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Dolo eventual e culpa consciente nos crimes de trânsito

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

CÉSAR CRISTIANO HAMERSKI

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TRÂNSITO

Santa Rosa (RS) 2014

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CÉSAR CRISTIANO HAMERSKI

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TRÂNSITO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DEJ- Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientadora: MSc. Lurdes Aparecida Grossmann

Santa Rosa (RS) 2014

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Dedico este trabalho a minha esposa pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, por todo amor, carinho, paciência, palavras de conforto, compreensão e ajuda ao longo dos anos. Pelas oportunidades que na vida me foram dadas, sabendo que muitas vezes renunciaram aos seus próprios sonhos em favor dos meus, fornecendo-me condições para fornecendo-me tornar a pessoa que sou.

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A minha orientadora, professora Lurdes Grossmann, pela cuidadosa orientação, destacando que sem ela tudo se tornaria muito mais difícil.

A Deus que iluminou meus pensamentos para a produção desta pesquisa proporcionando-me tranquilidade e fé na realização de tão sério e delicado trabalho.

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“ Bom mesmo é ir a luta com determinação, Abraçar a vida e viver com paixão,perder com classe e vencer com ousadia, pois o triunfo pertence a quem mais se atreve. E a vida é muito para ser insignificante. “ Charles Chaplin

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica tem o escopo de analisar o fenômeno da violência no trânsito na sociedade brasileira contemporânea, avaliando como categorias da teoria do delito como o dolo eventual e a culpa consciente são aplicadas aos crimes de homicídio e lesões corporais praticadas na direção de veículo automotor, juntamente com o clamor da sociedade que recai sobre o tema. O trabalho também busca esclarecer o conceito da conduta penalmente punível, analisando o dolo e culpa na estrutura do delito, bem como apresentar o entendimento doutrinário sobre a estrutura do crime doloso e do crime culposo e de seus elementos, para vir a facilitar o entendimento de sua aplicabilidade em relação aos crimes praticados na direção de veículo automotor. Também traz comentários da nova Lei 12.971/14 referente às inovações relativas aos crimes de trânsito.

Palavras-chave: Direito Penal. Dolo eventual e culpa consciente na aplicação ao Código de Transito Brasileiro.

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ABSTRACT

This monographic research work has the scope to analyze the phenomenon of road rage in contemporary Brazilian society, evaluating how the theory of the crime categories as the eventual intention and conscious guilt are applied to homicide and physical injuries committed crimes toward motor vehicle along with the clamor of society that rests on the topic. The paper also attempts to clarify the concept of criminally sanctionable conduct, deceit and guilt analyzing the structure of the offense, as well as presenting the doctrinal understanding of the structure of a felony and culpable crime and its elements to come to facilitate the understanding of their applicability in relation to crimes committed in the direction of a motor vehicle. Comments also brings the new Law 12,971 / 14 relating to innovations relating to traffic offenses.

Keywords: Criminal Law. Eventual intention and guilt conscious in applying the Brazilian Traffic Code.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...08

1 CONSIDERAÇÕES GERAIS A CERCA DO TRÂNSITO NO BRASIL...11

1.1 A legislação de trânsito no Brasil...11

1.2 O Interesse Público na Organização e Segurança do Trânsito...12

2 DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TRÂNSITO...17

2.1 A problemática dos acidentes e os efeitos do álcool...17

2.2 Aspectos doutrinários: distinção entre dolo eventual e culpa consciente... 21

3.0 O ENQUADRAMENTO NO CP OU NO CTB APARTIR DA ANALISE DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE E A NOVA LEI DE Trânsito...

...

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3.1Comentários às inovações relativas aos crimes de trânsito...30

CONCLUSÃO...39

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INTRODUÇÃO

Sem dúvida alguma, a invenção por parte do homem dos veículos automotores, tecnologicamente falando, representa um dos maiores avanços da história da humanidade, em face da praticidade que este meio de transporte oferece para que os cidadãos possam se deslocar aos mais diversos lugares do globo terrestre em um intervalo de tempo menor.

Para a realização desse trabalho será pesquisado o porque que o Judiciário está denunciando alguns casos de crimes de trânsito em Dolo Eventual e não na Culpa Consciente? Existe Diferença em Dolo Eventual e Culpa Consciente nos crimes de Trânsito? A nova Lei 12.971/14 trás a solução para esses dois enquadramentos no CTB?

Poderemos perceber que não há um consenso entre os doutrinadores do Direito acerca de tão delicado assunto no que tange o dolo eventual e culpa consciente nos crimes de trânsito, contudo a prática jurisdicional tem-se mostrado adepta a aplicação da Culpa Consciente na maioria dos casos.

Motivado pela realidade gritante do trânsito na sociedade atual, onde vidas são ceifadas anualmente nas estradas brasileiras ocasionadas por uma atitude descuidada, negligente ou imprudente de motoristas que arriscam suas próprias vidas e as de outrem o legislador brasileiro, com o objetivo de diminuir bem como penalizar aqueles que cometem acidentes de trânsito, criou em 23 de setembro de 1997, a Lei nº 9503, Código de Trânsito Brasileiro, o qual traz seu bojo às questões que se relacionam ao trânsito brasileiro. Em alguns de seus artigos encontram-se

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tipificadas os crimes cometidos pelos usuários das vias terrestres brasileiras, mais precisamente nos artigos 302 à 312 do Código de Trânsito Brasileiro.

A natureza jurídica e as causas dos Crimes de Trânsito são pertinentes à homicídio culposo (art. 302, CTB); lesão corporal culposa (art. 303, CTB); omissão de socorro (art. 304, CTB); fuga do local do acidente (art. 305, CTB); embriaguez ao volante (art. 306, CTB); violação da suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor (art. 307,CTB); disputa ou competição automobilística não autorizada (art.308, CTB); direção sem habilitação (art. 309, CTB); permissão ou entrega temerária da direção de veículo a determinadas pessoas (art. 310, CTB); velocidade incompatível (art. 311, CTB); fraude processual (art. 312, CTB); refletindo, criticamente, a respeito dos processos de tipificação destas infrações, ou seja, de adequação do fato concreto ao modelo legal.

Ao provocar um acidente de trânsito o qual resulte em morte ou lesão corporal de outra pessoa, o condutor do veículo comete um crime, uma vez que agride a integridade física de um terceiro. Ao cometer este delito, o cidadão deverá sofrer sanções, dado que está ferindo o corpo social.

Assunto de suma importância e que se encontra longe de um entendimento no meio doutrinário e que venha representar consenso, é a dúvida que paira sobre a existência de dolo eventual e culpa consciente nos acidentes (crimes) de trânsito.

Na seara do Direito Penal há duas figuras muito tênues, cuja limitação é de fácil confusão. De um lado, o dolo eventual, momento em que o sujeito pratica a ação sabendo de um possível resultado danoso, mas, mesmo assim continua agindo assumindo tal resultado, e de outro a culpa consciente cuja diferenciação está na não aceitação deste resultado.

Com essa motivação, esse trabalho tem por objetivo classificar essas teorias, buscando traçar um limite entre dolo eventual e culpa consciente, através da opinião de doutrinadores e da jurisprudência.

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Em outro momento, buscar-se-á falar sobre crimes dolosos e culposos, e suas qualificações e por fim, apresentar os comentários às inovações relativas aos crimes de trânsito com as alterações na Lei 12.971/14.

O presente trabalho de conclusão utiliza o método dedutivo e a pesquisa bibliográfica.

