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A natureza das relações entre ONGS ambientalistas baianas e o poder público estatal o caso do grupo ambientalista da Bahia e da fundação ondazul

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ELIZABETE MARIA BARROS THOMAS

A NATUREZA DAS RELAÇÕES ENTRE

ONGS AMBIENTALISTAS BAIANAS

E O PODER PÚBLICO ESTATAL

O CASO DO GRUPO AMBIENTALISTA DA BAHIA E DA FUNDAÇÃO ONDAZUL

Salvador

2006

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A NATUREZA DAS RELAÇÕES ENTRE

ONGS AMBIENTALISTAS BAIANAS

E O PODER PÚBLICO ESTATAL

O CASO DO GRUPO AMBIENTALISTA DA BAHIA E DA FUNDAÇÃO ONDAZUL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Administração, Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Administração.

Orientador: Prof Dr. José Antônio Gomes de Pinho

Salvador

2006

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Esta pesquisa analisa a natureza das relações entre o movimento ambientalista baiano e o poder público estatal. Para tanto, desenvolve um estudo de caso comparativo entre duas organizações não-governamentais baianas: o Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBÁ) e a Fundação OndAzul (FO). A escolha de tais entidades baseou-se em sua forte atuação no cenário baiano e nas diferentes trajetórias percorridas por cada uma delas: enquanto a primeira surge no bojo do movimento ambientalista brasileiro da década de 1980, a segunda nasce no processo de articulação pré-Rio 92, com o intuito de ser profissionalizada. Para chegar ao quadro comparativo a que se apresenta foi preciso, primeiramente, rever a teoria relativa aos movimentos sociais e ao movimento ambientalista brasileiro e, posteriormente, revisitar o debate referente ao meio ambiente desde o final da década de 70. Para a validar o estudo, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com membros-chave das organizações em questão. O estudo conclui que o que está em jogo são diferentes percepções políticas que são adotadas pelas diversas entidades do movimento ambientalista baiano. O contexto em que tais organizações foram institucionalizadas é importante, mas não determinante, à conso lidação de suas posturas em relação à possibilidade ou não de estabelecimento de parcerias com o poder público estatal.

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This research analyses the nature of the relations between the ambientalist movement in Bahia and the government. It develops a comparative case study among two non-governmental organizations: - Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) and Fundação OndAzul (FO). These two organizations were selected due to its strong influence in the local scenario and the differences related to its structure. The first one appears as a result of the brazilian ambientalist movement of de 80`s. The second one is as a result of the pre-Rio 92 articulation process and was created to be a professional entity. To reach a comparative result, it was necessary to review theories about social movements and the brazilian ambiental movement and, more than that, to revisit the debate upon environmental issues from 1970 to now. To validate this study, several interviews were held with key members of such organizations. One of the the main conclusions of this research is that the main point of the discusion is about the differences in political perceptions that can be held. The context in which such organizations were created is very important, but not the only reason, to determine its political point of view.

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Eco-92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento FO Fundação OndAzul

GAMBÁ Grupo Ambientalista da Bahia

NMS Paradigma dos Novos Movimentos Sociais ONG Organização não-Governamental

Rio-92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Unep Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas

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1.1 OBJETO DE ESTUDO 10

1.2 ESCOLHAS METODOLÓGICAS 11

1.3 HIPÓTESES DE TRABALHO 14

1.4 JUSTIFICATIVA 15

2 SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS 18

2.1 OS PARADIGMAS EXPLICATIVOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS 18 2.2 REVISITANDO O CONCEITO DE MOVIMENTOS SOCIAIS 24 2.2.1 Uma Breve Análise sobre o Pape l das Classes Sociais nos

Movimentos Sociais

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3. DA RELAÇÃO ENTRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS,

ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS E O PODER PÚBLICO ESTATAL

33

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO 33

3.2 MOVIMENTOS SOCIAIS, ONGS E ESTADO 38

4 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA BRASILEIRO 46

4.1 AÇÕES DE CARÁTER CONSERVACIONISTA (1920-1970) 52 4.2 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA EM SUA FASE FUNDACIONAL

(dos anos 70 até 1986) 54

4.3 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA EM SUA FASE DE

INSTITUCIONALIZAÇÃO (de 1986 ao período pré-Rio 92) 57 4.4 O MOVIMENTO AMBIENTALISTA DA DÉCADA DE 90 60

4.5 PERSPECTIVAS 62

5 DAS ENTIDADES BAIANAS 64

5.1 O GRUPO AMBIENTALISTA DA BAHIA (Gambá) 65

5.2 A FUNDAÇÃO ONDAZUL (FO) 74

6 ANÁLISE COMPARATIVA DAS ENTIDADES 80

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 88

REFERÊNCIAS 93

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1 INTRODUÇÃO

No Brasil, foi apenas nos anos 60 que os estudos sobre os movimentos sociais ganharam espaço na academia, de um lado impulsionados pelo desenvolvimento do próprio campo conceitual - de teorias sobre o socia l e ações coletivas – e, por outro lado, pela visibilidade que tais movimentos adquiriram na sociedade.

Estes estudos consolidaram-se no período 1970-95 quando da implantação de cursos de pós-graduação (e o estudo da temática em questão até hoje está concentrado nos grupos de pesquisas da pós-graduação) e do aumento significativo das mobilizações. Tais estudos, no entanto, sempre estiveram departamentalizados em áreas acadêmicas específicas: assim, a antropologia tem se preocupado historicamente com as questões indígenas, a sociologia e a ciência política com os movimentos populares, direito e arquitetura com as questões ligadas à moradia e à terra e assim por diante. (GOHN, 2004)

Os trabalhos que foram (ou estão sendo) produzidos nas últimas duas décadas são, majoritariamente, estudos de caso ou trabalhos que fazem recortes, tais como: relação com a igreja, com os partidos políticos ou com o Estado. Concentram-se também em pesquisas sobre movimento dos trabalhadores (urbanos e rurais), populares, ligados à religião, estudantis,

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político-partidários, de elites econômicas e, a partir da década de 1990, os chamados novos movimentos sociais1. Há, ainda, alguns poucos estudos que procuram fazer um levantamento temporal de uma determinada categoria de movimento. (KAUCHAKJE, 2002)

São características desses trabalhos: sua natureza empírico-descritiva centrada na fala dos agentes, concentração dos estudos na pós- graduação, divisão em áreas acadêmicas e utilização, por diversas vezes acrítica, do paradigma clássico marxista até meados dos anos 1980 e a partir de então do paradigma dos novos movimentos sociais, ambos de origem européia.

Por outro lado, estudos comparativos sobre os atuais movimentos sociais são escassos (GOHN, 2004; KAUCHAKJE, 2002) e são mais raros ainda estudos desta natureza que focam a realidade baiana.

Há, ainda, ‘novos temas’ pertinentes ao estudo dos novos movimentos sociais que não foram plenamente incorporados pela academia. As transformações sócio-econômicas dos anos 90 fizeram com que surgissem novos problemas e transmutações na sociedade civil, abrindo lacunas a serem crescentemente preenchidas pelas pesquisas. A questão relativa às novas formas de articulação entre movimento social e organizações não- governamentais (ONG) têm sido precariamente estudada (MONTAÑO, 2003), assim como as questões pertinentes às parcerias realizadas entre as organizações não-governamentais e o poder público estatal. (LOUREIRO, 2003)

No que tange ao relacionamento entre organizações não-governamentais e o Estado, o estudo desta relação é importante na medida em que este tipo de entidade da sociedade civil tem,

1

Entendemos como novos movimentos sociais aqueles que se articulam no campo da cultura, como o movimento das mulheres, étnicos e ecológicos, por exemplo, como será explicitado mais adiante.

