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Entre o dever de proteção e a prática da violação: a atuação dos estados em relação às pessoas migrantes perante o direito internacional de proteção aos direitos humanos

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Academic year: 2021

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CAROLINA ATTUATI

ENTRE O DEVER DE PROTEÇÃO E A PRÁTICA DA VIOLAÇÃO: A ATUAÇÃO DOS ESTADOS EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS MIGRANTES PERANTE O DIREITO

INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

Ijuí (RS) 2019

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CAROLINA ATTUATI

ENTRE O DEVER DE PROTEÇÃO E A PRÁTICA DA VIOLAÇÃO: A ATUAÇÃO DOS ESTADOS EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS MIGRANTES PERANTE O DIREITO

INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, apresentado como requisito para a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Dra. Joice Graciele Nielsson

Ijuí (RS) 2019

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A minha família pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados.

A minha orientadora pela colaboração, orientação e pelo empenho dedicado na elaboração desse trabalho.

A todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação.

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“O aumento dos nossos conhecimentos tornou-nos cépticos; a nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido”. Charles Chaplin.

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RESUMO

A pesquisa estuda a atuação e os deveres dos Estados no âmbito internacional em relação às pessoas migrantes, sob a ótica do Direito Internacional de proteção aos Direitos Humanos, fazendo uma análise de como seu deu o processo de deslocamento de pessoas e de proteção a estas ao longo da história, até chegar à conjuntura atual, na qual destaca-se o caso da fronteira entre Brasil e Venezuela, bem como o cenário europeu. O problema norte da pesquisa é buscar entender qual é o papel e quais são as obrigações dos Estados para com as pessoas que migram, a partir da ótica do Direito Internacional de proteção ao Direitos Humanos, bem como se estas obrigações estão sendo atendidas na atuação prática dos principais Estados receptores de migrantes na atualidade. Para isso, no primeiro capítulo faz um apanhado histórico da circulação de pessoas no mundo a partir da Segunda Guerra Mundial e analisa o contexto migratório atual; no segundo capítulo, aborda algumas das principais normas de proteção aos direitos humanos das pessoas migrantes no âmbito internacional e da América Latina; e, por fim, no terceiro capítulo, estuda a atuação dos Estados em dois casos notórios na atualidade: a fronteira entre Brasil e Venezuela e o cenário europeu. A metodologia é do tipo exploratória, e se utiliza a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e internet. Na sua realização é utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo. O objetivo é analisar, a partir da identificação das obrigações dos Estados diante da proteção de pessoas migrantes, de acordo com o complexo normativo do direito internacional, se a atuação fática dos Estados na atualidade condiz com o que dispõe as normativas de direitos humanos.

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ABSTRACT

The research studies the actions and the obligations of the States in the international scope regarding the migrant people, under the International Humans Rights Protection Law view, making an analysis of how the process of people displacement and protection happened throughout the human history, until de current scenario, in which the case of the border between Brazil and Venezuela, as well as the European scenario, stand out. The research problem is trying to understand what is the role and what are the duties of the States regarding de migrant people, under the view of the International Humans Rights Protection Law, as well as if these obligations are being fulfilled in the current actions of the mainly migrant receiving countries today. For this, in the first chapter, makes a historical overview of people circulation in the world since the World War II e analyzes the current migratory context; in the second chapter, addresses some of the mainly human rights protection standards in the international scope as well as in the Latin America; and, finally, in the third chapter, discusses the States actions in two currently notorious cases: the border between Brazil and Venezuela, as well as the European scenario. The methodology is the exploratory kind, using data collection from bibliographic sources available in physical means and in the internet. For its accomplishment, the hypothetical-deductive approach method is used. The objective is to analyze, from the identification of the States obligations before the migrant people protection, according to the international normative body, whether the current States actions matches the human rights standards dispositions.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 O DESLOCAMENTO DE PESSOAS AO LONGO DA HISTÓRIA ATÉ A ATUALIDADE E A CONSTITUIÇÃO DE FRONTEIRAS ... 11

1.1 A Segunda Guerra Mundial e seus reflexos na migração pelo mundo ... 11

1.2 O fenômeno das migrações na contemporaneidade ... 18

2 AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS A PARTIR DO DIREITO INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS ... 27

2.1 A proteção do direito internacional dos direitos humanos e dos direitos dos migrantes ... 27

2.2 A proteção do direito internacional dos migrantes no âmbito da América Latina 35 3 AS MIGRAÇÕES NA ATUALIDADE E A ATUAÇÃO DOS ESTADOS: ENTRE O DEVER DE PROTEÇÃO E PRÁTICA DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ... 42

3.1 O cenário europeu ... 42

3.2 O Estado brasileiro diante caso da fronteira Brasil X Venezuela ... 51

CONCLUSÃO ... 60

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INTRODUÇÃO

Um dos mais notórios problemas da atualidade é o crescente fluxo de migração de indivíduos entre Estados, bem como as dificuldades por eles enfrentadas nesse movimento, uma vez que muitos países não querem recebê-los, e aqueles dispostos a isso muitas vezes não possuem a devida estrutura para tal. Isso ocorre pelo impasse existente entre os direitos humanos garantidos internacionalmente a todos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e positivados por muitos países em seus ordenamentos (dentre os quais está o direito de livre circulação), e a soberania estatal, a qual determina que é direito do Estado estabelecer quais os critérios para indivíduos de outras nacionalidades entrarem e fixarem residência em seu território.

A história mundial é marcada por grandes fluxos migratórios de pessoas, nas mais diversas épocas e os quais se dão pelos mais diversos motivos. Na atualidade, vivemos um desses grandes fluxos migratórios, seja por motivos econômicos, sociais, políticos ou ambientais, o fato é que estamos diante de um dos maiores e mais importantes fluxos migratórios da história, uma demanda que tem se tornado cada vez mais alarmante, principalmente devido ao tratamento que esses indivíduos encontram ao chegarem nos países. Dessa forma, esse contexto enseja uma preocupação e intervenção dos Estados receptores, uma vez que esses indivíduos chegam a um país novo, com uma língua diferente e uma cultura totalmente desconhecida, buscando uma condição de vida melhor. Contudo, ao que se percebe, os migrantes se depararam com países que não estão prontos ou mesmo não querem recebê-los, nos quais não são bem vistos pela população e se veem sem nenhum tipo de proteção.

Dados da ACNUR revelam que, no ano de 2018, existiam cerca de 70 milhões de pessoas forçadas a migrar no mundo, das quais 25,4 milhões eram imigrantes na condição legal de refugiados e 10 milhões na condição de apátridas. Na maioria das vezes, essas pessoas saem de seus países forçadamente, devido a guerras civis, crises econômicas, tragédias ambientais, problemas sociais, perseguição política, entre outros, e se deslocam, majoritariamente, para países desenvolvidos.

Ao longo da história, muitos acordos e tratados internacionais já foram celebrados acerca da proteção dos indivíduos no âmbito internacional. Dentre eles, pode-se destacar a Declaração Universal de Direitos Humanos, a qual estabelece que toda pessoa tem direitos essenciais que não derivam da condição de ser nacional de algum Estado, mas sim fundamentados nos atributos da pessoa humana. Mesmo assim, ainda são frequentes as

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violações aos direitos da população migrante, a qual é colocada em uma situação de vulnerabilidade por não ser nacional daquele país, principalmente pelo fato de o Estado ser autônomo e possuir o monopólio do controle da circulação de pessoas, não havendo uma instituição internacional superior, com poder coercitivo de verificar se o Estado está cumprindo com as obrigações referentes a proteção dos direitos humanos.

