• Nenhum resultado encontrado

O édipo e sua incidência nas estruturas clínicas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O édipo e sua incidência nas estruturas clínicas"

Copied!
37
0
0

Texto

(1)

DHE - DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

JANI SCHACH DE CARVALHO

O ÉDIPO E SUA INCIDÊNCIA NAS ESTRUTURAS CLÍNICAS

IJUÍ/RS 2019

(2)

O ÉDIPO E SUA INCIDÊNCIA NAS ESTRUTURAS CLÍNICAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Ana Maria de Souza Dias

IJUÍ/RS 2019

(3)

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Profª Mestre Ana Maria de Souza Dias

__________________________________________ Profª Mestre Tania Maria de Souza

(4)

A Deus porque de modo “especial e admirável” me fez e porque os seus “pensamentos são mais altos do que os meus”.

Aos meus pais Belmiro e Ilse, porque buscaram ofertar o melhor de suas vidas, proporcionando às filhas possibilidades que eles mesmos não tiveram.

Ao meu esposo Luciano, pelo suporte emocional e funcional nas atividades diárias e especialmente no cuidado com as nossas filhas.

As minhas filhas Laís e Alana, pelo amor e carinho incondicional, pelos abraços e sorrisos revigorantes e por cederem do seu tempo com a mamãe.

À professora Ana, orientadora deste trabalho de conclusão de curso, que além de me inspirar a aprofundar o estudo do tema, com paciência e empenho, no bom uso do “dom de transmitir”, compartilhou conhecimento e desejo.

Às universidades, UNOESC e UNIJUI, que me oportunizaram, respectivamente, iniciar e concluir o curso de graduação em psicologia, possibilitando a apreensão da teoria psicológica em diversas perspectivas.

À psicóloga Kênia que me acompanhou boa parte da formação, e foi fundamental para que esta experiência, se tornasse também uma transformação.

À colega Deise, que se tornou uma grande amiga, sempre pronta a me acolher e auxiliar nas dificuldades.

Às colegas Aline, Ester, Vera e Ângela pelas conversas e amizade compartilhadas.

Aos demais familiares e amigos que de uma forma ou de outra, incentivaram e colaboraram para que esta formação fosse possível.

(5)

“O complexo de Édipo, contudo, é uma coisa tão importante que o modo por que o indivíduo nele se introduz e o abandona não pode deixar de ter seus efeitos.”

(6)

O presente trabalho tem como objetivo retomar a leitura do complexo do Édipo, como conceito fundamental na constituição do sujeito na teoria psicanalítica. Para isso faz-se uma abordagem do percurso histórico que levou Freud ao mito do Édipo e os três tempos lógicos do Édipo trabalhados por Lacan. Em seguida, avança-se para a explanação da resolução psíquica edípica que vai produzir diferentes formações de estruturas clínicas nos sujeitos e seus sintomas. Conta-se com as contribuições de alguns autores mais contemporâneos, como Garcia-Roza, Nasio, Calligaris, entre outros. Busca-se, a partir dessas considerações, ressaltar a fundamentalidade da trajetória psíquica do Édipo na constituição das estruturas clínicas: neurose, psicose e perversão, que comparecem na clínica psicanalítica.

Palavras chave: Psicanálise; Édipo; castração; desejo; estruturas clínicas.

(7)

INTRODUÇÃO... 8

1 O ÉDIPO DE FREUD E OS TRÊS TEMPOS EDÍPICOS DE LACAN...10

1.1 A leitura de Freud... 10

1.2 A releitura de Lacan...14

1.2.1 Primeiro tempo do Édipo...15

1.2.2 Segundo tempo do Édipo...17

1.2.3 Terceiro tempo do Édipo...19

2 O ÉDIPO E AS ESTRUTURAS CLÍNICAS...23

2.1 Psicose...24 2.2 Perversão...26 2.3 Neurose...27 2.3.1 Neurose Obsessiva...29 2.3.2 Neurose Histérica...30 CONSIDERAÇÕES FINAIS...33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...35

(8)

INTRODUÇÃO

A psicanálise, além de ser uma teoria psicológica, constitui-se também em uma prática clínica. Freud, em sua investigação a respeito dos sintomas apresentados na clínica com adultos, chegou à conclusão de que muitos dos sintomas que ali se apresentavam eram provenientes do infantil que se mantinha no adulto. Voltou-se, então, a buscar desvendar o que havia na raiz das neuroses.

Para isso recorreu ao mito do Édipo, a partir do qual trabalhou o complexo do Édipo e sua importância fundamental na estruturação subjetiva da criança, que é parte intrínseca da constituição do sujeito.

Partindo desse pressuposto psicanalítico e um interesse pessoal na compreensão do complexo edípico, e seu papel determinante na estruturação do sujeito, do qual “nenhuma criança escapa”, buscou-se fazer esse percurso de estudo pela teoria psicanalítica de Freud, bem como contando com a contribuição teórica de outros psicanalistas pós-freudianos que seguiram nesse caminho.

Dentre eles, Lacan, que associando seus conhecimentos em linguística, teorizou sobre o complexo do Édipo, esquematizando-o em três tempos lógicos da constituição do sujeito, e o papel da linguagem no processo de significação. Além de apontar aspectos fundamentais dessa passagem, como o lugar da Mãe e o do Nome-do-Pai, os quais vão determinar as continuidades e descontinuidades no processo de constituição psíquica relativo ao posicionamento do sujeito frente ao desejo e a lei.

O estudo também conta com autores contemporâneos, dentre eles, Garcia-Roza, Nasio e Calligaris, que retomam esses conceitos associando-os à pratica da clínica psicanalítica e reforçando a intensidade na qual os aspectos e resoluções edipianas comparecem na clínica psicanalítica. Por isso, sendo determinantes na vida dos sujeitos no que diz respeito à estruturação psíquica e seus sintomas.

Ancorado pelas ideias desses autores, o trabalho está estruturado em dois capítulos, sendo o primeiro o Édipo de Freud e os três tempos edípicos de Lacan, no qual se faz uma abordagem a respeito do percurso de Freud no que tange à construção da teoria da estruturação pelo Édipo e seus desdobramentos na teoria lacaniana, bem como sua esquematização nos três tempos lógicos.

(9)

No segundo capítulo, o Édipo e as estruturas clínicas, expõe-se a respeito das estruturas clínicas decorrentes das elaborações edipianas, e sua implicação na clínica psicanalítica, no que diz respeito ao posicionamento psíquico e à formação dos sintomas clínicos.

(10)

1 O ÉDIPO DE FREUD E OS TRÊS TEMPOS EDÍPICOS DE LACAN

1.1 A leitura de Freud

Sigmund Freud (1856-1939) foi o criador da psicanálise. Iniciando sua carreira como médico clínico, interessado no alívio do sofrimento humano, continuou seus estudos na França, onde foi aluno do médico e cientista Jean Martin Charcot, com quem aprendeu que o sofrimento psíquico poderia não ter sua origem no corpo, mas, a mente poderia ser responsável por sintomas diversos, como era possível observar pelas queixas histéricas. A histeria, na época, se colocava como um enigma para a medicina e para a ciência.

Freud interessou-se pelo tratamento da histeria. Utilizou técnicas diversas como massagens, hidroterapia, e eletroterapia, as quais percebeu que produziam apenas alívio imediato, sem efeito duradouro. Passou a utilizar-se da sugestão hipnótica, que consistia em sugestionar os pacientes por meio da hipnose e gerava um efeito mais prolongado. Mais tarde, devido a dificuldades do método hipnótico, e firmando parceria com o Dr. Josef Breuer, substituiu a hipnose pelo método catártico.

Freud e Breuer acreditavam que os sintomas histéricos possuíam um significado e a descoberta deste significado, desconhecido pelo paciente, era acompanhada da remoção dos sintomas.

Porém, os dois logo desfizeram sua parceria devido a divergências em relação à origem dos sintomas. Breuer acreditava que algumas ideias dos pacientes se tornavam traumáticas por surgirem durante estados hipnoides. Freud, pela escuta clínica dos pacientes, acreditava que os sintomas eram provenientes de ideias de caráter eminentemente sexual, que se colocavam como ideias opostas a vida mental do sujeito, das quais ele teria que se defender. Freud, então, cria psicanálise a partir de sua clínica, na qual pedia aos pacientes que falassem livremente sobre tudo que lhes viesse à cabeça, mesmo que fosse vergonhoso ou parecesse sem importância. Assim, criou o método essencialmente psicanalítico, de associação livre.