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1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO TRÂNSITO NO BRASIL

Nesse primeiro capítulo analisar-se-á a legislação de trânsito no Brasil e o interesse público na organização e segurança de trânsito.

1.1 A legislação de trânsito no Brasil

Há pouco mais de cem anos era instituído no Brasil o primeiro regulamento sobre trânsito. O Decreto nº 8.324, de 27 de outubro de 1910, que dispunha sobre o serviço subvencionado de transportes de passageiros ou mercadorias por meio de automóveis, inaugurou no direito positivo algumas regras primordiais que limitavam os direitos dos “senhores da velocidade”, como foram denominados pela norma os condutores de veículos.

Por disciplinar matéria tão importante, a legislação de trânsito está situada no âmbito do direito público, uma vez que suas regras são estabelecidas pelo Estado que, por sua vez, impõe a todos o seu cumprimento. A relação do Direito de Trânsito se dá, principalmente, com o Direito Administrativo e com o Direito Penal. O aspecto administrativo compreende: medidas para registro e licenciamento de veículos; procedimentos para habilitação de condutores; definição de infrações de trânsito e suas respectivas penalidades, dentre outros. O aspecto penal está presente em capítulo específico sobre os crimes de trânsito.

Na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 22, foi estabelecida a competência privativa à União para legislar sobre trânsito e transporte. Nesse momento, ainda vigorava no Brasil o Código Nacional de Trânsito de 1966 (Lei nº 5.108/66), uma norma que já exigia atualização. Os veículos automotores passaram a ser fabricados com motores cada vez mais potentes; novos itens e acessórios foram implementados; a engenharia de tráfego passou a utilizar equipamentos mais modernos; enfim, o avanço tecnológico no século XX percorreu passos bem mais rápidos do que a legislação correspondente.

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Altamiro J. dos Santos elogia o CTB de 1997, elevando-o ao posto de valioso instrumento de proteção à vida e à integridade psicofísica do ser humano. Cita também um dado relevante sobre o novo código: no primeiro ano de sua vigência

(1998), a redução de acidentes em relação ao ano anterior foi de 35%, e de mortes chegou a 31% (SANTOS, 2003, p. 35).

Lamentavelmente, após certo tempo da edição de uma nova norma, existe uma tendência de queda nos níveis de obediência, impulsionada principalmente pela deficiência do Estado em detectar as infrações cometidas pelos condutores, como apresentam Bottesini e Nodari (2011, p. 81). Por isso acredita-se que os efeitos do novo CTB foram passageiros em relação à redução das taxas de acidentes (sentidos apenas nos três ou quatro anos iniciais de sua vigência).

1.2 O interesse público na organização e segurança do trânsito

O Estado, como tutor máximo da coletividade, exerce, além de sua função legislativa, a função executiva ou administrativa. Não basta a edição de normas jurídicas e o estabelecimento de regras gerais: é primordial que haja, no Estado Democrático de Direito, o fiel cumprimento destas regras por parte de todos, com o fim de subsidiar a ordem pública.

Em seu artigo 1º, o CTB afirma que “o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito”. Foi atribuída ao Estado, portanto, a responsabilidade de não apenas organizar abstratamente o trânsito – expedindo normas e regulamentações –, mas também de participar ativamente da promoção desta segurança almejada pelo legislador.

As normas protetivas do direito de segurança no trânsito não são encontradas apenas na legislação específica. Conforme afirma Damásio de Jesus, “a segurança dos cidadãos é tutelada pela nossa Constituição Federal (art. 5º, caput), incluindo a tutela da incolumidade pública no trânsito.” (2000, p. 11). Ou seja, o dever do Estado

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nasce no próprio texto constitucional, irradiando-se pelas leis e normas infraconstitucionais até a execução de suas atividades finalísticas, através da fiscalização de trânsito e outras medidas previstas em lei.

Nessa relação entre o poder público e a sociedade, o direito das pessoas de circularem com segurança e a conseqüente responsabilidade estatal na questão estão acertadamente demonstrados por Eduardo Alcântara de Vasconcellos.

O mesmo artigo [1º, CTB] enfatiza a responsabilidade, ao afirmar que “órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito respondem [...] por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito ao trânsito seguro”. Paralelamente, o código ainda afirma que os órgãos de trânsito respondem pela falta, insuficiência ou incorreta colocação da sinalização (artigo 90, § 1º). Todas essas determinações deixam clara uma mudança profunda nas relações entre governo e sociedade: as pessoas têm o direito de circular em segurança e os órgãos responsáveis pelo trânsito podem ser processados se não assegurarem esse direito. (VASCONCELLOS, 2005, p.9)

O interesse estatal por um normal funcionamento do trânsito, em todas as esferas, representa o caráter público desta temática, já que a coletividade é titular deste direito que, como expresso por Damásio de Jesus, traduz-se inclusive em uma atividade vinculada do Estado, uma obrigação deste para com todos (2000, p. 12). Por isso, afirma também o citado jurista, em relação aos danos causados no trânsito, que “antes de haver lesão a um bem particular, como a vida ou a incolumidade física da pessoa, o fato atinge a coletividade” (DAMÁSIO JESUS, 2000, p. 16). Portanto, cabe ao Estado promover direitos que protejam os indivíduos contra eventuais violações por parte de terceiros (SILVA, 2008, p. 146)

Quando ocorre um desequilíbrio nessa balança (segurança versus insegurança), refletida, por exemplo, em um aumento de acidentes e vítimas no trânsito, cabe ao Estado adotar todas as medidas cabíveis, dentro dos princípios gerais admitidos em Direito, para proteger seus cidadãos. Por conseguinte, não se pode esperar outra atitude do Estado senão a de buscar, através dos meios legais e regulares, a proteção da coletividade.

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Muitos autores ressaltam, contudo, que o dever de promover organização e segurança em um espaço público, amplo e compartilhado – todas as vias terrestres abertas à circulação – não pode ser atribuído unicamente ao Estado. A norma estabelece as regras e procedimentos a serem adotados por todos, impondo sanções ao descumprimento de seus dispositivos, mas ela por si só não é suficiente.

Por isso, aos condutores de veículos são exigidos atenção e todos os cuidados indispensáveis à segurança no trânsito – o que determina a abstenção de medidas que possam colocar terceiros em risco. Nesse sentido:

Os atores sociais do trânsito devem ter presente, sempre, que a convivência entre eles no cenário das vias terrestres não será possível se não respeitarem às normas de circulação e de conduta bem como as demais definidas no CTB, que devem estar sempre acima dos instintos pessoais, porque do contrário tornar-se-ia insuportável o convívio[...] (SANTOS, 2003, p. 91)

Gorboly Laiber ressalta que tal direito representa igualmente uma obrigação, “pois a segurança do trânsito depende, logicamente, de uma participação de toda a sociedade” (2007, p. 25). Bottesini e Nodari afirmam que a legislação de trânsito contribui para a segurança no trânsito na medida em que determina como os motoristas devem se comportar (2011, p. 81).

O ser humano é um ser social. E essa sociabilidade exige a convivência e a harmonia social. A convivência e harmonia social “exigem respeito às normas de Direito que impõem a linha de comportamento de cada pessoa, in casu, perfeita sintonia com as normas jurídicas de trânsito”. (SANTOS, 2003, p. 63).

