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A origem genealógica dos juízos morais em Friedrich Nietzsche

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A origem genealógica

dos juízos morais em Friedrich Nietzsche

Douglas Meneghatti*

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em Röcken, pequena cidade próxima a Leipzig, na Alemanha, em 15 de outubro de 1844. Estudou filologia e teologia – a qual não concluiu. Em 1869, recebeu um convite para ser professor de filologia clássica na Universidade de Basiléia, na Suíça. Lá lecionou até 1879, ano em que deixou a cátedra por motivos de saúde. A respeito de escritos polêmicos, é justo mencionar que foram elaborados antes de Nietzsche enlouquecer e em nada estão relacionados com insanidade mental clínica. Atingido por crises de loucura em 1889, passou os últimos anos de sua vida recluso, vindo a falecer no dia 25 de agosto de 1900, em Weimar. Nesse momento, suas obras começaram conquistar a aclamação que aguardara por toda a sua vida, e sua fama rapidamente se difundiu.1

Nietzsche fora uma pequena e patética figura pálida com um enorme bigode militar que marcou profundamente o pensamento do século XX e que, ainda hoje, faz-se presente. Filósofo e compositor megalomaníaco, também se considerava o primeiro psicólogo europeu. Ele mesmo se define: “Sou um discípulo do filósofo Dionísio, prefiriria ser um sátiro antes que um santo” (NIETZSCHE, 2006a, p. 15).

É simples entender porque é considerado megalomaníaco: “Quem sabe respirar o ar de meus escritos sabe que é um ar das alturas, um ar vivo” (NIETZSCHE, 2006a, p.16). A questão é que, para compreender Nietzsche, sobretudo suas ideias escritas em forma de aforismos, o caminho é tortuoso, respirar o “ar das alturas” não é uma tarefa fácil, é necessá-rio elevar a leitura à dignidade de “arte” e possuir uma faculdade que exige qualidades bovinas, em suas palavras: “[...] faculdade de ruminar” (NIETZSCHE, 2007a, p. XVI).

* Bacharel em Filosofia pelo IFIBE – Ano de conclusão: 2010.

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Após esta breve apresentação biográfica e literária, é possível intro-duzir o tema da moral. Na perspectiva de Nietzsche: “Em toda a ‘ciência da moral’, apresentada até hoje, tem faltado ainda, por mais fantástico que isso possa parecer, o problema da própria moral” (2006b, p. 101). No decorrer dos últimos séculos, com raras exceções, foram apresentados apenas estudos superficiais, carregados de superstições e mergulhados em equívocos. Com este artigo, tem-se o objetivo de analisar a história natural da moral, considerando as obras principais de Nietzsche que se referem ao problema propriamente dito. Serão apresentados dois tipos de moral, dis-tintas e predominantes, que têm acompanhado toda a história da “mo-ralidade”. Àqueles que pretendem fazer uma análise da vida de Nietzsche, considerando os seus escritos, fica a recomendação: “Eu sou uma coisa, meus escritos são outra” (NIETZSCHE, 2006a, p. 55).

1. Moral de senhores e moral de escravos

Para Nietzsche a essência do mundo é a vontade, não entendida como uma faculdade, mas como uma relação de tensão. Segundo o pro-fessor Moura, esta tensão nunca poderá ser eliminada, visto que se trata de uma vontade que faz com que a vida naturalmente se relacione. Esta tensão requer a resistência, por isso, seu paradigma será o jogo, não a guerra total (1987, p. 608). Perante todas as forças presentes na natureza o ser humano busca se afirmar como um aristocrata consciente de que a vida não é uma sonolenta apatia, mas a superação constante das resis-tências. Parte-se agora para a análise de duas forças que estão presentes nas diversas morais analisadas por Nietzsche: a força ativa dos senhores2 e a força reativa dos escravos.3

Buscando fugir de qualquer espécie de preconceito, utilitarismo, dogmatismo e mesmo das aparências, o filósofo de Sils Maria4 encontra algumas características comuns que se repetem e se relacionam dentro das mais variadas sociedades. Chega à seguinte constatação:

2 Senhor, aristocrata e nobre são usados como sinônimos pelo autor. 3 Escravo, plebeu, populacho e fraco são usados como sinônimos pelo autor.