Assim, o presente trabalho tem como tema de pesquisa analisar a atuação e os deveres dos Estados no âmbito internacional em relação às pessoas migrantes, sob a ótica do Direito Internacional de proteção aos Direitos Humanos, fazendo uma análise de como seu deu o processo de deslocamento de pessoas e de proteção a estas ao longo da história, até chegar à conjuntura atual, na qual destaca-se o caso da fronteira entre Brasil e Venezuela, bem como o cenário europeu.

Diante desse cenário, o principal problema de pesquisa é buscar entender: qual é o papel e quais são as obrigações dos Estados para com as pessoas que migram, a partir da ótica do Direito Internacional de proteção ao Direitos Humanos? Estas obrigações estão sendo atendidas na atuação prática dos principais Estados receptores de migrantes na atualidade? Como hipótese, considera que, embora a soberania nacional seja um dos princípios basilares da ordem jurídica dos Estados e das relações internacionais destes, sendo inegável o direito dos mesmos de estabelecerem regras para a entrada e estadia de indivíduos no interior de suas fronteiras, os Estados têm o dever de receber essas pessoas, intervindo para que tenham proteção em seus territórios, em respeito aos Direitos Humanos fixados pela comunidade internacional.

Para isso, tem como objetivo analisar, a partir da identificação das obrigações dos Estados diante da proteção de pessoas migrantes, de acordo com o complexo normativo do direito internacional, se a atuação fática dos Estados na atualidade condiz com o que dispõe as normativas de direitos humanos, traçando um paralelo entre o que propõe a legislação internacional e o que de fato tem sido feito pelos Estados. Inicialmente, no primeiro capítulo, será feito um apanhado histórico do processo de circulação de pessoas a partir do advento da Segunda Guerra Mundial, buscando compreender seus reflexos no desenvolvimento da sociedade contemporânea, bem como uma análise da situação migratória na atualidade.

No segundo capítulo, serão examinadas quais são as principais normas e documentos de proteção aos direitos humanos a nível internacional e, especificamente, na América Latina, notadamente os relacionados à circulação, entrada e permanência de pessoas entre territórios, bem como à concessão e reconhecimento da situação de refugiado. Por fim, no terceiro capítulo, será analisada a situação atual de dois casos notórios na atualidade, a fronteira entre o Brasil e

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a Venezuela, bem como o cenário europeu, buscando entender como se chegou a essas situações e como os países estão lidando com elas.

A metodologia de pesquisa é do tipo exploratória, mediante a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. O método utilizado é o de abordagem hipotético-dedutivo, observando os seguintes procedimentos: a) seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para que o pesquisador construa um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo, responda o problema proposto, corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atinja os objetivos propostos na pesquisa; b) leitura e fichamento do material selecionado; c) reflexão crítica sobre o material selecionado; d) exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico.

Pelo exposto, a importância do presente trabalho verifica-se na necessidade de saber quem são as pessoas que estão migrando, por que elas estão migrando, para onde estão indo, como estão indo e, principalmente, como estão sendo recebidas nesses locais, tanto pela população local como pelo próprio Estado, se estão tendo seus direitos respeitados e protegidos, diante do Direito Internacional de proteção aos Direitos Humanos

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1 O DESLOCAMENTO DE PESSOAS AO LONGO DA HISTÓRIA ATÉ A ATUALIDADE E A CONSTITUIÇÃO DE FRONTEIRAS

A história da humanidade é marcada por grandes massas de deslocamento de pessoas, nas mais diversas épocas, pelos mais diversos motivos. Com a Segunda Guerra Mundial, esse fluxo migratório se tornou ainda mais expressivo e, na atualidade, diante das facilidades geradas pelos meios de transporte e comunicação e, especialmente, diante das precárias condições socioeconômicas e do advento de inúmeros conflitos armados em alguns países, o mesmo tem voltado à tona.

Dessa forma, o presente capítulo busca fazer um apanhado histórico de como e por quais motivos se deu o processo de deslocamento de pessoas a partir da Segunda Guerra Mundial e quais foram seus reflexos no desenvolver da história mundial até a contemporaneidade, bem como analisar o contexto da situação migratória no mundo atual.

1.1 A Segunda Guerra Mundial e seus reflexos na migração pelo mundo

A história mundial é marcada pelo deslocamento de pessoas. Após o advento das duas Grandes Guerras, em especial, com a Segunda Guerra Mundial, tal fato ocorre em proporções ainda maiores. Essas guerras foram um divisor de águas na história das potências europeias, bem como na história do mundo. Após o fim da Primeira Guerra, a economia europeia sofreu uma grande paralização, o que levou ao fluxo de imigrantes europeus ao continente americano.

Liliana Jubilut e André Madureira (2014, p. 13) dizem que os conflitos militares e as crises econômicas e políticas iniciadas com a Revolução Russa de 1917 e expandidas pelas décadas de 1920 e 1930 com a Primeira Guerra Mundial foram os responsáveis por colocar o problema dos refugiados no cerne de preocupação da comunidade internacional, “uma vez que o instituto do asilo que permitia a proteção até então, e sobretudo em função de sua discricionariedade, passou a não ser suficiente para proteger tais pessoas”.

Segundo Hannah Arendt (2012, p. 369) “a primeira guerra mundial foi uma explosão que dilacerou irremediavelmente a comunidade dos países europeus, como nenhuma outra guerra havia feito antes”. A população europeia se viu diante de uma situação caótica, de inflação e desemprego como nunca havia presenciado. Tal situação trouxe à tona os deslocamentos em massa de grupos humanos que “não eram bem-vindos e não podiam ser

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assimilados em parte alguma” (ARENDT, 2012, p. 369), que perdiam seus direitos quando saíam das fronteiras de seu Estado.

A Segunda Guerra Mundial, no mesmo sentido, foi marcada pelo desenvolvimento tecnológico e bélico e suas consequências devastadoras, pelo estabelecimento de novas fronteiras e novas relações internacionais e, assim como a Primeira Guerra, o seu final trouxe à tona, novamente, e em maior intensidade, a problemática dos deslocamentos populacionais. Neste cenário, a Guerra trouxe um marco histórico nas relações internacionais com a criação de uma instituição internacional que agrupasse países de todo o mundo, a ONU (Organização das Nações Unidas), a qual representou um grande avanço na proteção internacional dos direitos humanos.

O Direito Internacional dos Refugiados, que surgiu no decorrer do século XX, é uma vertente do Direito Internacional de Proteção da Pessoa Humana que tem por objetivo elaborar e implementar mecanismos de proteção às pessoas deslocadas em função de bem-fundado temor de perseguição e, assim, efetivar o direito de asilo. (JUBILUT; MADUREIRA, 2014, p. 13).

De acordo com Odair Paiva (2008, p. 3), o número de “refugiados durante a Segunda Guerra Mundial, tanto na Europa quanto no Oriente é bastante controverso. As cifras geralmente variam entre 8 milhões até 70 milhões, dependendo da fonte consultada”. Contudo, o fato é que durante esse período houve um deslocamento forçado em massa de pessoas ao redor do mundo, tanto com o objetivo de fugir dos regimes totalitários que se instalaram nos países, por perseguição racial, religiosa e política, bem como para trabalhos forçados em fazendas e fábricas, ou mesmo em campos de concentração, uma vez que muitos dos países derrotados pelo nazismo foram obrigados a fornecer trabalhadores para os alemães.

Com o final da guerra, muitas destas pessoas forçadas a sair de seus países voltaram para suas regiões de origem. No entanto, nesse momento, o cenário geopolítico mundial transformou-se significativamente. Dentre essas mudanças, pode-se citar a reorganização de fronteiras nacionais, o que afetou milhões de pessoas, especialmente as habitantes dos continentes asiático e europeu.