Uma breve reflexão quanto à necessidade de harmonia social traz consigo a idéia de que, no trânsito, devem ser atribuídos a seus atores – condutores, pedestres, ciclistas – mais deveres do que direitos, pois havendo inúmeras variáveis envolvidas no trânsito, a segurança deste é prevista como um direito coletivo (LAIBER, 2007, p. 25). Portanto:

Os interlocutores sociais do trânsito devem refletir e policiar suas ações ou omissões, normalmente comandadas pela própria vontade de cada um, quando pensar em utilizar o cenário das vias terrestres, não só quanto aos seus direitos, mas, também, quanto aos seus deveres [...]. (SANTOS, 2003, p. 117)

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No Manual de Direção Defensiva do DENATRAN são enunciados quatro princípios importantes para o bom relacionamento e a convivência social no trânsito: a) a dignidade da pessoa humana, de onde derivam os demais direitos humanos; b) a igualdade de direitos, tendo a equidade como fundamentadora da solidariedade; c) a participação, convidando toda a sociedade a organizar-se em torno dos problemas no trânsito; d) a co-responsabilidade pela vida social, que diz respeito à atitudes e comportamentos necessários à segurança no trânsito.(2005, p. 8).

Havendo comprovado o interesse de todos por uma efetiva segurança no trânsito, resta olhar a questão sobre como o Estado pode atuar para organizar e sistematizar tão complexo tema. Como resposta, os doutrinadores discorrem sobre um dos poderes do Estado, o “poder de polícia”, que surge como instrumento garantidor dos direitos dos cidadãos em um regime democrático de Direito (VITTA, 2010, p. 30).

Celso Antônio Bandeira de Mello, define o poder de polícia como a atividade estatal que condiciona “a liberdade e a propriedade, ajustando-as aos interesses coletivos” (2010, p. 822). Seu principal objetivo é estabelecer os contornos que os particulares devem observar em respeito à coletividade e aos direitos de terceiros. Mello expõe que “a utilização de meios coativos por parte da Administração [...] é uma necessidade imposta em nome da defesa dos interesses públicos”. (2010, p. 843).

Heraldo Garcia Vitta, defende que o poder de polícia “limita, condiciona, contende o comportamento dos indivíduos, obrigando-os a não fazer (dever de abstenção)” (VITTA, 2010, p. 35). Carolina G. Salomão, por sua vez, traz uma percepção do poder de polícia aplicado ao trânsito, reforçando que o alto potencial de dano, decorrente da condução de um veículo automotor, legitima a imposição de condições ou a ampliação dos limites penais e administrativos para tutelar de modo mais eficiente a incolumidade pública (2009, p. 10).

Celso Antônio Bandeira de Mello, tratando da questão da supremacia dos interesses públicos, reforça o poder do Estado em impor determinados atos a todos:

Como expressão desta supremacia, a Administração, por representar o interesse público, tem a possibilidade, nos termos da lei, de constituir

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terceiros em obrigações mediante atos unilaterais. Tais atos são imperativos como quaisquer atos do Estado. Demais disso, trazem consigo a decorrente exigibilidade, traduzida na previsão legal de sanções ou providências indiretas que induzam o administrado a acatá-los. Bastas vezes ensejam, ainda, que a própria Administração possa, por si mesma, executar a pretensão traduzida no ato, sem necessidade de recorrer previamente às vias judiciais para obtê-la. É a chamada auto-executoriedade dos atos administrativos. Esta, contudo, não ocorre sempre, mas apenas nas seguintes duas hipóteses: a) quando a lei expressamente preveja tal comportamento; b) quando a providência for urgente ao ponto de demandá-la de imediato, por não haver outra via de igual eficácia e existir sério risco de perecimento do interesse público se não for adotada. (MELLO, 2010, p. 96).

Percebe-se, através dessa leitura, que o Estado pode – e deve – impor a todos, utilizando-se do poder de polícia a ele inerente, restrições e limitações nos mais diversos segmentos da vida em sociedade, tendo em vista um fim público que se firme na necessidade de proteção à coletividade. Em um Estado de Direito, todos os cidadãos, bem como o próprio Estado, devem submeter-se à ordem jurídica por ele mesmo criada (MAFFINI, 2006, p. 42).

Do ponto de vista jurídico, ressalte-se, será sempre necessária a observância simultânea de dois aspectos, indispensáveis para evitar que o poder de polícia seja eivado de vício: a) a necessidade da medida restritiva imposta pelo Estado (fins); b) a obediência do Estado às leis e normas gerais, sob pena de incorrer em ilegalidade ou abuso de poder (meios).

Assim sendo, após a análise dos aspectos gerais entre o interesse público na organização e segurança do trânsito, no próximo capítulo adentrar-se á sobre o dolo eventual e a culpa consciente nos delitos de trânsito, bem como as particularidades que os envolvem, sabendo que entre ambas há uma faixa de vizinha que muito se faz confundi-las.

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2 DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TRÃNSITO

No próximo capítulo analisar-se-á a o impacto na influência do álcool nos crimes de trânsito e o reconhecimento da doutrina e jurisprudência do dolo eventual em alguns crimes praticados na direção de veículo.

Cabe invocar os citados dispositivos uma vez que os mesmos ensejam uma discussão sobre a incidência da culpa consciente ou do dolo eventual nos mesmos, o que mudaria a capitulação do tipo previsto no Código de Trânsito para o do Código Penal.

2.1 A problemática dos acidentes e os efeitos do álcool no trânsito

De todos os problemas inerentes ao trânsito moderno (aumento da frota, congestionamentos, falhas na sinalização, má educação dos condutores, dentre outros), sem dúvida os acidentes são os mais graves, pois além de causarem danos materiais – ao veículo, à via e às propriedades públicas e privadas – também ceifam milhares de vidas todos os dias.

Embora o Código de Trânsito Brasileiro assegure que a segurança no trânsito é direito de todos, verifica-se que a violência nesta área já ultrapassa números aceitáveis: no mundo todo, os acidentes de trânsito são a décima causa geral de mortalidade, resultando anualmente em 1,2 milhões de mortos e de 20 a 50 milhões de feridos (LEYTON; PONCE; ANDREUCCETTI; 2009, p. 165).

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, os custos anuais com acidentes de trânsito no Brasil ultrapassam hoje os R$ 27,7 bilhões, incluídos os custos decorrentes das perdas materiais e humanas. O país é o quinto colocado no mundo em número de acidentes, com 35,1 mil mortes em 2007, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.(DENATRAN, 2014).

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Tal situação afeta a sociedade como um todo, principalmente no aspecto econômico, na saúde e na segurança pública. Nos casos de países em desenvolvimento, o custo resultante dos acidentes de trânsito podem chegar a 2% do seu produto interno bruto (LEYTON; PONCE; ANDREUCCETTI; 2009, p. 165).

A violação do dever de atuar em sintonia com as normas do Direito de Trânsito resulta num mal com tal magnitude que preocupa autoridades e operadores do SNT – Sistema Nacional de Trânsito, bem como, técnicos juristas, sociólogos, engenheiros de tráfego, psicólogos, psiquiatras, economistas, administradores, comunicadores, médicos, odontólogos e outros cientistas, todos na procura difícil de um remédio para prevenir ou resolver o mal dos acidentes de trânsito no Brasil. (SANTOS, 2003, p. 98-99).

Diante deste cenário tão preocupante, o Estado deve atuar, através de seus órgãos especializados, na busca contínua pela redução de acidentes, adotando todas as medidas legais que sejam necessárias. Em síntese, o Estado não pode ser omisso em sua obrigação de legislar e, muito menos, em aplicar suas normas, mormente as de caráter coletivo e protetivo – revestidas de uma razão de ser juridicamente relevante.

