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Repositório Institucional UFC: Entre o idealismo e a experiência: quando o tempo se faz gente e vive uma liberdade à mineira

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Academic year: 2018

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(1)

V e r a A u g u s t a

(2)
(3)
(4)

R e v is t

n tr e v is ta

E n t r e v is t a c o m V e r a G u im a r ã e s , d ia 1 4 d e m a io d e 2 0 1 5 .

F e lip e -

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Na primeira conversa que teve

comigo e com a Letícia, a senhora nos

dis-se que o interesdis-se pelos estudos começou

quando era muito nova, ainda em Juiz de

Fora

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( M in a s G e r a is ) . V e r a ( in te r r o m p e n d o ) -

É

porque eu já

nasci num colégio, n é ? Meu pai ( lr in e u G u i-m a r ã e s ) era professor e eu morava em casa do colégio, então minha vida - praticamente a vida inteira - foi de colégio.

F e lip e - De onde surgiu esse interesse pe-los estudos?

V e r a - Ah, mas lá em casa era uma casa que tinha muito livro, era uma casa de estu-dante. A casa era cheia de estudantes, que

estudavam no colégio, que tinham os

inter-nos. Então, a nossa casa era uma extensão

para eles. Eles almoçavam todo domingo,

sempre tinha um ( o u ) dois almoçando

co-nosco. Era uma coisa bem lig h t.

F e lip e - Na infância, tinha muito incentivo dos pais para estudar?

V e r a - Naturalmente. Não foi assim incen-tivo de ... Foi natural. Os meus pais eram mui-to amigos. Lá em casa nunca houve aquela

autoridade de ... Papai, quando chamava a

gente, não era para passar um carão não. Era para conversar. Então, desde cedo nós

tive-mos uma liberdade com responsabilidade,

n é ? Isso era um tema do papai.

L e t íc ia - Como a senhora viveu essa liber-dade com responsabililiber-dade?

V e r a - Com naturalidade. Nós não sentí-amos pressão de coisa alguma, não é? E a minha era uma casa ... Muito cedo a gente co-meçou a sentir os problemas sociais, de po-breza, de tudo. O papai foi um dos fundado-res de um abrigo pra velhinhas e toda manhã

iam as velhinhas lá em casa. Mamãe ( S e lv a

N u n e s ) fazia curativo, dava injeção, depois dava um cafezinho com pão. Toda vida

hou-ve muita solidariedade lá em casa, minha

casa sempre foi cheia de gente, às vezes de

pessoas desconhecidas. Papai uma vez

trou-xe - em épocas diferentes - dois meninos

de rua para morar em casa. Eles dormiam no quarto dos meus irmãos, mas aí eles não

acostumaram, que a vida era muito diferente

para eles do que na rua, n é ? ( R in d o )

L e t íc ia - Foi essa característica dos seus

pais que a incentivou a fazer o curso de

as-sistência social assim que a senhora saiu do colégio?

V e r a - Não, eu mesma que quis. Mas eu fiz esse curso no Rio ( d e J a n e ir o ) . no Ben-nett ( in s titu to m e to d is ta , c o n ta c o m c o lé g io

ec e n tr o u n iv e r s itá r io ) . Eu era muito voltada, desde pequena, para os problemas ( s o c ia is ) .

Quando eu tinha mais ou menos 1 1 anos, o

Mussolini ( B e n ito M u s s o lin i, líd e r d o P a r ti-d o N a c io n a l F a s c is ta

e

p r im e ir o - m in is tr o d a Itá lia e n tr e 1922 e 1943) estava começando

uma invasão lá na .... Começando não, já

in-vadiu a Abissínia, que hoje é Etiópia ( r e fe r e -s e à S e g u n d a G u e r r a íta lo - E tío p e , c o n flito o c o r r id o em 1935-1936,q u e r e s u lto u n a a n e -x a ç ã o d a A b is s ín ia p e la Itá lia ) . E todo dia eu esperava aquele jornal. Era um exército tão

maltrapilho, tão pobre, e o Mussolini com

as forças dele penetrando e tomando tudo.

Aquilo me doía! E assim a gente começou.

A gente ( ia ) vendo os problemas e tomando

conhecimento.

Ig o r - A senhora acabou de falar que a

casa onde viveu era bem movimentada, com

pessoas de diferentes cidades e diferentes

pensamentos. Como era o contato da

senho-ra e o que essas pessoas desconhecidas

in-fluenciaram ...

V e r a ( in te r r o m p e n d o ) - Era tudo tão na-tural, tão natural! Isso a gente não sentia as-sim ... Foi sempre muito hóspede, tanto que

um primo do papai apelidou nossa casa de

Pensão do s e u Domingos, porque volta e

meia tinha um hóspede. A mesa lá de casa

era grande, como essa aqui também ( a p o n ta

p a r a a m e s a d e ja n ta r d a s a la ) . Sempre tinha gente de fora.

M e s s ia s - O que a senhora aprendeu com esse ambiente?

V e r a - Olha, eu aprendi (a

ten

muita solida-riedade. E eu tenho saudade ( v o z e m b a r g a d a ) . L e t íc ia - A senhora falou que sempre foi

muito natural a forma como sua casa era

aberta, como recebia as pessoas, até mesmo mais pobres, como meninos de rua. Isso era natural para a senhora, mas na escola que a senhora fazia, com as outras crianças, isso também era natural para elas ou era visto de alguma maneira ...

V e r a ( in te r r o m p e n d o ) - Nas outras

esco-las eu era aluna como outra qualquer, né?

Na escola eu era aluna como outra

qual-quer. Nós morávamos em Juiz de Fora.

De-pois, exatamente porque o papai tinha umas ideias mais avançadas sobre educação, nós

Felipe já conhecia Vera de outra entrevista que havia feito com ela para uma clínica médica. Ele gostou da história dela e queria ter a oportu-nidade de se aprofundar nela. A oportunidade é a Revista Entrevista.

(5)

Logo após a votação, Letícia disse que queria fazer parte da produção desta entrevista, por ter achado Vera muito "fofa". Felipe juntou-se a ela. Ime-diatamente, começaram a imaginar como seria o grande momento.

Quando ligaram para Vera, a fim de convidá-Ia para ser entrevistada, não conseguiram falar com ela, pois estava na aula de pintura. Ivone, emprega-da de Vera que atendeu ao telefone, sugeriu ligar ànoite, afirmando que ela dorme muito tarde.

fomos para Piracicaba

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( S ã o P a u lo ) . E lá nós

ficamos três anos no Colégio Piracicabano

( p r im e ir a in s titu iç ã o d e e n s in o m e to d is ta d o B r a s il, fu n d a d o e m 1881), que ele foi reitor lá. Ele foi reitor do Granbery ( In s titu to M e to d is ta G r a n b e r y , fu n d a d o e m 1 8 9 0 )e foi reitor do

Piracicabano.

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

F e lip e - Durante a pré-entrevista, a se-nhora disse que gosta muito de Juiz de Fora,

mas tinha vontade de sair para conhecer

uma cidade maior. Em alguma dessas cida-des realizou essa vontade? Percebeu alguma coisa diferente?

V e r a - Não, porque eu realmente não saía... Saí de Juiz de Fora quando casei, que fui morar no interior do Piauí ( e m P ir ip in ) ,

no acampamento de estrada de ferro ( V e r a

m u d o u - s e p a r a a c o m p a n h a r

o

tr a b a lh o d o m a r id o ) . Nós éramos estudantes quando eu conheci o Roberto ( V ie ir a N e p o m u c e n o , m a -r id o d e V e r a , fa le c e u e m 1995), ele fazia En-genharia e eu fazia Farmácia. Ele se formou

em 1946 e eu em 1947, então ele veio ( p a r a o

Pieut; um ano antes para começar a vida, né?

E eu me formava no ano seguinte. Quando

foi no ano seguinte, ele me pediu que

mar-casse a data do casamento. Então, naquele

tempo era telégrafo e eu sugeri a ele que - a

minha formatura era dia nove - o casamento

fosse dia 11. "Então certo."