Dessa forma, Amanda Santos (2018, p. 2) afirma que cerca de um milhão de pessoas decidiram não regressar para suas residências, pois haviam “perdido totalmente a ligação com os seus países de origem, uma vez que alguns desintegrados, outros foram anexados por outros Estados ou adotaram, no pós-guerra, novos regimes políticos e sociais”.

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O novo mapa mundial promoveu, assim, alterações de fronteiras sobre aquelas demarcadas no final da guerra em 1918 - que desmantelou os grandes impérios até então existentes e uma reconfiguração do papel econômico de muitas nações dentro da dinâmica da economia capitalista erigida após o conflito mundial. (SAKURAI; PAIVA, 2004, p. 2).

Diante dessas condições desfavoráveis, principalmente pela reorganização das fronteiras e a desorganização econômica que atingiu muitos países no pós-guerra, muitas pessoas optaram por não voltar para seus países de origem, principalmente àqueles que passaram a integrar a URSS, de modo que em um “primeiro momento, o fluxo emigratório entre os anos 1947-1951 constitui-se, fundamentalmente, por refugiados e deslocados de guerra que se recusaram a voltar para suas localidades de origem” (PAIVA, 2008, p. 4).

Assim, uma das principais questões a ser tratada no pós-guerra foi o problema da realocação das pessoas que saíram de suas casas por razões sociais, econômicas ou políticas e não puderam ou não quiseram voltar, bem como daqueles que, em razão da mudança de fronteiras, perderam suas nacionalidades.

Para Célia Sakurai e Odair Paiva (2004), enquanto no período anterior à Segunda Guerra as migrações eram fruto da expansão do capitalismo e seus desdobramentos, que transformaram a migração em massa em uma forma de escapar da pobreza, após a Segunda Guerra Mundial, no período compreendido entre 1947 e 1980, esse deslocamento passou a ser orientados pela ação de organismos internacionais, os quais foram essenciais para a repatriação e realocação dessas pessoas. Através de acordos e tratados elaborados pelos organismos e Estados-membros, milhares de pessoas foram reassentadas em outras localidades.

Dentre esses organismos, pode-se citar o CIME (Comitê Intergovernamental para as Migrações Europeias), que coordenou o deslocamento de trabalhadores europeus para os continentes americano, africano e oceânico, em países como Brasil, Peru, Canadá, Estados Unidos, Austrália, África do Sul, Argentina, entre outros; a UNRRA (Administração das Nações Unidas para Auxílio e Reabilitação); a OIR (Organização Internacional de Refugiados) e o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).

Antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, o tema da migração já era preocupação no cenário internacional, tendo sido colocado como prioridade da Liga das Nações a busca de soluções para o problema dos indivíduos que fugiam de perseguições e massacres, “com o foco colocado, até a eclosão da guerra, nos expurgados pelo regime soviético, aos armênios e, mais tarde, aos perseguidos pelo nazismo, principalmente judeus, mas, também, ciganos, latinos, eslavos e comunistas” (MENEZES, 2018, p. 115).

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Nesse sentido, após a eclosão da guerra, diante da invasão alemã nos países da Europa, a situação ficou mais complicada, de modo que a UNRRA foi criada, em novembro de 1943, cuja principal missão foi a coordenação de programas de repatriação, tendo ajudado no retorno das cerca de 30 milhões de vítimas da guerra aos seus países de origem. (MENEZES, 2018 e MARQUES, 2016). Segundo Rodrigo dos Santos (2017, p. 410), sua função era de alimentar, dar auxílio médico e repatriar pessoas deslocadas, as quais “deveriam ser recolhidas pelos militares aliados e encaminhados para campos de acolhimento, local onde deveriam ser alimentados, limpados e mantidos em ordem por funcionários da Unrra”.

Contudo, nem todos queriam ou podiam voltar para seus países de origem e ninguém poderia ser obrigado a esse retorno. Assim, com o passar do tempo, percebeu-se que, independentemente dos esforços da UNRRA, muitos dos deslocados não iriam voltar para suas casas, se tornando necessário encontrar novos lares, em outros países, para estes.

Diante disso, em 1945, com o fim da guerra e a criação da Organização das Nações Unidas, viu-se a necessidade de criação de um órgão internacional, no âmbito da ONU, que se ocupasse com a proteção dos deslocados, auxiliando tanto os que queriam retornar para seus países de origem e, principalmente, aqueles que não queriam voltar para seus lares. Desse modo, em 1946, a UNRRA deu lugar à OIR, com o objetivo de organizar o reassentamento de pessoas deslocadas pela guerra em todo o globo.

A OIR concentrou suas atividades na triagem e encaminhamento de cerca de 10 milhões de refugiados da Europa Oriental, principalmente aqueles que viviam em campos de concentração, utilizando, para isso, a criação de campos de refugiados em países como Alemanha, Áustria, Itália e Grécia. Segundo Sakurai e Paiva (2004, p. 5), em junho de 1949, cerca de 418.271 pessoas ainda permaneciam em campos de refugiados na Alemanha e Áustria, dentre os quais “104 mil eram judeus de diversas nacionalidades, 113.900 eram poloneses, 93.686 eram oriundos da Letônia, Estônia e Lituânia, 60.342 eram ucranianos e 21.271 eram iugoslavos”. Diante disso, vários países da América, África, Oceania e Europa firmaram acordos com a OIR e enviaram comissões de seleção aos campos de refugiados estabelecidos nos países sob a administração da Organização.

Neste cenário, essas pessoas passaram a ser vistas como fonte de mão de obra e tiveram uma adaptação difícil em seus novos países, face ao preconceito advindo da população local.

Os britânicos tinham preferência pelos bálticos, acreditava-se que por serem protestantes por religião seriam mais fáceis de serem assimilados em seus domínios, mas os britânicos também receberam poloneses, iugoslavos, húngaros, búlgaros, tchecos e eslavos. A Bélgica aceitou os deslocados sem

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restrição de nacionalidade, apenas dispostos a trabalhar em minas de carvão. [...]. A Austrália também aceitou um número considerável de imigrantes de apenas uma etnia, com um padrão de saúde de desenvolvimento físico a partir de um contrato aberto sem qualquer conhecimento do trabalho que iriam desempenhar. [...]. O Brasil aceitou aproximadamente vinte e nove mil deslocados e preferia trabalhadores agrícolas (e industriais), sem crianças pequenas, de todas as nacionalidades e grupos religiosos, excetos judeus e pessoas asiáticas. Outros países que também aceitaram deslocados foram: Argentina, Israel, Holanda, Luxemburgo e Venezuela. (SANTOS, 2017, p. 414).

Sakurai e Paiva (2004) dividem o período pós-guerra em dois momentos: entre 1947 e o fim da década de 1950, o qual foi marcado por migrações transoceânicas oriundas da Europa e Japão; e entre as décadas de 1960 e 1980, nas quais teve início as migrações entre países fronteiriços, como, por exemplo, de latino-americanos para os Estados Unidos.

Para eles, o fluxo entre países emissores e receptores no período pós-guerra foi fruto da conjunção de problemas entre os países devastados pela guerra e aqueles com necessidade de desenvolvimento. Nos países em fase de reconstrução, como os europeus e o Japão, se via uma economia desestruturada, altas taxas de inflação e de desemprego, nenhuma perspectiva de reconstrução econômica a curto prazo e excedente populacional, inclusive com mão-de-obra qualificada disponível, uma vez que “o grupo dos denominados ‘deslocados de guerra’, formado majoritariamente por nacionalidades existentes na Alemanha e na Áustria no final do conflito, caracterizava-se por um número elevado de jovens qualificados profissionalmente” (SANTOS, 2018, p. 2).

