• Nenhum resultado encontrado

A BIODIVERSIDADE CAVERN´ICOLA DO OESTE DA BAHIA - UM ”HOTSPOT”A SER PRESERVADO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A BIODIVERSIDADE CAVERN´ICOLA DO OESTE DA BAHIA - UM ”HOTSPOT”A SER PRESERVADO"

Copied!
4
0
0

Texto

(1)

A BIODIVERSIDADE CAVERN´ICOLA DO OESTE DA BAHIA - UM ”HOTSPOT”A SER PRESERVADO

T.L.C. Scatolini

1

D.R. Pedroso

2

; M.E. Bichuette

3

1, 3 - Universidade Federal de S˜ ao Carlos, Centro de Ciˆ encias Biol´ ogicas e da Sa´ ude, Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Via Washington Lu´ıs, Km 235, C.P. 676 ,Bairro do Monjolinho,S˜ ao Carlos - SP,Brasil 3 - Orientadora

2 - Departamento de Invertebrados, Laborat´ orio de Aracnologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Quinta da Boa Vista s/n, S˜ ao Cristov˜ ao 20.940 - 040 Rio de Janeiro-RJ, Brasil

tiago1853@hotmail.com

INTRODUC¸ ˜AO

Em sua concep¸ c˜ ao mais ampla, o meio subterrˆ aneo, ou hip´ ogeo, compreende o conjunto de espa¸ cos interconectados do subsolo, de dimens˜ oes vari´ aveis (da escala milim´ etrica a grandes cavidades acess´ıveis aos humanos - “cavernas”), preenchidos por ´ agua ou ar, e formados em rocha maci¸ ca, es- pecialmente aquelas sol´ uveis (e.g., calc´ arios, onde se forma a grande maioria das cavernas) ou em dep´ ositos relativa- mente profundos de sedimentos cl´ asticos (meio intersticial) (Juberthie, 2000). Em contraste com o observado no meio ep´ıgeo (superficial), os fatores abi´ oticos de maior impacto sobre os bi´ oticos no meio hip´ ogeo s˜ ao a ausˆ encia perma- nente de luz acarretando a exclus˜ ao de organismos fotoau- totr´ oficos, a qual resulta nas condi¸ c˜ oes de escassez alimen- tar em geral prevalescentes nesse ambiente (ecossistemas hip´ ogeos s˜ ao tipicamente limitados por energia-Poulson &

Lavoie, 2000), e a tendˆ encia ` a estabilidade ambiental, de- vida ao efeito - tamp˜ ao do solo minimizando flutua¸ c˜ oes de temperatura e ao confinamento elevando a umidade relativa do ar, que tende ` a satura¸ c˜ ao.

Os crit´ erios biol´ ogicos internacionalmente aceitos para a de- termina¸ c˜ ao de prioridades para prote¸ c˜ ao dos ecossistemas subterrˆ aneos incluem (Trajano & Bichuette, 2006):

- presen¸ ca de esp´ ecies/popula¸ c˜ oes endˆ emicas (trogl´ obios- esp´ ecies restritas ao meio subterrˆ aneo), as quais podem per- tencer a qualquer grupo animal;

- alta biodiversidade total (incluindo trogl´ obios, trogl´ ofilos e trogloxenos);

- presen¸ ca de t´ axons de interesse cient´ıfico particular, tais como relictos filogen´ eticos ou geogr´ aficos, popula¸ c˜ oes alta- mente especializadas, t´ axons basais em filogenias;

- localidades - tipo de t´ axons;

- presen¸ ca de popula¸ c˜ oes vari´ aveis, com especializa¸ c˜ ao clinal (mudan¸ ca gradual em caracteres morfol´ ogicos heredit´ arios de acordo com sua distribui¸ c˜ ao geogr´ afica, relacionados com mudan¸ cas) ao meio subterrˆ aneo;

- presen¸ ca de locais de reprodu¸ c˜ ao/nidifica¸ c˜ ao;

- comunidades particularmente diversificadas, com in- tera¸ c˜ oes ecol´ ogicas complexas;

- h´ abitats, intera¸ c˜ oes tr´ oficas ou outras caracter´ısticas ecol´ ogicas peculiares, tais como densidades popula- cionais excepcionalmente altas (e.g., morcegos, colˆ embolos, anf´ıpodes), dependˆ encia de fontes alimentares n˜ ao usuais etc.