Quando, na véspera do meu casamento,

no dia do casamento, chega o outro ( r e fe r e

-s e a um a m ig o d o n o iv o ) , estudante de En-genharia que era padrinho do casamento, ele disse assim: "Vera, o Roberto chega amanhã

à noite." Eu digo: "Como, se o casamento e

de manhã? Ele vai chegar depois?" O

telégra-fo telégra-foi quem marcou meu casamento,

marcoi ..

para o dia 15( r in d o ) . Não havia mais jeito de

trocar, né?

Ig o r - Como a senhora se sentia nessa

época, por exemplo, no Piauí, que parece

ser mais ...

V e r a - Olha, quando eu cheguei ao Piauí, primeira coisa que eu vi ... O calor era tanto

que eu tive uma atitude de compreensão

com a pessoa não ser muito disposta para o trabalho, que hoje eu acho que ( a s p e s s o a s )

são. Quando eu me casei, o Nordeste, lá para o Sul, era uma coisa bem diferente. Não

ha-via esse intercâmbio, então o que se

conhe-cia no Sul era muita seca, muita pobreza e, quando eu cheguei aqui, eu vi esse calor. No

Piauí era horrível, né? Eu fiz uma hortinha.

Ti-nha que molhar as plantas às cinco horas da manhã porque ao meio-dia a água saía quase

fervendo. Então eu senti que as pessoas

po-diam ser indolentes, tinham direito de ser in-dolentes e tinham razões pra ser inin-dolentes. Depois, vivendo tantos anos ( n o N o r d e s te )

eu vejo que não são indolentes. Depois eu

vi o outro lado do Nordeste. Morei, viajei por essas estradas na época que não eram

asfal-tadas, desci uma vez a Serra Grande ( S e r r a

d a Ib ia p a b a , r e g iã o m o n ta n h o s a p r ó x im a à s d iv is a s d e C e a r á e P ie u h , nós tínhamos um

carro velho, lá no departamento, e

desce-mos a serra uma vez com a direção do carro amarrada no arame. Escapamos.

(6)

senhora saiu do colégio, você foi para o Rio de Janeiro fazer esse curso de assistente

so-cial, mas acabou não ficando e voltou para

Juiz de Fora. Você queria muito fazer

medi-cina, mas também não conseguiu. Eu queria

saber se o fato da ...

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

V e r agfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA( in te r r o m p e n d o ) - Medicina eu não

pude fazer pelo seguinte: por questões

eco-nômicas. Medicina era um curso caro e não é um curso que eu pudesse trabalhar pra

pa-gar os estudos.

É

um curso pesado e naquela

época não havia facilidade de acomodações

p r a uma moça. Hoje não, hoje as moças se reúnem, alugam apartamento ... Mas naquele

tempo não era fácil, não é? Era muito difícil

isso. Então, como eu queria sempre uma coi-sa que lidasse mais com as pessoas, eu quis fazer ... Fui p r o Benett ( C o lé g io M e to d is ta

Bennet,

fu n d a d o e m

1888,

n o R io d e J a n e ir o )

fazer o curso de assistente social.

Meu ginásio foi de cinco anos - foi o últi-mo ginásio de cinco anos - então eu terminei

o ginásio e fui p r o Benett, mas lá eu não ...

Não me senti muito bem não. Não gostei. As aulas eram muito boas, tivemos até uma aula no Morro da Gamboa, mas o ambiente do co-légio era muito ... Mais sofisticado. As alunas que iam para lá eram alunas ... Eram um tipo mais

societv,

sabe? Eu não me ajeitava muito não. Voltei, aí eu fiz o resto do científico e fiz

meu vestibular para farmácia.

F e lip e - Na farmácia a senhora foi ter o primeiro contato com algo com o que traba-lharia durante o resto da vida, que é a botâ-nica. Como é que foi o primeiro contato com

as aulas de botânica?

V e r a - A farmácia eu fiz e casei dois dias depois que me formei, então vim para o

inte-rior do Piauí, num acampamento de estrada

de ferro. Nunca pude exercer a profissão. Eu

nunca digo que sou farmacêutica porque eu

não exerci a profissão, eu não sou farmacêu-tica, eu fiz o curso de Farmácia. Eu não quero ser mais do que aquilo que eu fiz. Quando

eu fui para a universidade - foi muito

tem-po detem-pois - o doutor João Ramos ( m é d ic o e

c ie n tis ta fu n d a d o r d a F a c u ld a d e d e M e d ic i-n a d o C e a r á ) era professor da medicina e da farmácia, era diretor da Escola de Farmácia, e ele era um homem voltado muito para a ci-ência. Ele estudava a física das nuvens e ele fazia nucleação artificial ( té c n ic a u tiliz a d a n o c o m b a te à e s tia g e m , c o n s is te e m b o m b a r -d e a r n u v e n s c a r r e g a d a s c o m a g e n te s a g lu -tin a d o r e s , c r ia n d o u m a c h u v a

ertiticish.

Ele

incentivou isso aí com pessoas do comércio,

das empresas ... Eles criaram o Bureau de

Estudos da Seca. E esse b u r e a u visava fazer

estudos sobre as condições meteoro lógicas

e desenvolver, junto ao governo, um

progra-ma de nucleação de combate

à

seca.

Eu fui convidada para ser a secretária, eu

fui secretária do B u r e a u ( d e E s tu d o ) das Se-cas ( p o r ) algum tempo. Nós éramos só

qua-tro: doutor João ( R a m o s ) , que era o chefe,

eu, que era secretária, e mais dois que faziam a nucleação artificial. Mais ou menos de mês em mês havia uma reunião com as pessoas

do comércio, das indústrias e tudo,

interes-sadas em uma política de luta contra a seca.

A equipe só conse-guiu falar a primeira vez com Vera por volta de 23 horas. Depois do convite para ser entrevistada, ela disse não ter nada de es-pecial, mas aceitou pron-tamente.

(7)

Uma semana depois, Felipe e Letícia foram à casa de Vera. Recebidos com muito carinho, con-versaram por cerca de duas horas e terminaram a tarde com um café com torradas.

o apartamento de Vera abriga muitos mó-veis antigos; centenários. A maioria veio da mãe do marido dela. Vera gosta de dizer que a casa é um "verdadeiro museu".

Porque realmente a seca aqui é uma coisa

muito dura. E, quando eu estava lá, a

pro-fessora de botânica, Dra. Artemísia Arraes,

me convidou para entrar para a cadeira dela,

a cadeira de anatomia vegetal, mas eu não

tinha conhecimento para assumir, então eu

recebi aulas de botânica. Comecei com o es-tudo de plantas, porque talvez eu fosse para as Ciências do Mar, mas não fui, o reitor não

me deixou ir, então eu fiquei na Botânica.

Fiz o curso, depois fiz o curso de ...

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( p a u s a )

Não disse que estou esquecida? ( R in d o ) . Que

você faz depois de ...

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

L e t íc ia - Pós-graduação.

V e r a - Pós-graduação, é. Fiz um curso e

trabalhei só no laboratório. Eu não era do

magistério, mas dei muita aula. Primeiro

foi na farmácia, mas depois mudamos para

a Biologia, depois fomos para o Pici ( m a io r

c a m p u s u n iv e r s itá r io d a U F C ) e lá trabalha-mos muitos anos.

C a m ila - A senhora falou agora que o rei-tor não te deixou ir para o Instituto de Ciên-cias do Mar. Por que ele não deixou?

V e r a - Não sei. Ele não teve nunca boa vontade comigo.

L u c a s - A senhora nem imagina? Suspeita?

V e r a - Primeiro, naquela época não sei, mas ele não ... ele (o r e ito r ) falou com o di-retor da Ciências do Mar: "Que é que aque-la senhora tão rica ..." Primeiro ( q u e ) eu não

sou rica, não tenho essa pretensão, e eu

queria estudar, queria trabalhar, porque eu

gosto,

né?

Eu nasci num colégio, vivi num

colégio, vivi essa vida de estudante até casar e pra mim foi difícil parar. Eu tive de parar uns tempos porque eu fui para o Piauí e tam-bém meus filhos eram pequenos e, quando

eles cresceram, eu comecei ( a tr a b a lh a r ) e

fui ( tr a b a lh a n d o ) até a expulsória ( r in d o ) . ( A a p o s e n ta d o r ia c o m p u ls ó r ia im p e d e os s e r -v id o r e s p ú b lic o s d e c o n tin u a r e m tr a b a lh a n

-" Q u a n d o e u m e

c a s e i, o N o r d e s t e , lá

p a r a o S u l, e r a u m a

c o is a b e m d if e r e n t e .