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crescentemente, se envolvido na formulação de políticas públicas e, ainda, tem assumido responsabilidades sociais que o Estado estaria abandonando. (TEIXEIRA, 2002)

Estas duas questões – do relacionamento entre movimento social e organização não-governamental e das parcerias entre organizações não-governamentais e poder público estatal – serão estudadas neste trabalho.

Na tentativa de compreender melhor tais fenômenos realizar-se-á uma reflexão conceitual relativa aos termos envolvidos, tais como movimentos sociais, organizações não-governamentais e seus inter-relacionamentos.

Optou-se neste estudo pela análise do movimento ambientalista, pois foi identificado que este é um movimento social de forças crescentes e com uma das maiores capacidades de articulação da sociedade. (CASTELLS, 1999) Ainda, são escassos os estudos relativos ao movimento ambientalista baiano e este trabalho tem como objetivo fomentar as pesquisas e debates referentes a esta temática.

1.1 OBJETO DE ESTUDO

O seguinte pressuposto foi utilizado como guia para a realização deste trabalho:

Nos anos 90 o Estado tem, crescentemente, descentralizado suas atividades e chamado a sociedade civil para o compartilhamento de responsabilidades em busca de soluções para as mazelas sociais contemporâneas. Este ente estatal vê as ONGs enquanto intermediárias no relacionamento com a sociedade civil e enquanto executora eficiente de projetos. Por este

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motivo, busca-se delegar funções públicas às entidades pertencentes aos diversos movimentos. (BORIS, 1998; CARVALHO, 1999; LOUREIRO, 2003; MATTOS; DRUMMOND, 2005; MEIRA; ROCHA, 2003; MONTAÑO, 2003; PANAFIEL, 2005)

Neste contexto, procurou-se no trabalho responder à seguinte pergunta:

Qual a natureza das relações que são estabelecidas entre ONGs do movimento ambientalista baiano e o poder público estatal na década de 90?

Para tal foi preciso revisitar a teoria referente aos movimentos sociais e, ainda, sobre o movimento ambientalista brasileiro. Em seguida, realiza-se uma análise relativa às organizações não- governamentais e seus relacionamentos com o movimento social e com o poder estatal. Por último, realiza-se um estudo de caso com duas organizações baianas e estabelece-se um quadro comparativo entre as mesmas.

É objetivo desta dissertação contribuir para uma reflexão sobre as relações que são estabelecidas entre o movimento ambientalista baiano (através das organizações não-governamentais) e o poder público estatal.

1.2 ESCOLHAS METODOLÓGICAS

O presente trabalho é de cunho exploratório e visa a análise da natureza das relações que são estabelecidas entre o movimento ambientalista baiano e o poder público estatal. Para tal, do universo de organizações não-governamentais que compõem tal movimento, procurou-se selecionar entidades originárias da Bahia que pudessem ser tidas enquanto representantes do movimento ambientalista neste Estado.

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Inicialmente, três entidades foram selecionadas: o Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), o Grupo de Recomposição Ambiental (Gérmen) e a Fundação OndAzul (FO).

Enquanto o Gambá e o Gérmen começam a articular-se no início dos anos 80 e são institucionalizados, respectivamente, em 1982 e 1986, tendo forte posicionamento crítico em relação ao Estado e avesso ao estabelecimento de parcerias com este, a FO surge em 1990, em um contexto distinto daquele existente no início da década de 80, já com o intuito de ser profissionalizada e tendo as parcerias enquanto estratégia de atuação.

No entanto, de acordo com Meira e Rocha (2003), o Gérmen tem a visão de que a entidade deve permanecer à “margem do sistema”, de maneira informal. Por isso, apesar de já fomentar ações desde o início da década de 80, a institucionalização da entidade só se deu tardiamente, em 1986, por conta da necessidade de mover uma ação civil pública contra o prefeito da época.

Ao contrário do Gambá, como será demonstrado mais adiante, o Gérmen não acompanhou as tendências do movimento ambientalista brasileiro e não profissionalizou sua gestão, processo que, nos anos 90, será tido enquanto essencial à sobrevivência das organizações não-governamentais. Como até hoje as atividades são voluntárias, torna-se difícil a dedicação dos seus membros em tempo integral à organização ou a divisão formal de atribuições entre os mesmos. Desta forma, cada coordenador volta-se a atividades de interesse pessoal e não são definidas linhas de ação específicas para o Gérmen como um todo. (MEIRA; ROCHA, 2003)

Talvez seja por estas razões – não profissio nalização, atuação exclusivamente voluntária, falta de um projeto único para todos os membros da organização – que o Gérmen encontra-se hoje desmobilizado. Por não ter mais uma atuação tão marcante na sociedade e não ser mais um atuante típico e incisivo do movimento ambientalista baiano, apesar de ser uma das primeiras entidades institucionalizadas na Bahia, o Gérmen não foi considerado na análise.

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Optou-se aqui pelo estudo de caso comparativo entre o Gambá e a Fundação OndAzul. A escolha destas organizações não- governamentais deve-se ao fato de elas serem as mais atuantes no seio do movimento ambientalista baiano e serem representantes típicas do mesmo.

Ambas organizações atuam há relativamente bastante tempo, em um cenário de difícil articulação, onde é regra a curta duração de entidades de tal gênero.

Tem-se enquanto estratégia de pesquisa o estudo de caso múltiplo e enquanto unidades de análise as duas organizações acima citadas: o Gambá e a FO.

A pesquisa valeu-se, primeiramente, de levantamento bibliográfico sobre os principais temas abordados, sendo eles: movimentos sociais, suas correspondentes teorias e debates entre elas; movimento ambientalista; organizações não- governamentais; e a relação entre movimentos sociais, ONGs e Estado. Foram analisados também documentos institucionais, com o intuito de entender melhor as organizações que foram objeto deste trabalho.

Em seguida foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com membros-chave destas ONGs, com o intuito de obter de seus discursos subsídios à análise que se propõe. Entende-se aqui a entrevista semi-estruturada enquanto uma “forma especial de conversação”. (MATTOS, 2005)

Na Fundação OndAzul foi entrevistado Armando Almeida, seu atual presidente. Já no Grupo Ambientalista da Bahia, foram entrevistados Luiz Roberto Santos Moraes, fundador e membro do conselho diretor e Renato Cunha, também fundador e membro da coordenação executiva. Todas as pessoas entrevistadas são atuantes no movimento ambientalista baiano há muitos anos e estão à frente das organizações às quais representam. Estas são, portanto, pessoas importantes dentro do movimento baiano.

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Tendo em vista o fato de que as entidades em questão possuem hoje quadros bastante profissionalizados e enxutos, optou-se pela realização de entrevistas qualitativamente relevantes à consecução do trabalho.

Posteriormente tornou-se necessário organizar as informações obtidas a partir destas entrevistas, objetivando possibilitar a elaboração de maiores inferências relativas ao tema, à luz do referencial teórico utilizado.

1.3 HIPÓTESES DE TRABALHO

Admitem-se enquanto possíveis respostas a este trabalho:

a. O Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) tem adotado uma postura de enfretamento frente ao poder público estatal. Esta postura seria fruto do seu envolvimento histórico com o movimento ambientalista brasileiro. Isto significa que tal instituição passou pelas dificuldades pertinentes ao início deste movimento e participou das lutas pelo reconhecimento de seu espaço na sociedade civil brasileira, consolidando, assim, uma forte identidade e cultura. Por preservar as características do contexto no qual surgiu, tal entidade possui hoje uma percepção política crítica no que diz respeito ao estabelecimento de parcerias.

b. A Fundação OndAzul (FO), por nascer em um contexto distante do das lutas políticas do movimento ambientalista em seus momentos formadores, possui uma percepção política menos crítica e mais voltada à conciliação de interesses. A FO adota uma

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postura flexível e de diálogo com o poder público estatal com ênfase no estabelecimento de parceiras.