A an´ alise dos crit´ erios acima deixa claro que estudos visando detectar aspectos ou componentes dos ecossistemas sub- terrˆ aneos de uma dada regi˜ ao devem abordar os ecossis- temas como um todo, e n˜ ao partes selecionadas destes. Por- tanto, o presente estudo baseia - se no princ´ıpio da varredura voltada para as comunidades totais habitando as cavernas.

O presente estudo visou inventariar a biodiversidade sub- terrˆ anea da ´ area c´ arstica de S˜ ao Desid´ erio, oeste da Bahia, a qual representa uma regi˜ ao rica em cavernas, com grandes extens˜ oes de calc´ ario, extremamente promissoras do ponto vista biol´ ogico. Nesta regi˜ ao, o ´ unico levantamento da fauna cavern´ıcola foi realizado na d´ ecada de 1980 (M.E.

Bichuette, obs.pess.). S˜ ao Desid´ erio ainda n˜ ao possui nen- hum tipo de prote¸ c˜ ao legal, sendo a agricultura em larga es- cala (produ¸ c˜ ao de algod˜ ao e soja) e a explora¸ c˜ ao de calc´ ario para produ¸ c˜ ao de cal e cimento (em pequena escala) as prin- cipais atividades econˆ omicas, as quais causam grandes des- matamentos e destrui¸ c˜ ao de afloramentos calc´ arios, com- prometendo seriamente a fauna cavern´ıcola. O Oeste Ba- iano representa uma das mais recentes fronteiras agr´ıcolas no Brasil e, juntamente com o Piau´ı, est´ a sofrendo grandes desmatamentos de sua vegeta¸ c˜ ao original, constitu´ıda pelo Cerrado e Caatinga. Por tal motivo, torna - se extrema- mente urgente um estudo detalhado, atrav´ es do monitora- mento da fauna subterrˆ anea na regi˜ ao, uma vez que a ocorrˆ encia de esp´ ecies trogl´ obias endˆ emicas (j´ a registradas no presente estudo-vide resultados), aliada ao potencial es- peleol´ ogico, fornece argumentos suficientes para proposta futura da cria¸ c˜ ao de unidades de conserva¸ c˜ ao.

Anais do IX Congresso de Ecologia do Brasil, 13 a 17 de Setembro de 2009, S˜ao Louren¸co - MG 1

(2)

1.2- ´ Area de Estudo

A regi˜ ao de S˜ ao Desid´ erio encontra - se no oeste baiano, caracterizando o maior munic´ıpio do estado em ´ area, pos- suidora de um grande sistema de cavernas contidas em um dos maiores complexos hidrogeol´ ogicos da Am´ erica (M.E.

Bichuete & E.L. Rubbioli, obs. pess.).

Durante o estudo foram contempladas 21 cavernas: Gruta do Cat˜ ao, Sumidouro do Jo˜ ao Baio, Gruta da Sucupira, Po¸ co do Surubim, Buraco do Inferno da Lagoa do Cemit´ erio, Gruta do Morro dos Tapuias, Buraco da Sopradeira, Gruta do Paulo, Lapa do Manga I e II, Garganta do Bacupari, Gruta Paulista, Gruta do Ventilador, Gruta da Palmeira, Gruta da ressurgˆ encia da Sopradeira e mais seis grutas ainda n˜ ao batizadas.

OBJETIVOS

ˆ

Promover o conhecimento do potencial espeleol´ ogico da

´

area de estudo;

ˆ

Proteger a caverna e a flora e fauna a ela associada;

ˆ

Inventariar a fauna das cavernas de S˜ ao Desid´ erio, Oeste da Bahia;

ˆ

Categorizar a fauna: trogl´ obios, trogl´ ofilos, trogloxenos e acidentais;

ˆ

Propor Medidas de prote¸ c˜ ao a estes ambientes.