N ã o h a v ia e s s e

in t e r c â m b io , e n t ã o o

q u e s e c o n h e c ia n o

S u l e r a m u it a s e c a ,

m u it a p o b r e z a ."

d o d e p o is d o s 7 0 a n o s . V e r a r e fe r e - s e a e la u s a n d o

o

te r m o e x p u ls ó r ia ) .

L a r is s a - O que despertou o seu interesse

para trabalhar estudando essa temática da

seca? O que fez a senhora aceitar o convite de ser secretária do bureau?

V e r a - Eu não sei bem ... Alguns

profes-sores já me conheciam, porque conheciam

meu marido, e eles sabiam quem eu era e

me convidaram. O problema da seca é um

problema que preocupa todo mundo, não é? Quando eu era estudante, meu professor de Geografia dizia: "No Ceará, tinham construído um açude que era duas vezes e meia" -eu nunca esqueci disso - "duas vezes e meia

a Baía de Guanabara." Quando eu cheguei

aqui, o Orós ainda não estava construído

( r in d o ) . ( A ç u d e O r ó s , lo c a liz a d o n a r e g iã o c e n tr o - s u l d o C e a r á , te v e a s o b r a s c o n c lu í-d a s e m 1961 c o m c a p a c id a d e d e 2, 1b ilh õ e s d e m e tr o s c ú b ic o s ) .

(8)

11( ... )

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

e u q u e r ia

e s tu d a r , q u e r ia

tr a b a lh a r , p o r q u e e u

g o s to ,

né?

E u n a s c i

n u m c o lé g io , v iv i

n u m c o lé g io , v iv i e s s a

v id a d e e s tu d a n te a té

c a s a r e p r a m im fo i

d ifíc il p a r a r ."

V e r a -

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Eu acho que é, mas a minha mãe não fica atrás não

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( r is o s d a tu r m a ) .

M e s s ia s - Qual foi a importância dela na sua formação?

V e r a - Minha mamãe era uma pessoa muito doce, muito meiga ...( v o z e m b a r g a d a ) .

Gostava muito de ler, ela pintava ( c o m ) óleo,

e a vida lá de casa foi uma vida muito natu-ral, muito sem luxo, a gente não tinha

pre-tensão de ser mais do que ninguém. Havia

muita solidariedade. Eu fui criada com muita

solidariedade. .

C a m ila - Além do trabalho do seu pai, da

solidariedade que a senhora já mencionou,

que outras características dele são

percebi-das na senhora?

V e r a - Do meu pai? Ele era tão amigo!

Ele tinha uma autoridade pelo que ele era,

pela posição dele, com todo mundo. Ele era muito respeitado, mas era um homem muito simples.

le t íc ia - A senhora traz isso dele?

V e r a - Não sei se eu sou tão simples como ele não ( r in d o ) . Ele e a minha mãe. Mi-nha mãe também era um doce.

la r is s a - A senhora falou, no início da

nossa conversa, que os seus pais tinham

uma preocupação com os mais humildes ...

V e r a - ( In te r r o m p e n d o ) A vida inteira sempre teve esse trabalho mais solidário.

la r is s a - E a senhora chegou a

continu-ar o trabalho deles? Se dedicou a alguma

causa?

V e r a - Não, porque primeiro eu fui estu-dante até a época do casamento, casei e fui para o Piauí, depois vim pra cá. Quando eu

vim para cá, comecei a trabalhar, não tive

condições de fazer. .. Na ocasião, por

exem-plo, que houve o rompimento do Orós, eu

estava tão abafada que o Roberto chegou

p r a mim e disse: "Minha filha, já arranjei um

lugar p r a você trabalhar." Que ele sabia que eu tinha necessidade disso. Eu fui trabalhar.

E as roupas, olha, uma coisa revoltante, as

roupas que deram para as pessoas eram

uma coisa suja: fantasia de pierrô, casacas, aqueles fraques. Eu acho um acinte, um

des-respeito

à

pessoa humana, ela passar aquele

sofrimento e você ter coragem de oferecer

isso, quando você tem tudo. Então a boneca da minha filha deu o casaquinho dela ( r in d o ) . ( V e r a tr a b a lh o u c o m o v o lu n tá r ia q u a n d o , em

1 9 6 0 , c o m a s o b r a s a in d a em a n d a m e n to , a b a r r a g e m d o O r ó s r o m p e u , in u n d a n d o p a r te d a r e g iã o d o B a ix o J a g u a r ib e

e

a fe ta n d o c e r -c a d e 1 7 0 m il p e s s o a s )

le t íc ia - A senhora disse que logo que se

formou e se casou, foi para o

acampamen-to do Piauí e isso acabou interrompendo um

pouco seus estudos, sua profissão, mas a

se-nhora traz algum arrependimento de não ter

podido exercer sua profissão de farmacêuti-ca ou a senhora se realizou com a botânifarmacêuti-ca?

V e r a - Eu me realizei. Olha, eu acho que a vida ... A gente tem de viver de acordo com o

que as coisas acontecem. Claro que a gente

tem que fazer força pra conquistar, p r a

cres-cer, mas a gente vai levando a vida de acor-do com o que ela oferece a gente. E você aproveita cada instante e procura crescer em cada situação. E vencer e olhar a vida com bons olhos, caminhar com alegria, com har-monia, com solidariedade ...

B e a t r iz - A senhora fala com muita natu-ralidade da maioria das coisas que a gente lhe pergunta. Existe algo que a senhora não consiga achar natural na sua trajetória?

V e r a - Já, mas essa eu superei, que foi a morte do meu filho.

le t íc ia - Dona Vera, a sua amiga Ana Emí-lia ( c o n h e c e u V e r a q u a n d o e r a b o ls is ta n a B o tâ n ic a ) , que conversou com a gente, disse

que sua personalidade muitas vezes se

con-funde com o seu trabalho como

pesquisado-ra: seu cuidado, sua responsabilidade, seu

critério. Isso foi a senhora que aprendeu com a ciência ou foi a ciência que lhe ensinou?

V e r a - Eu acho que vida desenvolve a gente, não é? Eu gosto ... Eu fazia muito -posso até mostrar a vocês ( e la ser e fe r e a o s d e s e n h o s q u e fe z ) - quando eu fazia o curso,

na parte de taxonomia, a gente tinha de olhar

na lupa, observar bem a plantinha, dissecar

tudo, fazer os desenhos de cada parte ... E os meus colegas ... Quer dizer, meus

professo-res, acharam que eu tinha jeito p r a desenhar

e me pediram p r a fazer ilustrações. Aí eu

co-mecei a me esforçar e fiz algumas, posso até mostrar a vocês.

la r is s a - A senhora falou que teve uma

criação com liberdade e com

responsabili-dade. A senhora acha que esse modo,

es-o

piano encostado no canto da sala não é tocado há anos, com ex-ceção dos momentos em que os bisnetos insistem em brincar com o instru-mento.

(9)

Um elemento da deco-ração entrega a presença dos bisnetos na vida de Vera: no meio de tantos móveis e objetos clássicos, um boneco do Patati Pata-tá repousa em uma peque-na cadeira de balanço.

o apartamento de Vera tem dois cômodos repletos de livros. Em um deles, ela guarda seus desenhos e livros mais recentes. Ela chama esse cômodo de "meu mundo".

"Nunca

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

d ig o q u e

s o u fa r m a c ê u tic a

-p o r q u e e u n a o

e x e r c i a p r o fis s ã o ,

e n tã o e u n ã o s o u

fa r m a c ê u tic a ,

e u fiz o

c u r s o d e fa r m á c ia . E u

-.

n a o q u e r o s e r m a is

d o q u e a q u ilo

q u e e u fiz ."

ses valores, que seus pais passaram para a

senhora influenciaram no seu modo de ver

o mundo? Fale também a diferença entre as crianças que a senhora convivia.