1.4 JUSTIFICATIVA

A justificativa deste trabalho dar-se-á aqui em um sentido: demonstrando brevemente a possibilidade de estudo dos movimentos sociais e das ONGs no campo da administração, uma ciência social aplicada.

O objeto de estudos da administração tem, erroneamente, sido apontado como sendo o conjunto de atividades voltadas à gestão das organizações. Este conceito reducionista que envolve o campo do conhecimento em questão é resultado de uma visão utilitaris ta, que, focando a necessidade do comprometimento com os resultados empresariais, desconsidera a diversidade das idéias produzidas neste campo interdisciplinar. (MA, 2004)

França Filho (2004), ao revisitar “a natureza do conhecimento que se produz nesta área”, organiza as idéias produzidas em nome da administração em três campos: o primeiro é o de técnicas e metodologias gerenciais, o segundo é o das áreas funcionais e o terceiro o da teoria das organizações.

O campo das técnicas e metodologias gerenciais é aquele desenvolvido para o auxílio das atividades gerenciais sendo, portanto, dotado de sentido prático e aplicado. É concebido no âmbito das empresas e voltado à elaboração de ferramentas e modelos (sendo, em função mesmo do seu caráter economicista, mais facilmente alvo dos chamados “modismos da administração”) com o fim de possibilitar o alcance de metas.

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As áreas funcionais (sub-áreas da prática administrativa, fruto da divisão horizontal do trabalho) são confundidas com o objeto próprio da administração. São elas: marketing, finanças, produção e recursos humanos. Ambos os campos, o das técnicas e metodologias gerenciais e o das áreas funcionais, focam a dimensão operacional do campo do conhecimento em questão e são eminentemente de caráter prescritivo. (FRANÇA FILHO, 2004)

Nos anos 50, quando dos primeiros ensaios sobre a teoria organizacional nos Estados Unidos, o elemento de análise é deslocado do trabalho em si para o local aonde este mesmo trabalho é exercido e, conseqüentemente, a perspectiva deixa de ser prescritiva para ter cunho explicativo. Conhecimentos das mais diversas áreas foram progressivamente sendo incorporados, acentuando o caráter interdisciplinar e aplicado do campo. A adoção, por parte dos pensadores da administração, de uma tradição mais voltada à psicologia deu origem à abordagem comportamentalista, centrada em temas como a motivação, liderança e tomada de decisões. A adoção de conceitos da sociologia originou a abordagem estruturalista (ou sociologia das organizações), centrada em temas como a burocracia e os sistemas sociais. (FRANÇA FILHO, 2004; MA, 2004)

Para os estruturalistas, são as organizações o objeto próprio da administração e não as técnicas gerenciais utilizadas nas mesmas. Estas organizações teriam as mais diversas formas de acordo com o espaço no qual são estruturadas. Cada espaço seria dotado de uma lógica própria.

Assim podemos considerar, de modo esquemático, de um lado, as empresas atuando no mercado e orientadas segundo uma lógica fundamentalmente econômica e utilitária. De outro lado, as instituições públicas atuando no espaço do chamado estado. Estas se orientam segundo a lógica do poder burocrático e devem por princípio buscar satisfazer a dignidade dos cidadãos. E ainda, é preciso considerar um amplo espectro de

organizações sobretudo de natureza associativa atuando no espaço público da sociedade, isto é, fora do circuito do Estado e do mercado. Estas, embora possam ser consideradas como iniciativas privadas, pois partem da ação de cidadãos, não tem objetivos lucrativos e almejam o

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alcance de finalidades que também são públicas . (FRANÇA FILHO,

2004: 62. Grifo nosso).

Os movimentos sociais articulados em torno de organizações não- governamentais, diante da profissionalização que se fez necessária na década de 90, têm incorporado crescentemente as estratégias utilizadas no “mundo” organizacional, tangenciando-o permanentemente. (CARVALHO, 1999) Além disto, muitas das temáticas abordadas pela teoria organizacional são passíveis de aplicação neste campo, tais como: liderança, análise comportamental, conflito, poder, motivação, estratégias, tomada de decisões, entre outras.

Os movimentos sociais

têm uma concretude, e para viabilizar e operacionalizar suas pautas e agendas de ação se apóiam em instituições e em organizações da sociedade civil e política. Muitas vezes a proximidade desta interação é tamanha, ou o conflito que permeia suas ações se regulamentou de tal forma, que ele deixa de ser movimento e se transforma numa organização (GOHN, 2004: 254)

Ou seja, há quase sempre uma articulação direta entre movimentos sociais e organizações, quando não uma institucionalização do próprio movimento, ou de parte dele, em uma organização não- governamental.

Por outro lado, na última década, o estudo das organizações não-govername ntais tem se acentuado nas escolas de administração do país e os debates sobre as diferentes formas de gestão de ONGs tornou-se uma constante preocupação da academia.

A complexificação das estruturas organizacionais das ONGs e a crescente necessidade de profissionalização em função da concorrência por recursos, entre outros fatores, tornou tais organizações objeto de estudo das mais diversas pesquisas em diferentes campos do conhecimento, e a Administração não é exceção neste contexto.

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2 SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS

2.1 OS PARADIGMAS EXPLICATIVOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Segundo Thomas Kuhn (1972), um paradigma é um conjunto explicativo no qual são formuladas teorias, conceitos e categorias, de forma que é possível dizer que um determinado paradigma constrói uma interpretação correspondente de um determinado fenômeno ou processo da realidade social. Os paradigmas constroem universos explicativos próprios e surgem toda vez que é difícil envolver novos fatos em velhas teorias.

Historicamente, nos estudos brasileiros referentes aos movimentos sociais, tem-se apropriado sistematicamente de teorias elaboradas em contextos distintos da experiência latino-americana. (BORIS, 1998; GOHN, 2004) Quando das primeiras pesquisas no Brasil sobre a temática em questão, foi predominante a utilização do paradigma europeu marxista de análise.

Neste paradigma, as classes sociais são o ponto de partida da análise. Esta categoria era utilizada para a identificação da origem dos participantes das ações, seus interesses em um movimento específico e, ainda, para o entendimento do programa ideológico que os orientam.

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As classes sociais são desdobramentos da esfera produtiva de uma determinada sociedade, ou seja, do conflito capital versus trabalho. Seria, então, a posição de um indivíduo na sociedade o determinante de suas ações na mesma (foco nas questões estruturais). Um estrato social determinado mobilizar-se- ia de acordo com seus interesses de classe, destacando-se aí a noção dentro da teoria de que os movimentos não surgem espontaneamente e evidenciando a existência de uma lógica no processo de desenvolvimento destas mesmas mobilizações. (BORIS, 1998)

Esta percepção de que é a infra-estrutura econômica a determinante da superestrutura será posteriormente considerada, segundo Dagnino (2000), enquanto reducionismo econômico.

As categorias como gênero, etnia, preferência sexual, entre outras, não eram utilizadas pelos teóricos deste paradigma, sendo abordadas apenas no paradigma que posteriormente será desenvolvido na Europa: o dos novos movimentos sociais. As articulações feitas em torno destas categorias eram consideradas como arcaicas ou pré-políticas e eram vistas com hostilidade. (DOIMO, 1995) Dagnino (2000) lembra-nos que a cultura estava sob julgo/domínio da alienação, da falsa consciência e da mistificação.

O Estado, neste paradigma, era visto como lócus da dominação e de poder da sociedade. Era ele, portanto, o alvo da luta política. Dagnino (2000) demonstra que esta visão estadista da política por parte do paradigma em questão era legitimada pela sociedade brasileira do final da década de 70. A realidade brasileira reforçava esta visão, uma vez que o Estado era, nesta época, forte, intervencionista e o principal agente das mudanças sociais.