MATERIAL E M ´ETODOS

As atividades foram realizadas entre os dias 27/07 e 03/08/2008 e entre os dias 02/11 e 12/11/2008, quando 21 localidades (cavernas) foram amostradas em rela¸ c˜ ao ` a fauna cavern´ıcola. Desta maneira, foram contempladas as esta¸ c˜ oes seca e in´ıcio da chuvosa, respectivamente (agosto e novembro/2008). Muitas localidades n˜ ao possuem nomes, sendo registros novos (Ezio L. Rubbioli & Jussyklebson Silva da Souza, com. pess.). Sendo assim, foram registrados os n´ umeros dos pontos armazenados em GPS para as cavernas amostradas em rela¸ c˜ ao ` a fauna, com as respectivas coorde- nadas (UTM) e altitudes (em metros).

Nos per´ıodos supracitados foram realizadas coletas da fauna cavern´ıcola visando um levantamento detalhado de animais invertebrados (terrestres e aqu´ aticos) e vertebrados (in- cluindo vest´ıgios como fezes, pegadas, tocas), excluindo - se os morcegos (Chiroptera. Foram levantados dados so- bre a abundˆ ancia dos organismos (n´ umero de indiv´ıduos por esp´ ecie), preferˆ encias das esp´ ecies pelos diferentes sub- stratos, localiza¸ c˜ ao dos indiv´ıduos em rela¸ c˜ ao ` a zona¸ cao da caverna (ZE, zona de entrada; ZP, zona de penumbra e ZA, zona af´ otica). Em algumas ocasi˜ oes, em ambientes ep´ıgeos (como ressurgˆ encias e entornos das cavernas).

Para a coleta da fauna terrestre foram utilizados difer- entes aparatos de coleta: pin¸ cas, pinc´ eis, sacos pl´ asticos, armadilhas de queda instaladas por per´ıodo de tempo de permanˆ encia em cada caverna estudada (quando o substrato permitia). Durante as coletas, a inspe¸ c˜ ao detalhada visual era feita revirando - se o substrato (folhi¸ co, blocos de rocha ou sedimento inconsolidado).

Avistamentos (sem coletas) tamb´ em foram considerados no estudo. Para a fauna aqu´ atica, as coletas contemplaram re- des de m˜ ao e armadilhas do tipo covo (com iscas atrativas- sardinha). A semelhan¸ ` ca do realizado para a fauna ter- restre, as armadilhas foram instaladas pelo per´ıodo de per- manˆ encia da equipe de coleta nas localidades estudadas.

Os exemplares coletados foram fixados in loco em ´ alcool 70% (invertebrados terrestres e alguns exemplares da fauna aqu´ atica) ou primeiramente em formol 10% (peixes) ou for- malina 4% (crust´ aceos e vermes em geral, como plan´ arias) e transportados para o Departamento de Ecologia e Bi- ologia Evolutiva da Universidade Federal de S˜ ao Carlos (DEBE/UFSCar), campus de S˜ ao Carlos, SP. No caso dos peixes, estes foram anestesiados com benzoca´ına antes da fixa¸ c˜ ao (crit´ erios que seguem as normas de bem estar ani- mal). As amostras foram triadas no Laborat´ orio de Estu- dos Subterrˆ aneos do DEBE/UFSCar sob estereomicrosc´ opio (lupa), e os indiv´ıduos identificados at´ e o menor n´ıvel taxonˆ omico poss´ıvel, com o aux´ılio de chaves espec´ıficas e consultas a especialistas de alguns grupos (aracn´ıdeos como Opiliones e Amblypygi - Adriano B. Kury e equipe, Museu Nacional do Rio de Janeiro/UFRJ; Insecta - Ang´ elica M. P.

Dias do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva).

RESULTADOS

Seguem a listagem da fauna da ´ area c´ arstica de S˜ ao Desid´ erio, oeste da Bahia, juntamente com o status ecol´ ogico - evolutivo (fauna acidental(AC), trogloxena(TX), trogl´ ofila(TF) ou trogl´ obia(TB)), quando poss´ıvel de clas- sifica¸ c˜ ao.

MAMMALIA: MARSUPICARNIVORA: Didelphis sp.