Por outro lado, nos países subdesenvolvidos, como os latino-americanos, havia condições de recebimento desse excedente populacional, bem como carência de mão-de-obra especializada, necessária para o cumprimento dos objetivos de desenvolvimento, de modo que milhares de refugiados e deslocados de guerra foram encaminhados, através da atuação da OIR, para esses países que passavam por um processo de modernização da agricultura e de intensificação da atividade industrial.

No Brasil, por exemplo, que já possuía uma tradição histórica de recepção a migrantes e onde, a partir de 1950, teve início um projeto de modificação do modelo econômico, antes voltado majoritariamente para a agricultura, a recepção e reassentamento dos deslocados de guerra constituiu uma aliança oportuna entre o dever de auxílio humanitário e as políticas de atração de mão de obra especializada, bem como de ocupação de vastas áreas que ainda estavam desocupadas no país. (MARQUES, 2016).

Aliado a isso, com o fim da guerra, criou-se uma nova ordem geopolítica mundial, com a expansão do capitalismo para outras áreas, o que possibilitou o estabelecimento de

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companhias multinacionais europeias e estadunidenses em vários países, na África, Oceania e, especialmente, na América do Sul.

Para Paiva (2008, p. 9), os movimentos migratórios no pós-guerra foram caracterizados pelo estabelecimento dos interesses estadunidenses no contexto da Guerra Fria e, “do ponto de vista geográfico, esses deslocamentos criavam um cordão de isolamento cujo alvo foi a URSS”. Ou seja, tendo em vista que o período pós-guerra foi marcado pela hegemonia e competição entre Estados Unidos e União Soviética (no período denominado Guerra Fria), praticamente dividindo o mundo em dois blocos, a criação de uma nova divisão internacional do trabalho e novas áreas de investimento, com deslocamento de empresas multinacionais e de trabalhadores de países desenvolvidos que não conseguiam empregar essas pessoas para países em desenvolvimento na América Latina, Oceania e África, reforçou à integração e expansão do sistema capitalista frente ao bloco socialista, bem como a “construção do que viria a ser denominado como ‘globalização’” (PAIVA, 2008, p.11).

Consequentemente ao deslocamento de empresas e de capital, ocorreu a migração de trabalhadores cuja força de trabalho era desnecessária em seus países de origem, face à crise econômica e política enfrentada no período pós-guerra.

A imigração de deslocados e refugiados de guerra, apontava para a inserção dos movimentos migratórios na nova configuração econômica que marcaria as relações internacionais no pós-guerra e da qual fizeram parte os investimentos em regiões periféricas do globo e instalação de companhias multinacionais. (SAKURAI; PAIVA, 2004, p.13).

Nesse cenário, os organismos internacionais anteriormente citados foram os responsáveis pela organização do processo de realocação desses indivíduos, diante da necessidade de reestruturação econômica e estabilidade da Europa e da capacidade e necessidade dos países americanos, como Brasil, Argentina, México e Venezuela de receber esse contingente populacional, oferecendo apoio tanto financeiro como logístico para essas pessoas.

A partir de 1930, a migração para o Brasil foi intensificada, tanto pela política interna de mão-de-obra e flexibilização dos mecanismos restritivos à entrada de estrangeiros no país, empreendida pelo governo de Getúlio Vargas, quanto pela crise econômica ocorrida após a quebra da bolsa de valores americana e pela ascensão de regimes totalitários em países de longa tradição emissora, como Alemanha, Itália, Espanha e Portugal.

Lená Menezes (2018, p. 112) afirma que “o pós-guerra foi um período da (re)descoberta do Brasil como terra de acolhimento e refúgio”, projetando o período de 1945 a 1956 como de

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significativo fluxo de estrangeiros no país, totalizando, em 1952, um pico de 84.720 estrangeiros, dos quais 69.897 eram portugueses, italianos e espanhóis. Tais dados demonstram que a maior parte destes fluxos era constituída por nacionalidades que já tinham presença no Brasil desde o que Menezes (2018) se refere como a Grande Imigração da virada do século XIX para o XX (1890-1914), visto que já possuíam redes de contato e acolhimento, quais sejam, espanhóis, italianos e portugueses.

No entanto, o país também recepcionou povos que não tinham nenhuma expressão nas terras brasileiras, como japoneses e russos. Dentre outras nacionalidades que vieram para o Brasil, pode-se destacar os alemães, face à situação interna econômica e política da Alemanha derrotada, os quais se deslocaram majoritariamente para o sul do país e, especialmente, os alemães judeus perseguidos pelo nazismo e deslocados para campos de concentração; os poloneses, que constituíram a maior parte dos reassentados pela OIR; bem como a categoria dos apátridas, provenientes da desintegração das fronteiras europeias.

Para Arendt (2012), os apátridas eram um caso excepcional, uma vez que perderam o reconhecimento de sua nacionalidade nos seus países de origem, sendo obrigados a se deslocarem para outros locais, nos quais não tinham seus direitos fundamentais de cidadãos observados, sendo que, oficialmente, se reconhecia cerca de um milhão de apátridas, mas estimava-se em mais de dez milhões, distribuídos por toda a Europa.

Assim, mesmo que o número de estrangeiros recebidos pelo Brasil no período pós-guerra seja inferior ao total de imigrantes que chegaram quando da Grande Imigração, “os números existentes, com relação às entradas, inserem o país nas rotas e tendências dos deslocamentos internacionais” (MENEZES, 2018, p. 114).

Através da atuação da OIR, o Brasil recebeu mais de 20 mil refugiados, sendo pioneiro no recebimento de famílias inteiras de imigrantes. Em 1950, a OIR foi substituída pelo ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), órgão da ONU que se tornou responsável pelos quase meio milhão de pessoas ainda não realocadas em outros países e que até hoje é a referência na proteção, realocação e integração de refugiados, deslocados forçados e apátridas.

Em muitos lugares os migrantes não eram bem aceitos pela população local. Alguns os definiam como “‘neuróticos de guerra’, ‘desajustados’, ‘seres traumatizados’ e ‘escórias das ruínas da Europa’” (SANTOS, 2018, p. 04). O próprio governo brasileiro, segundo Menezes (2018), aceitou imigrantes, mas dando preferência àqueles com qualificação profissional para a atividade industrial e aos de origem europeia, especialmente portugueses, italianos e espanhóis demonstrando, assim, o ideal de branqueamento.

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Nesse sentido, cabe salientar que a atuação do ACNUR no Brasil se deu de forma mais notável em um momento em que o país vivia em uma ditadura, assim como outros países latino-americanos, a qual

não somente retardavam a adoção de uma política de acolhimento efetivo de refugiados, como produziam seus próprios exilados, como resultado de uma luta sem limites ou tréguas contra inimigos internos que pudessem ameaçar a segurança nacional, com a vigilância e repressão ao “outro” – em especial o comunista – sendo adotada como norma (Doutrina de Segurança Nacional). Somente com a redemocratização do país, no ano de 1982, a atuação do ACNUR pôde se enraizar. (MENEZES, 2018, p. 119).

Segundo Fausto Brito (2013), após a Segunda Guerra Mundial, o fluxo de migrações internacionais com objetivo de trabalho cresceram significativamente, sendo que, após os anos 1980, este novo cenário migratório internacional ficou mais nítido, aumentando o fluxo migratório de países em desenvolvimento para aqueles mais desenvolvidos e, consequentemente, mais ricos, com mais oportunidades, principalmente para a Comunidade Europeia, os Estados Unidos, o Canadá, o Japão e a Austrália, conforme será demonstrado no tópico seguinte.