V e r a - O nosso colégio era um colégio

muito ... Era um colégio diferente. Eu tenho

90 anos e até hoje eu me relaciono com o colégio. Lá era um colégio de formação

pro-testante, metodista, mas 95% dos alunos

eram católicos e naquele tempo havia inter-nato nos colégios porque havia menos

esco-las e os colégios bons eram solicitados por

pessoas que pudessem pagar o colégio. O

Granbery tinha o internato masculino e

de-pois veio a ter internato feminino. Eles

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(o s

e s tu d a n te s ) moravam no colégio e tinham plena liberdade das suas religiões, ninguém impunha coisa alguma. Então, sempre hou-ve, pelo menos no tempo em que eu vivi lá,

muito entendimento entre as pessoas. Eu

acho que a minha vida foi muito boa. E con-tinua sendo (rin d o ).

L u c a s - Essa educação liberal que a se-nhora teve como tão natural, por já ter vindo

do berço. Houve algum momento em que a

senhora percebeu que isso não era natural, que era, na sociedade em geral, que isso era um desvio?

V e r a - Não sei se era desvio. Nunca olhei

como desvio, mas as diferenças, eu toda

vida senti. Eu comecei a sentir com a Guer-ra da Abissínia, quando eu tinha meus dez

para 11 anos. Também nessa ocasião, um

pouco mais adiante, eu resolvi dizer que não

acreditava em Deus. Foi um momento meio

difícil (rin d o ). Alguns professores - que o

(10)

oara mim,

né?

Daí por diante eu nunca mais

acreditei.

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

la r is s a - Houve alguma resistência dos seus pais?

V e r a - Meu pai ainda insistiu.

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(D is s e ) que eu era muito jovem, que ainda não tinha

ca-pacidade de resolver tudo isso e ele fez com

que eu continuasse a ir à igreja por algum

tempo. Aí eu falei: "Pai, olha, agora eu não

quero ser hipócrita. Eu não acredito nisso

mesmo e eu não vou mais e eu não vou." E ele entendeu (rin d o ).

le t íc ia - Dona Vera, essa liberdade que a senhora sempre teve na casa dos pais, a

se-nhora também experimentou depois de

casa-da. Tanto para o seu trabalho, para sua pes-quisa, seu marido a incentivava, ajudava?

V e r a - Meu marido sempre me apoiou

muito, sempre me apoiou. Por exemplo, às

vezes, (h a v ia ) congresso de botânica, às

ve-zes ele ia também.

F e lip e - Falando sobre o trabalho que a

senhora desenvolveu na botânica, qual era a

parte da botânica que mais gostava no labo-ratório?

V e r a - Bom, eu trabalhava com anatomia vegetal. Era na parte com plantas da caatin-ga. Porque a planta desenvolve uma

estrutu-ra p ra poder ter as funções que ela precisa

para resistir às regiões secas, às regiões

ári-das,

né?

Então estudava, fazia ... preparava as

lâminas e tudo. Publ,iquei alguma coisa, mas hoje já tá tudo tão esquecido (rin d o ).

F e lip e - Tem alguma parte do trabalho que a senhora lembre com mais orgulho no laboratório?

V e r a - Eu sou uma pessoa - modéstia à

parte (rin d o ) - paciente e sempre pronta a

ajudar os outros. E volta e meia, na parte de

histologia - porque meu trabalho precisava

muito de histologia, preparação de lâminas e

tudo - às vezes apareciam umas pessoas p ra

fazer estágio lá. E eu que sempre ficava com

"Eu

a c h o u m a c in te ,

u m d e s r e s p e ito

à

p e s s o a h u m a n a ,

e la p a s s a r a q u e le

s o fr im e n to

e v o c ê te r

c o r a g e m

d e o fe r e c e r

is s o , q u a n d o v o c ê

te m tu d o ."

Em uma das paredes épossível ver uma prate-leira repleta de clássicos da literatura. Do outro lado, diversos souvenires das muitas viagens pelo mundo.

(11)

Felipe e Letícia entre-vistaram também mais duas pessoas, antes da entrevista com Vera. As escolhidas foram Jacque-line, filha, e Ana Emília, amiga de Vera há mais de 50 anos, desde o tempo em que elas trabalhavam na UFC.

Ana Emília recebeu Letícia e Felipe em sua casa uma semana antes da entrevista com Vera. Para não esquecer nada que tinha para falar, re-digiu uma carta à grande amiga e a leu em voz alta para os produtores. Ao final da tarde, serviu sor-vete com chocolate para

os dois.

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

J J E uf a le i c o m

o p a d r e :

e u n ã o e n s in o

r e lig iã o

a o s m e u s f ilh o s . E u n ã o v o u e n s in a r a e le s

a q u ilo q u e e u n ã o a c r e d it o ,

p o r q u e

a n t e s d e

t u d o e s t o u s e n d o

h ip ó c r it a ."

eles ensinando e tudo, ajudando a preparar. Umas delas é professora de botânica da Uni-versidade do Piauí, em Teresina.

letícia - A senhora nunca fez parte do

magistério, era pesquisadora, mas a senhora gostava de ensinar?

Vera - Eu dei aula desde criança,

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

n é ? Pros

meus irmãos (rin d o ). Brincava de professora e

tinha de ser, n é ?

Ig o r - Dona Vera, a senhora ficou na

uni-versidade até os 70 anos, n é ?

Vera - Foi. Eu fui sair na "expulsória".

Ig o r - Como foi esse contato? A senhora tinha 70 anos e tinham pessoas jovens, pes-soas mais velhas ...

Vera - Eu toda vida me dei muito bem

com a mocidade. E sempre eu dizia para os meninos: "Olha, vocês não sabem o quanto vocês me ajudam." Porque eu nunca fui uma

pessoa rígida com a juventude, achando

de-feitos, achando isso e aquilo, impondo

posi-ções, não. Eu acho que eu procurei entender os jovens.

Ig o r - E o que a senhora aprendeu com eles?

Vera - Aprendi a viver (rin d o ).

letícia - Enquanto trabalhava como

pes-quisadora, a UFC passou por um período de ditadura militar e de reforma universitária. Eu queria saber se isso de alguma forma atrapa-lhou o seu trabalho como pesquisadora.

Vera -Atrapalhar, atrapalhou mesmo não,

porque eu continuei, n é ? O Exército (q u e ) me

incomodou.

letícia -Incomodou como?

Vera - (R i ep a u s a ). Eu acho que uma das

razões por que eu não fui para o Laboratório de Ciências do Mar foi por isso. O reitor fazia restrição a minha pessoa. E quando eu vim,

no meu tempo de estudante, nós (e la e a s

a m ig a s ) tínhamos um grupo muito ativo, que se preocupava com os problemas sociais, fa-zíamos comício e eu me filiei ao Partido

Co-munista (B ra s ile iro ). Aí quando eu me casei

foi que eu vim p ra cá, não conhecia ninguém,

aífoi que eu me afastei, mas sempre cooperei e como a gente tem umas ideias mais

huma-nas e mais solidárias, querendo um mundo

melhor e um mundo mais solidário, as vezes incomoda os outros.

letícia - A Ana Emília disse achar que

isso atrapalhou sua ida ao Laboratório de Ci-ências do Mar. Ela acha que também atrapa-lhou em promoções ...

Vera (in te rro m p e n d o ) - Ah, isso atrapalhou!

letícia - Mas como foi que a senhora ficou

sabendo que estava sendo impedida de ...

Vera (in te rro m p e n d o ) - Eu fui perceber depois de muitos anos. Eu nunca tive aquele

interesse, n é ? Porque pra mim o trabalho era

um prazer. Eu ficava lá no laboratório até (ê n

-fa s e ) anoitecer. Tinha um professor que às

vezes ficava também (a té ) mais tarde,

mui-tas vezes ele chegava: "Verinha, v u m b o ra

que não tem mais ninguém aí!" Porque era

a hora melhor de trabalhar. Sossegada, não

tinha movimento no laboratório, p ra colocar

a lâmina e tudo, que é um trabalho de muito cuidado e eu ficava as vezes, ficava até co-meçar a noite ...

E havia também, depois, um professor da Física, ele queria que desde cedo os filhos

dele tivessem noção das profissões. E ele

pôs as crianças em vários laboratórios e pôs

lá no nosso. E a Artemísia falou: "Vera, você

que gosta de criança fica com o jardim da

(12)

dou-" N u n c a f u i u m a p e s s o a

r íg id a c o m

a

ju v e n t u d e ,

a c h a n d o

d e f e it o s ,

a c h a n d o

is s o e

a q u ilo , im p o n d o

p o s iç õ e s ,

n ã o . E u a c h o q u e

e u p r o c u r e i e n t e n d e r

o s jo v e n s ."