(Didelphidae), crˆ anio(AC); CHIROPTERA: Phyllostomi- dae: Carollia cf. perspicillata (TX), Desmodus rotundus (TX); CARNIVORA: Procyonidae: Procyon cancrivorous, pegadas (AC); Mustelidae: cf. Lutra, pegadas (AC), Feli- dae, pegadas (AC); RODENTIA: Kerodon rupestris, fezes (AC); SQUAMATA: SAURIA: Tropiduridae: Tropidurus sp. (lagarto) (AC); SQUAMATA: SERPENTES: Boidae sp., ossada (AC); SQUAMATA: SERPENTES: Viperidae:

Bothrops sp. (jararaca), carca¸ ca (AC); ANURA: cf. Bufo sp. (AC); ANURA: cf. Physalaemus sp. (AC); OSTARIO- PHYSI: Characiformes, Characidae sp. 1, Characidae sp. 2, Characidae sp. 3, Ostariophysi: Siluriformes, Heptapteri- dae sp., Heptapteridae: Pimelodella sp. (TB), Loricari- idae: Hypostomus sp., Ancistrinae sp.; ACANTHOPTERY- GII: Cichlidae sp. (nova); PLATYHELMINTHES: Turbel- laria, cf. Dugesia sp. (TB); MOLLUSCA: Gastropoda Pul- monata sp. 1, (TF?), Pulmonata: Helicinidae sp. (AC) Pulmonata sp. 2 (AC) (Strophocheilus sp.) Pulmonata sp.

3 (AC) (Megalobulimus sp.) Pulmonata sp. 4 (AC) Proso- branchia sp., TB?; MOLLUSCA: Bivalvia sp. (AC) An- nelida: Oligochaeta sp. (TB); ARTHROPODA: ARACH- NIDA: Arachnida: Araneae: Araneae sp. 1 (TF), Araneae sp. 2 (TF), Araneae sp. 3 (TF), Araneae sp. 4 (AC), Salti- cidae sp. (AC), Thomisidae sp. (TF), Theridiosomatidae, Plato sp. (TF), Ctenidae: Ctenidae sp. 1 (TB?), Ctenus sp. (TF), Pholcidae:Mesabolivar sp. (TF), Sicariidae: Lox- osceles sp. (TF), Arachnida: Amblypygi Phrynidae, Het- erophrynus longicornis (TF), Charinidae, cf. Charinus sp.

Anais do IX Congresso de Ecologia do Brasil, 13 a 17 de Setembro de 2009, S˜ao Louren¸co - MG 2

(3)

(TB?), Arachnida: Opiliones: Laniatores: Gonyleptidae sp.

1 (TB), Laniatores: Gonyleptidae sp. 2 (TB), Laniatores, Gonyleptidae sp. 3 (TX), Palpatores: Eupnoi sp. (TX);

Pseudoscorpiones: Chernetidae (TF); Scorpiones: Buthi- dae: Tytius serrulatus (AC); Schizomida sp. (TB); Acari:

Oribatida, Oribatida sp. 1 (TB), Oribatida sp. 2 (TB), Oribatida sp. 3 (TB); MYRIAPODA: Diplopoda: Poly- desmida, Oniscodesmidae sp. (TB), Polydesmida sp. (TB), Pseudonannolenidae sp. 1 (TF) Pseudonannolenidae sp. 2 (TB?) Chilopoda: Scutigeromorpha (TF); Lithobiomorpha (TB); ARTHROPODA: CRUSTACEA: Isopoda sp. (TB), Decapoda sp. (AC), INSECTA: Diplura sp. (TB), Collem- bola:Entomobryomorpha (TB), Entomobryidae sp. 1, En- tomobryidae sp. 2, Entomobryidae sp. 3, Thysanura sp.

1 (TB), Thysanura sp. 2 (TF); Ensifera: Phalangopsi- dae, Endecous sp. (TF), Ensifera sp. (TF); Blattaria:

Blaberidae sp. (AC), Blattaria sp. 1 (TF), Blattaria sp.

2 (TB?); Hemiptera: Cixiidae (TF?); Hemiptera: Redu- viidae, Zelurus sp. (TF), Reduviidae, Emesinae (TF?);

Veliidae (TF); Coleoptera: Elateridae (AC); Tenebrionidae (TF); Coleoptera sp. 1 (TF?); Coleoptera sp. 2 (TF?);

Coleoptera sp. 3, Cholevidae, larva (TF); Carabidae sp.