Inicialmente a teoria de Freud pelo atendimento e escuta principalmente das histéricas, consistia em que todas relatavam histórias de abusos referentes principalmente aos relacionamentos com seus pais. Sua teoria “neurótica”, atribuía a

(11)

traumática sedução da criança por um outro adulto, geralmente o pai, a causa dos sintomas neuróticos.

Porém em 1897, Freud põe em questão a sua teoria quando escreve uma carta a Fliess, revelando não mais acreditar nela. Paulo Vidal (2014) aponta algumas razões que teriam levado Freud a essa dúvida, dentre elas, a de que seria loucura generalizar todos os pais como perversos. Além disso, era impossível fazer emergir as cenas inconscientes, pois mesmo o delírio não as revelava, e, a maioria dos pacientes deixava o tratamento, antes de chegar às cenas infantis.

Freud recorre, então, à possibilidade de que as cenas de sedução infantil relatadas pelos pacientes sejam fantasia1. A fantasia é uma ficção que tem sentido na realidade de quem narra, porém na configuração da realidade impõe a falta do referente, ou seja, onde se poderia verificar o fato, se encontra apenas o fantasmático.

Após a morte de seu pai em 31/05/1897, Freud continua sua auto-análise. Percebendo em si mesmo, sentimentos apaixonados pela sua mãe e certo ódio pelo seu pai, constata que os impulsos hostis contra os pais são um elemento integrante das neuroses. Reconhecendo estar no caminho certo em relação aos traumas sexuais infantis, mas constatando que estes não eram verdadeiros e sim fantasia, encontra no mito Edípico um ponto de apoio para efetivar sua teoria. Freud se serve do Édipo para nomear o que conjectura estar no fundamento do recalcado2.

O Édipo, como mito, consiste na trama em que o rei chamado Laio, casado com Jocasta tem um filho ao qual chama de Édipo. Tendo, porém Laio, sido anteriormente advertido por um oráculo que, se esta criança crescesse, mataria o próprio pai e desposaria sua mãe, resolve, logo após o nascimento, mandar um criado levá-lo para ser morto na floresta. Este, porém, com pena da criança, resolve pendurá-lo numa árvore amarrado pelos pés, sendo encontrado por um pastor de ovelhas, que o levou para seus senhores em Corinto, onde fora criado como um príncipe.

Édipo, já adulto, busca o oráculo para saber sobre sua origem e advertido por este, que no futuro iria matar seu pai e casar com sua mãe, viaja para fugir do

1

A fantasia, para Freud, é uma representação, um argumento imaginário, que pode ser consciente, pré-consciente ou inpré-consciente, que de forma disfarçada coloca em cena um desejo.

2 Lembranças ou representações que foram afastadas/rejeitadas da consciência, devido ao seu conteúdo

(12)

cumprimento desta previsão em relação aos que acredita serem seus pais verdadeiros. Porém, no caminho encontra-se com Laio, seu pai, e sem saber quem é, o mata. Logo depois decifra o enigma da Esfinge, que estava assolando a cidade de Tebas, libertando-a desta. Em gratidão a cidade o torna rei, e o regente lhe oferece a rainha Jocasta como esposa, com a qual se casa, sem saber que ela é sua mãe.

Após alguns anos, recai uma peste sobre a cidade De Tebas e Édipo mais uma vez consulta o oráculo, que o adverte de que o assassino de Laio deve ser expulso da cidade, também prevê que este, ficará cego e se tornará mendigo. Édipo empreende uma busca na cidade e por fim descobre ser ele próprio o assassino e filho de Laio.

Ao descobrir ser filho de Laio e Jocasta, Édipo fura os próprios olhos e foge da cidade, cumprindo a predição do Oráculo.

Para Freud, esse mito retrata a realização dos nossos próprios desejos infantis, no sentido de que dirigimos nosso primeiro impulso sexual para a mãe e o primeiro ódio e desejo assassino para o pai. Este conflito, porém, é recalcado no processo de constituição psíquica, no que tange a teoria psicanalítica, ou seja, levando em conta o inconsciente.

Freud assim articula sua ideia:

...a lenda grega capta uma compulsão que todos reconhecem, pois cada um pressente sua existência em si mesmo. Cada pessoa da platéia foi, um dia, um Édipo em potencial na fantasia, e cada uma recua, horrorizada, diante da realização de sonho ali transplantada para a realidade, com toda a carga do recalcamento que separa seu estado infantil do estado atual. Passou-‐me fugazmente pela cabeça a idéia de que a mesma coisa estaria também na base do Hamlet [...] Como explicar sua hesitação em vingar o pai através do assassinato do tio – ele, o mesmo homem que manda seus cortesãos para a morte sem nenhum escrúpulo e que é positivamente precipitado ao assas-sinar Laertes? Como explicá-‐lo senão pela tortura que ele sofre em vista da obscura lembrança de que ele próprio havia contemplado praticar a mesma ação contra o pai, por paixão pela mãe? Sua consciência moral é seu sentimento inconsciente de culpa. (FREUD, 1986 [1887-‐1904], p. 273).

Freud também se utiliza de outro clássico da literatura ocidental, que é Hamlet de Shakespeare. Diferente da lenda do Édipo, na qual o filho é assassino do pai, Hamlet se apresenta como vingador do pai assassinado. Nas duas peças, é como

(13)

morto, que o pai desempenha seu papel, e Freud as considera como declinações possíveis do que passaria a chamar de complexo de Édipo.

Édipo é vítima do trágico, paga o preço de uma falta que cometeu sem saber. Para Freud, o trágico, na sociedade moderna, surge quando o sujeito que acredita ser livre, autônomo, percebe que com suas escolhas adotou o caminho que queria evitar. É nesse sentido que o mito do Édipo ainda nos atinge, mostrando que as ações humanas são, muitas vezes, determinadas e regidas desde outra cena, o inconsciente. Estas seguem os circuitos do desejo, os quais são motores do aparelho psíquico e procuram restabelecer a experiência de satisfação primeira (originária). Esse desejo do inconsciente é indestrutível e proveniente do tempo do Édipo.

Para Freud, porém, apesar do desejo perfazer um circuito repetitivo e independente da consciência, isso não significa que somos objetos de um automatismo. Mas, a tragédia grega coloca o agente, o Édipo, no lugar de ambiguidade: o herói trágico é objeto e sujeito, determinado e responsável, constituindo-se assim, um circuito que inclui o sujeito.

O desejo incestuoso em relação à mãe, o ódio do pai como rival e o posterior medo da castração, uma vez recalcados, por seu caráter ambivalente produzem no sujeito, o que Freud denomina de Ética do inconsciente. Na qual, ao passo que as pulsões impõem a busca por satisfação, a fantasia em torno destas questões impõe limites.

Édipo, para Freud, é o que está no fundamento do recalcado, ao passo que a vacilação de Hamlet se mostra como um sintoma, “um escrúpulo de consciência derivado do desejo edípico recalcado - Édipo é a verdade de Hamlet, do neurótico.” (Vidal, 2014, p. 80).

Conforme Vidal (2014), Freud coloca o Édipo como pré-condição na qual todo sujeito humano deve se situar, e da qual precisa se separar, pelos efeitos da intervenção paterna, possibilitando a inscrição na linha de gerações e o acesso a um objeto não incestuoso. Situa, assim, o Édipo do lado das respostas aos problemas com que a criança se defronta, e que lhe causam curiosidade, vontade de saber. De forma que a criança busca produzir teorias para questões como: de onde vêm as crianças? Qual a origem da diferença entre meninos e meninas?

(14)

Para dar conta dessas questões sobre as origens a criança elabora fantasias. Dentre estas, a fantasia da cena primária3, que procura dar conta da origem do sujeito e o desejo parental que a originou; a fantasia de sedução, para dar conta do caráter traumático do encontro com a sexualidade e o desejo do outro; e a fantasia da castração, como resposta a diferença entre sexos, articulada pela ameaça paterna de castração.

É frente ao complexo de castração que o Édipo sofre o recalque, ou seja, as teorias sexuais infantis naufragam, sucumbem a amnésia, produzindo a divisão das instâncias psíquicas em inconsciente e pré-consciente/consciente. Teoria que coloca o inconsciente fora do consciente pela ação do recalque, não podendo emergir sem sofrer distorções.

Ao utilizar-se do mito do Édipo, Freud pôde superar a descontinuidade com a qual sua teoria havia se deparado - a impossibilidade de acesso a exatidão (verdade) dos fatos pela via da narrativa dos sujeitos - compreendendo-a pela via da ficção. Portanto, a leitura freudiana coloca um saber (mítico) no lugar da verdade.