Em meados da década de 70 novos movimentos espontâneos ganharam força no cenário de lutas políticas, os quais extrapolavam o “antigo“ modelo de organização dos trabalhadores em partidos políticos e sindicatos. Surge uma série de manifestações sociais não oriundas das

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relações produtivas e fo ra deste contexto, evidenciando o esgotamento destas formas de organização e a necessidade de revisitá-las. Até então, “tudo o que fugisse desse raio de ação sequer podia ser incluído sob a rubrica do verdadeiro movimento social”. (GOHN, 2004: 39)

Em conjunto com esta explosão de novos movimentos articulados em torno da esfera política e cultural, a desmistificação dos regimes socialistas do leste e a sucessiva erosão dos esquemas teóricos marxistas acabaram por marcar a configuração de um novo tempo.

Com a complexificação da realidade social e a evolução das formas de organização da sociedade civil, as teorias sobre a ação social passaram a ser estudadas com mais propriedade e o conceito de movimento social foi refinado, como evidenciará o tópico a seguir. Assim, novas teorias surgiram nos países europeus, formando o chamado paradigma dos novos movimentos sociais que, posteriormente, ganhou adesão no Brasil e demais países da América Latina.

Este novo paradigma, dos novos movimentos sociais (NMS), foi rapidamente adotado nas análises dos fenômenos sociais latino-americanos e constituiu um novo modelo teórico baseado na cultura, no qual as relações sociais de produção perdem o seu papel central na análise. O campo cultural e político na teoria social deixam de ser subjugados à esfera econômica e os sujeitos históricos não são mais as classes sociais, mas os atores sociais (BORIS, 1998; GOHN, 2004; DAGNINO, 2000).

Quando o terreno da cultura é reconhecido como político e como lócus da constituição de diferentes sujeitos políticos, quando as transformações culturais são vistas como alvos da luta política e a luta cultural como instrumento para a mudança política, está em marcha uma nova definição da relação entre cultura e política. (DAGNINO, 2000: 78)

Estes atores se autodefinem, independentemente do lócus que ocupam na estrutura econômica da sociedade, para posteriormente definirem o seu relacionamento com os demais sujeitos e com o meio. O sujeito passa a ser visto enquanto Ser composto de múltiplas identidades. É

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possível, por exemplo, que um mesmo indivíduo engaje-se em diferentes lutas sociais a depender de como sua identidade é definida por si mesmo. A identidade coletiva passa a ser a categoria de análise fundamental deste paradigma.

O marxismo, segundo Gohn (2004: 122), descartaria “a possibilidade de mudança a partir da ação do indivíduo, independente dos condicionamentos das estruturas”. Há, então, a negação do marxismo enquanto paradigma explicativo.

Os movimentos sociais passam a ser denominados de "novos", pois se opõem aos "antigos" movimentos da classe trabalhadora. Os interesses dos sujeitos históricos são outros, a forma de fazer política diferencia-se e há politização de novos temas.

Para Gohn (2004) o que muda, na verdade, é muito mais do que a sua forma de articulação, mas também a forma de relacionar-se com as outras instituições na esfera pública. Já Dagnino (2000) reforça esta visão da transformação do caráter destas articulações ao falar que “a relação com as massas, as formas de organização, a caracterização dos sujeitos políticos, o papel do Estado e a própria concepção de política foram objeto de debate e revisão”. (DAGNINO, 2000: 69)

No final da década de 70, por conseguinte, os movimentos de gênero, pacifistas, ecológicos, de diversas etnias, nacionalistas e outros com uma pluralidade enorme de interesses centralizam a luta política. O período de seu surgimento marcou otimismo, evidenciando a idéia de que tais mobilizações produziriam um “duplo poder”, ou seja, a constituição de uma força política paralela à do Estado. (DOIMO, 1995)

A maioria dos movimentos sociais tradicionais incidia sobre as carências de sobrevivência imediata. Uma das novidades dos novos movimentos sociais é o fato de “se originarem fora da esfera produtiva e dos canais convencionais de mediação política, em espaços fortemente

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marcados por carências referidas ao vertiginoso crescimento e crise do Estado capitalista” (DOIMO; 1995: 50).

A ação-direta é característica fundamental das novas formas de participação, diferentemente daquelas formas características sob a égide do paradigma marxista (partidos políticos e sindicatos). As organizações são espontâneas, independentes e autônomas. Esta noção de ação-direta tem sido analisada tanto de forma negativa quanto positiva: como irracionalidade das massas em oposição às formas racionais de organização por uns e como autonomia da sociedade civil por outros. (DOIMO, 1005)

Ainda como característica fundamental há, para Dagnino (2000), a autonomia criativa, a capacidade constante de re-elaboração de seu projeto, de auto re-articulação e a negociação.

Os trabalhos contemporâneos realizados sob o paradigma dos novos movimentos sociais utilizam a matriz teórica composta pelos trabalhos de Jürgen Habermas, Husserl e Felix Guattari.

Habermas (apud GOHN, 2004) é essencial para o entendimento das teorias elaboradas sob este paradigma, pois é ele quem melhor trabalha a análise interpretativa da vida cotidiana. Este pensador utiliza o conceito de “mundo da vida”, um reservatório de tradições conhecidas imersos na linguagem e na cultura e utilizados cotidianamente.

Os atores sociais

na medida em que coordenam suas ações por intermédio de normas intersubjetivamente reconhecidas, agem enquanto membros de um grupo social solidário. Os indivíduos que crescem no interior de uma tradição cultural e participam da vida de um grupo internalizam orientações valorativas, adquirem competência para agir e desenvolvem identidades individuais e sociais. A reprodução de ambas as dimensões do mundo da vida envolve processos comunicativos ou transmissão da cultura, de integração social e de socialização. (ARATO e COHEN apud GOHN; 2004: 137-138)

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Para Habermas (apud GOHN, 2004), os movimentos sociais criariam a possibilidade de novas relações sociais, quando da busca de soluções alternativas aos problemas comuns enfrentados pelos indivíduos. Estas novas relações, por sua vez, culminam na expansão dos espaços públicos da sociedade civil. Os movimentos são, portanto, elementos dinâmicos no processo de aprendizado e formação da identidade social.

Husserl (1980), por sua vez, é fonte importante quando se trata de fenomenologia, sendo esta entendida como uma abordagem subjetivista dos fenômenos. O autor pontua como pressupostos fenomenológicos: a importância da consciência dos indivíduos no questionamento cotidiano da vida social; a necessidade da busca da intencionalidade na consciência e a importância da experiência na vida dos indivíduos, gerando hábitos e atitudes cognitivas.

Em meados da década de 80, as demandas dos movimentos sociais se aproximam das questões do cotidiano, evidenciando a necessidade do desenvolvimento da consciência desta vida cotidiana.

A fenomenologia busca os significados dos fatos do dia-a-dia dos indivíduos e ainda “tenta tornar explícita a consciência daquilo que está latente na vida cotidiana, mas que se encontra dissimulado”. (GOHN, 2004: 137)

Para Guattari (1981) os novos movimentos sociais não querem o consenso, mas a intervenção. Não querem o poder em si, mas cristalizar na sociedade outras formas de organização. A transformação social não poderia restringir-se à tomada do aparelho estatal, mas, partindo da ação cotidiana individual e coletiva deveria questionar todos os aspectos da vida em sociedade.

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A noção fundamental para ele, adotado pelo paradigma dos NMS, é a da necessidade da produção contínua da ação. Dagnino (2000) sintetiza esta posição ao dizer que a “revolução” deixaria de ser concebida enquanto “ato insurrecional” para ser concebida enquanto processo. É o que Guattari (1981) denomina de “revolução molecular”.

Percebe-se, portanto, que compartilhar previamente uma determinada condição de classe deixou de ser ponto de partida para a articulação dos sujeitos em movimentos sociais. O que ocorre é a construção, em processo, de uma identid ade coletiva em uma constante submetida à reelaboração e à renovação; sendo esta identidade entendida como base para a ação política organizada na direção de uma transformação social.