(TB?); Diptera: Chronomidae sp.; Psychodidae: Phle- botominae (TF); Drosophilidae: Drosophila sp. 1 (TF?), Drosophila sp. 2 (TB); Hymenoptera: Formicidae sp. 1 (AC?), Hymenoptera: Formicidae sp. 1 (AC?); Isoptera:

Nasutitermes sp. (AC); Lepidoptera: Noctuidae (TF) Apesar do pequeno esfor¸ co de coleta, com apenas uma visita em cada caverna, em esta¸ c˜ oes distintas (seca e in´ıcio da chuvosa), padr˜ oes interessantes emergiram dos resultados obtidos, coincidindo com o que j´ a vem sendo registrado em diferentes regi˜ oes c´ arsticas do Brasil (e.g. Trajano et al., 004; Trajano & Bichuette, 2004). No total foram registrados 88 t´ axons (entre capturados e avistados) (morfoesp´ ecies) e 1.862 indiv´ıduos (entre capturados e avistados, contagens m´ınimas), em 21 localidades, sendo 31 esp´ ecies ep´ıgeas, en- contradas acidentalmente nas cavernas, quatro trogloxenas, 32 s˜ ao trogl´ ofilas e 21 esp´ ecies s˜ ao trogl´ obias. O grande n´ umero de trogl´ ofilos e o pequeno de trogloxenos correspon- dem ao observado em outras ´ areas c´ arsticas brasileiras.

Entretanto, podemos observar um elevado n´ umero de esp´ ecies trogl´ obias (21), correspondendo a 21,2% da fauna cavern´ıcola registrada, o que demonstra a relevˆ ancia faun´ıstica da ´ area. Ainda podemos notar que foram reg- istradas ao menos 28 esp´ ecies novas para a ciˆ encia.

Apesar dos moluscos pulmonados terem sido registrados em diferentes localidades, com abundˆ ancia relativamente ele- vada, tais animais representam, na maioria dos casos, ani- mais acidentais que n˜ ao sobreviveram nas cavernas (maio- ria das coletas foi de conchas e n˜ ao indiv´ıduos vivos). En- tretanto, tˆ em uma relevˆ ancia ecol´ ogica, uma vez que con- tribuem como alimento para as comunidades cavern´ıcolas.

Os dipl´ opodes (piolhos - de - cobra) tamb´ em foram abun- dantes, com registro de trˆ es esp´ ecies trogl´ obias (uma de Pseudonannolenidae e duas de Polydesmida).

Os insetos representaram o grupo mais rico em esp´ ecies (29), mas n˜ ao o mais abundante. Os grilos (representados por dois gˆ eneros - Endecous e outro gˆ enero n˜ ao identificado) car- acterizam esp´ ecies trogl´ ofilas, amplamente distribu´ıdos nas

cavidades das duas ´ areas e apresentam alguns caracteres es- pecializados para a vida no ambiente subterrˆ aneo (pernas e antenas alongadas). Dentre os cole´ opteros, larvas ou adultos epied´ aficos (fauna associada ao solo) foram registrados em diferentes localidades. Tais grupos apresentam distribui¸ c˜ ao extremamente ampla, n˜ ao representam fauna cavern´ıcola e sim fauna associada ao solo. A ´ unica exce¸ c˜ ao foi o registro de um besouro Carabidae com caracteres troglom´ orficos.

Trˆ es grupos basais (primitivos) de insetos foram registra- dos na ´ area, todos trogl´ obios (Collembola, Diplura e Thysa- nura), o que corrobora a id´ eia da relevˆ ancia faun´ıstica de S˜ ao Desid´ erio.

Os aracn´ıdeos foram os animais mais abundantes, princi- palmente os amblip´ıgeos H. longicornis, os quais mostraram fases distintas do ciclo de vida na maioria das caver- nas amostradas, principalmente na campanha de novem- bro (in´ıcio da esta¸ c˜ ao chuvosa). A maioria das esp´ ecies de aracn´ıdeos foi considerada trogl´ ofila: aranhas Pholci- dae (Mesabolivar), aranhas Ctenidae (Ctenus sp.), aran- has Plato sp., pseudoescorpi˜ oes da fam´ılia Chernetidae, etc,

`

a exce¸ c˜ ao dos ´ acaros, todos trogl´ obios, com duas esp´ ecies trogloxenas (dois opili˜ oes, ambos esp´ ecies novas), fato eco- logicamente relevante.