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

tora Vera. Eu digo: "Eu não quero! Eu não

sou doutora e não quero que me chamem de doutora." Ela acabou me chamando de Vera.

É

uma grande amiga.

M e s s ia s - Dona Vera, do que você sente mais saudade dessa época de pesquisadora da UFC?

V e r a - Do convívio também, sabe? O

nosso convívio era muito bom, muito bom

mesmo. Todos os departamentos têm suas

briguinhas, suas coisas, mas eu nunca tive

pretensões a alcançar. Eu fazia o que ... Esta-va ali e ia fazendo. Tanto que, quando eu me aposentei, eles me ofereceram um jantar, no

departamento. E uma das professoras disse

para mim: "Vera, só você

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(ê n fa s e ) reunia o

departamento inteiro." Porque todo mundo,

se precisa de alguma coisa, eu estou pronta

p ra ajudar. Então cooperei com quem

preci-sou de mim, cooperei com boa vontade.

L e t íc ia - Foi muito difícil se readaptar a uma rotina sem aquela pesquisa diária, sem o trabalho?

V e r a - Ah, foi. Isso aí foi difícil. Minha filha

dizia: "Mãe, você está trabalhando mais do

que trabalhava antigamente". Porque eu

ar-ranjei tanta coisa para fazer, tanta coisa, que não dava mais tempo.

Ig o r - Qual a senhora acha que foi a maior

contribuição que deu

à

universidade?

V e r a - Não sei se eu dei tanta, n é ? Eu

acho que a universidade me deu mais.

Ig o r - E o que foi que a universidade lhe deu de melhor?

V e r a - Ela me deu também a amizade de muitas pessoas, que são realmente amizade de verdade. E deu poder crescer, com meus

conhecimentos, tudo isso ... E a convivência

com os jovens.

L e t íc ia - Qual foi a importância que esse trabalho teve na sua vida em uma época em

que a maioria das mulheres não trabalhava

fora de casa?

V e r a - Eu acho que eu comecei a

traba-lhar cedo pelo seguinte: porque papai era

professor. Nossa vida era apertada economi-camente e eu fui ficando mocinha e eu não ti-nha coragem de pedir ao meu pai um

dinhei-rinho p ra comprar um batonzinho, n é ? E eu

fui trabalhar. Eu dava aulas particulares, eu

trabalhava na biblioteca, trabalhei na livraria, e fui suprindo a minha vaidade (rin d o ).

M e s s ia s - Dona Vera, a senhora sempre

foi uma pessoa muito estudiosa, até

quan-do saiu da universidade continuou fazendo

cursos paralelos, o que a motivou a estudar

tanto e a continuar estudando?

V e r a - Porque eu gosto. Eu tenho prazer. Eu leio muito. E eu gosto e hoje que eu fui para

aquela Universidade Sem Fronteiras (in s titu

i-ç ã o p a rtic u la r d e e n s in o q u e o fe re c e c u rs o s p a ra id o s o s ), fiz um curso de História da Arte. E gosto e leio muito. Tenho umas aulinhas de

francês, mas eu sou péssima aluna (rin d o ),

eu não estudo, não faço os deveres, mas ...

A gente conversa, cometo meus erros, ela (a

p ro fe s s o ra ) conserta, eu aprendo ali, daqui a

pouco eu já esqueci, vamos p ra frente. E tem

um professor de informática que ele vai ficar

comigo até eu morrer. Já é um amigo, ele

me chama de vó. Meu computador está

pre-cisando de um trabalhinho, de um cuidado,

aí ele telefonou pra cá: "É da casa da

vol"

E eu disse: "Da v ó ? Da vó de quem?" (R is o s ).

Porque meu professor me chama de v ó .

M e s s ia s - E o que gostaria de ter estuda-do que não conseguiu?

V e r a - Bom, eu quis a medicina, n é ? Não

Enquanto conversa-vam com Ana Emilia, a equipe descobriu mais uma curiosidade sobre a entrevistada. Vera tem um sítio em Guaramiran-ga (c id a d e a 1 0 0 q u ilô -m e tro s d e F o rta le z a ), do qual cuida com o mesmo esmero com que cuida da casa. Ela havia passado o fim de semana lá há pou-co tempo.

(13)

Jacqueline recebeu Felipe na própria casa de Vera. Eles conversaram na varanda, enquanto Vera ficou no escritório. No final do dia, mais bolo, café e biscoitos.

No dia da entrevista, todos marcaram de se encontrar no apartamen-to de Vera. Messias e Ana Beatriz iriam do trabalho. O local era próximo, mas

eles decidiram pedir um táxi, por não terem cer-teza da distância. A cor-rida foi de apenas quatro

quarteirões.

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

" E u a c h o q u e o

.

c o m u n is m o

m e s m o ,

c o m to d a s a s le tr a s

m a iú s c u la s , s e r ia o

id e a l. ( ... ) H o je , v e jo

m u ita d ific u ld a d e

e m n ó s te r m o s

u m a

s o c ie d a d e

a s s im ,

p r in c ip a lm e n te

a g o r a ,

e m q u e s e d á m u ito

v a lo r a o d in h e ir o " .

foi possível, a gente tem de ... Não tenho trau-ma por isso não. Não termo trautrau-ma nennurn na minha vida.

Felipe - Mas consegue se imaginar tendo seguido carreira na medicina?

Vera - No errp a 9 erra

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

/I G u e rra

M u n d ia n , nós fizemos um curso de

socorris-tas, enfermeiras socorristas, n é ? E, quando

nós terminamos um curso, nós faríamos um

estágio nos hospitais e quem fizesse estágio

em hospital estava sujeito a ser chamado

para a guerra. Aí meu pai não deixou.

larissa - Mas se o seu pai não tivesse res-tringido essa participação ...

Vera (in te rro m p e n d o ) - Aí teria ido.

letícia - Dona Vera, toda vez que a gente

conversa com a senhora ou com outra pes-soa que lhe conhece, a gente descobre um curso novo que a senhora fez. Tem algum curso ainda, de tantos que já fez, que a se-nhora ainda queria fazer e não pôde, além de medicina?

Vera - Não, eu também frequentei umas

aulinhas de filosofia. Eu li muito. A minha

leitura que foi um pouco errada, porque eu li trabalhos, coisas muito difíceis ... Eu gostava de filosofia e eu ainda era muito jovem,

ain-da não tinha amadurecimento para ler o que

eu lia. Isso sempre me prejudicou porque

não me deu aquela abertura que eu poderia

ter mais tarde com mais conhecimentos. E

eu tive umas aulinhas ali, como (o u v in te ), na

Faculdade de Filosofia da Prainha (S e m in á

-rio d a P ra in h a , a tu a l F a c u ld a d e C a tó lic a d e F o rta le z a )

Camila - A senhora falou que o seu mari-do sempre a apoiou, sempre deu total apoio,

ia até a congressos de botânica com a

se-nhora, dava esse apoio. Mas naquele tempo, com uma postura tão liberal da parte dele, ele não era motivo de chacota?

Vera - Não, ele me conhecia bem pelo

seguinte: nós éramos estudantes e nosso

tempo de estudante foi um tempo de

mui-to movimenmui-to, muito movimento social. Foi

também dentro do Partido Comunista, nós

tínhamos reuniões. Ele nunca comungou das nossas ideias, mas ele sempre foi amigo e ajudou. Eu me lembro de uma vez que ele carregou uma escada na rua principal de Juiz de Fora para pôr no poste para o homem fa-zer discurso.

Ana Beatriz - Como a senhora mesma já

comentou, e a Camila também, seu marido

lhe incentivava e ajudava até mesmo quando

não concordava. Como

vocês,

juntos,

passa-ram esse amor, pela ciência, no caso, para os seus filhos, na educação dos seus filhos?

Vera - Olha, logo muito cedo, quando

chegou a época de eles irem para o colégio, para o jardim de infância, eu pus no Batista

(C o lé g io B a tis ta S a n to s O u m o n t, fu n d a d o em

Fortaleza em 1950).