Com a crise do Estado e a maior difusão dos meios informacionais, os indivíduos começam a questionar a eficácia do sistema representativo no qual se inserem. É no bojo destas transformações paradigmáticas que o lócus da mobilização deixa de ser a sociedade política para se dar na sociedade civil, modificando assim o sentido próprio da política. Há a re-significação do político e a política passa a ser articulada também na sociedade civil.

As novas formas de organização desta sociedade em transmutação implicam na “marginalização” gradual do conceito “classe social” e a consolidação do conceito “identidade” enquanto fator de coesão social.

2.2 REVISITANDO O CONCEITO DE MOVIMENTOS SOCIAIS

O termo ´movimento social´ foi cunhado por volta de 1840 com o intuito de designar o crescente movimento operário europeu articulado em partidos políticos e sindicatos. (GOSS; PRUDÊNCIO, 2004; BORIS, 1998). Quando do surgimento do conceito, as mobilizações

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estavam articuladas em torno de dois eixos centrais: primeiro, da constatação da existência de uma opressão determinada contra a qual era preciso lutar em busca de sua superação e, segundo, da idéia de construção de uma nova sociedade enquanto projeto político. (SCHERER-WARREN, 1987)

Para Doimo (1995), o surgimento de novas formas de articulação dos indivíduos no seio da sociedade civil (sendo esta entendida como lócus do fenômeno estudado) fez com que fosse imprescindível repensar o conceito de movimento social, objetivando dar escopo maior ao mesmo, tornando-o capaz de abarcar as novas práticas.

Assim, ao longo do tempo, o conceito sofreu recortes, assumiu consistência teórica e evidenciou caráter adaptativo, referindo-se, atualmente, a uma série de novas formas de participação. Se por um lado o termo tornou-se mais preciso, por outro, sua delimitação e especificidade fizeram com que surgissem dúvidas a respeito das diferenças conceituais, por exemplo, entre movimento social, movimento popular e outros grupos de interesse2. O resultado é o uso inadequado do termo para designar indiscriminadamente qualquer tipo de ação civil. (GOSS; PRUDÊNCIO, 2004)

No início da década de 80 era corrente o entendimento de movimento social como “uma ação grupal para transformação voltada para a realização dos mesmos objetivos, sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns e sob uma organização diretiva mais ou menos definida”. (SCHERER-WARREN, 1987: 20. Grifo nosso.) Como unidades analíticas deste conceito são identificadas: práxis, projeto, ideologia, organização e direção.

2

Camacho (1987) define movimentos sociais enquanto forma de expressão das tensões internas da sociedade civil. Tais manifestações podem originar-se de grupos hegemônicos da sociedade ou, ainda, de grupos populares. Quando do segundo caso, constituem-se os movimentos populares. Grupos de interesse, por sua vez, segundo Gohn (2004) se formam, quando um determinado grupo de pessoas se une com o intuito de atingir um determinado objetivo. Nem sempre esta articulação envolve luta política e, ainda, esta articulação é apenas temporária.

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Entende-se como práxis a unidade indissolúvel entre a teoria e a prática política necessária à conscientização dos indivíduos de sua situação de opressão. (MARX apud SCHERER-WARREN, 1987)

Apesar de Karl Marx não ter elaborado uma obra sobre os movimentos sociais, foi a elaboração deste conceito a sua principal contribuição ao tema. A práxis está em oposição à ação alienada e, neste sentido, é conceituada como “toda ação para transformação do social, desde que esta ação contenha um certo grau de consciência crítica” (SCHERER-WARREN, 1987: 15). Assim sendo, esta categoria relaciona-se com o reconhecimento de uma situação de opressão dada e a conseqüente conscientização da necessidade de articulação do movimento em si. Ela é fundamental para a transformação da sociedade e de uma situação de opressão e / ou de carência econômica.

O projeto aponta para aquilo que um determinado grupo quer mudar em uma determinada realidade social: é o seu horizonte. Nele estão corporificados as metas, objetivos e aspirações do grupo.

Segundo Scherer-Warren (1987), ideologia é entendida neste contexto como um conjunto de idéias, crenças, mitos e representações e, à época em que o conceito em questão foi elaborado, apontava à noção de ideologia de classe, representando um mascaramento da realidade. É o agrupamento de princípios valorativos que guiam a ação organizada e que contribuem à elaboração do projeto.

A organização e a direção do movimento social, por sua vez, são os elementos estruturantes do mesmo e dizem respeito às formas de articulação interna dos indivíduos que empreendem determinada ação. Diz respeito também à existência ou não de lideranças e à importância dada a elas.

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Objetiva e resumidamente, pode-se falar do processo de constituição de um movimento social da seguinte forma: o homem alienado identifica-se com aqueles que compartilham os mesmos interesses de classes que os seus. Esta associação entre indivíduos que compartilham dos mesmos interesses e da mesma forma de opressão faz brotar neles a consciência de classe necessária à sua organização e os impulsiona à luta revolucionária, sendo esta entendida como o movimento social enquanto tal e que, por fim, alcançaria a transformação histórica da sociedade. (SCHERRER-WARREN, 1987)

Este conceito de movimento social, no entanto, é considerado como superado. O foco nas classes sociais e a determinação do homem segundo o lugar que ocupa na esfera produtiva são condições necessárias, mas não suficientes para explicar as crescentes mobilizações que surgem na década de 70. (GOHN, 2004; GOHN, 2003; BORIS, 1998)

Com o acirramento das tensões sociais provenientes dos debates sobre gênero, etnias, meio ambiente e de outros campos e o reconhecimento de que os conflitos deixam de estar localizados exclusivamente na esfera econômica entre aqueles que detêm e os que não detêm os meios de produção, percebe-se que o discurso de classes sociais é insuficiente para explicar a nova realidade social. (TOURAINE, 1998)

Com a gradativa perda de poder de reivindicação dos partidos políticos e sindicatos na década de 70 (o Brasil é exceção neste contexto), a aná lise social converge da sociedade política para a sociedade civil e faz-se necessário um esforço com o intuito de elaborar um conceito de maior abrangência sobre o que vem a ser um movimento social. (GOSS, PRUDÊNCIO, 2004)

Elabora-se uma série de novos conceitos a respeito dos movimentos sociais, dentre os quais tem destaque o de Gohn (2004), segundo o qual movimentos sociais são

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ações sóciopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a

diferentes classes e camadas sociais , articuladas em certos cenários da

conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo

político de força social na sociedade civil. (GOHN, 2004: 251. Grifo

nosso.).

A autora destaca em sua análise o desenvolvimento da identidade que se dá no processo de articulação das ações coletivas; identidade esta que é criada a partir de valores culturais e políticos que são compartilhadas pelo grupo e que, ainda, possibilitam o surgimento de um sentimento de pertencimento social.

É importante lembrar que na sociedade contemporânea nenhum ator social luta sozinho, mas articula-se de maneira global com o intuito de agir localmente. É através desta articulação com os demais atores sociais que o indivíduo deixa sua posição de mero espectador das transformações da sociedade e passa a ser cidadão pensante a atuante na realidade que o circunda. A função destes atores sociais é a de revelar os problemas da sociedade.

Este segundo conceito apresentado diferencia-se do primeiro fundamentalmente em função da determinação de quem ve m a ser os sujeitos históricos, da localização dos mesmos na sociedade e, ainda, em função da identificação de quais são os objetivos de tais ações.

Enquanto os sujeitos identificados no primeiro conceito são as classes sociais que iniciam suas articulações a partir da tomada de consciência enquanto classe oprimida, no segundo caso os sujeitos são os atores sociais, que compartilham identidades comuns que podem estar articuladas no campo da cultura, para além da esfera produtiva. O que há é um deslocamento do eixo sobre o qual as reivindicações se articulam.