1.2 A releitura de Lacan

Jacques-Marie Emile Lacan (1901-1981), médico psiquiatra e psicanalista francês, retoma as elaborações teóricas de Freud, associando-as a elementos da linguística, da filosofia e da ciência. Em suas elaborações teóricas, propõe o inconsciente estruturado como linguagem, no qual divergindo da linguística - que estabelece a prevalência do significado em relação ao significante - acredita que no inconsciente, o significado é dado pela relação de um significante com outro significante.

Para Lacan, o Édipo freudiano articula três elementos: o assassinato do pai, o gozo4 da mãe, e o desejo de saber a verdade. O mito do Édipo, ao fazer da morte do pai uma condição ao gozo, o designa como representante da Lei, interditor e agente da castração, e lhe dá um lugar privilegiado no inconsciente. Desta forma, “o pai é

3

Cena, que pode ser fantasmática ou real, na qual a criança testemunha o coito de seus pais.

4 Refere-se às diferentes relações com a satisfação que um sujeito desejante pode experimentar e esperar, no

uso de um objeto desejado. Para psicanálise o gozo se refere ao desejo inconsciente, o qual está constituído pela nossa relação com linguagem. Para Lacan, o gozo não pode ser concebido de uma necessidade que pode ser preenchida por um objeto, mas ele “é inter-dito, ou seja, é feito do próprio tecido da linguagem, onde o desejo encontra seu impacto e suas regras.” (Chemama, 1995, p. 91)

(15)

uma metáfora” ele é o significante que vem no lugar de outro significante, ou seja, o “pai”, vem no lugar do “desejo da mãe”. Assim, o Édipo aparece com a introdução do elemento pai (nome-do-pai)5.

O Édipo significa para o sujeito um “enunciado do Impossível”. (Lacan, 1992). Há um limite de estrutura inerente ao campo do simbólico, em que há sempre na palavra uma verdade que lhe escapa, e toda vez que se tenta dizer aquilo que é impossível de dizer, é ao mito, à ficção que se recorre. Outra impossibilidade que Lacan aponta, é de que as palavras não conseguem abarcar de todo o gozo, assim, aquilo que escapa do real, pode ser articulado no irreal do mito, da ficção (fantasia).

Lacan divide o Édipo em três tempos lógicos, que correspondem a uma sequência lógica, relativa à passagem do Imaginário para o simbólico. Os quais são base da continuação deste estudo.

1.2.1 Primeiro tempo do Édipo

Para Garcia-Roza (1985) a experiência do nascimento se constitui a primeira divisão que o ser humano sofre. No qual, com o corte do cordão umbilical, não é apenas separado de sua mãe, mas também perde uma parte de si mesmo. A partir disso ele passa a ser incompleto, sendo o nascimento como uma primeira castração, cuja experiência será revivida em outros momentos posteriores da vida.

A criança, então, passa a buscar preencher sua falta com objetos exteriores. O seio da mãe se constitui como o primeiro objeto de satisfação. Num primeiro momento, essa satisfação, ligada a auto-conservação, se dá pela ingestão do leite materno. Para posteriormente, pela excitação dos lábios e da língua no exercício da sucção, produzir o prazer no sugar, marcando a emergência da pulsão6.

A pulsão, cuja satisfação é acompanhada de um prazer que tem apoio na necessidade, mas não é redutível a ela, está ligada a alguma zona erógena e resulta sempre na satisfação parcial, sendo regida pelo princípio do prazer. Na medida em

5 O termo foi criado por Jaques Lacan, para designar o significante da função paterna. Constitui-se produto da

metáfora paterna, atribuindo a função paterna ao efeito simbólico de um puro significante, e designando “aquilo que rege toda a dinâmica subjetiva, ao inscrever o desejo no registro da dívida simbólica”. (Chemama, 1995, p. 148).

6

Pulsão, como conceito da teoria psicanalítica, conforme Roudinesco (1998, p. 628) é “a carga energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem”. Nesse sentido, se constitui a energia fundamental do sujeito, a força necessária ao seu funcionamento.

(16)

que os objetos são apresentados à criança são introjetados pelo ego, que os toma para si ao passo que expele o que lhe causa desprazer. Essa passagem do exterior para o interior é fantasmática, imaginária. Marca o tempo do autoerotismo que posteriormente se transformará em narcisismo, no qual as pulsões auto-eróticas que coexistiam de forma desorganizada e sem objeto específico, se juntam numa unidade e investem num objeto: o ego.

O ego começa a ser esboçado na relação especular imaginária, sendo conforme Lacan concretizado na experiência da criança ao perceber sua própria imagem no espelho. A fase do espelho inicia-se por volta dos 6 meses de idade com extensão até por volta dos 18 meses. Sendo que a terceira fase do espelho, conforme Lacan, coincide com o primeiro tempo do Édipo, e designa um tempo em que a criança forma uma representação de sua unidade corporal, identificando-se com a imagem do outro. Nesse tempo, produz-se um ego especular, no qual a criança consegue fazer uma demarcação da totalidade do seu corpo. A devolução da imagem do espelho, pela mãe ou pelo outro, tem função de estruturação do sujeito, na qual substitui a vivência do corpo despedaçado da fase anterior, pela primeira demarcação de si, por um processo de identificação ao outro.

O estágio do espelho não diz respeito à experiência concreta da criança frente ao espelho, mas sim, de um tipo de relação especular com outro. Lacan chama essa relação mãe e filho, que caracteriza o imaginário, de dual. Essa fase por não ser ainda mediada pela linguagem se esgota nesse jogo especular, em que a primeira consciência se perde, pois ao procurar a realidade de si, a criança encontra apenas a imagem do outro com a qual se identifica ou na qual se aliena.

O que caracteriza essa relação dual, portanto, é muito mais uma indistinção entre o si e o outro, por mais que haja certa demarcação do próprio corpo, ainda não há uma individualidade como sujeito. Ser o desejo do desejo do outro é o que caracteriza a criança nessa fase. A criança ocupa um lugar de falo, de completude da mãe, no qual se identifica especularmente com aquilo que é objeto do desejo da sua mãe. A relação entre ambos é, portanto, marcada pela falta.

Conforme Garcia-Roza (1985), “nas sociedades patriarcais do Ocidente o falo foi transformado num símbolo de poder e completude.” O órgão sexual masculino (pênis) é considerado o representante do falo. Não podendo, porém, ser reduzido a este órgão de forma concreta, pois ninguém é possuidor do falo. É, portanto, uma

(17)

representação de algo da ordem simbólica capaz de preencher a falta, o vazio da incompletude humana, a nível imaginário.

Mesmo sendo essa fase imaginária, ou seja, anterior ao acesso ao simbólico (linguagem por parte do infans7), este não está ausente, pois, ainda que não fale, desde antes do seu nascimento a criança já é falada pelos outros, surgindo já num lugar marcado simbolicamente.

Lacan, apud Garcia-Roza(1985), nos apresenta três registros, real, imaginário e simbólico, dos quais, o real é o impossível de ser definido, é a pulsão freudiana. O simbólico é a lei, a ordem, o que diferencia o homem do animal, funda o inconsciente, é transindividual, na medida em que precede o sujeito, e determinante para a constituição deste. O imaginário constitui-se no interior do simbólico e é, caracterizado justamente por essa relação da imagem especular que o infans tem de si e o objeto que a reflete (mãe, espelho).

A relação dual criança-mãe, só é rompida pela entrada da criança na linguagem, na cultura, o que corresponde também à entrada do pai em cena. Sendo substituída então, por um tipo de “relação triádica”, na qual a entrada do pai marca uma distância entre a criança e seu duplo.

1.2.2 Segundo tempo do Édipo

A concepção do ser humano como um ser incompleto e a eleição do pênis, como sendo representante do falo, cuja função simbólica é de preenchimento da falta, nos leva a teoria de Freud sobre o Complexo de castração. Na qual a criança pequena acredita que todo adulto possui um pênis, até que descobre que sua mãe ou irmã não o tem. Então ela passa acreditar que estas foram castradas e que ela própria sofre ameaça de castração, da qual o agente é o pai.

A percepção da criança em relação à presença ou ausência de um pênis, ou seja, da diferença de sexos, faz emergir a consciência dessa realidade em seu próprio corpo. É nesse tempo que aparece a manipulação dos órgãos sexuais pela criança, a masturbação.