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Revelaram-se-me finalmente dois tipos básicos e se destacou uma diferença fundamental. De um lado a moral de senhores e de ou-tro a moral de escravos. Devo acrescentar imediatamente que em todas as culturas superiores e mistas aparecem tentativas de conci-liação das duas morais, mais freqüentemente ainda aparecem a sua mistura e recíproca incompreensão, por vezes mesmo a sua dura coexistência até no mesmo indivíduo, dentro de uma só alma. As diferenciações valorativas dessas morais originaram-se ou dentro de uma raça dominadora que, com agrado, tomou consciência de que diferia dos dominados ou entre os dominados, escravos e su-bordinados de todos os graus (NIETZSCHE, 2006b, p. 185-186). Evidenciaram-se assim dois tipos de moral, sendo que ambas podem estar presentes num único homem. Por trás delas, encontra-se uma mul-tiplicidade de forças que estão permanentemente em conflito. É o que Nietzsche denomina de “vontade de potência”, 5 que leva os senhores à ação e os escravos à reação.

A força ativa, correspondente aos aristocratas, está relacionada com os desejos de afirmação e ascendência e leva o indivíduo a uma contí-nua superação das resistências; A força reativa está ligada à fraqueza e à igualdade que impedem a expansão do poder e tornam o homem flébil.

O nobre é aquele que age em consonância consigo mesmo; o escravo simplesmente reage ao agir alheio. A vontade de poder deste último é impulsionada por sentimentos de rancor e ódio pelos nobres. Em poucas palavras, o filósofo genealogista assim resume: “Enquanto toda a moral aristocrática nasce de uma triunfante afirmação de si mesma, a moral dos escravos opõe um ‘não’ a tudo o que não é seu; este ‘não’ é o seu ato criador” (NIETZSCHE, 2007a, p. 11).

O aristocrata tem como alicerce para a sua vida os sentimentos de distância e superioridade; não necessita dos outros para agir e nem vê neles um empecilho para sua ação; age considerando somente a sua própria estima, desprezando o que é alheio.

Por outro lado, há o tipo escravo, fundado sobre a igualdade e a fraqueza, incapaz de criar e preso numa sonolenta apatia ou mesmo car-regando um enorme desprezo pela vida e, sendo contrário à ação, reage rancorosamente aos valores aristocratas.

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Definindo as características de um aristocrata, Nelson Boeira, bem se expressa: “[...] a paixão pela vida, a felicidade, a coragem, a afirmação de si mesmos, a confiança em sua superioridade, a abundância de potência e o sentido de valor pessoal” (2004, p. 47). Não se tem necessidade de enu-merar as qualidades do tipo escravo, basta inverter os valores dos nobres para constatar as características de uma vida em declínio.

É difícil sistematizar as virtudes de um aristocrata, tendo em vista que se trata de um criador de valores e que, portanto, cria afirmando sua força ativa. Sendo assim, as características acima citadas, de forma alguma são excludentes a outras que possam surgir. Tratando-se do tipo escravo, é mais fácil definir as virtudes, visto que todas derivam da vingança e do ódio. De-finindo os tipos de moral em voga, Nietzsche utiliza uma metáfora:

E se os cordeiros dizem: “Estas aves de rapina são más, o que for per-feitamente o contrário, o que for parecido com um cordeiro é bom”, nada teríamos que responder a esta maneira de erigir um ideal. Ape-nas que as aves de rapina responderão com ar de troça: “Nós não que-remos mal a estes bons cordeiros, senão pelo contrário, apreciamo-los muito: tão saboroso como a carne deles não há nada” (2007a, p. 17). Enquanto os cordeiros (escravos) referem-se às aves de rapina (aris-tocratas) cheios de ódio, os aristocratas respondem com tom de gargalha-da, como se dissessem, “o que vem de baixo não nos atinge”, o que fazem ou deixam de fazer pouco interessa. Os aristocratas acreditam que o povo vulgar é mentiroso, ignoram suas palavras, distanciam-se dele.

Nietzsche cita um princípio dos dominadores: “[...] deveres apenas para com os seus iguais. De que se possa agir em relação aos seres de cate-goria inferior, em relação a todo estranho, a seu bel-prazer ou ‘como o co-ração quiser’ e, em todo caso, ‘para além do bem e do mal” (2006b, p. 187). Tem-se a impressão de que todos os valores altruístas caem por terra, até porque Nietzsche é um grande crítico da moral judaico-cristã. Porém, deve-se levar em conta que os valores provêm de um impulso gerado pelo excesso de poder. Sendo assim, a compaixão e outros valores que advém deste passam a ser consideráveis.

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É: “[...] o poder de fazer condoer” (NIETZSCHE, 2007c, p. 66). Quanto a este tipo de compaixão, cabe aos espíritos livres manter distância, visto que este é mais nocivo do que qualquer outro vício.

Embora se trate de uma moral frágil, a moral de escravos acaba ascendendo em muitas culturas. Ela vence pela interiorização da culpa e do remorso nas pessoas felizes. Eis mais um motivo para evitar a com-paixão trazida pelo ressentimento.