Em rela¸ c˜ ao aos trogl´ obios (21 esp´ ecies), foi registrada uma esp´ ecie in´ edita para outras cavernas brasileiras: uma plan´ aria (cf Dugesia), indicando que a ´ area possui uma qualidade e relevˆ ancia ambiental. Cabe ressaltar que para averiguar esta tendˆ encia, faz - se necess´ ario um estudo a longo prazo, utilizando ´ areas - controle, cobrindo ´ areas maiores, para responder aos questionamentos j´ a propostos no presente trabalho.

Para os vertebrados, uma esp´ ecie trogl´ obia de peixes (bagre do gˆ enero Pimelodella) foi registrada. Tal fato fornece ind´ıcios de que h´ a potencial para registro de peixes trogl´ obios na ´ area, uma vez que o Sistema hidrogeol´ ogico Jo˜ ao Rodrigues representa um dos maiores da Am´ erica do Sul.

Surpreendentemente, a fauna de morcegos foi extremamente pobre, com registro de apenas duas esp´ ecies (Desmodus ro- tundus e Carollia perspicillata). Entretanto cabe salientar que n˜ ao foram efetuadas coletas e que esta an´ alise deve ser interpretada com extrema cautela. Um fato interes- sante foi a verifica¸ c˜ ao de um guano pouco diversificado na

´

area, o que corroboraria esta id´ eia. Em todas as caver- nas visitadas, foram registradas apenas manchas de guano de hemat´ ofagos ou frug´ıvoros. Neste caso, cabe perguntar quais os fatores causadores desta quiropterofauna pobre: 1.

Impactos devido a desmatamentos nos entornos da ´ area?

Algumas esp´ ecies de morcegos s˜ ao extremamente sens´ıveis a perturba¸ c˜ oes ambientais (e.g. o carn´ıvoro Chrotopterus auritus); 2. Fatores hist´ oricos (ou seja, a quiropterofauna j´ a era pobre na regi˜ ao); 3. Oferta de muitos abrigos e dilui¸ c˜ ao desta fauna. Estes e outros fatores devem ser estudados para proposta de hip´ oteses mais robustas.

Outros registros de vertebrados (anuros, r´ epteis e mam´ıferos) foram registrados em algumas localidades, to- dos acidentais: crˆ anios, carca¸ cas, ossadas, fezes. Tais ob- serva¸ c˜ oes mostram que esta fauna utiliza com freq¨ uˆ encia tais abrigos, contribuindo para o aporte de alimento nas cavernas.

Anais do IX Congresso de Ecologia do Brasil, 13 a 17 de Setembro de 2009, S˜ao Louren¸co - MG 3

(4)

Tamb´ em cabe chamar a aten¸ c˜ ao que as cavernas de S˜ ao Desid´ erio representam um abrigo essencial para a fauna de anuros na esta¸ c˜ ao seca.

Como ind´ıcios de reprodu¸ c˜ ao, foram registradas oote- cas e aranhi¸ cos de Ctenidae (esp´ ecie nova), desova de opili˜ oes (Eupnoi sp.), ootecas de Theridiosomatidae (Plato sp.), jovens e fˆ emeas com prole de amblip´ıgeos, ninfas de heter´ opteros Zelurus sp., larvas de cole´ opteros (em manchas de guano de morcegos hemat´ ofagos), representando fases de recrutamento.

Em geral, a fauna cavern´ıcola de S˜ ao Desid´ erio apresen- tou - se extremamente relevante, com registro de v´ arios trogl´ obios, v´ arias esp´ ecies novas para a ciˆ encia, esp´ ecies pos- sivelmente relictas (insetos basais) e esp´ ecies em ´ epoca re- produtiva.