Como falo da mãe a criança tenta se moldar, se integrar aquilo que ela é para o amor da mãe. Porém, a partir do momento que intervém sua própria pulsão, ocorre

7

(18)

um descolamento, no qual o que ela tem a oferecer lhe parece insuficiente. É nesse encontro do jogo imaginário do engodo fálico e a pulsão real, que o complexo de castração se apresenta como saída para criança.

A intervenção do pai introduz a ordem simbólica, a lei, ou seja, o assunto sai das mãos da criança para ser resolvido em outro lugar. Lacan (1999, p. 233) escreve: “O pai é aquele com quem não há mais chance de ganhar, senão aceitando tal e qual a divisão das apostas”. Para Lacan, a castração é o signo e também o pivô do drama do Édipo. Quando a criança faz a apreensão da ausência de um pênis na mulher, isso se constitui para ela como uma privação. Noção que causa certa angústia e faz um furo no real. É um momento de despertar, no qual emerge no sujeito, um temor de ver extinguir-se nele o desejo.

A angústia gerada nesse processo surge a cada vez que o sujeito sente a ameaça de ser descolado de sua existência, em que se percebe prestes a ser capturado pela imagem do outro, pela tentação. Lacan, (1999, p. 231) considera que: “... a angústia é correlativa do momento em que o sujeito está suspenso entre um tempo em que ele não sabe mais onde está, em direção a um tempo onde ele será alguma coisa na qual jamais se poderá reencontrar.”

A castração não se aplica de fato no real, mas sobre um objeto imaginário, de forma que a castração implica na simbolização do objeto (pênis), ao que Lacan (1999, p.224) afirma: “Indicar que alguma coisa não está ali, é supor sua presença possível, isto é, introduzir no real, para recobri-lo, perfurá-lo, a simples ordem simbólica”.

Neste segundo momento do Édipo, conforme Garcia-Roza (1985), o pai intervém como privador, tanto da criança, quanto da mãe. Priva a criança do seu objeto de desejo e a mãe do objeto fálico. A entrada do Pai em cena é mediada pelo discurso da mãe, a qual precisa reconhecê-lo como homem e como representante da lei. A mãe, portanto, precisa mostrar-se castrada, ou seja, em falta, e apontar o seu desejo não unicamente para o filho, mas também para outro lugar (o Pai).

O pai desse tempo é o imaginário, é o pai terrível, interditor, onipotente. Que ao ser aceito e reconhecido pelo discurso da mãe, passa a ser aquele que limita o poder da mãe, produzindo a disjunção mãe-fálica/ criança-falo. Essa privação permite a criança superar a perfeição narcisista do tempo anterior e ter acesso à lei do pai.

(19)

Lacan (1999, p. 192) diz que nesse tempo se coloca para o sujeito uma questão que é “nodal” no Édipo. Ele precisa posicionar-se frente a essa privação da qual a mãe revela-se objeto, no sentido de “dar valor de significação, de aceitar, de registrar, de simbolizar”. Para atravessar essa fase nodal, a criança precisa, no plano imaginário, escolher entre ser ou não ser o falo. A não aceitação da privação do falo, efetuada na mãe pelo pai, retém a criança numa posição de identificação com o objeto da mãe, podendo essa estagnação, apresentar-se através de fobia, neurose ou perversão.

Partindo do princípio de que não há sujeito sem que haja um significante que o funde, é essencial que a mãe funde o pai como mediador daquilo que está para além da sua própria lei, dos seus caprichos. É nisso que ele será ou não aceito pela criança como aquele que priva ou não priva a mãe do objeto do seu desejo. O que faz diferença é que a mãe faça valer a palavra do pai.

Conforme, Garcia-Roza (1985), pela linguagem o desejo é nomeado, surgindo em seu lugar o símbolo. Esta simbolização produz a clivagem da subjetividade infantil em Consciente/Inconsciente. Ao passo que a castração exercida pela função paterna (Nome-do-Pai), produz o recalque do desejo de união com a mãe.

O acesso à linguagem pela criança possibilita a esta produzir um afastamento da sua própria vivência e substituir o ser pelo ter, ou seja, sair da posição de ser o falo da mãe, para ter um desejo limitado, satisfação parcial. A mãe deixa de ser a lei para a criança, a qual, agora se submete ao pai como sendo, não apenas representante, mas a própria lei. O pai passa a ser para a criança o falo, e é vivido por esta como um outro singular, sendo, ainda representado no nível imaginário.

A castração (simbólica) incide sobre um objeto imaginário, o falo, e é através dela, que a criança pode constituir-se sujeito. Pois lhe dá a possibilidade de sair da condição de assujeitamento, de objeto de satisfação do outro, para uma condição de ser desejante.

1.2.3 Terceiro tempo do Édipo

Em relação ao terceiro tempo do Édipo Garcia-Roza (1985, p. 222) explica: “Nele, o pai deixa de ser a lei e passa a ser representante dela. A castração não é,

(20)

portanto, apenas dupla (da criança e da mãe), mas também do pai. Ninguém é mais o falo, assim como também ninguém é mais a lei. Tanto um como outro estão para além de qualquer pessoa singular.”

Ocorre então, a substituição da identificação da criança com o eu ideal narcisista, equivalente ao falo, pela identificação com o ideal do eu, ideal de perfeição, encarnado pelo pai. O pai passa a ser o representante desse ideal, e a criança não se identifica com o pai, mas com o que o pai representa. Conforme Freud, apud Garcia-Roza, a criança se identifica com o superego do pai, e o superego da criança é o efeito dessa identificação com o ideal do eu.

A interiorização da lei possibilita a criança constituir-se sujeito. Ao ser, separada da mãe pelo interdito paterno, a criança, toma consciência de si como um ser distinto, e então como sujeito, é introduzida na ordem da Cultura.

Conforme Lacan (1999, p. 200), é desta terceira etapa que depende à saída do complexo de Édipo. Nesta, o pai intervém como aquele que tem o falo e não que o é. Por isso, pode não apenas privar do objeto desejado (castração), mas pode dar à mãe o que ela deseja, pois o possui. Com isso reinstaura a instância do falo como objeto desejado da mãe.

Neste tempo o pai intervém como real e potente. Aquele que além de ser castrador, aponta ao filho possibilidades. O qual por ser o detentor do falo, é internalizado no sujeito como o ideal do eu, e, a partir daí começa o declínio do complexo de Édipo.

Este desfecho, porém, é diferente para o menino e para a menina. O menino passa por um processo de identificação metafórica com o pai, a qual lhe “dá o direito de ser homem”, instituindo algo da ordem do significante que fica guardada de reserva, e cuja significação se desenvolverá mais tarde. Já a menina, não precisa passar por essa identificação, nem guardar o título de direito à virilidade, mas sabendo onde está (no pai) e onde deve buscá-lo, vai em direção àquele que o tem.

O terceiro tempo do Édipo, então, é transposto à medida que se dá essa identificação, na qual o menino se identifica com o pai como possuidor do pênis, e a menina por reconhecer o homem como aquele que o possui.

Para a psicanálise só há sujeito a partir da clivagem da subjetividade nos dois sistemas: inconsciente e pré-consciente/consciente, produzida pelo recalque. Antes disso, o psiquismo infantil é dotado de representações que tem sua fonte na pulsão,

(21)

é somente retroativamente, através da entrada da criança no simbólico, que essa subjetividade ganha realidade. Desta forma, podemos dizer que, o Édipo é o estruturador fundamental e determinante do sujeito psicanalítico.

“O Édipo é a dolorosa e iniciática passagem de um desejo selvagem para um desejo socializado, e a aceitação igualmente dolorosa de que nossos desejos jamais serão capazes de se satisfazer totalmente”, considera (Nasio 2007, p. 12). A entrada de um terceiro na relação instaurando a lei e castrando a criança, possibilita a esta, reconhecer a realidade externa. De forma que o complexo de Édipo tem a função de inserir o sujeito no convívio social, impondo-lhe limites. Exigindo deste, a renúncia da satisfação pulsional e o controle dos instintos. Ele não pode tudo. Há um reconhecimento da falta e impotência.

Portanto, sendo o simbólico o campo da lei e o complexo de Édipo a passagem para essa ordem simbólica, ele possui o efeito de estabelecer uma função normativa em relação às estruturas clínicas e ao posicionamento sexual. Ninguém sai ileso do Édipo, a maneira singular com que cada um atravessa o Édipo, afetará seu posicionamento enquanto sujeito sexuado e suas escolhas de objeto.