Tendo-se definido genericamente as forças ativas e reativas, partir-se-á para uma análise mais aprofundada dessas morais.

2. Origem dos preconceitos morais

Considerando-se que os nobres definem o que é bom a partir de uma valoração própria e extraída de suas ações e que os escravos definem reati-vamente, isto é, por negação das qualidades dos aristocratas, analisar-se-ão alguns conceitos típicos dos nobres e, posteriormente, dos escravos, a fim de melhor explicitar a existência de duas tendências morais opostas.

2.1 Gut/schlecht (Bom e ruim)

No primeiro ensaio da obra A genealogia da moral, Nietzsche trata exclusivamente desta questão, fazendo uma enorme crítica aos “psicólo-gos ingleses”6 que realizaram uma genealogia dos conceitos fundamen-tais da moralidade, como é o caso do juízo “bom”, de maneira utilitarista. A estes, Nietzsche responde: “[...] foi o sentimento, não a utilidade [...]” (2007a, p. 3). Isto é, foi da expressão das forças humanas que emanaram os princípios morais nobres e não de mera utilidade.

A fim de melhor compreender as investigações dos “psicólogos ingleses”, Dutra de Azeredo evidencia: “[...] o juízo bom deriva de ações altruístas que foram louvadas e reputadas como boas para aqueles aos quais eram úteis” (2003, p. 57).

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Tratando da moral aristocrata, Nietzsche descarta qualquer utilita-rismo. Ela nasce de uma triunfante afirmação de tudo o que lhe é próprio e está em constante expansão potencial. É nesse sentido que aparece o termo “bom” como afirmação da potência aristocrata. Até porque, se-gundo Dutra de Azeredo: “Na perspectiva nietzschiana, se o juízo de valor bom tivesse por origem a utilidade da ação, isto não poderia ser esquecido, uma vez que não deveria deixar de existir a utilidade dos atos que eram tidos por bons” (2003, p. 57). Se assim fosse, ao invés de esque-cidos, os juízos seriam cada vez mais fixados, devido a sua vinculação com o uso cotidiano. O esquecimento da origem dos valores prova que eles não nasceram da utilidade, mas sim de um impulso interno. Niet-zsche é muito claro: “[...] o juízo ‘bom’ não emana daqueles a quem se prodigalizou a ‘bondade’” (2007a, p. 3).

Fica assim evidenciado que os nobres construíram todo um edi-fício moral de acordo com perspectivas próprias, com suas condições particulares, sem considerar a repercussão de suas ações. Julgavam seus atos como bons sem pensar na sua utilidade, opondo-se a tudo o que é vulgar e mesquinho.

Em seus estudos genealógicos, o filósofo de Sils Maria constata que em quase todos os idiomas a palavra “bom” deriva de uma transformação gradual do termo nobre, enquanto que “ruim” provém de palavras como vulgar, plebeu, baixo e simples. Diversas são as relações encontradas por Nietzsche, tais como: “[...] a nossa palavra alemã gut (‘bom’) não significaria der Goettlich (‘o divino’) o homem de origem divina? E não seria sinônimo de Goth, nome de um povo, mas primitivamente de uma nobreza?” (NIETZSCHE, 2007a, p. 7). Quanto à palavra “ruim”: “[...] a pa-lavra alemã schlecht (mau),7 que é idêntica à palavra schlicht (simples) [...]” (NIETZSCHE, 2007a, p. 4-5).

Na perspectiva de Nietzsche, os juízos não são afirmados como algo que possa valer em si, mas somente como algo postulado a partir de um si (AZEREDO, 2003, p. 59). Isto é, o homem é quem estabelece um sentido para os valores e não o contrário. Nietzsche acredita que não só a origem8 destes juízos, mas também da própria linguagem, se deve aos aristocratas que tinham o poder de valorar, ou seja, de dar sentido às coisas. Diz:

7 Ruim em outras traduções.

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Este direito de dar nomes vai tão longe que se pode considerar a própria origem da linguagem, como um ato de autoridade que emana dos que dominam. Disseram: ‘Isto é tal e tal coisa’, vincula-ram a um objeto ou a um fato tal ou qual vocábulo, e assim ficou (NIETZSCHE, 2007a, p. 3).