Algumas generaliza¸ c˜ oes podem ser feitas em rela¸ c˜ ao ` as cavernas estudadas: 1. As cavernas estudadas apresen- taram zonas af´ oticas extremamente desenvolvidas, com diferentes substratos potenciais para utiliza¸ c˜ ao pela fauna subterrˆ anea (blocos abatidos, substrato inconsolidado, man- chas de guano, paredes, ra´ızes, grandes lagos e rios sub- terrˆ aneos), e esta se mostrou interessante na ´ area; 2. O aporte de alimento se d´ a, em uma ordem de importˆ ancia, por ac´ umulos de mat´ eria vegetal, principalmente nas zonas de entrada ou atrav´ es dos rios. No caso de v´ arias caver- nas secas (sem drenagens), observamos muitas ra´ızes pene- trantes, configurando uma fonte de alimento rica, por man- chas de guano (de morcegos hemat´ ofagos ou frug´ıvoros), ou por animais acidentais que venham utilizar as cavernas em busca de abrigo ou prote¸ c˜ ao (sapos, serpentes, mam´ıferos);

3. Ocorre varia¸ c˜ ao sazonal do len¸ col fre´ atico em condu- tos mais inferiores das cavernas com corpos d’´ agua e, o fato desta oscila¸ c˜ ao n˜ ao ocorrer na forma de pulsos de enx- urradas explica o aporte de alimento aparentemente pe- queno; 4. A ´ area de entorno da maioria das cavidades era composta por vegeta¸ c˜ ao natural (transi¸ c˜ ao Cerrado - caatinga/mata seca), o que configura uma situa¸ c˜ ao impor- tante para manuten¸ c˜ ao das popula¸ c˜ oes subterrˆ aneas, uma vez que ao aporte de alimento principal se d´ a por ac´ umulo de mat´ eria vegetal em decomposi¸ c˜ ao. Entretanto, foram notados alguns casos de desmatamentos atrav´ es de estradas abertas na Mata por caminh˜ oes para escoamento de madeira nobre retirada (ipˆ es, jacarand´ as), o que influencia clara- mente a fauna associada (aporte de alimento, umidade);

5. H´ a duas ou trˆ es cavernas que s˜ ao utilizadas para fins tur´ısticos (Cat˜ ao, Buraco do Inferno da Lagoa do cemit´ erio e Gruta Paulista), as quais deveriam ter um Plano de manejo elaborado.

CONCLUS ˜AO

Em geral, a fauna cavern´ıcola de S˜ ao Desid´ erio apresen- tou - se extremamente relevante, com registro de v´ arios trogl´ obios, v´ arias esp´ ecies novas para a ciˆ encia, esp´ ecies pos- sivelmente relictas (insetos basais) e esp´ ecies em ´ epoca re- produtiva.

Algumas generaliza¸ c˜ oes podem ser feitas em rela¸ c˜ ao ` as cavernas estudadas: 1. As cavernas estudadas apresen- taram zonas af´ oticas extremamente desenvolvidas, com diferentes substratos potenciais para utiliza¸ c˜ ao pela fauna

subterrˆ anea (blocos abatidos, substrato inconsolidado, man- chas de guano, paredes, ra´ızes, grandes lagos e rios sub- terrˆ aneos), e esta se mostrou interessante na ´ area; 2. O aporte de alimento se d´ a, em uma ordem de importˆ ancia, por ac´ umulos de mat´ eria vegetal, principalmente nas zonas de entrada ou atrav´ es dos rios. No caso de v´ arias caver- nas secas (sem drenagens), observamos muitas ra´ızes pene- trantes, configurando uma fonte de alimento rica, por man- chas de guano (de morcegos hemat´ ofagos ou frug´ıvoros), ou por animais acidentais que venham utilizar as cavernas em busca de abrigo ou prote¸ c˜ ao (sapos, serpentes, mam´ıferos);