Dentre os fatores que influenciam no desempenho e no comportamento dos motoristas, gerando riscos de acidentes de trânsito, o uso do álcool é um dos mais freqüentes e perigosos, pois reduzem temporariamente a capacidade de percepção e atenção do indivíduo (BOTTESINI, NODARI, 2011, p. 79). Seus efeitos no organismo humano afetam o sistema nervoso central, diminuindo drasticamente a discriminação sensitiva e o desempenho intelectual e motor. Portanto, uma tarefa complexa tal como dirigir um veículo, fica prejudicada (LAIBER, 2007, p. 37).

Um dos primeiros trabalhos científicos, que serviu como parâmetro inicial para os índices de alcoolemia no trânsito, foi realizado em Michigan, nos Estados Unidos da América (EUA), em 1962. Teve como importante contribuição o estabelecimento da forte relação entre o uso do álcool e os acidentes de trânsito naquele país. Na Grã-Bretanha, durante a década de 70, alguns estudos sobre o tema foram utilizados em comparação com os números de acidentes com mortes e nos

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acidentes com feridos, três meses após novas leis de trânsito serem implementadas (PAULA; PECHANSKY; MACHADO, 2010, p.21).

Mesmo após a implantação do novo CTB, em 1997, o comportamento de muitos condutores em dirigir após beber se manteve: verificou-se que cerca de metade das vítimas analisadas apresentavam álcool no sangue em média quatro vezes superior ao máximo permitido (LEYTON; PONCE; ANDREUCCETTI; 2009, p. 168). Luiz Arthur Montes Ribeiro afirma:

O consumo de álcool por homens e mulheres tem sido objeto de estudos em todo o mundo e, no Brasil, isto não é diferente, uma vez que os motoristas alcoolizados têm sido grandes causadores de acidentes de trânsito. O uso de bebidas alcoólicas, por motoristas, além de expô-los constantemente ao perigo, expõe os demais condutores e pedestres a uma situação de insegurança nas vias públicas. Os mais recentes estudos e estatísticas brasileiros apontam que 75% dos acidentes automobilísticos com vítimas fatais envolveram pessoas alcoolizadas [...]. (RIBEIRO, 1998, p.26).

Em uma análise mais crítica desta questão, infere-se que não se pode atribuir unicamente ao álcool a culpa pelos índices elevados de acidentes, pois estes raramente tem apenas um fator como causa, decorrendo geralmente de duas ou três causas concomitantes (VASCONCELLOS, 2005, p. 84-85). Contudo, o autor afirma:

A presença de álcool no sangue de grande parte das pessoas acidentadas tem sido registrada em vários estudos; no estudo da ABDetran, realizado com 865 vítimas de acidentes em Recife, Salvador, Brasília e Curitiba em 1997, 61% das vítimas tinham algum álcool no sangue, sendo que 27% tinham níveis de álcool superiores ao limite permitido pelo CTB. (VASCONCELLOS, 2005, p. 85).

Mesmo sem apresentar dados estatísticos, Eduardo Luiz Santos Cabette endossa os riscos que o álcool oferece a todos os participantes do trânsito, reforçando que é uma situação “clara e evidente de perigo que constitui a direção sob efeito de álcool ou de substâncias psicoativas”. (CABETTE, 2009, p. 50).

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É preocupante o fato de que o álcool é a droga preferida dos brasileiros, representando 90% das internações por dependência de drogas (LAIBER, 2007, p. 35). O acesso ao álcool é muito amplo: estabelecimentos comerciais e alimentícios

oferecem uma vasta oferta de bebidas alcoólicas. Em contrapartida, o alcoolismo é a terceira doença que mais mata no mundo. Mais de 350 doenças, físicas e psiquiátricas, são causadas pela ingestão dessa substância (LAIBER, 2007, p. 35).

Os impactos do consumo de álcool também se estendem, numa visão macro, à esfera econômica de todo o país. Os custos com o uso do álcool oneram os cofres públicos e decorrem, principalmente: da perda da saúde dos usuários do álcool; da perda de produtividade das vítimas lesionadas ou mortas em acidentes e homicídios; dos custos médicos envolvidos no socorro e tratamento das vítimas; dos danos causados à propriedade, pública e privada, e outros. “Todos esses custos são de 20 difícil mensuração, mas de impacto real e significativo sobre o desenvolvimento sustentável de um país ou região.” (PORTO JÚNIOR et al., 2010, p. 35)

Justamente por ser prática comum no Brasil o consumo de bebidas alcoólicas, aliada à facilidade de acesso ao álcool (nas cidades e nas rodovias), o trânsito é diretamente afetado pois um grande número de condutores, diariamente, potencializam os riscos de ocorrerem acidentes, sedimentando uma clara contradição: se por um lado há o desejo de todos por um trânsito seguro e incólume, por outro seus próprios atores (condutores) põem em risco o mesmo bem que pretendem proteger. Em importante declaração de Gorboly Laiber:

Percebe-se então uma real dicotomia: ao mesmo tempo em que consumo de bebida alcoólica é permitida no seio social, as tragédias (conseqüência) provocadas por condutores embriagados (causa) são abominadas por essa mesma sociedade. (2007, p. 36).

Com o fim de reduzir acidentes e vítimas no trânsito, há atualmente uma tendência no mundo em reduzir os níveis máximos de alcoolemia permitidos. Nos EUA já existe uma pressão pública para diminuir o índice de 0,8g para 0,5g de álcool

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por litro de sangue, enquanto na Suécia e Noruega o limite é de 0,2 g/l (LEYTON; PONCE; ANDREUCCETTI; 2009, p. 166).

Neste aspecto, no Brasil, a Lei nº 11.705/2008 é um exemplo de legislação rigorosa que, aliada à políticas de fiscalização e controle, vieram contribuir para a redução dos acidentes e males causados pelo álcool (DUARTE; STEMPLIUK, 2010, p. 18). Nesse contexto, o Brasil foi alçado a uma “posição de vanguarda em relação à implementação de políticas públicas sobre o álcool” (DUARTE; STEMPLIUK, 2010, p. 18), atuando não apenas na área do trânsito como em outros meios sociais.

2.2 Aspectos doutrinários: distinção entre dolo eventual e culpa consciente

Neste instante faz-se importante a distinção entre estas duas figuras que compõe a tipicidade do delito: dolo eventual e culpa consciente, levando-se em conta que inúmeras vezes há confusão no que concerne à identificação ou reconhecimento de cada um deles, fato que por si só pode trazer consequências gravíssimas para o autor de um delito de trânsito, pois dependendo da capitulação dada pelo magistrado ao fato, a repressão estatal se manifestará de forma mais ou menos severa a uma mesma conduta praticada pelo autor, a qual poderá se dar através de diferentes formas de penalizações que a lei prevê, dentre elas penas privativas de liberdade.

Bitencourt (2002, p. 232) esclarece nos seguintes termos:

Os limites fronteiriços entre dolo eventual e culpa consciente constituem um dos problemas mais tormentosos da Teoria do Delito. Há entre ambos um traço comum: a previsão do resultado proibido. Mas, enquanto no dolo eventual o agente anui ao advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo em vez de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, repele a hipótese de superveniência do resultado, na esperança convicta de que este não ocorrerá.

No dolo eventual o agente assume o risco e, mesmo sem desejar resultado, admite, consente com sua realização.

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Na prática, a prova se faz de maneira complexa, por exemplo: quando o motorista trafega em excesso de velocidade, sendo necessário descobrir e provar: se o agente admite ser possível atropelar um pedestre, toda via sem a preocupação de isso acontecer o que vem a configurar dolo eventual, ou se, prevendo a possibilidade do resultado, possui a convicção de que poderá evita-lo, em razão de sua perícia ao conduzir o veículo e ou sorte o que vem a caracterizar, culpa consciente.