E

pus no Batista por uma

razão: porque a gente vive numa sociedade

sempre com os dois sexos, n é ? Homem e

(14)

tem uma moça que é a atendente, você vai na outra e é um rapaz que lhe atende ... Todo

lugar que você vai você está sempre em

contato com o sexo oposto. Isso para mim

sempre foi muito natural,

né?

Então ... O que

é que eu ia dizer com isso?

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(R I).

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

le t íc ia - Educação dos seus filhos.

V e r a - Ah, sim! Aí eu pus meus filhos no Batista, porque o Batista era um colégio que não era para moças nem era para rapazes, era um colégio misto. Eu achava que desde

cedo eles deviam acostumar a lidar com o

sexo oposto.

A n a B e a t r iz - A senhora ainda concorda com alguma coisa da ideologia comunista?

V e r a - Eu acho que o comunismo

mes-mo, com todas as letras maiúsculas, seria

o ideal. "De cada um, de acordo com a sua

capacidade, e a cada um, de acordo com a

sua necessidade." Isso é uma frase do Lenin

( a fr a s e , n a v e r d a d e , te r ia s id o d ita p o r K a r l M a r x , n o liv r o C r ític a a o P r o g r a m a d e G o th a ,

7875). Esse, para mim, é o objetivo, mas os

homens têm as suas falhas, o homem não é

perfeito. Então, eu, hoje, vejo muita

dificul-dade em nós termos uma sociedade assim,

principalmente agora, em que se dá muito

valor ao dinheiro. O dinheiro, agora, é

en-deusado.

A n a B e a t r iz - Então a senhora acha que, na prática, seria difíciL ..

V e r a ( in te r r o m p e n d o ) -

É

difícil. A gente não consegue vencer, mas eu acho que seria

o ideal. Seria um mundo harmônico, todo o

mundo solidário, todo o mundo com a

capa-cidade de compreensão desenvolvida.

le t íc ia - A senhora acha que o que impe-de impe-de haver o mundo iimpe-deal comunista são os erros dos homens?

V e r a - Talvez seja,

né?

O comunismo da minha época era bastante rígido, hoje é mais fraco (n ).

le t ic ia - A senhora também é mais suave nas suas ideias ou continua firme e forte?

V e r a - Eu continuo com as mesmas ideias, mas não faço nada ( r in d o ) .

"Porque

O

q u e a

g e n te id e a liz a , o q u e

a g e n te d e s e ja , a c a b a ,

à s v e z e s , s e n d o

im p r a tic á v e l.

( ... ) A

g e n te p a r e c e q u e

id e a liz a u m a c o is a

p e r fe ita , e a p e r fe iç ã o

,

.

-e u m a

coisa

q u e n a o

e x is te ."

o

local da entrevista fica a apenas dois quartei-rões da casa do professor Ronaldo. Dessa vez ele não precisou pegar o car-ro. Pôde ir e voltar a pé.

(15)
(16)
(17)

Giulianne sofreu um pequeno acidente na vés-pera da entrevista e não teve como comparecer. Vera, ao saber disso, pe-diu para os estudantes desejarem melhoras a ela e mandou um grande abraço.

Larissa e Letícia pegaram carona com Igor para irem à entrevista, mas no caminho, já quase chegando no apartamento de Vera, o carro dele ficou sem gasolina. Igor teve de estacionar em um posto próximo e ir correndo para não atrasar

a entrevista.

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

L e t íc ia - Sobre esse pensamento de

es-querda que a senhora sempre trouxe: o que

a fazia ter esse posicionamento e como a

se-nhora defendia essa visão?

V e r a - Foi mais no tempo de universidade

e também já no científico

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(a tu a l E n s in o M é -d io ). Nós tínhamos um grupo de esquerda,

que se reunia e gostava de discutir, líamos ... Eu me lembro quando chegou ... Agora não

lembro o nome do livro, mas era um livro

que vinha em espanhol e se lia escondido.

C a m ila - Como era o nome desse grupo, dona Vera?

V e r a - Não tinha nome. Era uma célula do

Partido Comunista. Nós tínhamos reuniões

em casas de operários. Para ir a uma reunião dessas, tinha um rapaz que eu ia com ele e fingia que era meu namorado, outro entrava em um bonde lá na frente e ninguém

conhe-cia ... Era assim, em determinados lugares,

para a gente fazer essa reunião (rin d o ).

Ou-e dissOu-e: "Minha filha, você nunca podOu-eria tOu-er feito isso sem falar com a gente. Porque você ficou muito sem apoio. A gente de fora,

qual-quer coisa que acontecesse, sabendo, teria

a oportunidade de ver se podia fazer alguma

coisa".

L e t íc ia - Por que a senhora não contou?

V e r a - Eu não sei por quê (rin d o ).

M e s s ia s - A senhora teve algum receio?

V e r a - Não, é porque nós éramos muito fechados, era só um grupinho, entre nós e os operários ...

le t íc ia - A senhora falou que o seu mari-do tinha posições políticas e ideológicas bem

diferentes das da senhora. Isso de alguma

forma atrapalhou a relação de vocês?

V e r a - Não, ao contrário. Porque quando eu vim para cá (F o rta le z a ), ele foi chamado,

telefonaram para ele do Exército, tinha uma

secção lá... Porque, quando nós casamos,

veio toda a documentação a meu respeito

tro dia, achei um livro: Carlos Olavo (C a rfo s

O la v o d a C u n h a P e re ira , jo rn a lis ta

e

a tiv is ta , n a s c id o em M in a s G e ra is ). Ele foi nosso com-panheiro, nunca mais tinha visto, e na

livra-ria encontro um livro dele! Companheiro do

tempo de estudante, ele fazia Odontologia e

abandonou a faculdade dois meses antes de

se formar e é político até hoje.

M e s s ia s - Mas como aconteceu essa en-trada no Partido Comunista?

V e r a - Ah, porque a gente era estudante

e havia alguns que já eram comunistas, n é ?

"Vamos também?" "Vamos!" (riu ).

L u c a s - Como seu pai influenciou a

se-nhora a entrar nesse caminho de reflexões

comunistas?

V e r a - Ele nunca foi contra, mas ele não

sabia que eu era do Partido Comunista.

Quando o partido foi fechado, eu "entrei em parafuso", fiquei triste! E o papai descobriu

numa divisão dessas daí do Exército.

Cha-maram por telefone e ele não foi, mas uns

amigos deles foram e queriam saber quem era a esposa do Roberto, isso, mais isso e

mais aquilo... Queriam informações, mas

passou. Quando veio a revolução (d o n a V e ra

re fe re -s e a o g o lp e m ilita r d e 1964), nós (V e ra

ea lg u m a s m u lh e re s ) tínhamos um grupo de esquerda. Eu não era mais filiada ao partido

(P C B ) porque, quando eu vim para cá, eu me

desliguei, não conhecia ninguém, não tinha

como, e passei muitos anos assim. Mas a

gente sempre encontra alguém no mundo,

n é ? (R iu ). Nós tínhamos um grupo, onde nós fazíamos umas reuniões com umas

mu-lheres ... Eu não me lembro mais do nome,

ali perto do antigo aeroporto. Havia umas

mulheres, umas senhoras, e nós tínhamos

todo sábado uma reunião com elas. Era uma

(18)

Nós tínhamos umas reuruoes também no

Sindicato dos Garçons.

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

le t íc ia - Então a senhora criou esse gru-po já degru-pois de casada?

V e r a - Esse grupo foi muito depois. E não fui eu que criei, foram as circunstâncias que fizeram com que nos encontrássemos.

M e s s ia s - A senhora acha que influen-ciou essas mulheres?

V e r a - Eu acredito que sim, porque a mulher é tida ... Hoje já é melhor, mas a mu-lher era muito subjugada ao marido, era só o homem que mandava. Por exemplo, a mi-nha mãe escrevia muito bem, mas só teve o primário, porque no tempo da mamãe as

mulheres não iam para a escola, faziam o

curso primário e era o suficiente. Depois

iam bordar, aprender a tocar piano e iam casar, cuidar dos filhos e do marido. Então, havia uma subserviência, de certo modo, da mulher para com o homem e até hoje ainda

masculino, jogava bolinha de crica

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(b o lin h a

d e g u d e ) com eles.