Em se tratando dos objetivos dos movimentos, enquanto nas reivindicações pré-década de 70 a transformação da sociedade e a fundação de uma nova ordem social constituíam as bases dos projetos da ação dos partidos políticos e sindicatos, com a mudança do foco da análise, a defesa dos interesses historicamente adquiridos e o restabelecimento ou o aumento da

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capacidade de decisão política de certos grupos passou a ser a meta a ser atingida. A marca dos novos conflitos societais não é a tomada de poder, mas a garantia de certas condições de sociabilidade. Autonomia deixa de ser sinônimo de ser contra o Estado ou estar isolado do mesmo e passa a significar saber atuar de maneira alternativa e prepositiva.

A defe sa dos sujeitos, e não a transmutação revolucionária da sociedade, passa a ser defendida, o que contribui para o empowerment dos atores envolvidos (TOURAINE, 1998; GOHN, 2003). Esta ‘defesa dos sujeitos’ traduz-se, também, na defesa de áreas do cotidiano que antes eram praticamente impossíveis de serem alcançadas através da prática dos partidos políticos e dos sindicatos. Aspectos de subjetividade dos indivíduos, tais como sexo, crenças e valores, são então passíveis de serem manifestados pela coletividade.

Já para Loureiro (2003), o que caracteriza um movimento social é o seu caráter antagônico a um determinado padrão de sociedade vigente ou a um determinado modelo de como as relações sociais são estabelecidas no seio desta sociedade. Enquanto dada circunstância contra a qual o movimento social luta se perpetua, desenvolve-se o conflito, de natureza permanente neste espaço de tempo, por meio de ações coletivas e solidárias. O movimento é então um corpo dinâmico, atuando em um espaço de crenças e valores compartilhados, atuando por finalidades que são previamente conhecidas e definidas, mas cujos resultados são incertos.

Para Fernandes (1994), quando da análise do termo ‘movimento social’, o mesmo fala que estes são ‘movimentos’, pois são mutantes e instáveis em um constante movimento dialético de construção e reconstrução de sua agenda e, ainda, são ‘sociais’, pois toma lugar fora da esfera Estatal.

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2.2.1 Uma breve Análise sobre o Papel das Classes Sociais nos Movimentos Sociais

Em seu texto “Análise de Classes” (1999), Ralph Miliband escreve que a crítica proveniente de dentro da esquerda em relação ao fato de ser hoje o conceito ‘classe social’ incapaz de explicar aspectos cruciais da realidade social, nada mais é que um reducionismo simplista do entendimento deste conceito e que tal idéia é equivocada. O que faltaria seria uma melhor compreensão desta categoria analítica e o reconhecimento de ela ser um “construto teórico de valor incomparável”, que não se tornará facilmente ultrapassado.

A visão marxista clássica é de que os protagonistas das lutas de classes estão diretamente relacionados com a sua localização no processo produtivo, como já foi dito anteriormente. É bem verdade que a maioria considerável dos trabalhos realizados pela academia brasileira nos estudos relativos aos movimentos sociais (ver DOIMO, 1995 e GOSS; PRUDÊNCIO, 2004, por exemplo) inicia suas análises com uma afirmação em relação à incapacidade de o conceito em questão em explicar a “nova realidade dos movimentos sociais”. Esta afirmação, no entanto, segundo Miliband, é feita sem uma análise apropriada do termo, trabalhando-o de forma reducionista e tendo o debate em relação a esta categoria de análise enquanto já dado.

A visão clássica marxista (adotada pelo paradigma marxista) enfatiza a questão da exploração, enquanto Miliband (1999) sugere a possibilidade (e até mesmo necessidade) de mudança de foco. Enquanto o foco na exploração remete a análise necessariamente à esfera produtiva, o foco na dominação clarifica o fato de haver formas múltiplas da mesma. O autor enfatiza que a dominação de classe é que permite a exploração, mas que esta (a exploração) não é o objetivo principal da primeira (da dominação). O que Miliband propõe então é uma mudança de foco:

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a exploração continua sendo o objetivo essencial da dominação. Mas o foco na dominação (...) permite um exame e uma identificação mais abrangentes e realistas dos protagonistas da luta de classes. Com esse foco, a classe

dominante na sociedade de classe deixa de ser definida unicamente em termos da propriedade dos meios de produção. Falando de forma mais

apropriada, uma classe dominante em qualquer sociedade de classes é constituída em virtude de seu controle efetivo sobre três fontes principais de dominação: os meios de produção , onde o controle deve envolver (...) a propriedade desses meios, mas não precisa necessariamente fazê-lo; os

meios da administração e coerção do Estado; e os principais meio para estabelecer a comunicação e o consenso. (MILIBAND, 1999: 476. Grifo

nosso).

A ênfase é deslocada da noção de propriedade dos meios de produção à noção de controle. Obviamente a noção de propriedade continua sendo fundamental, ela deixa apenas de ser central, abrindo espaço para a principal fonte de poder na sociedade capitalista: o poder corporativo e o poder do Estado. Pode haver, portanto, exploração e opressão aonde não haja nenhuma fonte econômica que o engendre.

A ‘elite do poder’, segundo esta perspectiva, seria hoje composta não só pelos detentores do poder econômico, como também pelos detentores do poder Estatal. A classe dominante deixaria de ser um todo homogêneo e passaria a ser composta, por exemplo, pela classe média e classe média alta, mesmo estas não tendo coisa alguma que possa ser chamado de ‘seu’ poder. Estão incorporados ne sta classe aqueles elementos da sociedade que exercem qualquer forma de poder, seja ele em termos econômicos, sociais, políticos ou culturais. (MILIBAND, 1999)

Percebe-se que em Miliband o conceito de classe social torna-se elástico. A classe trabalhadora, por outro lado, é apenas uma parte da classe subordinada. Criar uma igualdade entre as duas categorias, classe subordinada e classe trabalhadora, é querer entender o todo (classe subordinada) pela parte (classe trabalhadora). É importante a observação do autor de que

a pirâmide (de classes) é uma dura, sólida realidade e de que as

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classes situadas nos níveis inferiores são de fato muito grandes em termos de riqueza, renda, poder, responsabilidade, estilo e qualidade de vida e tudo o mais que compõe a textura da existência. Isso pode ser deplorado, ou louvado, ou declarado lamentável mas inevitável, ou visto de outro modo qualquer. O que não se pode ou não se deve fazer é ignorar a existência

de tais divisões e a importância crucial que elas têm para a vida da sociedade onde ocorrem. (MILIBAND, 1999: 483. Grifo nosso)

A classe subordinada estaria envolvida permanentemente em um processo de pressão que pode ser exercida para modificar e melhorar as condições nas quais a subordinação em si é vivenciada ou para erradicar completamente esta subordinação. No primeiro caso, de modificação ou melhoria das condições de subordinação, haveria reforma, no segundo caso, de erradicação das condições de subordinação, a revolução.

O autor discorda da noção de classes sociais vista como insuficiente, quando não obstáculo, à explicação de temas como o feminismo, questões étnicas, entre outros.

Para Miliband (1999), mulheres, negros e outros grupos são também membros de uma classe. É legítimo que estes grupos da sociedade civil sintam-se que são, acima de tudo, mulheres, negros ou o que quer que seja e que isso, antes de qualquer outra coisa, seja o atributo que lhes dê identidade e seja o que define o seu ‘Ser social’.

Essa identidade, no entanto, não reduz a importância do fator ‘classe social’ na composição de seu ‘Ser social’. É preciso enxergar este Ser como um todo complexo e contraditório, em um processo dialético constante de autoreprodução. Nele, muitas identidades diferentes coexistem e colidem entre si.