De maneira bastante didática, Bitencourt (2003, p. 232) descreve a mesma teoria em sua obra:

Na hipótese de dolo eventual, a importância negativa da previsão do resultado é, para o agente, menos importante do que o valor positivo que atribui à prática da ação. Por isso, entre desistir da ação ou praticá-la, mesmo correndo o risco da produção do resultado, opta pela segunda alternativa. Já, na culpa consciente, o valor negativo do resultado possível é, para o agente, mais forte do que o valor positivo que atribui à prática da ação. Por isso, se estivesse convencido de que o resultado poderia ocorrer, sem dúvida, desistiria da ação. Não estando convencido dessa possibilidade, calcula mal e age.

O fundamental é que o dolo eventual apresente estes dois componentes: representação da possibilidade do resultado e anuência à sua ocorrência, assumindo o risco de produzi-lo.

Rogério Grego (2004, p. 223), afirma a necessidade da indiferença do agente para que se caracterize o dolo eventual:

Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não-ocorrência: o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente. Já o dolo eventual, embora o agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo. Na culpa consciente, o agente sinceramente acredita que pode evitar o resultado; no dolo eventual, o agente não quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco importa.

Fernando Capez (2001, p. 187) delineia a diferença entre ambos os institutos de forma semelhante:

A culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra (“ se e continuar dirigindo

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assim, posso vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir”). Na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir acontecer, o agente repudia essa possibilidade (“ se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas estou certo de que isso, embora possível, não ocorrerá”). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na culpa consciente supõe: “é possível, mas não vai acontecer de forma alguma”.

Dessa forma, considera-se o dolo eventual e a culpa consciente como distintos, podendo-se dizer que há um limite entre eles. O que os distingue é a anuência do resultado proibido por lei.

Incorre em dolo eventual aquele motorista que ao passar em frente a uma escola e, apesar da placa indicativa “devagar escola”, não diminui a velocidade do veículo. O resultado é previsível, o motorista o aceita, por mais que não deseje propriamente atropelar um estudante (OLIVEIRA, 1998).

No dolo eventual o agente anui o advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo, já na culpa consciente, o agente repete a hipótese de superveniência do resultado, na esperança convicta de que esta não ocorrerá (BITENCORT, 2003).

Ainda, segundo BITENCOURT (2003):

A distinção entre dolo eventual e culpa consciente é possível analisando seus limites. Nesta o valor negativo do resultado possível é, para o agente, mais forte do que o valor positivo qe atribui a prática da ação. Portanto, não está convencido da possibilidade de ocorrer o resultado, calcula mal e age. Na hipótese de dolo eventual, a importância negativa da previsão do resultado é, para o agente, menos importante do que o valor positivo que se pode atribuir à prática da ação. Assim, mesmo correndo o risco de produzir o resultado, ele pratica.

Conforme Capez (1999, p. 105) o aspecto material do crime

[...] é aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o porque de determinado fato ser considerado criminoso e outro não. Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadosamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social.

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Ao analisar a ocorrência de dolo eventual ou culpa consciente nos delitos de trânsito, não se pode fazer uma interpretação simplista e equivocada da tipificação introduzida no Código de Trânsito Brasileiro.

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3. O ENQUADRAMENTO NO CÓDIGO PENAL OU NO CÓDIGO DE TRÂNSITO APARTIR DA ANÁLISE DO DOLO EVETUAL E DA CULPA CONSCIENTE E A NOVA LEI DE TRÂNSITO.

Em relação ao trabalho desenvolvido, serão analisados os crimes de homicídio e lesão corporal, dolosos e culposos, para se fazer um comparativo em relação aos crimes no Código de Trânsito Brasileiro, bem como serão analisadas algumas jurisprudências que enquadraram homicídios e lesões corporais praticados no trânsito no Código Penal em virtude do reconhecimento do dolo eventual.

No Código Penal, na parte especial, no título I, estão discriminados os Crimes contra a Pessoa, sendo que o capítulo I trata dos crimes contra a vida.

No artigo 121 do Código Penal, encontra-se tipificado o homicídio, com a seguinte redação:

Homicidio simples Art. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena

§ 1º se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado.

§ 2º se o homicídio é cometido:

I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo fútil;

III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV – traição, de emboscada, o mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defeso do ofendido;

V- para assegurar a execução, a ocultação, a impunibilidade ou vantagem de outro crime:

Pena – reclusão de doze a trinta anos. (GOMES, 2003, p. 312).

Nessa primeira parte do artigo tem-se o homicídio simples e o qualificado no qual existe grande diferença nas penas aplicadas.

Em relação ao homicídio culposo, o código penal prevê:

Homicídio Culposo: Art. 121. Matar alguém: § 3º se o homicídio é culposo;

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Nesta parte do artigo encontra-se a parte que se relaciona muito com o Código de Trânsito Brasileiro, pois refere-se ao Homicídio Culposo que está tipificado no artigo 302 do CTB.

Tipifica a lei o homicídio culposo no art. 121, § 3º, que, doutrinariamente é definido como conduta voluntária que produz um resultado morte antijurídico não querido, mas previsível ou excepcionalmente previsto, de tal modo que podia, com a devida atenção ser evitado. Exige sua caracterização, a demonstração da culpa, ou seja, da inobservância do dever de cuidado objetivo derivado de imprudência, imperícia ou negligência e a previsibilidade do evento, além de, como em todo crime, nexo causal. Os crimes de trânsito, inclusive o homicídio culposo, passaram a ser tipificados na Lei nº 9.503/97, que institui o Código de Trânsito Brasileiro. (MIRABETE, 2001, p. 770).

O referido artigo suscita ainda as causas de aumento da pena.

§ 4º. No homicídio culposo, a pena é aumentada de m terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências de seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menos de 14 anos. (GOMES, 2003, p. 312).

Na doutrina encontra-se opinião no sentido de que o perdão judicial utilizado nos crimes cometidos no Código Penal pode ser usado pelo juiz de maneira equilibrada nos crimes do Código de Trânsito Brasileiro. Assim, se a pessoa que é autora do fato sofre grave sofrimento físico ou moral com a morte da pessoa querida, deve ser concedido o perdão judicial, mas este não deve tornar-se como instrumento de impunidade, portanto, não pode ser concedido de forma indiscriminada. (MIRABETE, 2001, p. 780-781).

Em relação ao crime de lesões corporais, é bastante comum no cotidiano, pois, geralmente discussões banais acabam com agressões, sendo que estas em geral são leves, fatos esses que somente se transformam em processos mediante a intenção das vítimas de representar contra o autor.

No parágrafo sexto do artigo 129, conforme Franco, existe referência em relação a lesão corporal culposa.

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Pena – detenção de dois meses a um ano. (FRANCO, 2002, p. 2265).

Mirabete se pronuncia da seguinte forma sobre a lesão corporal culposa:

Assim, se da imprudência, negligencia ou imperícia do agente derivou não a morte, mas lesão corporal na vitima, o agente é punido com pena de detenção de dois meses a um ano, não importa qual sua gravidade, que só terá influencia na fixação da pena. Sendo a lesão insignificante, também se tem aplicado o princípio da bagatela. Por força da Lei 9.099/95, a lesão culposa passou a estar na competência do Juizado Especial Criminal, sendo objeto de ação penal pública condicionada à representação da vítima (art.88). A lesão corporal causada na direção de veiculo automotor passou a ser regida pelo art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97, 2001, p. 835).