F e lip e - A senhora chegou a viajar com

essas amigas que faziam parte do grupo.

Como foi essa viagem?

V e r a - Eu estava em Minas (G e ra is )

quan-do surgiu essa viagem para a (e n tã o ) União

Soviética, que era o congresso de mulheres

em Moscou. Quando eu cheguei (e m F o rta

-le z a , v in d o d e M in a s G e ra is ) e desci do avião, meus filhos disseram assim: "Mãe, você vai

a Moscou, você vai a Moscou!" O Roberto é

que viu e sabia que eu teria prazer, que seria

bom para mim, ele providenciou, antes de

eu ter conhecimento da viagem. Quando eu

cheguei já encontrei a minha passagem re-servada e fomos. Ele era muito solidário. Na época da revolução, ele foi muito solidário.

le t íc ia - Qual era o intuito desse congresso?

V e r a - Era um congresso das mulheres,

um congresso internacional. Todos os

pro-existe mulher assim. A gente ia conversar.

Para elas sentirem que eram gente, que

ti-nham o direito de viver e de serem iguais aos outros.

C a m ila - Era um movimento com articu-lação feminista?

V e r a - Era... Bem feminista, era. Mas não como aquele movimento feminista, era mais político.

le t íc ia - A senhora sentia diferença de ser mulher naqueles tempos com esse pen-samento diferente que tinha?

V e r a - Eu não sei dizer bem pelo seguinte: eu fui criada muito mais no meio de rapazes do que de moças. Porque o papai era pro-fessor, e depois foi o reitor do colégio (G ra n

-bervi,

que tinha um internato masculino. Eu convivia com os meninos, a minha casa era uma extensão do colégio. Para mim foi natu-ral. Em Piracicaba, eu morei em um internato

blemas da mulher, porque em muitos países

ela era muito subserviente. Era de

politiza-ção, de crescimento como pessoa.

lu c a s - Qual foi a sua atuação direta nes-se congresso?

V e r a - Nós participamos ... Eu assisti mais,

e depois eu fui

à

China, e passei quase um

mês lá. Porque tinha a representante das

chinesas, e todo o mundo se entrosou, e eu consegui. A minha irmã já estava morando na China, ela morou lá uns sete, oito anos.

Então as mulheres da Associação Feminina

da China providenciaram a minha ida, meu

visto, essas coisas.

lu c a s - Quais foram as impressões que a senhora teve desses países comunistas, se a senhora tem essa noção de que é um horizonte a ser alcançado pela humanidade? Como foi ver na prática?

V e r a - Esse é que é o problema, sabe?

VERA GUIMARÃES

I

75

Enquanto a equipe esperava a chegada de todos os entrevistadores no térreo, Vera interfonou duas vezes avisando que poderíamos subir. Ela pa-recia ansiosa para rece-ber a turma.

Durante a entrevista, a filha de Vera, Jacqueline, chegou ao apartamento. Alertada pelo professor Ronaldo, ela percebeu a tosse da entrevistada e trouxe logo um copo d'água para aliviar a gar-ganta da mãe.

I

(19)

Vera muitas vezes perdia-se nas respostas dadas e esquecia quais perguntas tinham sido feitas. Por causa, dis-so, os entrevistadores tiveram de falar muitas vezes, totalizando 205 in-tervenções.

Cecília e Diga, duas grandes amigas de Vera, foram citadas diversas ve-zes durante a produção. Elas também eram filiadas ao Partido Comunista Bra-sileiro e a acompanharam na viagem para Moscou. Vera e Cecília são amigas até hoje.

Porque o que a gente idealiza, o que a gente deseja, acaba, às vezes, sendo impraticável. Porque a gente quer um mundo harmonioso, todo o mundo tendo o seu trabalho, tendo um modo de vida digno de se viver, estudan-do ... Agora fica essa criançada aí no meio da rua virando bandido? Quer dizer, a gente está longe disso aí. Isso não é o que a gente quer de jeito nenhum. A gente parece que idealiza uma coisa perfeita, e a perfeição é uma coisa

que não existe.

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

lu c a s - Mas qual foi a sua opinião quan-do a senhora viu a sociedade russa marxista, comunista, stalinista?

V e r a - O Stalin

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( J o s e f S ta lin , P r im e ir o - m i-n is tr o d a U n iã o S o v ié tic a e n tr e 1941 e 1 9 5 3 )

me decepcionou muito. Porque, quando

ele caiu, eu fiz uns versos para ele ( r i) , mas

depois os versos tiveram de ir para o fogo, né? Porque era um período em que a gente

não tinha conhecimento das coisas que

pas-savam por trás na União Soviética. Lá eu vi muita coisa boa. Eu visitei aquelas cidades

do interior, eles tinham um programa

mui-to interessante, que as cidades pequenas do

interior tinham indústrias. Uma cidadezinha

trabalhava só com material elétrico, tudo de eletricidade. Todo o mundo da cidade tinha trabalho! Outra era só produtos químicos, fo-ram só essas duas ( q u e v is ite i) , então todo o mundo trabalhava naquela indústria, e todo o mundo tinha trabalho e tinha uma vida dig-na. Isso é o que a gente quer. Não quer di-zer que se todo o mundo tem vinte reais no bolso, todo o mundo é igual, não, porque é

impossível. Mas é a oportunidade que a

gen-te gen-tem de crescer e de um mundo mais

har-monioso, n é ? As grandes esperanças nunca

se acabam.

F e lip e - Essa foi a parte boa que você en-controu lá. Qual foi a grande decepção?

V e r a - Porque depois a gente ficou

sa-bendo daqueles assassinatos que o Stalin

fez e aquela coisa toda ... As coisas viraram lá e não deram certo, né? Eu não gosto desse Putin ( V la d im ir P u tin , p r e s id e n te d a R ú s s ia )

de jeito nenhum ( to d o s r ie m ) .

M e s s ia s - Olhando as experiências

des-ses paídes-ses, a senhora em algum momento

pensou em deixar o Brasil?

V e r a - Não, deixar o Brasil não. Eu gosto de ir e voltar ( r in d o ) .

le t íc ia - Mas por quê? Se a senhora lá

encontrou uma sociedade um pouco mais

parecida com a que idealizava?

V e r a - A gente sempre gosta da terra da

gente, n é ? E se tem a oportunidade de

fa-zer alguma coisa pela terra da gente, melhor ainda.

Ig o r - A senhora falou que existiam

(20)

de ele ser muito solidário e ajudar muito ...

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

V e r a

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( in te r r o m p e n d o ) - Mas desde o tem-po de estudante que ele não aceitava todas

as nossas ideias, mas ele ajudava todos nós.

M e s s ia s - Qual ideia ele não aceitava, por exemplo?

V e r a -

É

porque nossa filosofia era muito mais rígida, mais radical. Ele nunca foi co-munista, mas sempre foi um homem muito bom, muito solidário.

B e a t r iz - Mas mesmo que ele lhe

ajudas-se, quando vocês estavam conversando, no

que vocês divergiam?

V e r a - Não me lembro bem. A gente

con-versava muito ... Mas não lembro bem. Ele

não aceitava o pensamento comunista mais

profundo.

C a m ila - Seu marido era de direita?

V e r a - Não! Se ele fosse, não me aguen-tava não ...( to d o s r ie m ) .

la r is s a - Mas a sua participação em con-gressos e reuniões era bem aceita na sua

fa-mília, ou em algum momento até os filhos

sentiam ressentimento?

V e r a - ( in te r r o m p e n d o ) Era... Quando eu ia me casar, a família do meu marido era muito religiosa, muito católica, e eles não me aceitariam. Então, eu, por uma política de boa vizinhança, disse que me casava na Igreja Ca-tólica, não tinha diferença. Os padres não me

aceitavam na igreja, então meu casamento

foi em casa. Eu resolvi aceitar casar no reli-gioso e batizar meus filhos, mas só isso. Eles

queriam que eu assumisse compromisso de

educar ( n ac a tó lic a ) ... "Mas se você ficar viúva?" "Olha, eu ainda nem me casei, não

estou com vontade de ficar viúva". Mas eu

falei com o padre: eu não ensino religião aos meus filhos. Eu não vou ensinar a eles aquilo que eu não acredito, porque antes de tudo

estou sendo hipócrita. Então a minha outra

filha teve um pouco de dificuldades, porque

ela fazia parte do escotismo, das fadinhas

( c o m o e r a m c h a m a d a s a s m e n in a s e s c o te i-r a s ) , quando era hora de religião, quem era

protestante e quem era católico, ela ficou

meio perdida ( r is o s ) .

le t íc ia - A senhora disse que nunca ensi-nou religião aos filhos porque não queria ser hipócrita de ensinar o que não acreditava. A

senhora ensinava essa ideologia comunista

a eles?