Em relação a essa passagem pelo Édipo, Nasio (2007, p. 10) escreve: “A crise edipiana é um insuportável conflito entre o prazer erótico e o medo, entre a exaltação de desejar e o medo de se consumir nas chamas do desejo.” O Édipo é o que faz regra às pulsões. Permite a organização e a socialização a partir da parcialização do gozo da criança, no que diz respeito à satisfação do desejo (pulsão). O Édipo, para Freud, esboça o retrato de todo sujeito referente à voracidade e desejo, ao medo das consequências de sua avidez, ao ciúme e proteção em relação ao falo, e a culpa por desejar. Assim, Freud recorreu ao mito, utilizando-o como metáfora do inconsciente para falar dos desejos e proibições. E, como consequência, o complexo de Édipo evoca a formação de sintomas como substituições do proibido e do esquecido, ou seja, do recalcado.

As múltiplas vivências com seu par parental (mãe e pai) e a forma da inscrição do Nome-do-pai (ou da falta dessa inscrição) na dinâmica edipiana, pela qual toda criança passa, são momentos determinantes para o sujeito e o seu desejo. Assim, são fundadores da cristalização de organizações estruturais, no enlaçamento entre real, simbólico e imaginário, instâncias que são amarradas no tempo lógico da constituição psíquica.

(22)

Se Freud localizava a raiz das psicopatologias nas experiências da passagem pelo Édipo, Lacan situa também nesse complexo, a origem das estruturas clínicas, com seus sintomas e patologias.

(23)

2 O ÉDIPO E AS ESTRUTURAS CLÍNICAS

Dunker (2006) defende que a psicanálise é essencialmente uma clínica, pois se orienta conforme os termos que orientam qualquer clínica clássica: semiologia, diagnóstica, etiologia e terapêutica. E a noção de estrutura clínica - para a psicanálise de orientação lacaniana - representa um princípio reorganizador desses quatro elementos ordenadores de qualquer clínica. Nesse sentido, conforme o autor:

A semiologia, é uma semiologia da linguagem, a etiologia é uma etiologia baseada na causalidade do desejo, a terapêutica baseia-se na intervenção, de linguagem, sobre o sujeito e o desejo e, finalmente, a diagnóstica psicanalítica é imanente à transferência. (Dunker 2006, p. 121)

Propondo “pensar a clínica da estrutura com a estrutura da clínica”, Dunker (2006, p. 123) afirma que os sintomas da estrutura clínica implicam na estrutura da clínica. Para ele, a constituição do sujeito inclui a estrutura clínica, sendo que, a estrutura não é o sujeito, mas este se apoia na estrutura. Desta forma, a teoria da constituição do sujeito passa pela teoria das estruturas clínicas (enodamentos), e pela teoria da construção do fantasma8 (suplência). Há um enlaçamento entre estas, de forma que nenhuma pode ser excluída.

Para Medeiros e Mariotto (2006, p. 53), a estruturação subjetiva ocorre num tempo lógico, e depende da transformação do desejo em demanda9, da produção de significação e da apropriação dessa operação pelo sujeito. Desta forma, escrevem: “a estrutura requer um tempo de instalação tanto de um sujeito, quanto no sujeito”. Nessa trajetória de estruturação, o sujeito se vê confrontado com algumas “encruzilhadas”, como: “o Estádio do espelho e o complexo de Édipo”, que lhe exigem a construção de um fantasma fundamental, referenciando seu posicionamento frente ao desejo.

Desta forma, o Complexo de Édipo tem um papel fundamental na formação e origem das estruturas clínicas, as quais, segundo a leitura psicanalítica, podem ser psicose, perversão ou neurose. A formação de cada uma delas depende de diversos fatores, como: o que cada sujeito faz com as representações reprimidas do Édipo, como ele internalizou, se internalizou a Lei Paterna (interdição do incesto e

8 O fantasma “é o efeito do desejo arcaico inconsciente e matriz dos desejos atuais conscientes e

inconscientes”. (Chemama, 1995, p. 71)

9

Forma de expressar um desejo quando se quer obter alguma coisa de alguém, na qual, desejo é diferente de necessidade. Na concepção lacaniana é o “desejo no sentido de desejo de um desejo”. (Roudinesco, 1998, p.146)

(24)

castração), se a figura materna possibilitou a entrada de um terceiro (pai) na relação (inscrição da falta), e a forma como o Pai interviu nessa relação.

Qualquer tipo de estruturação do sujeito é uma estruturação de defesa, no sentido freudiano, no sentido em que Freud fala de psiconeurose de defesa. É uma estruturação de defesa na medida em que se subjetivar, existir como sujeito, – barrado pela castração, como na neurose, ou não, como na psicose – obter algum estatuto simbólico e alguma significação, é necessário que o sujeito seja algo distinto do Real do seu corpo, algo Outro e mais do que alguns quilos de carne. Por isso, o sujeito se estrutura em uma operação de defesa. Calligaris ( 1989, p.13)

Defender-se do quê? Conforme Calligaris (1989), o sujeito se defende de ser, imaginariamente, objeto da demanda imaginária do Outro10, de perder-se como objeto de gozo do Outro. Essa operação implica uma metáfora - que a significação prevaleça sobre o significante - ou seja, que o pedaço de carne seja substituído por uma significação subjetiva. Desta forma, para nos constituirmos sujeito é necessário que haja uma demanda, mas, se permanecermos referidos à demanda somos objeto de gozo; se, porém, estivermos referidos a um saber sobre a demanda, temos uma significação que nos mantém defendidos como sujeitos. Essa operação ocorre em todos os sujeitos, o que muda, porém, é que o saber com o qual o sujeito se defende, na neurose e na psicose, não é o mesmo. O que diferencia essa construção de saber, referenciada ao Édipo, é, principalmente, a posição que o sujeito toma frente ao significante Nome-do-Pai.

2.1 Psicose

Na formação da psicose ocorre a forclusão ou rejeição completa do Nome-do-Pai, ou seja, a não inscrição deste, no inconsciente. Desta forma, a posição do psicótico permanece sendo a narcísica, na qual, não ocorrendo a entrada de um terceiro, ele não entra na relação de objeto, nem no complexo de Édipo. Seu objeto, com o qual se funde e se confunde, continua sendo a mãe, e ele o seu falo. Pela falha do Nome-do-Pai, a criança fica colada ao desejo da mãe, seu outro primordial, sem possibilidade de passagem para um Outro, o Pai.

10

“Outro” escrito com letra maiúscula, “designa um lugar simbólico - o significante, a lei, a linguagem, o inconsciente, Deus - que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora intra-subjetiva na sua relação com o desejo”. Enquanto “outro” com letra minúscula refere-se ao “outro imaginário ou lugar da alteridade especular”. (Roudinesco, 1998, p. 558)

(25)

Para que ocorra a metáfora paterna, na qual, o Nome-do-Pai (Lei) deve ficar no lugar do significante desejo da mãe, a mãe precisa fundar pela palavra, o lugar de um Outro, equivalente a Lei. Caso contrário, a criança fica aderida ao real, sem abertura para o Nome-do-Pai, que é o significante-mestre na constituição da cadeia de significantes.

Conforme Nasio (1997, p. 159): “A forclusão é a não resposta a uma mensagem ou a uma demanda proveniente de uma pessoa em posição terceira em referência à relação dual e imaginária entre o sujeito, futuro psicótico, e um semelhante apaixonadamente amado ou odiado.”

A forclusão é, portanto, o nome que a psicanálise dá à falta de inscrição no inconsciente do Nome-do-Pai (castração), que é uma experiência crucial, a qual, na medida em que é simbolizada, permite a criança assumir seu próprio sexo e tornar-se capaz de reconhecer tornar-seus limites. A falta de simbolização da castração acarreta ao psicótico a incerteza da sua identidade sexual e uma perda de sentido da realidade. Chaves (2018, p. 57) cita: “Na psicose, não há dívida, não há erros, não há culpa. O que há na psicose fora da crise é errância, é um andar repetidamente a ermo, cujo fim é a defesa face à angústia”.