É fato que a localização dos indivíduos na estrutura social é imprescindível para identificar e determinar as maneiras pelas quais as pessoas vivenciam a discriminação, exploração e opressão. Afinal, “ser pobre significa não apenas privação econômica e material, mas também ser submetido a regras culturais que implicam uma completa falta de reconhecimento das pessoas pobres como sujeitos, como portadores de direitos”. (DAGNINO, 2000: 82)

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3. DA RELAÇÃO ENTRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS, ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS E O PODER PÚBLICO ESTATAL

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

Segundo Kaldor (2004), uma das principais conseqüências das mudanças sofridas pelo Estado na década de 90 foi o distanciamento de dois atores: governo e sociedade civil. O primeiro passa a ser visto como deficiente e limitado às fronteiras territoriais enquanto o segundo, cada vez mais articulado em uma nova sociedade globalizada, depara-se com a necessidade de mobilizar-se para suprimir as conseqüentes e crescentes deficiências do primeiro. Tem-se início, na década de 90, uma nova onda de ativismo nos países do sul como reação às políticas (neo) liberais que começam a ser implementadas e aos seus impactos na sociedade.

Offe (1988) vê as novas formas de organização na sociedade como “válvulas de escape” às incapacidades do Estado e do mercado na nova ordem social. Ou seja, na falta de eficiência destes ‘entes’ do primeiro e do segundo setor em resolver as demandas provenientes da sociedade, esta mesma articula-se para a satisfação de suas necessidades.

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Enquanto o ativismo das décadas de 70 e 80 lutava contra um Estado burocrático em busca de maior participação e democracia, o ativismo da década de 90 surge em um contexto paradoxal: enquanto há, devido às políticas de cunho neoliberal, enfraquecimento do Estado, há, por outro lado, generalizado aumento da pobreza nos países da América Latina, fazendo crescer exponencialmente o número dos ‘vulneráveis’ e contribuindo à constituição de “núcleos duros de pobreza”. Ou seja, enquanto há a precarização das condições de vida da população de uma forma geral, há o enfraquecimento daquele que até então era tido como principal agente indutor do desenvolvimento econômico e social. (KALDOR, 2004; SOARES, 2003)

Para Carvalho (1999), a década de 90 é marcada pelo esgotamento do Estado desenvolvimentista e do seu padrão de expansão capitalista. São políticas adotadas neste período que contribuem a esta falência do Estado: abertura do mercado sem mecanismo de defesa da indústria nacional, privatizações, desregulamentação, descentralização das responsabilidades e reforma do Estado objetivando articulá- lo aos princípios do mercado.

Esta reforma tem o intuito de reconstruir a administração e dotá- la de “bases modernas e gerenciais”, concentrando as atividades governamentais nas atividades de regulação e coordenação e descentralizando as demais atividades. Reduzem-se as responsabilidades estatais, principalmente no que tange à proteção social. (CARVALHO, 1999)

É no seio desta mudança de paradigma do capitalismo contemporâneo e para enfrentar os desafios que esta nova lógica impõe que os atores sociais articulam-se. Assim, a década de 90 será marcada pela grande visibilidade das ONGs no cenário brasileiro, sua multiplicação e diversificação. (TEIXEIRA, 2002). Para Soares (2003) o ativismo dos grupos externos à

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esfera estatal não é novidade. A novidade é identificada em sua nova função de substituir crescentemente as atividades exercidas pelo Estado.3

Florini (2003) identifica outros fatores estimulantes à ascensão da sociedade civil organizada, além do triunfo das idéias (neo)liberais na década de 90. O principal deles seria a revolução tecnológica capaz de possibilitar a colaboração de indivíduos através de fronteiras.

Já para Baylis e Smith (1997), a globalização permitiu a queda da soberania do Estado criando o vaccum político imprescindível à reorganização da sociedade. Tem-se início, segundo esses autores, nos anos 90, um período post-sovereign governance no qual outros atores, além do Estado, adquirem importantes papéis nas sociedades. A governança deixa de ser monopólio estatal podendo ocorrer em outros níveis, seriam eles:

a. Governança global em nível sub-estatal, característica das municipalidades (evidenciando a tendência à municipalização da tomada de decisões);

b. Governança global em nível supra-estatal, característica de agentes responsáveis pelo desenvolvimento de políticas macroeconômicas, tais como Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Nações Unidas, entre outros. Este grupo evidenciaria a incapacidade do Estado em lidar com fenômenos de cunho supraterritorial;

c. Governança global de Mercado, destacando a crescente importância das forças de mercado na regulação;

d. Movimentos sociais, onde a participação popular tem se tornado mais direta e extensiva.

3

A autora enfatiza: “a questão social passa a ser objeto de ações filantrópicas e de benemerência, deixa ndo de ser responsabilidade do Estado”. (Soares, 2003: 27)

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A globalização, a partir do momento em que quebra com a soberania do Estado e de seu monopólio nos processos de tomada de decisão abre espaço à maior articulação da sociedade e de outras agências e instituições supra e intranacionais. (BAYLIS; SMITH, 1997)

Salamon (apud Vieira, 2002), ainda, enumera como mudanças imprescindíveis à ascensão e reestruturação da sociedade civil nos anos 90 os seguintes acontecimentos: suposta crise do welfare state moderno, crise do desenvolvimento na América Latina nos anos 80 (estes dois fatores de maneira conjunta culminaram na elaboração e posterior adoção do Washington Consensus e conseqüente inicio do processo de reforma administrativa do Estado), crise do meio ambiente global (que levantou a necessidade de articulação mundial para a resolução da problemática), crise do socialismo e das utopias de esquerda (e, obviamente, de um modelo de planejamento estatal), revolução das comunicações (possibilitando articulação global da sociedade) e crescimento mundial dos anos 60 (que culminou no aumento da população urbana contribuindo à formação de agrupamentos sociais mais exigentes e mais organizados).

A análise desta sociedade civil, no entanto, é, por diversas vezes, erroneamente, reduzida à análise das organizações não- governamentais (ONGs) quando, na verdade, estas organizações são apenas parte constitutiva da mesma, não representando sua totalidade.

Esta confusão se dá em função da proliferação de trabalhos que abordam o estudo do terceiro setor e que exploram pouco a relação entre ambas categorias: sociedade civil e terceiro setor. A segunda é apenas “um setor da sociedade no qual atuam organizações sem fins lucrativos, voltadas para a produção ou a distribuição de bens e serviços públicos”. (ALVES, 2002: 01) O terceiro setor opera na esfera da sociedade civil representando interesses marginalizados pelo primeiro setor (Estado) e pelo segundo setor (mercado).

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Para Melo (2002), o terceiro setor pode ser mais facilmente identificado por exclusão, ou seja, por sendo constituído daquilo que não é pertencente ao Estado ou ao mercado, do que por uma questão identitária das organizações que o compõem.

A sociedade civil, por sua vez, segundo Lauth (2000), pode se manifestar através de entidades diversas: movimentos sociais, as próprias ONGs, igrejas, sindicatos, associações diversas, entre outras. Este campo é de tensão e caracterizado por não possuir fronteiras bem definidas entre os atores que o compõem.

Ainda segundo a concepção de sociedade civil do mesmo autor, esta: articula-se em torno de objetivos concernentes a temas públicos; seus atores, mesmo que indiretamente, estão envolvidos com a política; grupos que perseguem fins privados (como empresas e famílias) não fazem parte dela; não é homogênea e não existe sem o Estado4. Os valores ocupam posição central, orientando sua atuação. O conceito de sociedade civil, portanto, extrapola o de terceiro setor, sendo este parte constitutiva da mesma. Tem-se então por definição que:

la sociedad civil incluye a todos los grupos organizados de la sociedad que son ampliamente independientes del Estado, que actúan sin recurrir a la violência (...), que basicamente no tienen fines de lucro y que luchan por conseguir asuntos de interés público. (...). Los actores de la sociedad civil más bien están relacionados de múltiples modos con las instituciones del Estado democrático y se entiendem a si mismos com factores de correción de la sociedad de mercado (LAUTH, 2000: 196)

Assim sendo, a sociedade civil não está livre de conflitos internos ou de conflitos com o Estado.