V e r a - Comunista não, mas sempre ensi-nei a ser solidário. Eles também eram muito

crianças, não tinha como. Eles não tinham

ainda formação para poder entender essas

coisas.

le t íc ia - Mas

à

medida que eles foram crescendo, a criação que foi dando para eles

era sempre voltada para esse pensamento

de esquerda?

Ao longo dos conta-tos com Vera, descobri-mos que alga era irmã do bisavô de Felipe. alga chegou a concorrer a um cargo de vereadora pelo PCB, mas não foi eleita. Ela faleceu em 2009.

(21)

Vera morou muitos anos em um casarão no bairro Benfica, em Fortale-za, mas, quando o marido morreu, teve de se mudar. A casa ocupava um quar-teirão inteiro, onde hoje funciona um convento de freiras.

Segundo Jacqueline, o casarão seria vendido para alguém interessado em destruí-Io para a cons-trução de um edifício re-sidencial. Elas acabaram optando por vender para as freiras. O valor era menor, mas havia o com-promisso de não destruir a casa.

liA

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

g e n t e s e m p r e

g o s t a d a t e r r a d a g e n t e ,

. n é ? E s e t e m

a o p o r t u n id a d e

d e f a z e r

a lg u m a

c o is a p e la t e r r a d a g e n t e ,

m e lh o r

a in d a ."

V e r a - Era, mas nenhum deles seguiu

meu caminho não

gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(riu ). São todos eles mui-to cordiais, muimui-to solidários e tudo, mas não

concordam muito com minhas ideias não.

F e lip e - Pouco depois de voltar dessa viagem, cerca de um ano depois, foi quando

a senhora começou a ter problemas com o

Exército ...

V e r a (in te rro m p e n d o ) - Foi. Eu passava uns dias dormindo fora de casa, e dormia na casa de um, na casa de outro ... Quando foi um dia, eu e Roberto estávamos na janela do quarto e ele disse: "Minha filha, prepare-se

que o exército está entrando aí". Ele ainda

quis que eu tomasse um "remedinho" para

ficar mais calma, mas eu disse: "Não, não

quero absolutamente nada", e me levaram.

a major veio, queria me levar, e o Roberto

insistiu em me acompanhar, tanto insistiu

que o major cedeu. Nós fomos, o Roberto foi dirigindo o jipe (c a rro d o m a rid o d e V e ra ) lá para o quartel, e o major dentro do jipe, nós

não fomos no carro dele (d o m a jo r). E eles

levaram a alga e a Cecília (a m ig a s d e V e ra ),

como se elas estivessem me denunciando,

para jogar uma contra a outra, mas a gente tinha confiança demais uma na outra.

le t íc ia - Nesse momento em que a se-nhora estava dentro do carro com o seu ma-rido e o major, a senhora lembra o que se passava pela sua cabeça naquela hora?

V e r a - Não, não me lembro.

le t íc ia - Mas a senhora sentia medo?

V e r a - Não, não senti medo. Eu fui, ele (o

m a jo r) falou que eu ia ficar aqui no Hospital Militar, eu arrumei minha malinha e fui. a

Ro-berto me acompanhou, e quando ele estava

lá - eu tenho essa impressão, não sei se é

verdade -, um oficial que era muito amigo do pai dele, olhou e disse: "Roberto, o que você está fazendo aqui". E ele: "Não, não sou eu, é a Vera que está lá". E ele tinha conhecimento de coisa minha e achou quê, talvez, eu não

era tão brava como eles pensavam (ri).

le t íc ia - Mas teve receio pelos seus fi-lhos, pela sua família?

V e r a - Eu não sei, sabe? Porque em um

momento desse você não pode pensar em

muita coisa. Eu acho que não. Você não sabe

o que vai acontecer, o que vão fazer com

você. E a minha correspondência toda eles

recolheram.

(22)

momento em desistir das causas feministas

e comunistas?

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

V e r a - Não, não. Eu acho que hoje a coisa não é tão possível como eu acreditava, como eu desejava que fosse, mas eu ainda acredito que esse mundo venha a ser melhor. Eu não estarei mais aqui, mas eu espero que isso aconteça um dia.

Ig o r - A senhora já tinha filhos nessa época ...

V e r agfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA( in te r r o m p e n d o ) - Tinha, depois a polícia foi, cercou ( V e r a r e fe r e s e a o m o m e n

-to s e g u in te a o d e s e r le v a d a p e lo E x é r c ito ) ...

Os meninos ficaram marcados nessa ocasião

porque, assim que eu saí com o Exército,

eles (o E x é r c ito ) disseram que anteciparam

( a p r is ã o ) , porque a polícia fazia questão de

nos levar, e o Exército teria condições mais

honrosas, sei lá o quê, para nos tratar do que

a polícia. Nós seríamos mais bem tratados

pelo Exército do que pela polícia. Aí a polí-cia cercou a minha casa, foi uma confusão, mas eu não estava, eu estava lá na 10ª Re-gião ( M ilita r ) . Tanto que no dia seguinte nós

voltamos para casa, fomos interrogados, fui

interrogada muitas vezes, fiquei proibida de

sair de Fortaleza. Tanto que eu estava

fazen-do um curso de biologia marinha, o curso

terminou e eu recebi o ofício do 23 BC (23º

B a ta lh ã o d e C a ç a d o r e s ) para comparecer, e eu não podia sair da cidade sem ordem deles

( p a r a te r m in a r

o

c u r s o , V e r a p r e c is a v a fa z e r u m a a u la d e c a m p o fo r a d a c id a d e , m a s

o

E x é r c ito n ã o p e r m itiu q u e e la s a ís s e ) .

le t íc ia - As perseguições que a senhora

sofreu na ditadura enfraqueceram ou

fortale-ceram ainda mais suas posições políticas?

V e r a - A minha posição política é sempre essa e não vai mudar nunca. Já estou velha

demais para mudar, n é ?

F e lip e - Como a senhora via quem fazia

parte de movimentos de luta armada?

V e r a - Nós hospedamos muitas vezes gente do partido ( c o m u n is ta ) . Eu tinha um

amigo, que conheci na China, ( c h a m a d o )

Duarte ( J o s é D u a r te , fe r r o v iá r io ec o m u n is ta , o r g a n iz o u a c r ia ç ã o d e d iv e r s o s s in d ic a to s p e lo B r e s ih , esse sofreu. Ele foi tão torturado,

tão torturado! Ele foi preso e almoçava lá em

casa toda quarta-feira, e dali ele ia para um lu-gar, não sei para onde, e o grupo com o qual ele tinha relação eu acho que era um grupo de guerrilha. Nunca soube nem nada. Tanto que eu dizia para ele: "No dia que você não puder entrar, tem uma toalha pendurada no terraço". Porque eu tinha de ter cuidado com ele. E quando ele saiu ( q u a n d o fo i lib e r a d o d a p r is ã o ) , não tinha roupa nenhuma mais. Eu que comprei a roupa de ele sair, comprei

a mala, tudo direitinho. Nós éramos grandes

amigos. E quando eu cheguei em casa, eu

disse ao Roberto: "Roberto, o Duarte foi pre-so". E ele disse logo: "Temos de procurar um

advogado". Ele foi a uma colega dele, que

foi advogada dos presos, não me lembro do nome dela.

M e s s ia s - Dona Vera, você guarda algum rancor desta época da ditadura militar?

Vera gosta muito de animais. Na antiga casa, ela mantinha uma espécie de zoológico, onde cuida-va de mais de 60 animais. Entre eles, vários tipos de aves, como araras, emas e seriemas. Só não tinha gatos, que ela diz não gostar.

Referências

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