1.2 O fenômeno das migrações na contemporaneidade

Se na época das Grandes Guerras as migrações internacionais aconteciam, majoritariamente, das potências europeias, que precisavam liberar seu excedente demográfico, para países em desenvolvimento, na atualidade, se destacam os fluxos migratórios de ordem inversa, com origem nos países mais pobres e tendo por destino os países mais ricos.

Segundo a Segundo a International Organization for Migration 1 (2019, p. 130), migrante é aquela pessoa que “se desloca para fora de seu local de residência habitual, tanto dentro de um Estado quanto através de uma fronteira internacional, temporária ou permanentemente, e por uma diversidade de motivos”, incluindo “categorias de pessoas definidas legalmente [...], assim como aquelas cujo status ou meio de deslocamento não está especificadamente definido na legislação internacional”(tradução minha)2.

1 Organização Internacional para Migração.

2moves away from his or her place of usual residence, whether within a country or across an international border, temporarily or permanently, and for a variety of reasons, […] the term includes a number of well-defined legal categories of people,[…] as well as those whose status or means of movement are not specifically defined under international law.

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Atualmente, um dos motivos para os movimentos migratórios é a diferença de renda e precárias condições socioeconômicas encontradas nos países de origem, restando à população que enfrenta difíceis condições de vida em regiões com baixos índices de desenvolvimento a migração em busca de melhores condições. (LIMA, 2017).

Aliado a isso, a questão migratória ressurge também a partir da nova organização geopolítica mundial, divisão internacional do trabalho e consequente fluxo de mão-de-obra especializada e riquezas entre os países. A partir da “integração comercial e financeira de países periféricos às economias norte-americana, europeias e japonesa, empresas transnacionais passaram a deslocar suas operações para países onde o custo de mão de obra é menor” (SILVA, 2018, p. 356).

Para Brito (2013, p. 90), “essa intensificação dos fluxos migratórios internacionais tem sido contemporânea de rápidas e profundas transformações na estrutura produtiva do capitalismo, com fortes repercussões sobre o mercado de trabalho”. Os avanços tecnológicos ocorrido nos últimos anos, principalmente após Segunda Guerra Mundial, devido a sua necessidade de melhoramento dos meios de transporte e armamento bélico, trouxeram a criação de novas ocupações, requeridas pelas novas forma de reorganização do trabalho, as quais, por sua vez, provocaram consequente redução da necessidade de mão de obra.

Diante das novas atividades econômicas trazidas pelos deslocamentos de empresas transnacionais, países semidesenvolvidos cresceram e se tornaram polos de atração de mão de obra, qualificada ou não, o que, aliado à nova organização do trabalho trazida pelo desenvolvimento tecnológico, causou o aumento do desemprego nos países industrializados, tendo como consequência a associação do migrante a uma ameaça, uma disputa no mercado de trabalho. (SILVA, 2018).

Os mercados estão mais seletivos, exigindo a necessidade de mão de obra especializada, o que leva ao avanço das taxas de desemprego, principalmente no que se refere a força de trabalho sem qualificação, inclusive sobre o mercado de trabalho secundário - dada a crise econômica que assola vários países na atualidade -, local este que, conforme Brito (2013, p. 90), é o “tradicional nicho dos imigrantes”.

Nesse cenário, outro fator de destaque é a diminuição das taxas de fecundidade e, consequentemente, o envelhecimento da população nos países desenvolvidos, principalmente os europeus, um dos principais destinos dos migrantes. O crescimento de idosos em relação à população economicamente ativa poderia ser um ambiente propício à entrada de migrantes nesses países, os quais representariam nova força de trabalho, contudo, o que se percebe na

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população é uma percepção negativa a ideia do acolhimento de qualquer tipo de migrante, tanto os forçados como os voluntários.

Com referência à ação dos Estados, observa-se a persistência de barreiras e dificuldades institucionais que restringem a mobilidade, sob uma lógica restritiva nas medidas adotadas por muitos governos, as quais ancoradas, sobretudo, na percepção da soberania territorial, justificando-se, assim, o controle e a permanência de estrangeiros em seu território. (LIMA et al., 2017, p. 22).

Diante disso, as migrações internacionais hoje são marcadas pelas atitudes repressivas dos Estados face à entrada e, após, ao estabelecimento dos migrantes, especialmente àqueles que não possuem a documentação necessária para permanecer e trabalhar no país, enfatizando questões de segurança e nacionalismo, de modo que eles acabam ficando à margem da sociedade. Somado a isso, tem-se o preconceito social e étnico sofrido, aliado a imagem de ameaças ao mercado de trabalho e às imagens estereotipadas veiculadas pelas mídias de massa, que contribuem para a opinião pública contrária a eles, o que deixa essas pessoas sem nenhuma perspectiva de integração na sociedade.

Ainda, segundo Camila da Silva (2018), após os eventos ocorridos em setembro de 2001, a leis migratórias dos países desenvolvidos passaram a impor restrições ainda mais severas a este deslocamento. Assim, pode-se dizer que além da dificuldade enfrentada pelos migrantes por estarem em um país novo, com uma língua diferente, uma cultura desconhecida, ainda precisam enfrentar a desconfiança e o preconceito da população local, face a doutrina de segurança que reforça a ideia de perigo estrangeiro.

Nesse sentido,

deve-se realçar, porém, a inoperância da maioria dos Estados-membros para responderem com eficiência, flexibilidade e rapidez aos choques migratórios, nomeadamente às mais recentes deslocações. Nota-se que, apesar dos esforços da Comissão Europeia e de alguns países da UE, continua a ser reduzida a resposta para as reais necessidades e pedidos de proteção, nomeadamente de pessoas oriundas da Síria. (OLIVEIRA et al., 2017, p. 82).

Conforme João Brígido B. Lima et al. (2017), os números das migrações internacionais nos últimos vinte anos tiveram um crescimento significativo, estimando-se, em 2013, a população mundial de migrantes em 232 milhões, considerando nesses números o movimento de qualquer pessoa, por meio de fronteira internacional ou dentro do seu próprio Estado,

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forçados ou voluntários, sendo refugiados, deslocados internos, migrantes econômicos, por motivos familiares, asilo, entre outros.

No que se refere aos migrantes forçados, dados da UNHCR (2019)3 revelam que, ao final do ano de 2018, existiam aproximadamente 70,8 milhões de pessoas forçadas a migrar no mundo em razão de perseguições, conflitos, violência generalizada ou violações de direitos humanos, das quais 25,9 milhões eram migrantes na condição legal de refugiados, sendo cerca de 20,4 milhões deles sob a proteção do ACNUR e 5,5 milhões sob a proteção da UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente), 10 milhões na condição de apátridas4, 3,5 milhões procurando asilo e 41,3 milhões na condição de deslocados internos, sendo 13,5 milhões de novos migrantes forçados apenas em 2018.

Na última década, segundo os dados da UNHCR (2019), a população global de migrantes forçados quase dobrou, de 43,3 milhões em 2009 para 70,8 milhões em 2018. Grande parte desse crescimento se deu entre os anos de 2012 e 2015, especialmente devido à Guerra Civil na Síria, além de outros conflitos no Oriente Médio, no Iraque, Iêmen, África, República Democrática do Congo e Sudão do Sul, assim como ao fluxo de migrantes do povo Rohingya para Blangadesh em 2017. No ano de 2018, a UNHCR destaca o fluxo de migrantes oriundos da Venezuela, o qual será abordado com mais ênfase no terceiro capítulo.

Esses dados revelam que a origem de grande parte desse número de pessoas deslocadas forçadas são os conflitos armados e guerras civis que assolam determinados países na atualidade, trazendo inevitáveis consequências à economia e levando a péssimas condições de vida, de desenvolvimento e a violações de direitos humanos. Segundo a UNHCR (2019), o número de refugiados5 no ano de 2018 cresceu em 1,1 milhão, em comparação com os 2,7 milhões de novos refugiados em 2017.