Visto sobre perspectiva da partilha de poder, atores e instituições estatais no interior de uma democracia são forçados constantemente a respeitar, proteger e dividir o poder com atores e instituições civis, assim como os cidadãos vivendo em uma sociedade civil heterogênea – que contém instituições protegidas do poder estatal – são forçados a reconhecer as diferenças sociais e a partilhar o poder entre si (KEANE apud ALVES, 2004: 10)

4

“uma sociedad civil que funcione necesita que, a fin de cuentas, su existencia sea garantizada por la institución del Estado de derecho (LAUTH, 2000, p.195).

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Ela não é fim em si mesma, mas relaciona-se com o desenvolvimento da política e da economia. Melo (2002) acrescenta e acentua a sua importância na consolidação da democracia.

3.2 MOVIMENTOS SOCIAIS, ONGS E ESTADO

No Brasil, o termo organização não- governamental (ou ONG) surgiu para designar as organizações que surgiram do seio dos movimentos sociais no final nos anos 70 e início dos anos 80. (SCHERER-WARREN, 1999)

Para Montaño (2003), as ONGs surgiram inicialmente com o intuito de contribuir à articulação entre os diversos movimentos sociais, captar recursos para os mesmos e, ainda, para colaborar à melhor organização interna destes. Elas surgiram, então, enquanto atores coadjuvantes em uma arena liderada pela luta dos movimentos sociais.

Fato é que ‘ONG’ constitui hoje uma denominação “vaga” e “residual” (CARVALHO, 1999), podendo ser possível enumerar sob o seu domínio uma infinidade de organizações sociais que nem são estatais nem mercantis; são privadas, mas sem visar o lucro e que possuem objetivos públicos e sociais. Reporta-se, pois, a um conjunto extremamente heterogêneo e amplo de entidades, mas corre-se o risco de, por ser um título genérico e impreciso, contribuir para que se tenha uma imagem de homogeneidade deste campo de organização de entidades.

Segundo Fernandes (1994) estas organizações têm, historicamente, sido caracterizadas enquanto privadas com função pública; privadas, mas sem fins lucrativos e com fins característicos do serviço público, apesar de não serem governamentais.

(40)

Em meados da década de 80, segundo Alves (2002), com o fim da ditadura militar e conseqüente início do processo redemocratização do país, os movimentos sociais perdem seu principal adversário (o Estado)5 e com a Constituição de 1988 e a conquista de diversos direitos que eram até então negados à sociedade civil, a agenda de tais movimentos sofreu esvaziamento gradativo.

Este processo de reestruturação do país e, ainda, a diminuição dos recursos internacionais para os países latino-americanos em função da crise externa (MONTAÑO, 2003) contribuíram para que a ótica da relação entre os movimentos sociais e as organizações não- governamentais fosse modificada, ganhando a segunda – as ONGs - importância relativamente maior que o primeiro – os movimentos sociais.

Todas estas mudanças culminaram em um processo de reestruturação das próprias organizações não-governamentais. Nestas ocorreu a profissionalização crescente. Como conseqüência disto, o que antes era um serviço puramente voluntário passou a ser uma profissão e, também, as ONGs mais ativas começaram a encontrar dificuldades em conciliar sua atuação junto ao Estado (face técnico profissional) e junto às lutas sociais mais amplas dos movimentos sociais (face de mobilização social). (TEIXEIRA, 2002)

Logo, a década de 90 é caracterizada pela descrença em relação à ação transformadora dos movimentos sociais. (LOUREIRO, 2003) É neste período que se consolida a crença de que as atividades de interesse público poderiam ser exercidas pelas ONGs, fora dos governos.

Nos anos 90, as interações das ONGs com demais entidades, movimentos e órgãos governamentais multiplicaram-se, ultrapassando barreiras que antes eram tidas como intransponíveis. Fernandes (1994) pontua como mudanças significativas deste período: o fato

5

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das ONGs começarem a competir entre si e contra outras organizações públicas e privadas por contratos governamentais para dirigir pesquisas e executar trabalhos e, segundo, o fato de que os novos governantes começam a pedir apoio à sociedade civil organizada para a implementação de projetos.

As ONGs, por funcionarem sob a lógica empresarial, obtêm recursos e apoio mais facilmente, conquistam a adesão da população, recebem maior colaboração financeira e mais espaço na mídia que os movimentos sociais e, conseqüentemente, recebem também maior respaldo e credibilidade social. Assim, crescem progressivamente em quantidade e número de membros. (MONTAÑO, 2003)

As agências internacionais de cooperação e de financiamento têm gradativamente atribuído papel importante a estas organizações e privilegiado a sua participação na execução de projetos. Há o consenso de que as ONGs são marcadamente flexíveis e inovadoras, além de preocuparem-se com os custos e eficiência (assim como demais organizações da iniciativa privada) e de que elas utilizam ferramentas de gestão características do setor privado e estão próximas dos grupos-alvo das ações. (CARVALHO, 1999) Ainda,

as ONGs podem contribuir para a conformação de novos laços de sociabilidade e solidariedade entre indivíduos e grupos, para a reconstrução e ampliação da esfera pública, a busca de uma maior autonomia e eqüidade social, ao lado de formas de participação que superem os limites dos canais políticos tradicionais e possam viabilizar um maior controle social do Estado e um aprofundamento radical da democracia. (CARVALHO, 1999: 137)

É crescente a defesa acrítica do papel das ONGs enquanto executoras de serviços sociais em nome de uma suposta agilidade operacional, transparência dos gastos e envolvimento com a sociedade organizada. (LOUREIRO, 2003)

Segundo Carvalho (1999), as ONGs passam a ser valorizadas em uma perspectiva utilitarista, pois suas atividades são relevantes para: a redução dos conflitos, tensões e problemas

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associados ao aumento das demandas insatisfeitas ou precariamente satisfeitas pelo Estado; a diminuição dos gastos governamentais e dos programas sociais implementados pelo poder público e a diminuição de outros efeitos negativos do ajuste estrutural. Neste contexto,

crescem os apelas à mobilização da comunidade e à ação das ONGs para que preencham os vazios deixados pelo Estado, substituindo-o na prestação de serviços e na assistência aos segmentos da população pauperizados. (...) Contudo, esperar que essa transferência de responsabilidades venha a propiciar resultados e transformações expressivas no que tange ao enfrentamento dos problemas sociais do País (...) é algo insustentável. (CARVALHO, 1999: 168)

Se até meados da década de 80 a relação dos movimentos sociais com o Estado era direta e de enfrentamento, a partir dos anos 90 esta relação passa a ser intermediada pelo trabalho das organizações não-governamentais. (LOUREIRO, 2003; MONTAÑO, 2003)

Montaño (2003: 273) é quem melhor sintetiza a atual configuração entre movimento social, ONGs e Estado. Ele afirma que “da luta (dos movimentos sociais), passa-se à negociação (entre ONG e Estado), de relação de interesses conflitantes (das organizações populares), à relação clientelista”.

A relação que as ONGs estabelecem com o Estado e com as empresas de capital privado é de uma orientação menos de embate e mais de articulação e parceria. (Carvalho, 1999) Teixeira (2002) salienta que o estabelecimento de parcerias tornou-se, nos anos 90, uma alternativa à subsistências destas organizações.

A atuação das organizações não- governamentais se desenvolve através ou da realização de projetos oriundos de ações voluntárias dos próprios membros que a compõem ou da obtenção de recursos financeiros para a execução de projetos. Quando da necessidade da obtenção de recursos, recorre-se à estratégia de cooperação e de parcerias com o Estado e com empresas do capital privado. (LOUREIRO, 2003) A parceria se dá quando as organizações da sociedade

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