Aumento da pena:

§ 7º aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121 § 4º.

§ 8º aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121. (GOMES, 2003, p. 314-315).

No parágrafo sétimo se faz remissão ao art. 121, § 4º no sentido de que o fato é cometido contra menor de 14 anos. Já no parágrafo oitavo, refere-se ao § 5º do artigo 121 do Código Penal, que fala sobre o Perdão Judicial.

Apesar de ser crime culposo, o desvalor do resultado é muito maior em uma lesão grave ou gravíssima do que em uma lesão leve. Não se pode ignorar que tanto uma lesão corporal leve quanto uma lesão corporal com resultados graves ou gravíssimos, na modalidade culposa, sofrerá a mesma tipificação e receberá exatamente a mesma sanção. (BITENCOURT, 2002, p. 452-453).

A jurisprudência em virtude do grande número de acidentes de trânsito nos quais havia o álcool presente passou a reconhecer em algumas situações o dolo eventual nos crimes praticados na direção de veículo automotor quando o motorista estava alcoolizado.

Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. ART. 302 DO CTB. PERDÃO JUDICIAL. VIABILIDADE. 1. MATERIALIDADE E AUTORIA. Acusado que agiu com culpa na modalidade de imprudência por estar conduzindo seu automóvel sob efeito de álcool, bem como por

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ter realizado manobra de ultrapassagem sem observância do dever objetivo de cuidado. 2. PERDÃO JUDICIAL. Evento delituoso que acabou ceifando a vida da esposa do denunciado e produzindo lesões corporais em sua filha. Consequências graves do delito que atingiram o denunciado em face da íntima ligação de afeto entre os envolvidos, viabilizando a concessão do benefício. Declarada extinta a punibilidade do acusado, com fulcro no art. 107, inciso IX, do CP. PROVERAM EM PARTE O APELO PARA CONCEDER O PERDAO JUDICIAL, DECLARANDO EXTINTA A PUNIBILIDADE DO ACUSADO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70034903930, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 14/10/2010)

Ementa: APELAÇÃO CRIME. HOMICÍDIOS CULPOSOS E LESÕES CORPORAIS CULPOSAS NO TRÂNSITO. ARTS. 302 E 303 DO CTB. CONCURSO FORMAL. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. Prescrição. Constatado o decurso do prazo prescricional, pela pena em abstrato cominada aos delitos de lesões corporais culposas no trânsito, entre a data do recebimento da denúncia e a da publicação da sentença condenatória recorrível, imperativo o seu reconhecimento e a declaração da extinção da punibilidade quanto a esses crimes. Mérito. Delitos de homicídio remanescentes. Pena-base redimensionada para os dois delitos de homicídio culposo no trânsito, em concurso formal, uma vez que altamente reprovável a conduta do acusado, que excedeu em muito o número de pessoas permitido ao veículo GM/Chevette, levando onze pessoas, sobremodo, dentre elas, cinco crianças, a maioria, portanto, sem sequer a possibilidade de usar cinto de segurança. Réu que, não bastasse, ainda, estava sob influência da ingestão de álcool, deixando de tomar as cautelas extraordinárias que as condições do local (pista molhada), o horário (à noite) e o número excessivo de passageiros, cinco delas crianças, exigiam, não conseguindo vencer uma curva, vindo a perder o controle do veículo, caindo em um "valão", causando a morte das duas vítimas, uma delas criança. Somatório de condutas negligentes e imprudentes que justificam a majoração substancial da pena-base. Reduzido o aumento pelo concurso formal, afastando a parcela relativa aos delitos de lesões culposas, cuja punibilidade foi extinta. Extinção da punibilidade reconhecida quanto aos crimes de lesões corporais culposas. Apelação parcialmente provida. (Apelação Crime Nº 70060182524, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ricardo Coutinho Silva, Julgado em 13/11/2014)

Ementa: EMENTA: APELAÇÃO - CRIMES DE TRÂNSITO - QUATRO LESÕES CORPORAIS CULPOSAS E HOMICÍDIO CULPOSO, EM CONCURSO FORMAL - ART. 303 (4 VEZES)

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E 302 CAPUT, AMBOS DO CTB, NA FORMA DO ART. 70 DO CP - APELANTE QUE DIRIGIA VEÍCULO AUTOMOTOR ALCOOLIZADO E REALIZOU ULTRAPASSAGEM PERIGOSA, EM LOCAL COM BAIXA VISIBILIDADE, ACABANDO POR COLIDIR COM VEÍCULO QUE VINHA EM SENTIDO CONTRÁRIO - EMBRIAGUEZ COMPROVADA ATRAVÉS DA PROVA TESTEMUNHAL - PRESCINDÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME PERICIAL - AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA - INCIDÊNCIA DO ART. 291 §1º DO CTB - DESNECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO DAS VÍTIMAS DAS LESÕES CORPORAIS - DEPOIMENTOS E LAUDO EM LOCAL DE ACIDENTE DEMONSTRAM A FALTA DE CUIDADO DO APELANTE - REPARO A SER FEITO NA DOSIMETRIA DA PENA, QUE FOI FIXADA EM 4 ANOS, 1 MÊS E 15 DIAS DE DETENÇÃO PELA APLICAÇÃO DO ART. 70, 1ª PARTE DO CP, AUMENTO A PENA DO CRIME MAIS GRAVE (2 ANOS DE DETENÇÃO) EM METADE, TOTALIZANDO 3 ANOS DE DETENÇÃO. O apelante foi condenado à pena de 4 anos, 1 mês e 15 dias de detenção e suspensão para obter habilitação para dirigir por igual período, pois, sob a influência de álcool, na direção de veículo automotor, não observou as cautelas para efetuar ultrapassagem, invadiu a faixa da contramão e colidiu com outro veículo, causando a lesão corporal de três vítimas e a morte de uma. Apesar de não realizado o teste do bafômetro, a embriaguez do apelante foi comprovada através dos depoimentos das testemunhas, que afirmaram que o mesmo ingeriu bebida alcoólica antes de assumir a direção do veículo. Assim, estamos diante de ação penal pública incondicionada, não necessitando da representação das vítimas das lesões corporais culposas. A conduta do recorrente em ultrapassar veículo, em situação de visibilidade precária, já que a estrada estava com bastante neblina e sem iluminação, comprova a não observância pelo condutor do dever objetivo de cuidado. Pena que merece reparo. Pela incidência do art. 70, 1ª parte, do CP, deve a pena mais grave ser aumentada de 1/6 a metade. Levando-se em consideração a quantidade de bens lesionados pela ação do apelante, causando quatro lesões corporais e um homicídio, todos culposos, majoro a pena do crime mais grave (2 anos de detenção) em metade, totalizando 3 anos de detenção, além da suspensão de obtenção de habilitação para dirigir veículo automotor pelo mesmo prazo. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO PARA REDUZIR A PENA DEFINITIVA, FIXANDO-A EM 3 ANOS DE DETENÇÃO, ALÉM DA PENA DE SUSPENSÃO PARA OBTER HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR PELO MESMO PERÍODO.... (TJ-RJ - APELAÇÃO APL 00017379720128190071 RJ 0001737-97.2012.8.19.0071 (TJ-RJ).

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Neste capítulo foram examinados os crimes de homicídio e lesão corporal previstos no código penal e foram analizadas algumas jurisprudências que enquadravam crimes cometidos na direção do veículo automotor no código penal em virtude do reconhecimento do dolo eventual.