A defesa na psicose, apesar de eficiente no momento, lança a pessoa num estado grave de confusão alucinatória. A representação repudiada ou abolida retornará inevitavelmente do exterior para o eu, acarretando diversas manifestações clínicas e sintomáticas próprias da psicose. Assim, os significantes forcluídos retornam de fora, pela via do real, podendo apresentar-se através de alucinações, delírios e outras manifestações. Estes, conforme Nasio (2001), equivalem aos sonhos, atos falhos e outras manifestações do inconsciente para o neurótico, nas quais o sujeito se vê surpreendido por algo (desejos) que lhe escapa à consciência. A diferença, porém, se coloca na vivência, enquanto o neurótico sabe que é seu próprio inconsciente que se apresenta ali, o psicótico tem a certeza inabalável de que é vítima de uma voz tirânica, externa ao sujeito, que o aliena. Sendo, porém, justamente a parte renegada11 da realidade que se apresenta por meio de alucinações e/ou delírios, como uma realidade substitutiva, na tentativa de uma organização psíquica. Calligaris (1989, p. 22) explica: “Um delírio é isso: o trabalho

11 Termo usado por Freud para designar o mecanismo de defesa pelo qual o sujeito se recusa a reconhecer a

(26)

de constituir uma metáfora paterna, então uma filiação e a sua relativa significação, lidando com uma função paterna não simbolizada, mas sim no real”.

2.2 Perversão

Outra saída possível de estrutura de defesa, frente às questões paradoxais do Édipo, é a perversão. Quanto à passagem edípica, conforme os tempos trabalhados por Lacan, quando a criança percebe que não é o único desejo da mãe, ela passa para o segundo tempo do Édipo, possibilitando a entrada de um terceiro (pai) na relação e fazendo aparecer a falta na criança. É esta entrada (da Lei paterna) que não ocorre na perversão. Então permanece valendo a lei da mãe, como se fosse detentora do falo, a mãe não convoca a figura paterna para que este faça ruptura na relação entre mãe e filho.

O perverso reconhece a falta, mas a denega12, age como se o falo existisse de fato no corpo da mãe, e não aceita não ser o objeto de desejo da mãe. Permanece no nível de gozo, sem conseguir ascender ao desejo. Coloca-se acima da lei, não sente culpa, não lhe importa o desejo do outro, apenas o seu. Percebe-se não castrado.

Portanto, na estrutura perversa, ocorre a inscrição do Nome-do-Pai (castração simbólica, falta) no inconsciente, sendo, porém, recusada, renegada ou desmentida, e seu afeto (angústia) transformado em um constante desafio e transgressão à lei do pai. Há um gozo na fantasia firmada na busca em renegar, ao mesmo tempo em que, reafirma a realidade da castração simbólica, na tentativa de reproduzir a satisfação pulsional completa. Conforme Chaves (2018, p. 58), “o futuro perverso joga com o pai a realidade de uma lei outra”. Para o sujeito perverso, o Pai não é castrado, mas é um pai fantasiado como completo, então, para fazer valer sua defesa, a criança desmente, nega e renega o Nome-do-Pai, apostando no gozo da usurpação do lugar paterno e da sua Lei.

Para Calligaris (1986), o perverso encontrou uma forma de reunir no fantasma (demanda do Outro), a posição fálica13 e a posição objetal14. O objeto para ele é na

12

Termo proposto por Freud, para nomear um mecanismo de defesa em que o sujeito exterioriza negativamente um desejo ou ideia que ele recalcou.

13 Lugar em que se supõe um saber, lugar do Pai na neurose, na qual, se supõe que haja ao menos um (o Pai)

(27)

verdade, instrumento, pela apropriação do saber do pai (um que saiba domar o gozo do Outro). Assim, ele não supõe o saber a um suposto sujeito, mas julga ele próprio ter o saber sobre como dominar o gozo, e também, como utilizar o objeto para fazer o outro gozar. Calligaris (1986, p.12) complementa: “...o perverso é ao mesmo tempo, o objeto que se tornou instrumento, ...e também o sujeito do saber sobre o bom uso desse instrumento.”

A perversão configura-se uma renegação ou um desmentido da castração, com uma fixação na sexualidade infantil. Restringe-se à pulsão, não reconhece nem a proibição do incesto, nem o recalque e nem a sublimação. O uso do fetiche, bem como outros mecanismos de satisfação, funciona como tentativa de encobrir a falta, porém, à medida que a recobre também a reafirma.

2.3 Neurose

Assim como a psicose e a perversão, a neurose também se constitui como defesa frente a Demanda imaginária do Outro. Em relação a dinâmica edipiana, o sujeito neurótico passa de “ser o falo” materno, num processo em que se identifica com o falo imaginário da mãe, para, pela inscrição da falta (privação, castração), ir em busca de “ter o falo” paterno, numa identificação simbólica com o pai, através da vivência da castração simbólica. O sujeito então, se submete a lei do pai.

...a aposta do neurótico é que haja “ao menos um” que saiba lidar com a Demanda do Outro, então o saber vai ter um sujeito suposto, e a problemática de defesa vai se jogar na relação (dívida, geralmente) de cada sujeito com o “ao menos um” que sabe. É nessa relação que o sujeito se constitui e obtém uma significação. (Calligaris, 1989, p. 14)

A partir do segundo tempo do Édipo é que podemos falar da entrada do Pai na relação mãe-criança, fazendo ruptura na relação dual. Esta função paterna surge de forma abrupta na realidade da criança, inserindo-a na cultura. Nesse momento ela sofre um corte, este que faz a clivagem entre inconsciente – consciente/subconsciente e acarreta o recalcamento do desejo, passando a criança do imaginário para o simbólico. No terceiro tempo, o pai, para a criança, passa de

14

(28)

privador, para representante do falo e depois num processo de identificação, passa a funcionar como um “ideal de eu” a ser alcançado.

Conforme Calligaris (1989), para o neurótico, o pai é quem sabe lidar com o desejo materno, e por isso pode decidir a “significação sexuada dos filhos”. Este saber, porém, sendo sexual, é também, parcial. Assim, o nome do pai introduz a parcialidade da satisfação de desejo. O significante Nome-do-Pai é o significante mestre na constituição da neurose, de modo que o mundo do neurótico é orientado e organizado ao redor desse pólo central, pelo qual, são medidas todas as demais significações. Na neurose, há o serviço da dívida simbólica ao pai, porque o neurótico erra e se sente culpado e em dívida para com o pai.

Nasio (2007, p. 93) teoriza que a neurose “é um sofrimento psíquico provocado pela coexistência de sentimentos contraditórios de amor, ódio, medo, e desejos incestuosos para com quem se ama e de quem se depende.” Nessa direção de pensamento, propõe que o próprio Édipo é uma neurose, já que é a vivência de um eu infantil em formação, com um “afluxo pulsional transbordante”. Ou seja, o eu da criança ainda não consegue dar conta do crescimento impetuoso de seus desejos e esforça-se em contê-los e assimilá-los. Esse processo gera uma ambivalência que perdurará e se tornará modelo das atitudes que adotará, mesmo adulto, frente aqueles que despertarem nele o desejo de ser possuído pelo outro, possuí-lo ou ainda destruí-lo.

A vivência do complexo de Édipo, ou crise edipiana, divide a criança entre alegria e angústia e não lhe deixa outra saída, a não ser, esquecer tudo e apagar tudo. A criança edipiana, seja menino ou menina, recalca suas fantasias e angústia, renuncia aos desejos incestuosos, e torna-se então, apta a conquistar outros objetos de desejo. Nesse processo, desenvolve o pudor, o sentimento de culpa, o senso moral e estabelece sua identidade de homem ou de mulher.

A neurose, portanto, se produz, a partir do mecanismo de defesa, chamado recalque. A inscrição do significante Nome-do-Pai, no inconsciente infantil, produz o recalcamento e deslocamento da representação da vivência da castração simbólica, no inconsciente, e transforma o afeto (angústia), em sintomas. Esses sintomas podem ser fobias, fenômenos somáticos ou somatizações, ideias pulsivas, dúvidas, remorsos persistentes, agressividade, ambivalência, medos, formações reativas, e/ou mecanismos ritualísticos, entre outros.

(29)

Através da diferenciação dos sintomas pode-se ter notícia do tipo de neurose com a qual o sujeito se defende. Assim temos a histeria, na qual os efeitos da castração (falta) e a formação de sintomas se revelam geralmente no corpo e a neurose obsessiva, em que esses efeitos se revelam preferencialmente no pensamento. E ainda as manifestações fóbicas, nas quais os efeitos da castração e a formação de sintomas se revelam pelo deslocamento do objeto de angústia para um animal ou coisa. Chaves (2018, p.60) pondera: “nas neuroses, goza-se dos sintomas e das fantasias ancoradas, fixadas, cristalizadas, enlaçadas aos sintomas.” Ou seja, o neurótico se defende e consegue suportar a angústia da castração, recalcando a ideia, e transformando esse afeto em outra coisa.

