho e da cidade) perdendo seus direitos como cidadão (CRPRS, 2015).

Com a reforma psiquiátrica, os manicômios foram substituídos por serviços externos aos hospitais, com caráter comunitário. Desta forma, foram criados os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os residenciais terapêuticos, os centros de convivência e ações de saúde mental na atenção básica (CRPRS, 2015).

Assim, percebe-se que o tratamento acontece fora do hospital, este ficando reservado apenas para eventuais acontecimentos em que o sujeito necessita ser contido e permanecer em observação, ou seja, no momento de crise do sujeito.

Para a psiquiatria clássica, a crise era entendida como situação grave de disfunção que é desencadeada em decorrência da doença e para tal episódio amarravam o sujeito e injetavam-lhe medicamentos fortes para contenção. Já na atenção psicossocial à saúde mental, compreendida atualmente como apoio à saúde

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mental, a crise, é entendida como o resultado de fatores que envolvem terceiros, como familiares, vizinhos, amigos ou desconhecidos (AMARANTE, 2008).

A partir deste novo olhar, para o campo da saúde mental, fazem-se necessários serviços de atenção psicossocial que viabilizem o acolhimento dos sujeitos em crise, inclusive das pessoas envolvidas para que possam ser ouvidas suas dificuldades, temores e expectativas (AMARANTE, 2008).

Deste modo, os vínculos afetivos estabelecidos entre sujeitos e profissionais revelam-se de suma importância para que o sujeito sinta-se acolhido, que sinta-se efetivamente ouvido e cuidado, e que os profissionais que o atendem estão dispostos a ajudá-lo (AMARANTE, 2008).

Ainda para o mesmo autor (2008, p. 82) “em atenção psicossocial se usa a expressão ‘responsabilizar-se’ pelas pessoas que estão sendo cuidadas”. Amarante (2008, p. 83) acredita que os serviços de atenção psicossocial, “devem ter uma estrutura bastante flexível para que não se tornem espaços burocratizados, repetitivos”.

Os conselhos de Psicologia assumiram o compromisso social no âmbito da saúde mental e propuseram uma política pública intersetorial promovendo cuidados em liberdade, com ênfase nos direitos humanos onde o sujeito participa da construção de um projeto de vida que seja significativo e que promova respeito, e articule autonomia, qualidade de vida e cidadania. Sendo assim, a Psicologia a serviço da sociedade dispõe de conhecimento, prática e compromisso para com a população (CFP, 2013).

Neste novo modelo de trabalho, o profissional da psicologia não intervém sozinho com o seu saber, mas pensa com a sua equipe sobre as demandas de trabalho.

Se faz importante o Psicólogo na atenção básica de saúde pois, de acordo com o Conselho Federal de Psicologia

as (os) psicólogas (os) têm contribuições importantes para as equipes multiprofissionais de saúde, qualificando o entendimento dos problemas – individuais e coletivos – da população e, assim, tornando mais efetivas as respostas a eles. (CFP, 2013, p.07).

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O profissional da Psicologia tem muito a contribuir para o entendimento da relação saúde-doença, pois possui a sensibilidade necessária para identificar crenças, sentimentos e pensamentos (o que é subjetivo de cada sujeito), que fazem parte do processo de prevenção e tratamento necessários de serem trabalhados nas políticas de saúde. Atua também na humanização do atendimento e qualificação da relação entre equipe, usuário e comunidade de cada território (CFP, 2013).

Atualmente, a psicologia dispõe de saberes, baseados principalmente em experiências compartilhadas sobre a atuação em equipes multidisciplinares, em que possui capacidades para desenvolver ações coletivas com usuários, família, rede social e comunidade em geral. Como assinala o CFP (2013, p. 10) “a psicologia dispõe de conhecimentos para a atuação em equipes multidisciplinares, desenvolvendo ações coletivas com usuários, familiares, redes sociais e comunidades”.

Segundo as diretrizes do CFP (2013, p. 10) a contribuição principal do trabalho do profissional da Psicologia “é proporcionar a não alienação do paciente no processo saúde-doença, não exclusão de seu ambiente social uma vez que a vida social é fator importante no processo de recuperação”. Assim, seguindo a linha de pensamento do CFP (2013, p. 10) a psicologia irá atuar “com foco na atenção, promoção, prevenção de saúde, não apenas nos casos de doença, mas nas ações que visam melhoria da qualidade de vida”.

O Conselho Federal de Psicologia possui uma comissão de saúde, que reúne especialistas em Psicologia e Saúde e definiu como eixos norteadores de suas ações: a defesa do SUS; o combate à desigualdade social; a democratização do SUS; Saúde e Subjetividade (CFP, 2013).

O Conselho Federal de Psicologia defende o SUS pelo fato de que desde a reforma psiquiátrica mobilizou e convocou a psicologia para apoiar a construção do SUS com os princípios da universalidade, integralidade e equidade no direito à saúde. O Combate à desigualdade social se dá como um recurso da promoção da saúde e o sistema de conselhos vêm lutando acerca da importância das políticas públicas enfatizando o fator da erradicação da miséria. A democratização do Sistema SUS e pensada por intermédio do fortalecimento e incentivo às instancias de participação e controle social (CFP, 2013).

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