No próximo capítulo será explanada a lei nº 12.971/2014 que alterou novamente o CTB para tornar mais rigorosa a punição aos crimes praticados na direção de veículo automotor com a presença do álcool.

3.1Comentários ás inovações relativas aos crimes de trânsito

Datada de 09 de maio de 2014 e publicada no dia 12 do mesmo mês, a Lei Federal nº 12.971 inaugura mais um episódio nas sucessivas reformas legislativas promovidas nos últimos anos no Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei Federal nº 9.503/1997).

A referida lei no art. 302 § 2º torna-a uma qualificadora, reconhecendo como culpa, afastando o dolo eventual, e por consequência, o enquadramento no Código Penal.

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Antes de me aprofundar na análise da nova lei, importa consignar que seu artigo 2º veicula expressamente uma vacatio legis (lapso temporal entre a publicação e a entrada em vigor), designando o primeiro dia do sexto mês após a publicação para início da vigência. Assim, as inovações decorrentes da lei em comento serão de cumprimento obrigatório a partir do dia 1º de novembro de 2014, desde que, é claro, não haja a sua revogação.[...] Aliás, nesse ponto é interessante destacar que, de acordo com a doutrina majoritária e com o entendimento dominante no STF, uma lei publicada não pode ser aplicada durante o seu período de vacatio legis, mesmo que mais favorável ao réu, afinal, ela ainda não está em vigência, estando, portanto, sujeita à revogação. (SANNINI NETO, Francisco, 2012). Acesso em: 25/10/2014.

Feita essa breve observação, é mister destacar que a citada Lei Federal nº12.971/2014 modificou, em síntese, os textos atrelados a quatro delitos do CTB: o

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homicídio culposo e a lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (art. 302 e 303), a “embriaguez ao volante” (art. 306) e o “racha” (art. 308).

No tocante ao homicídio culposo na direção de veículo automotor previsto no art. 302 CTB, foi mantido o tipo penal básico do caput, com a respectiva pena de detenção de 2 a 4 anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.(SANNINI NETO, Francisco, 2012)

Foram inseridos dois parágrafos no lugar do parágrafo único, o qual elencava as causas de aumento de pena, de um terço à metade, quando da presença dessas quatro circunstâncias: falta de habilitação; prática do fato em faixa de pedestres ou calçada; omissão de socorro; e cometimento do delito no exercício de profissão ou atividade no transporte de passageiros.

A redação do artigo 302, assim passará a dispor:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:

I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;

III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;

IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.

§ 2º - Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente:

Penas - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

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Nota-se que referidas causas de aumento antes arroladas no parágrafo único, foram repetidas e passaram a integrar o agora § 1º, do art. 302, do CTB. Já o novo § 2ºdo art. 302 CTB consubstancia a principal mudança, e lamentavelmente também o grande desastre introduzido pela Lei nº 12.971/2014.

Como se nota, referido dispositivo busca estabelecer uma qualificadora para o delito do caput, com a pretensa intenção de impor maior rigor quando se tratar de homicídio culposo cometido por motorista embriagado (com capacidade psicomotora alterada) por álcool ou outra substância psicoativa, ou nos casos em que o agente participa de “racha” (corrida, disputa ou competição ou exibição/demonstração de perícia automobilística sem autorização).(SANNINI NETO, Francisco, 2012).

Beber e dirigir de forma anormal (ziguezague, subir calçada, entrar na contramão, passar sinal vermelho, bater em outro veículo, dirigir muito lentamente etc.), por influência do álcool ou outra substância, é crime (CTB, art. 306), porque agora o motorista comprova não só que bebeu, mais que isso: que dirigia influenciado pela bebida, com alteração da capacidade psicomotora. Uma coisa, portanto, é beber e dirigir sem nenhuma influência do álcool (isso é infração administrativa). Outra distinta é beber e dirigir sob a influência do álcool, porém, não presumida, mas comprovada efetivamente com uma condução anormal.(Gomes, 2014.)

Não podemos confundir a condução etílica (infração administrativa) com a condução sob a influência etílica (crime). No campo criminal, em virtude da sanção prevista (prisão, de 6 meses a 3 anos), não podemos trabalhar com presunções abstratas (isso se faz no campo do direito administrativo). No campo penal temos sempre que provar um efetivo (real) perigo.(GOMES,2014).

Acontece que o preceito secundário ora previsto para essa circunstância qualificadora apresenta uma diferença irrisória meramente quanto à espécie da pena privativa de liberdade, cominando “reclusão” ao invés de “detenção”, como previsto para o tipo penal do caput (homicídio culposo na direção de veículo automotor simples), mantendo, entretanto, a mesma quantidade da pena (de 2 a 4 anos).

(34)

Trata-se, na verdade, de um infeliz arremedo de qualificadora. (SANNINI NETO, Francisco, 2012).

Na posição de Silvio Maciel (2011) e o coautor Francisco Sannini Neto (2012), uma vez mais o legislador brasileiro desperdiçou excelente oportunidade para solucionar a famigerada e antiga divergência envolvendo a configuração de culpa (regra) ou dolo eventual (exceção) nos crimes de trânsito com vítimas fatais ou feridas, cujo adequado tratamento legal é há muito esperado e proposto pela melhor doutrina. (MACIEL, Silvio. Disponível em:. Atualidades do Direito, 9 set. 2011).

De fato, a cada acidente de trânsito grave com repercussão, parcela da mídia sensacionalista, sempre atenta aos índices de audiência, porém, desprovida de conhecimento técnico-jurídico mais aprofundado e tampouco de compromisso com a atuação estatal legalista, ainda insiste (e continuará a insistir) em banalizar o instituto do dolo eventual, incorretamente pretendendo imputá-lo como se regra fosse. Ora, se é certo que a pena para o homicídio culposo nesses casos é insuficiente e desproporcional, mais certo ainda é a necessidade de aplicação escorreita da legislação num Estado Democrático de Direito, despida de paixões e pautada pelo respeito às garantias e direitos fundamentais de todos, indistintamente. Nesse contexto, não cabe ao aplicador do Direito se pautar por políticas criminais, os quais devem servir de norte apenas ao legislador.

Lastima-se também que o “estrago” legislativo não tenha se limitado à ausência de uma necessária sanção penal mais rigorosa para motoristas bêbados e altamente inconsequentes. Isso porque, ao concentrar como qualificadora a circunstância do motorista encontrar-se embriagado, o novo texto retira a autonomia do delito de “embriaguez ao volante” em relação ao homicídio culposo, entendimento até então majoritário, que viabilizava o concurso entre os dois crimes e propiciava o aumento da reprimenda estatal, tanto pela somatória das penas (para aqueles que consideravam se tratar de concurso material), quanto pelo sistema da exasperação (para os filiados à tese do concurso formal). (SANNINI NETO, Francisco, 2012).

O efetivo perigo exigido pelo art. 306 está na forma de dirigir o veículo (direção anormal), sem necessidade de nenhuma vítima concreta (uma pessoa

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quase foi atropelada, um carro que quase foi atingido etc.). Tecnicamente isso se chama crime de perigo abstrato de perigosidade real (o motorista tem que revelar objetivamente, empiricamente, uma condução perigosa, sob influência do álcool ou outra substância: ziguezague, contramão etc.). Se isso não acontece, enquadra-se na infração administrativa. Comprovando-se a perigosidade real (decorrente da influência do álcool) prova-se, ao mesmo tempo, uma diminuição da segurança viária. Diminuição concreta, real (não presumida).(GOMES,2014).