Desta forma, a inscrição do recalcamento do desejo no inconsciente produz os deslocamentos e substituições do desejo, dos quais nos “falam” os sintomas. Conforme Nasio (2007), a neurose é a substituição de “um gozo inconsciente, perigoso e irredutível” por um “sofrimento consciente, suportável e em última instância, redutível”.

2.3.1 Neurose obsessiva

A neurose obsessiva, conforme a teoria de Freud tem como pano de fundo, uma experiência sexual prazerosa, ocorrida na infância (na passagem edipiana). Esta, ocorrida num tempo não tão precoce, sendo relembrada mais tarde, gera desprazer. Bem como, é originária de culpa e da dúvida existencial do neurótico obsessivo: “Estou vivo ou morto?”

Nesse sentido, para o neurótico obsessivo, as primeiras relações, foram marcadas pela anulação do desejo, nas quais ele se apreendeu como objeto de desejo do Outro. Então, se vê convocado a ocupar o lugar de enigma do desejo da mãe, instalando-se nele o dilema de saber se ele é ou não, aquilo que é o desejo do Outro. Como o desejo do inconsciente (recalcado), é sempre incestuoso, o sujeito vive a anulação de seu desejo, tenta evitá-lo, tamponando a sua falta. Ao apreender o desejo do outro, isso lhe causa angústia, então como defesa recorre ao recobrimento do desejo pela demanda do Outro.

Quanto a inscrição do Nome-do-Pai, a obsessão é conforme Násio (2007, p. 97): “o retorno da fantasia de angústia de ser maltratado e humilhado pelo pai rival”.

(30)

É como se adquirisse uma dívida para com o Pai, de um crime que ele ignora qual seja. E o medo da morte, sintoma presente na neurose obsessiva, se configura em última instância um retorno da angústia de castração.

O trabalho defensivo do eu, na neurose obsessiva, consiste em separar da representação seu afeto, enfraquecendo-a. O afeto, porém, permanece na esfera psíquica, ligando-se à “falsas” representações, que dão origem a pensamentos obsessivos como: rituais, cerimoniais, precauções, desvios, e outros. Ao que diz Freud (1894, p. 59) “mas seu afeto, tornado livre, liga-se a outras representações que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa “falsa ligação”, tais representações se transformam em representações obsessivas.”

Para Nasio (1991, p. 20), a neurose obsessiva consiste, então, em sofrer conscientemente no pensamento, ou seja, “deslocar o gozo inconsciente e intolerável para um sofrimento do pensar”. Nesse caso, a carga pulsional abandona a representação dolorosa, e superinveste uma idéia consciente, instalando-se no pensamento e invadindo a vida do sujeito obsessivo.

2.3.2 Neurose Histérica

A neurose histérica, conforme Nasio (1991), é um excesso de energia que - quer seja um excedente de afeto resultante de um choque traumático (como de um abuso sexual), conforme apontava a primeira teoria de Freud, quer seja, uma angústia fantasística, proveniente do despertar espontâneo e prematuro da sexualidade infantil (na qual a criança vive uma “experiência sexual” passiva), conforme a segunda teoria ( a da fantasia) de Freud - tem sua causa principal na atividade inconsciente de uma representação superinvestida.

Segundo Nasio (1991), para Freud, a fantasia equivale a um trauma, no sentido de que, em seu núcleo há uma sexualidade excessiva, auto-erótica, e submetida a pressão do recalcamento. E a sexualidade infantil é sempre um foco inconsciente de sofrimento, pois é desproporcional aos meios limitados, físicos e psíquicos da criança, ou seja, a criança não está preparada para a intensa tensão libidinal que aflora em seu corpo, e por isso a sexualidade infantil se torna traumática e por vezes patogênica, fonte de sintomas futuros.

(31)

Escreve Nasio (1991, p. 39): “Essas formações fantasísticas que se produzem inconscientemente, isto é, sem que o sujeito saiba, constituem, portanto, a resposta psíquica obrigatória para conter o excesso de energia que é o impulso do desejo.” Nesse sentido, a fantasia dá forma à tensão desejante, a qual mesmo “temperada” pela fantasia continua sendo igualmente insuportável, passando a ser chamada de angústia fantasística. Para o autor (id/ib) “angústia é o nome que o desejo e o gozo assumem ao serem inscritos no âmbito da fantasia”.

A neurose histérica, conforme a teoria de Freud, pode ter duas configurações diferentes quanto aos sintomas, sendo histeria de conversão, quando o afeto é transformado em expressão física, e histeria de angústia, quando o afeto é transformado em angústia.

Na histeria de conversão, ocorre a conversão do gozo inconsciente intolerável em um sofrimento corporal. Conforme Nasio (1991, p. 30) “consiste na transformação da carga sexual excessiva, num influxo nervoso igualmente excessivo, que, agindo como excitante ou como inibidor, provoca um sofrimento somático.” A conversão é uma tentativa de economia libidinal, pois esse excesso de energia que passa do psíquico para o físico permanece constante e desproporcional.

Para o autor citado acima (p. 60): “A angústia de castração se converte, de um lado, num excesso de erotização do corpo não-genital, e de outro, paradoxalmente, numa inibição da sexualidade genital.” O corpo não-genital se torna o falo, no qual o próprio histérico se transforma, buscando ele mesmo ser aquilo que faltava à mãe (Outro) na fantasia de castração. Assim, o histérico se coloca uma questão sexual, a qual tenta exaustivamente responder: sou homem ou mulher?

O corpo da histeria fica superinvestido narcisicamente e objeto de seduções, é um corpo falicizado que, ao mesmo tempo em que, proporciona ao sujeito o sentimento de existir, paga o preço de estar constantemente submetido às solicitações do mundo externo, gerando múltiplos sofrimentos. A zona genital, por outro lado, fica desinvestida de afeto para preservar essa parte fantasisticamente investida, viver uma sexualidade genital satisfatória implicaria a desintegração do corpo falicizado. Para Nasio (1991), os sintomas conversivos constituem a maneira deturpada e neurótica que a histeria tem para viver sua sexualidade infantil.

(32)

Já a histeria de angústia consiste em projetar para fora, para o mundo externo, o gozo inconsciente intolerável e cristalizá-lo num elemento do ambiente, de forma que este se torna ameaçador para o sujeito (sintoma fóbico). A carga também é deslocada da representação, ficando livre, flutuante até ser projetada para fora e fixar-se num elemento externo, que pode ser a multidão, um animal, espaços fechados, etc., transformando-se no “objeto do qual o sujeito fóbico precisa fugir para evitar o aparecimento da angústia”, conforme Nasio (1991, p. 30). Assim, o sintoma fóbico consiste num trabalho psíquico que tem o objetivo de ligar novamente a angústia, que se tornou livre, ao psiquismo.

A fantasia angustiante da castração, que domina a vida psíquica na histeria, é fonte e motivo de sofrimento, mas também, é o que protege e/ou defende o sujeito, de qualquer aproximação do gozo máximo. O histérico prefere adoecer a gozar.

(33)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os aspectos que constituem o que Freud nomeou de infantil na história de cada um são justamente os aspectos que dizem respeito à estrutura psíquica. Freud, a partir de seus achados no tratamento da histeria e de sua própria análise, apresentou a teoria sexual como central na formação do homem, descobriu o inconsciente, e realçou a antecedência dos aspectos relacionais nos diversos tipos de estruturação psíquica, compondo assim a teoria psicanalítica.

O mito do Édipo é a trama que dá conta daquilo que está presente, e é pano de fundo da estruturação dos sujeitos, mas é inomeável, foi recalcado por carregar conteúdos sexuais incestuosos, libido em sua essência, de forma que foi rechaçado pela não aceitação na cultura. É essa energia sexual, da qual num primeiro momento a criança é alvo, pelos cuidados maternos e à qual é assim convocada a responder, que no período edípico ela precisa canalizar e direcionar para gozos (parciais) possíveis segundo a cultura, na qual, concomitantemente está e vai sendo inserida pela linguagem. A constituição subjetiva depende da transmissão da estrutura simbólica, no interior do ambiente familiar, através de palavras que deixam suas marcas no inconsciente de cada um.

Os três tempos lógicos do complexo de Édipo propostos por Lacan, se referem a um processo progressivo da constituição psíquica, na qual, a criança passa de um período de assujeitamento no primeiro tempo, para a construção de um eu especular no segundo, e finalmente pela ação do recalque, ocasionado pela metáfora paterna, no terceiro tempo, tornar-se sujeito (castrado), separado do outro (mãe), com possibilidade de desejar e conquistar seus próprios objetos.