Como tem sido desde 2014, no final de 2018 a Síria continuava sendo a principal origem de refugiados, tendo em vista a guerra civil que atinge este país há anos. Mais de 6,7 milhões de sírios foram forçados a saírem de seu país. Atualmente os refugiados sírios já encontraram

3 United Nations Commissioner for Refugees. Em português: ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).

4 A International Organization for Migration(2019, p. 203) define apátrida como “a pessoa que não é considerada

como um cidadão por nenhum Estado na aplicação de suas leis” (tradução minha). No original: “person who is

not considered as a national by any State under the operation of its law”.

5 A International Organization for Migration(2019, p. 169) define refugiado como “a pessoa que, devido a um

fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a determinado grupo social ou opinião política, está fora do país de sua nacionalidade e não pode, ou, devido a tamanho receio, não deseja se beneficiar da proteção daquele país” (tradução minha). No original: “a person who, owing to a

well-founded fear of persecution for reasons of race, religion, nationality, membership of a particular social group or political opinion, is outside the country of his nationality and is unable or, owing to such fear, is unwilling to avail himself of the protection of that country”.

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asilo em 127 países ao redor do mundo, principalmente na Turquia, país que abrigou cerca de 3.622.400 sírios, seguidos pelo Líbano (944.200), Jordânia (676.300), Alemanha (532.100), Iraque (252.500), Egito (132.900), Suécia (109.300), Áustria (49.200) e Holanda (32.100).

A Guerra na Síria, que teve origem durante a Primavera Árabe (onda de protestos e revoltas ocorridas no Oriente Médio e Norte da África a partir de 2011), já dizimou mais de 470 mil pessoas, dentre crianças, civis, combatentes e soldados e feriu cerca de 1,9 milhões, além de cerca de 30 mil pessoas que se estima estarem desaparecidas. Segundo Rodrigues et al. (2018, p. 309), os refugiados da guerra da Síria, somados “a outros milhões de solicitantes de refúgio e de deslocados internos sírios, afegãos, sudaneses (Sudão do Sul), somalis, sudaneses (Sudão) e congoleses, registram o maior número de migrantes forçados desde a Segunda Guerra Mundial”. (RODRIGUES et al., 2018 e LIMA et al, 2017).

Os dados da UNHCR (2019) demonstram que a segunda maior população de refugiados em 2018 era a de afegãos, consistente em 2,7 milhões de refugiados, os quais estavam abrigados em mais de 93 países, dos quais a maior parte estava vivendo no Paquistão, seguido pelo Irã, Alemanha, Áustria e Suécia. Em sequência, vem a população de refugiados do Sudão do Sul, a qual diminuiu em comparação com o ano anterior, de 2,4 milhões para 2,3 milhões de refugiados, os quais encontravam-se residindo em maior parte na Uganda, Sudão, Etiópia, Quênia e República Democrática do Congo, tendo como principais causas o conflito armado, com consequente crescimento de doenças e desnutrição.

Em quarto lugar vem a população de refugiados do Myanmar, devido ao crescimento da violência no país, consistindo em 1,1 milhões de refugiados no final de 2018, os quais estavam abrigados em Bangladesh, Malásia, Tailândia e Índia. Por fim, em quinto lugar, estavam os 949.700 refugiados da Somália, número este que vem caindo continuamente, os quais viviam em maior parte na Etiópia, Quênia, Iêmen e África do Sul e Alemanha.

Desta forma, percebe-se que cerca de 67% da população de refugiados do mundo vêm de apenas 5 países, quais sejam, Síria, Afeganistão, Sudão do Sul, Myanmar e Somália, todos eles países não desenvolvidos.

Durante o ano de 2018, cerca de 2,9 milhões de migrantes retornaram para suas áreas de origem, dos quais 2,3 milhões eram deslocados forçados internos e 600.00 eram refugiados, os quais retornaram para 37 países de origem, principalmente para a Síria, Sudão do Sul e Somália, o que configura uma queda em comparação com 2017. Dos mais de 600.000 refugiados que retornaram para seus países de origem, boa parte deles o fez através da assistência do ACNUR. Contudo, segundo a UNHCR (2019), embora o retorno ao local de origem pareça, muitas vezes, a melhor solução para os refugiados, o que ocorre, na verdade, é

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um retorno sob circunstâncias adversas, sem boas condições de segurança, tampouco para reconstruir suas vidas e sem o devido compromisso do país de origem com o processo de reintegração dessas pessoas à sociedade.

Além do retorno ao país originário, a UNHCR (2019) apresenta o reassentamento como outro meio de solução para o problema dos refugiados, o qual ganha destaque em meio às poucas oportunidades de repatriação, face às condições de alguns países de origem. Segundo os dados da UNHCR (2019), em 2018, 1,4 milhões de refugiados estavam necessitando reassentamento, contudo, apenas 94.400 deles foram realocados em 25 países. Dentre os Estados que aceitaram os refugiados estão, em primeiro lugar, o Canadá, seguido pelos Estados Unidos, Austrália, Inglaterra e Suécia. Cerca de 68% dessas pessoas realocadas são sobreviventes de violência e tortura, majoritariamente mulheres e meninas.

Desde o ano de 2014, a Turquia tem abrigado a maior população de refugiados ao redor do mundo, com 3,7 milhões de pessoas no final de 2018, seguida pelo Paquistão (1,4 milhões), Uganda (1.165.700), Sudão (1 milhão), Alemanha (1.063.800), Irã (979.400) e Líbano (949.700). Na Alemanha, esse crescimento no número de refugiados deve-se, principalmente, à concessão de asilo a indivíduos que já estavam vivendo no país, bem como à chegada de migrantes reassentados.

Aproximadamente 84% da população mundial de refugiados no final de 2018 estava abrigada em países classificados pela ONU como em desenvolvimento, os quais já possuem desafios no que se refere ao cumprimento do objetivo de um desenvolvimento sustentável, tornando ainda mais difícil a mobilização de recursos para responder aos grandes fluxos de refugiados. (UNHCR, 2019).

Quantos às pessoas classificadas como em busca de asilo6, os dados revelam que, em 2018, havia 3,5 milhões de indivíduos com seus pedidos pendentes de apreciação e, dentre os 2,1 milhões de novos requerentes de asilo no ano de 2018, em 158 países, cerca de 254.300 submeteram pedidos para os Estados Unidos, sendo ele o maior receptor de pedidos, oriundos principalmente dos países da América Central, tais como El Salvador, seguido Guatemala, Venezuela, Honduras e México. Em segundo lugar vem o Peru, o qual teve um salto no número de submissões de pedido de asilos em 2018, especialmente pela situação de crise em que se encontra a Venezuela, chegando a 192.500 solicitações.

6 A International Organization for Migration(2019, p. 12) define uma pessoa em busca de asilo como “um

indivíduo que está procurando proteção internacional [...], cujo pedido ainda não foi decidido pelo país ao qual submeteu” (tradução minha). No original: “an individual who is seeking international protection, […] whose claim

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Por outro lado, a Alemanha experienciou, novamente, uma queda no número de pedidos de asilo, com 161.900 pedidos em 2018, se tornando o terceiro país em número de solicitações, advindas, principalmente, de sírios. Em sequência vem a França, com 114.500 solicitantes de asilo em 2018; a Turquia com 83.800; o Brasil com 80.000, o que configura um crescimento comparado com outros anos, especialmente diante do crescimento de deslocados oriundos da Venezuela; a Grécia com 57.000; a Espanha com 55.700, a qual também recebe muitas solicitações de venezuelanos e colombianos; o Canadá com 55.400; e a Itália com 48.900, o que representa menos da metade dos pedidos recebidos no ano anterior, no qual ela era o terceiro país em número de solicitações, principalmente de paquistaneses.