Assim, a sanção penal aplicável ao motorista embriagado homicida será a de reclusão de 2 a 4 anos, da nova figura “pseudoqualificada”, restando o delito de embriaguez ao volante por ela absorvido.

Ademais, como a pena máxima em abstrato não suplanta 4 anos, facultará, como regra, o arbitramento de fiança nos casos de prisão em flagrante delito (CPP, art.322), o que também podia ser afastado pelo Delegado de Polícia quando de sua deliberação pelo concurso de crimes em sede de segregação provisória extrajudicial.

Assinala-se que a avaliação técnico-jurídica para a decretação ou não da prisão em flagrante delito e consequente determinação de indiciamento do suspeito, ultimada em sede de cognição urgente e sumaríssima, consiste em prerrogativa e incumbência legitimada à Autoridade Policial. É dever legal do Delegado de Polícia examinar se há, no caso concreto, além das hipóteses legais flagrâncias (CPP, art. 302, I a IV), a “fundada suspeita” contra o investigado apresentado (e não mera conjectura desprovida de indícios vigorosos), em observância ao artigo 304, § 1o, do CPP, devendo decidir fundamentadamente seguindo a sua convicção jurídica, com independência funcional mediante exposição dos motivos fáticos e legais. (LESSA, 2012. P. 8)

Anota-se, ainda, mais uma trapalhada da nova lei. Pela ordem de disposição dos parágrafos 1º e 2º, podemos concluir, por meio de uma interpretação sistemática, que as causas de aumento só incidirão para o homicídio culposo simples do caput do art. 302, e não para a forma qualificada do § 2º. O ideal seria que houvesse uma inversão na ordem dos dispositivos, evitando-se, assim, qualquer interpretação em sentido contrário.

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Para o delito de lesão corporal na direção de veículo automotor previsto no art. 303 CTB, a Lei nº 12.971/14 limitou-se a alterar o texto do parágrafo único do artigo 303, que remete a aplicação das mencionadas causas de aumento do

homicídio culposo também à lesão corporal culposa, antes arroladas no parágrafo único do art. 302, e que passaram para o novo § 1º. Assim ficou a redação do dispositivo:

Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do § 1º do artigo anterior.

Como já antecipado, mais uma vez o legislador se omitiu e não incluiu uma salutar figura qualificada para a lesão corporal culposa para os motoristas bêbados e participantes de corridas automobilísticas não autorizadas, deixando para incrementar indevidamente a morte e a lesão corporal nas figuras qualificadas diretamente no delito de “racha” do art. 308 do CTB, adiante comentado.

Para o crime do artigo 306 do CTB, que se refere a embriaguez ao volante, a Lei nº 12.971/2014 apenas acrescentou expressamente no § 2º o teste toxicológico como uma das formas de verificação do elemento do tipo penal “capacidade psicomotora alterada”, quanto às outras substâncias psicoativas que determinam dependência além do álcool, tais como a cocaína e a maconha. Referida alteração apenas reforça o teste toxicológico para fins de comprovação do delito, não obstante já pudesse ser empregado na prática por não ser meio de prova vedado na lei. Percebe-se, pois, que o legislador pecou por excesso nesse ponto, afinal, no Brasil, infelizmente, às vezes é preciso esclarecer o óbvio.

Com o mesmo propósito, também foi inserida, de modo explícito no § 3º do art. 306, a possibilidade de edição de atos pelo Contran para dispor sobre a equivalência entre testes toxicológicos para a configuração do delito de “embriaguez ao volante”. A previsão torna mais dinâmica a disciplina legal de futuras tecnologias

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de aferição da influência por drogas psicoativas que venham a ser desenvolvidas, sem a necessidade de novas leis ordinárias para tal desiderato. O texto do artigo 306 do CTB assim passa a dispor:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º - As condutas previstas no caput serão constatadas por:

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

§ 2º - A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

§ 3º - O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos.

A participação em competição não autorizada, mais conhecida como *racha* prevista no art. 308 CTB foi a figura típica com maior alteração redacional provocada pela Lei nº 12.971/2014:

Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada:

Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, nova multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º - Se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de natureza grave, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.

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§ 2º - Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.”

O preceito primário sofreu ligeira mudança, trocando a expressão “desde que resulte dano potencial” por “gerando situação de risco” à incolumidade pública. Acredito que referida alteração mantém o delito como de perigo concreto, exigindo a demonstração da situação de risco no caso prático. (SANNINI NETO, Francisco, 2012).

Percebe-se também que o tipo comum, do caput do art. 308 do CTB, deixou de ser infração de menor potencial ofensivo (Lei Federal nº 9.099/95, art. 61), visto que a pena máxima cominada, antes de 2 anos, foi aumentada para 3 anos.

Enquanto o § 1º do art. 308 considera o resultado lesão corporal grave culposa (sem dolo direto ou eventual) como circunstância que qualifica o delito, impondo sanção penal de 3 a 6 anos de reclusão, o § 2º traz como qualificadora a morte produzida a titulo de culpa (não quis o resultado – dolo direto; nem assumiu o risco de produzí-lo – dolo eventual), apenada de 5 a 10 anos de reclusão. (SANNINI NETO, Francisco, 2012).

Por outro lado, pode-se argumentar, por meio de uma interpretação teleológica, que a vontade do legislador, manifestada na Lei nº 12.971/2014, foi no sentido de agravar a reprimenta para os casos em que houver morte em virtude da prática do “racha”. Assim, para que a inovação legislativa não se torne “letra morta”, a única solução seria a adoção do entendimento em que o crime mais grave, qual seja, o agora previsto no artigo 308, § 2º, do CTB, absorvesse o crime menos grave, tipificado no artigo 302, § 2º, do mesmo codex. Tal entendimento pode, inclusive, ser subsidiado pelo princípio da proporcionalidade, mais especificamente na sua esfera de proteção insuficiente, afinal, a conduta daquele que causa a morte de outrem em virtude da prática do “racha” é de enorme gravidade, constituindo verdadeira afronta à sociedade e ao próprio Estado.(SANNINI NETO, Francisco, 2012).

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No mesmo sentido, podemos nos valer do princípio da especialidade para reforçar esse entendimento. Ora, se o caput do artigo 308 pune o crime de “racha” e o seu § 2º nos apresenta uma modalidade qualificada desse crime, é obvio que essa conduta é específica para aquele caso, devendo, consequentemente, prevalecer sobre a conduta descrita no artigo 302, § 2º, que é genérica.

Impende registrar que a incongruência e desproporcionalidade entre a pena cominada ao “racha” qualificado pela lesão do § 1º do art. 308 (de 3 a 6 anos) com a pena a ser aplicada ao mesmo delito quando houver resultado morte (de 2 a 4 anos do art. 302, § 2º), também ensejará a inaplicabilidade dessa figura qualificada do “racha”. Por coerência e ausência de outro tipo penal (ou qualificadora) adequado, o agente acabará respondendo pelo crime de lesão corporal culposa do art. 303, do CTB, com a branda pena de 6 meses a 2 anos, salvo, é claro, se adotarmos o mesmo raciocínio exposto acima. (NUCCI, 2014).

Em verdade, causa-nos espécie que uma aberração jurídica dessa seja aprovada pelo nosso Poder Legislativo e, pior, sancionada pelo Poder Executivo.

Diante de todas as ponderações lançadas, só podemos chegar a duas conclusões: ou existe uma imensa má vontade legislativa ou os nossos Poderes estão muito mal assessorados.

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