3. Ocorre varia¸ c˜ ao sazonal do len¸ col fre´ atico em condu- tos mais inferiores das cavernas com corpos d’´ agua e, o fato desta oscila¸ c˜ ao n˜ ao ocorrer na forma de pulsos de enx- urradas explica o aporte de alimento aparentemente pe- queno; 4. A ´ area de entorno da maioria das cavidades era composta por vegeta¸ c˜ ao natural (transi¸ c˜ ao Cerrado - caatinga/mata seca), o que configura uma situa¸ c˜ ao impor- tante para manuten¸ c˜ ao das popula¸ c˜ oes subterrˆ aneas, uma vez que ao aporte de alimento principal se d´ a por ac´ umulo de mat´ eria vegetal em decomposi¸ c˜ ao. Entretanto, foram notados alguns casos de desmatamentos atrav´ es de estradas abertas na Mata por caminh˜ oes para escoamento de madeira nobre retirada (ipˆ es, jacarand´ as), o que influencia clara- mente a fauna associada (aporte de alimento, umidade);

5. H´ a duas ou trˆ es cavernas que s˜ ao utilizadas para fins tur´ısticos (Cat˜ ao, Buraco do Inferno da Lagoa do cemit´ erio e Gruta Paulista), as quais deveriam ter um Plano de manejo elaborado.

Agradecimentos

IBAMA pela licen¸ ca de coleta

Jussyklebson Souza Silva pela ajuda local e guia as cavernas

REFER ˆENCIAS

Dessen, E.M.B., Eston, V.R., Silva, M.S., Temperini - Beck, M.T. & Trajano, E., 1980. Levantamento preliminar da fauna de cavernas de algumas regi˜ oes do Brasil. Ciˆ encia &

Cultura, 32(6): 714 - 25.

Holsinger, J. R. & Culver, D.C, 1988. The invertebrate cave fauna of Virginia and a part of Eastern Tennessee: Zoogeog- raphy and ecology. Brimleyana, 14: 1 - 162.

Juberthie, C., 2000. The diversity of the karstic and pseu- dokarstic hypogean habitats in the world, p. 17 - 39. In:

Wilkens, H., Culver D. C. & Humphreys, W. F. (eds.).

Ecosystems of the World 30. Subterranean Ecosystems. El- sevier, Amsterdan.

Poulson, T.L. & Lavoie, K. H., 2000. The trophic basis of subsurface ecosystems, p. 231 - 249. In: Wilkens, H., Cul- ver, D.C. & Humphreys, W.F. (eds.). Ecosystems of the World 30. Subterranean Ecosystems. Elsevier, Amsterdan.

Trajano, E. 2004. America, South: Biospeleology, p. 57 - 59. In: GUNN, J. (ed.). Encyclopedia of Caves and Karst Science. Fitzroy Dearborn, New York & London.

Trajano, E. & Bichuette, M. E. 2006. Biologia Subterrˆ anea - Introdu¸ c˜ ao. 1. ed. S˜ ao Paulo: Redespeleo Brasil. v. 1.

92 p.

Trajano, E., Bichuette, M. E. & Souza, L. A., 2004. Ex- pedi¸ c˜ ao URCA - USP 2002 ` as cavernas da Chapada do Araripe, Cear´ a. O Carste, 16 (3): 74 - 81. Belo Horizonte.

Anais do IX Congresso de Ecologia do Brasil, 13 a 17 de Setembro de 2009, S˜ao Louren¸co - MG 4

Referências

Documentos relacionados

Detectadas as baixas condições socioeconômicas e sanitárias do Município de Cuité, bem como a carência de informação por parte da população de como prevenir

Dessa forma, em que pese à relevância da temáti- ca, faz-se pertinente a compreensão de vivências cotidianas de usuários, em demanda espontânea, para o acesso e a acessibilidade

3 O presente artigo tem como objetivo expor as melhorias nas praticas e ferramentas de recrutamento e seleção, visando explorar o capital intelectual para

libras ou pedagogia com especialização e proficiência em libras 40h 3 Imediato 0821FLET03 FLET Curso de Letras - Língua e Literatura Portuguesa. Estudos literários

A visão de um cavalo branco e seu cavaleiro, com um arco nas mãos e uma coroa na cabeça, representa a pureza do primeiro período da igreja cristã (anos 31 a 100).. A visão de um

Desta forma, o presente trabalho vem apresentar a primeira contribuição sobre o conhecimento da fauna subterrânea associada a uma cavidade em metapelito

[r]

Dentro desse contexto, concebemos a implantação de três estações intermodais—localizadas em Icoaraci, Enasa e Docas—, e de três trapiches intermodais — localizados na