Segundo os dados da UNHCR (2019), uma situação que aumentou desde 2017, foi o número de refugiados e requerentes de asilo oriundos da América Central, com destino aos Estados Unidos, utilizando a fronteira mexicana-americana para chegar aos Estados Unidos em busca, especialmente, de trabalho e de proteção em relação à violência crescente em seus países de origem. Ao chegar nos EUA se deparam, contudo, com políticas restritivas às suas permanências no território norte-americano.

Por sua vez, o movimento de pessoas através do Mar Mediterrâneo em direção à Europa, os quais são, em maior parte, deslocados dos conflitos armados ocorridos nos países do Oriente Médio e Norte da África, em especial, da guerra na Síria, decresceu em comparação com outros anos. Contudo, ainda é significativo o número de pessoas arriscando suas vidas nesta travessia, com a grande maioria chegando na Itália, onde 126.500 pessoas submeteram pedidos de asilo em 2017.

Em 2018, pela primeira vez, a Venezuela foi o país de origem do maior número de pedidos de asilo, com 341.800 solicitações, comparados com os pouco mais de 110 mil em 2017. A maior parte destas solicitações foi destinada ao Peru (109.500), Brasil (61.600) e Estados Unidos (27.500). Em sequência, vem os pedidos de asilo provenientes do Afeganistão (107.500), majoritariamente para a Turquia e da Síria (106.200), que teve uma pequena queda comparando com o ano de 2017, majoritariamente para a Alemanha.

Outra categoria de migrantes contabilizados pelo ACNUR são as pessoas deslocadas internas7 em seus próprios países devido a conflitos armados, violência generalizada ou

7 Conforme a International Organization for Migration (2019, p. 107), deslocados internos são aqueles que “foram

obrigados a sair de seus lares ou lugares de residência habitual, especialmente como um resultado ou para evitar os efeitos de conflitos armados, situações de violência generalizada, violações de direitos humanos ou desastres de origem natural ou humana, e que não cruzaram uma fronteira estatal internacionalmente reconhecida”

(tradução minha). No original: “groups of persons who have been forced or IDPs obliged to flee or to leave their homes or places of habitual residence, in particular as a result of or in order to avoid the effects ofarmed conflict,

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violações de direitos humanos. Eles contabilizavam, conforme dados da UNHCR (2019), cerca de 41,3 milhões em 2018, sendo a Colômbia o país com a maior quantidade de deslocados internos, cerca de 7,8 milhões desde o ano de 1985, diante do conflito com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), além de outras 360 mil pessoas em situação de refúgio. Em segundo lugar, vem a Síria, com mais de 6 milhões de deslocados internos, em seu oitavo ano de crise.

No que se refere ao Brasil, os dados do Ministério da Justiça (2018) revelam que, do ano de 2011 até 2017, o Brasil recebeu cerca de 126 mil solicitações de reconhecimento da condição de refugiado, passando de pouco mais de 3.200 solicitações no ano de 2011 para 33.866 em 2017. Para Gabriela M. dos Santos e Jayme B. L. Júnior (2018, p. 58), esse aumento justifica-se pelo fato de o Brasil “seguir a tendência global, que verificou nos últimos anos um crescimento não somente da população refugiada como também das solicitações de refúgio devido à dificuldade em tratar as crises políticas e humanitárias vigentes”, bem como pelo fato de o país ter se consolidado como uma país acolhedor de pessoas deslocadas forçadas e que efetiva seus direitos em seu território, de modo que, mesmo distante geograficamente dos grandes conflitos mundiais, ainda sofre impacto dessas ondas migratórias.

Dentre esses solicitantes, a maior parte, consistente em 17.865 pessoas, são de venezuelanos, o que se explica pela crise econômica que o país está passando na atualidade, seguidos por cubanos (2.373) e haitianos (2.362).

Segundo Santos e Júnior (2018, p. 53) “os fluxos migratórios mistos, motivados por desastres ou fenômenos ambientais e climáticos que inviabilizam a vida das pessoas em seu local de origem ou residência têm causado um novo fluxo imigratório no território brasileiro”, o qual se intensificou a partir do ano de 2010. Nesse cenário, se destacam os imigrantes haitianos, que chegaram ao Brasil após o terremoto que devastou o país no início do ano de 2010. Dessa forma “os haitianos podem ser classificados como ‘refugiados ambientais’, uma vez que emigraram por conta de um evento climático extremo que causou a fuga massiva de sua população em busca de proteção internacional” (SANTOS; JÚNIOR, 2018, p. 56).

Quanto à faixa etária, 33% desses novos solicitantes de refúgio possuem entre 18 e 29 anos e 44% de 30 a 59 anos, o que demonstra, mais uma vez, que a grande parte deles são jovens, na idade considerada mais produtiva para o trabalho, sendo 71% pessoas do gênero masculino e 29% do feminino. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018).

situations of generalized violence, violations of human rights or natural or human-made disasters, and who have not crossed an internationally recognized State border”.

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Desde 2007 até o ano de 2017 o Brasil possuía 10.145 pessoas reconhecidas como refugiados, sendo 39% deles oriundo da Síria, 13% da República Democrática do Congo e 4% da Colômbia, sendo que cerca de 50% dos refugiados vivendo no Brasil residem no estado de São Paulo, principalmente devido às oportunidades de trabalho. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018).

O motivo do fluxo de refugiados sírios não só ao Brasil, mas a todo o mundo, é a grave situação que vive o país desde o início da guerra civil em 2011, assim como os advindos da República Democrática do Congo, em decorrência da guerra civil que ocorre no país. Segundo Lima et al. (2017, p. 55), “o Brasil tornou-se [...] o primeiro país da região das Américas a oferecer vistos humanitários aos refugiados sírios”. Já quanto aos colombianos, os avanços da negociação de paz entre o governo da Colômbia e as FARC tem causado uma redução nas solicitações de refúgio. (SANTOS; JÚNIOR, 2018 e RODRIGUES et al., 2018).

Diante disso, é possível afirmar que estamos passando pelo maior fluxo migratório desde a Segunda Guerra Mundial. Fluxo esse advindo tanto de crises socioeconômicas que atingem alguns países, fazendo com que a população local busque novas e melhores oportunidades em países estrangeiros ou mesmo em outras localidades em seus próprios países, quanto de conflitos armados, guerras civis e violações de direitos humanos que forçam as pessoas a saírem de seus Estados ou localidades e buscar abrigo em outros espaços. Dessa forma, diante da expressividade desse problema na atualidade, é preciso que os países desenvolvam políticas de recebimento a essas pessoas, respeitando as normas internacionalmente estabelecidas quanto à proteção de migrantes, conforme será abordado no próximo capítulo.

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2 AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS A PARTIR DO DIREITO INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

Após o advento das duas Grandes Guerras Mundiais, o tema das migrações forçadas ganhou destaque de nível mundial, dado ao grande número de pessoas que tiveram que sair de suas casas e, muitas, atravessar fronteiras internacionais, por medo de perseguição e por violação de direitos fundamentais. Diante disso, a fim de evitar que tamanha catástrofe ocorresse novamente, a comunidade internacional se organizou na confecção de documentos que estabelecessem normas internacionais de direitos humanos imperativas a serem seguidas por todos os países.

Nesse capítulo, serão abordadas algumas dessas normas, em âmbito internacional e regional, e sua importância no cerne da proteção internacional dos direitos das pessoas em situação de migração, especialmente aquelas na condição de refugiados e como se chegou na construção desse importante instituto.