A teoria de Nietzsche referente à etimologia dos juízos de valor está fundamentada na obra A genealogia da moral, onde gut/schlecht e gut/böse são as terminologias que designam o caráter dos aristocratas e dos es-cravos. Acontece que, devido a problemas relacionados com traduções, o entendimento do assunto acaba, muitas vezes, sendo ofuscado. Gut e schlecht aparecem em algumas traduções como “bom” e “ruim” e em outras como “bom” e “mau”. Já gut e böse, aparecem ora como “bom” e “mau” e ora como “bem” e “mal”.9

Nesta exposição optou-se por bom e ruim, como tradução dos vo-cábulos gut e schlecht, devido ao fato de se apresentar como a mais plau-sível.10 Lembrando que, para Nietzsche, “bom” é todo aquele que é capaz de expandir sua potência, ao passo que “ruim” é aquele que vive entra-vado no impulso ao crescimento da potência. Deve-se ainda evidenciar que bons são os nobres, enquanto que ruins são os escravos.

Em suma, na terminologia aristocrata, “bom” é o sujeito que age em primeira pessoa, afirmando a diferença, sem consideração àqueles a quem se faz o “bem”, enquanto que “ruim” ou vulgar, diz respeito aos desprezados, medrosos, ou mesmo, de potência estagnada. O termo “ruim” denota o que não condiz aos espíritos altivos e elevados.

Para bem se enumerar as medidas de um aristocrata citarmos a obra

O Anticristo:

O que é bom? – Tudo aquilo que eleva no homem o sentimento do poder, a vontade de poder, o próprio poder.

O que é mau?11 – Tudo aquilo que provém da fraqueza.

O que é a felicidade? – O sentimento que a força cresce – que uma resistência foi superada (NIETZSCHE, 2007d, p. 18).

9 Para comprovar o que foi dito a respeito das traduções é mister comparar as obras apresentadas na bibliografia (NIETZSCHE, 2007a, p. 1-25 e 1999, p. 341-346). 10 Posição defendida por diversos comentadores, entre eles Maurice de Gandillac

(AZEREDO, 2003, p 72-73).

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A felicidade só é encontrada pelos bons, por aqueles que deixam as forças ativas avançarem; a fraqueza inibe a afirmação da potência, impe-dindo o homem de ser feliz. Esta valoração foi invertida pelos escravos, explicação que cabe ao tópico seguinte.

2.2 Gut/böse (Bom e mau)

A inversão dos juízos “bom” e “ruim” em “bom” e “mau” – típica dos escravos –, se deve, segundo Nietzsche, a um fato histórico, à ascensão dos judeus com relação aos romanos (NIETZSCHE, 2007a, p. 9). Trata--se de uma grande “desgraça”, um forte atentado contra os valores exu-berantes e cheios de vida do ser humano. Uma metamorfose de valores, onde o sentimento motivador é o ódio. Este fato é assim sistematizado:

Os judeus, com uma lógica formidável, atiraram por terra a aristo-crática equação dos valores ‘bom’, ‘nobre’, ‘poderoso’, ‘formoso’, ‘fe-liz’, ‘amado de Deus’. E, com o escarnecimento do ódio afirmaram: só os desgraçados são bons; os pobres, os impotentes, os pequenos, são os bons; os que sofrem, os necessitados, os enfermos, são os piedosos, são os benditos de Deus [...] (NIETZSCHE, 2007a, p. 9). Essa inversão é vista por Nietzsche como a mais hostil que já ocor-reu contra os espíritos aristocratas, pois os fazem envergonhar-se de si mesmos – do seu modo de viver. O aristocrata passa a repudiar o que lhe é mais tenaz e jovial devido a uma constante consciência de culpa – eis a “vitória” do tipo ressentido sobre o aristocrata.

Para evidenciar as análises etimológicas do filósofo genealogista, é útil citar Will Durant, que bem resume: “[...] gut, tinha dois signifi-cados, como oposto de schlecht e böse: quando usado pela aristocracia significava forte, bravo, poderoso, guerreiro, semelhante a Deus (gut, de

Gott, Deus); quando usado pelo povo, significava conhecido, pacífico,

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Se antes as atitudes de um nobre eram tidas como boas, agora pas-sam a ser condenadas. Como se trata de uma concepção de igualdade, o “populacho” acaba ganhando cada vez mais número, enquanto que os aristocratas quase desaparecem em meio a uma grande massa. Nietzsche enfatiza: “Os bons são uma casta, os maus uma massa parecida com a poeira” (2007c, p. 63). Tudo o que vai contra os ideais da comunidade é repudiado, punido ou, em alguns casos, desconsiderado. Nesse sentido, com a inversão dos juízos, “bom” é a “besta domesticada”, enquanto que maus são os que não têm espírito de grupo.