Dependendo de como a criança vai vivenciar cada uma dessas etapas concernentes à passagem edípica, é que ela vai se estruturar psiquicamente. A problematização de algum aspecto dessa passagem pode ocasionar a fixação em algum tempo dessa trajetória, determinando os sintomas estruturais.

As estruturas clínicas constituem-se, portanto, organizações psíquicas decorrentes do período edípico, as quais permeiam e orientam a vida dos sujeitos, no que diz respeito à forma de se posicionar frente ao desejo e a demanda. A clínica psicanalítica tem demonstrado que a demanda do desejo de cada um se manifesta conforme a estrutura psíquica em questão.

(34)

Assim, no que diz respeito às possíveis formações de estrutura clínica, podemos ter a estrutura psicótica, na qual não há reconhecimento da castração, e como defesa, para não se deparar com o desejo, o qual o ego não pode suportar, ocorre a formação de alucinações e delírios. Temos também a estrutura perversa, na qual ocorre a inscrição da castração, porém, o sujeito a denega, defendendo-se com fetiches e outros desvios relacionados à satisfação sexual. E temos ainda a neurose, na qual o sujeito reconhece a castração, porém recalca a representação, deslocando a energia pulsional para outras representações, formando sintomas, que equivalem a satisfações substitutivas.

A relevância em conhecer o processo de constituição/formação das estruturas clínicas, através da travessia edípica, está no seu desencadeamento, ou seja, naquilo que diz respeito e baseia a estrutura da clínica: a etiologia, a semiologia, a diagnóstica e a terapêutica. Ao que justifica Dunker:

...não podemos simplesmente nos apoiarmos em uma estrutura sem fenômeno ou em uma fenomenologia sem estrutura. ...há um antes e um depois do sintoma, há um antes e um depois do surto. Um ponto que faz convergir, portanto a historicidade e a a-historicidade da estrutura. (Dunker, 2006, p. 130)

Compreende-se que devido a abrangência de possibilidades e complexidade na qual se efetiva a estruturação do sujeito, através do complexo de Édipo, e seus infindáveis desencadeamentos clínicos, esta pesquisa se constitui uma abordagem parcial e limitada, com inúmeras possibilidades de ampliação e aprofundamentos no assunto.

(35)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALLIGARIS, Contardo. Introdução a uma clínica diferencial das psicoses. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. 125p.

______. Perversão – Um Laço Social. Salvador: cooperativa Cultural J. Lacan, 1986. Disponível em: <http://lacanempdf.blogspot.com/2017/12/perversao-um-laco-social-contardo.html>. Acesso em 21 de outubro de 2019.

CAMPOS, Dulce. O Édipo e as estruturas clínicas (no seminário 5 de Lacan). In:

www.intersecçãopsicanalítica.com.br . Disponível em:

<http://www.interseccaopsicanalitica.com.br/int-biblioteca/DCDantas/Dcampos_edipo_estr_clin_upld.pdf>. Acesso em 18 de outubro de

2019.

CHAVES, Messias Eustáquio. Estruturas clínicas em psicanálise: um

recorte. Reverso, Belo Horizonte, v. 40, n. 76, p. 55-62, dez. 2018. Disponível em:

<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-73952018000200007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 19 outubro de 2019.

CHEMAMA, Roland. Dicionário de psicanálise. Trad. Francisco Franke Settinere. – Porto Alegre: Artes Médicas Sul. 1995.

DUNKER, Christian Ingo Lenz. Estruturas clínicas e constituição do sujeito. In: O

que a psicanálise pode ensinar sobre a criança, sujeito em constituição /

[organização de] Leda Mariza Fischer Bernardino – São Paulo: Escuta, 2006, p. 121-139.

FREUD, Sigmund. (1894) As neuropsicoses de defesa. In:_____. Edição Standard

Brasileira das obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. III. Rio de

Janeiro: Imago. 1996. P.49-72.

______. (1924) A dissolução do Complexo de Édipo. In:_____. Edição Standard

Brasileira das obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XIX. Rio

de Janeiro: Imago. 1996. P.191- 201.

______. (1925) Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos. In:_____. Edição Standard Brasileira das obras Psicológicas Completas

de Sigmund Freud, vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago. 1996. P.273-291.

GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o inconsciente (1936). 2.ed. - Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

GOMES, Adriana de Araújo et al. Algumas questões relativas à neurose obsessiva.

Revista Kaleidoscópio. Vol.1 Disponível em:

<http://www.unileste.edu.br/kaleidoscopio/artigos/volume1/Algumas%20questoes%2 0relativas%20a%20neurose%20obsessiva%20(FINOTTI_GOMES_MIRANDA_PED ROSA_SOUZA).pdf

(36)

Acesso em 6 de novembro de 2019.

LACAN, Jacques. Sobre o complexo de Édipo (cap. XII). In:_____. O seminário 4: a relação de objeto. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; tradução Dulce Duque Estrada. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995. P. 203-219.

______. Sobre o complexo de Castração (cap. XIII). In:_____. O seminário 4: a relação de objeto. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; tradução Dulce Duque Estrada. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995. P. 220-236.

______. Os três tempos do Édipo (cap. X e XII). In:_____. O seminário 5: as

formações do inconsciente (1957-1958); texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; [tradução de Vera Ribeiro; revisão de Marcus André Vieira}. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. P. 185-220.

MACEDO, Andressa Luiza Cattaneo. Estruturas clínicas: reflexões sobre o papel do complexo de Édipo na formação das estruturas. Trabalho de conclusão de curso - Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação da UNIVALI, Biguaçu, 2009, 35p. Disponível em:

<http://siaibib01.univali.br/pdf/Andressa%20Luiza%20Cattaneo%20Macedo.pdf > Acesso em 12 de outubro de 2019.

MEDEIROS, Melania Salete; MARIOTTO, Rosa Maria Marini. O tempo de constituição do sujeito. In: O que a psicanálise pode ensinar sobre a criança,

sujeito em constituição / [organização de] Leda Mariza Fischer Bernardino – São

Paulo: Escuta, 2006, p.43-55.

NASIO, Juan David. Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

______. A Histeria: teoria e clínica psicanalítica. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed. 1991. (Coleção Transmissão da psicanálise).

______. Lições sobre os 7 conceitos cruciais da psicanálise. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed., 1997.

______. Os grandes casos de psicose. Sob a direção de J.D.Nasio; com a

colaboração de , Annie-Marguerite Arcangio-li...[et al.];tradução Vera Ribeiro; revisão técnica, Marco Antonio Coutinho Jorge. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed., 2001.

NOCCHI, Rodrigo Figueiredo. A estrutura do complexo de Édipo em Freud e

Lacan. Monografia de Conclusão de curso- Universidade Federal do Rio de Janeiro-

UNIRIO. Rio de Janeiro, 2010, 44 p. Disponível em:

<http://www2.unirio.br/unirio/cchs/educacao/graduacao/pedagogia-presencial/RodrigoFigueiredoNocchi.PDF>

Roudinesco, Elisabeth, 1944 - Dicionário de Psicanálise. Elisabeth Roudinesco, Michel Plon; tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasileira Marco Antonio Coutinho Jorge. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

Referências

Documentos relacionados

Entre as atividades, parte dos alunos é também conduzida a concertos entoados pela Orquestra Sinfônica de Santo André e OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São

Supondo que a fração volumétrica dos carbonitretos finos (precipitados e crescidos durante o tratamento termomecânico na austenita, durante a transformação γ→α ou na ferrita)

Um levantamento realizado com potenciais adotantes da tecnologia, seguido de uma simulação dinâmica, permitiu avaliar como a introdução do modelo de negócio PSS

Polinices foi à Ática para implorar o apoio de seu pai, pois seu irmão não queria respeitar vez o rodízio de poder em Tebas?. Creonte também vai a

Embora amostras gonadais e embriões sejam os bancos biológicos de primeira escolha para o desenvolvimento de estratégias in vitro de conservação, células e tecidos somáticos

Como é o procedimento para o vôo duplo instrucional de Parapente ou Asa Delta Para a realização do voo duplo como sua primeira aula de voo, tanto parapente quanto asa delta,

Com o objetivo de analisar a ressocialização de detentos por meio da religião, concluímos a partir dos dados especificados acima que sim, a religião interfere de

Parque Linear do Córrego Grande, apoiando assim, o seu projeto de implantação e implementação (ANEXO B). Para alcançar o objetivo geral, o presente estudo terá