2.1 A proteção do direito internacional dos direitos humanos e dos direitos dos migrantes

Segundo a International Organization for Migration (OIM)(2019, p. 53), deslocamento forçado é o movimento de

pessoas ou grupo de pessoas que foram forçadas ou obrigadas a sair de seus lares ou lugares de residência habitual, tanto cruzando fronteiras internacionais quanto dentro de um Estado, especialmente como um resultado ou para evitar os efeitos de conflitos armados, situações de violência generalizada, violações de direitos humanos ou desastres de origem natural ou humana. (tradução minha)8

Conforme abordado no capítulo anterior, esse fenômeno tem assumido grandes proporções na atualidade e, diante do cenário migratório atual, a problemática das migrações se tornou um desafio a ser enfrentados nas relações entre os Estados, no âmbito da cooperação internacional, especialmente no que se refere a classificação das categorias de migrantes para fins de concessão de proteção.

8 persons or groups of persons who have been forced or obliged to flee or to leave their homes or places of habitual residence, either across an international border or within a State, in particular as a result of or in order to avoid the effects of armed conflict, situations of generalized violence, violations of human rights or natural or human-made disasters.

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Segundo Brito (2013, p. 84), “as declarações dos Direitos do Homem, proclamadas no fim do século XVIII, resultantes das Revoluções Americana e Francesa, forneceram a base política para o Estado moderno”. Essas Declarações trouxeram como grande novidade o reconhecimento de direitos inalienáveis ao homem, fruto unicamente de sua natureza humana, independente de posição política, social ou religiosa, sendo dever do Estado, através do contrato social, garanti-los.

A Declaração da Independência dos Estados Unidos de 1776 prevê que todos os homens são naturalmente iguais entre si e possuem direitos fundamentais e inalienáveis, tais como a vida, a liberdade e a felicidade, sendo direitos da população se rebelar contra o governo que não os garantir, pois esta seria uma das finalidades do próprio Estado. Da mesma forma, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 reconheceu, em seu artigo 1º, que todos os homens nascem livres e com direitos iguais. Em seu artigo 2º, ela estabelece que uma das finalidades do contrato social constituído entre Estado e população é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem, sendo eles a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão. (BRITO, 2013).

Da análise dessas Declarações, percebe-se que elas vinculam o reconhecimento de direitos ao homem à nação a qual ele pertence, ou seja, a nacionalidade seria a condição para o indivíduo ser considerado membro daquela comunidade. Segundo Brito (2013), esse era o paradoxo dos direitos humanos, uma vez que se, a princípio, eles são inerentes à condição humana, deveriam ser reconhecidos independentemente de qualquer nacionalidade. Dessa forma, quando surgem no cenário europeu as pessoas apátridas, que não possuem mais vinculação com nenhuma comunidade política, e os migrantes que por algum motivo não podem voltar para suas nações de origem, as Declarações Francesa e Norte-Americana passam a não ser suficientes à proteção dessa parte da população, a qual era vista como indesejável aos demais.

Assim, no âmbito político internacional, as migrações forçadas passaram a ser, de fato, um objeto de preocupação apenas no período das duas Grandes Guerras Mundiais, no qual surge o instituto do refúgio, talvez uma das formas de deslocamento em maior destaque na atualidade. Os primeiros fluxos de migrantes forçados que foram reconhecidos como refugiados internacionalmente ocorreram com a dispersão coletiva de pessoas em territórios dominados durante as referidas guerras. Ou seja, o refúgio como instituto jurídico surgiu apenas em decorrência dos conflitos armados na Europa. (LIMA et al., 2017).

Segundo Brito (2013, p. 86), “as experiências totalitárias e a guerra levaram à ruptura radical dos direitos humanos. Clamava-se por uma resposta da comunidade internacional sem

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a qual o próprio conceito de humanidade estaria fortemente comprometido”. Dessa forma, com o final da Primeira Guerra Mundial sugiram organizações com o objetivo de proteção aos migrantes, tais com a Liga das Nações, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Contudo, com o crescimento do nacionalismo nesse período, bem como da ideologia de supremacia étnica, social e econômica europeia, traços remanescentes do sistema colonial europeu na época no imperialismo, após 1919, as legislações referentes a migrantes se tornaram cada vez mais restritivas, sendo eles considerados ameaças à estabilidade dos Estados. (LIMA et al., 2017). A Liga das Nações, por exemplo, criada em 1919 pelas potências vitoriosas na Primeira Grande Guerra, em razão da falta de consenso entre os países participante, não obteve êxito em seu objetivo de “supervisionar o desarmamento dos países derrotados e garantir a paz e a proteção dos direitos das minorias em suas respectivas nações” (BRITO, 2013, p. 86), tanto que não conseguiu evitar o crescimento das ideologias totalitárias, tampouco a ocorrência de uma nova Grande Guerra.

Diante disso, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) foi a maneira encontrada pelos países vitoriosos de prevenir e impedir a ocorrência de um novo desastre humanitário, com consequência tão gravosas quanto às duas Guerras Mundiais. A Carta das Nações Unidas (1945), elaborada na Conferência de São Francisco, em 1945, prevê um seu preâmbulo a necessidade de respeito aos direitos fundamentais, à dignidade, ao valor e a igualdade entre todos os seres humanos, assim como entre as nações, a fim de estabelecer condições nas quais as obrigações e tratados internacionais sejam reconhecidos, permitindo o progresso social, a paz e a segurança internacionais.

Da mesma forma, em seu artigo 1.3, estabelece como propósito das Nações Unidas conseguir a cooperação internacional “para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. Contudo, segundo Brito (2013), o grande obstáculo à efetivação dos direitos previstos na Carta das Nações Unidas (1945) é o seu artigo 2.7, que dispõe sobre a soberania dos países, determinando que “nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta”, excetuando apenas as decisões tomadas pelo Conselho de Segurança.

Esse documento previa a necessidade de elaboração de uma Carta Internacional de Direitos, que, além de estabelecer princípios, seria um “tratado com obrigações legais” (BRITO,

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2013, p. 87). Dessa forma, em 1948, foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), com o voto de 48 países, a qual, entretanto, diante da estremecida situação política mundial no pós-guerra, não conseguiu ser mais do que uma declaração, com apenas força moral, sem as obrigações inerentes a um tratado. (BRITO, 2013).

Em seu preâmbulo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reconhece que “a dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” e estabelece como ideal comum aos países assinantes, diante dos atos bárbaros produzidos pelo desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos, que quase destruíram a humanidade como a conhecemos, a promoção do “respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva”. Ainda, considera essencial a cooperação internacional para a proteção universal dos direitos humanos, para que “o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”.

Dessa forma, mesmo que a implementação, de fato, das disposições da DUDH ainda dependesse da incorporação no ordenamento jurídico de cada país, não tendo um poder coercitivo, é inegável a importância que a mesma teve para o sistema internacional de proteção dos direitos fundamentais. Percebe-se que o principal objetivo desta Declaração foi prevenir a ocorrência de novos eventos tão devastadores quanto às duas Guerras Mundiais, estabelecendo a cooperação internacional entre todos os países na proteção dos direitos e liberdades individuais como a forma de se chegar a esse objetivo.

Além disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) coloca os direitos e liberdades como inerentes simplesmente ao sujeito e não aos Estados-Nacionais, ao estabelecer em seu artigo 1º que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, bem como em seu artigo 2º que todos os seres humanos têm “capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento”.

Ainda, igualmente, estabelece que não será feita distinção com base em condições “política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania”. Dessa forma, a DUDH abre espaço para o reconhecimento de que

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