Nessa perspectiva, os juízos “bom” e “mau” são as condições básicas para viver em comunidade, aliás, seu sustentáculo. Qualquer força dinâmica e criadora que mostrar a sua potência é repudiada imediatamente. Desse modo, a melhor maneira de manter a vida social é aceitar o corriqueiro.

A inversão dos juízos “bom” e “ruim” para “bom” e “mau” nasce jus-tamente do ódio dos escravos, que reagem rancorosamente aos aristocratas “criando” assim uma moral submissa, de forma que sua base está construída na negação da moral dos nobres. Nessa perspectiva, os escravos passam a chamar os senhores de maus e se denominam reativamente como bons. Tal inversão dos valores faz com que o tipo escravo se afaste da beleza e da felicidade, um tremendo asco o impede de buscar a afirmação das forças ativas, daí a constatação nietzschiana da própria crise da exuberância artís-tica da vida que deixa de buscar a “eternidade do momento”.

Considerações finais

Ao término desse artigo, conclui-se que a natureza é constituída por uma multiplicidade de forças que estão permanentemente em con-flito. Essa tensão entre as forças é entendida por Nietzsche como vontade de potência que, de modo algum, possui conotação ontológica, sendo, antes de tudo, um conceito de relação que requer a resistência.

Todo o organismo vivo é possuidor de vontade de potência. Ele precisa crescer, resistir, jogar e isso não por moralidade ou imoralidade, mas porque vive e a vida é vontade de potência.

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como um defensor da vida. Se critica a moralidade do costume, a exis-tência submissa, o modo de viver reativo dos escravos e tantas outras coisas, é porque percebeu que possuem um caráter degenerativo contra a vida. Não seria absurdo afirmar que foi um dos filósofos que mais valorizou a vida enquanto força ativa e jovial em sua dimensão artística. É de grande relevo a valorização que faz dos sentimentos humanos, já que foi um grande combatente de todos os que viam na utilidade a origem da moralidade. Para Nietzsche, ela provém dos sentimentos, do excesso de poder de homens que possuíam criatividade e força para criar e, assim, dar valor às coisas. É notável seu amor a todos os sentimentos ele-vados e que exprimem grandeza; nunca admitiu filosofias que fossem contra a dinamicidade dos sentimentos humanos, a não ser que fossem reativos. Certamente, sua definição de homem como “[...] o que avalia” (2007b, p. 64), bem resume tudo isso.

Na atualidade, muitos dos temas que foram abordados por Nietzsche vêm sendo debatidos devido à sua vinculação com a filosofia, a ciência, as artes e a ética. A própria mídia tem divulgado sua filosofia através de revistas, jornais e livros. Nietzsche tornou-se até personagem de alguns romances, como é o caso do livro que virou filme e peça teatral: Quando

Nietzsche chorou de Irvin D. Yalon.

Um dos fatores que presentifica Nietzsche é a relação de sua filo-sofia com a vida humana. Ora, a própria filofilo-sofia nasce de uma relação entre o pensamento e a vida dos gregos, basta lembrar das discussões na praça pública de Atenas, que é considerada como o berço da filosofia.

Na visão de Oswaldo Giacoia Junior: “Nietzsche já tinha detectado e refletido sobre o desgaste das nossas referências e valores mais importantes” (2006, p. 13). É o caso da crise da racionalidade e dos valores éticos que se atravessa hoje de forma tão dramática. Outro elemento apontado é o da importância da arte para a vida, tendo em vista que a arte torna até a exis-tência submissa suportável (GIACÓIA JUNIOR, 2006, p. 8-9).

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Referências bibliográficas

AZEREDO, Vânia D. de. Nietzsche e a dissolução da moral. 2. ed. Ijuí: UNIJUÍ, 2003.

BOEIRA, Nelson. Nietzsche. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. DURANT, Will. A filosofia de Nietzsche ao seu alcance. Rio de Janeiro: Ediouro, 1963.

GIACÓIA JUNIOR, Osvaldo. Nietzsche, filosofia e cotidiano. FILOSOFIA

ciência & vida. São Paulo, Escala, n. 1, p. 6-13, 2006.

MARTINS, Maria. Deuses malditos I: Nietzsche. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

MOURA, Carlos Alberto R. de. A vontade de potência e a superação de si.

História do pensamento, São Paulo, v. 4, n. 51, p. 605-609, 1987.

NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Nova Cultural, 1999 (Os Pensadores).

_____. A genealogia da moral. 7. ed. São Paulo: Centauro, 2007. _____. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2007. _____. Ecce Homo. São Paulo: Escala, 2006.

_____. Humano, demasiado humano. 2. ed. São Paulo: Escala, 2007. _____. O Anticristo. São Paulo: Escala, 2007.

Referências

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