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As políticas nacionalistas e a semente do design moderno na Alemanha: Hermann Muthesius e a Deutscher Werkbund

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4º SIMPÓSIO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN DA ESDI Rio de Janeiro, 08, 09 e 10 de outubro de 2018

As políticas nacionalistas e a semente do

design moderno na Alemanha: Hermann

Muthesius e a Deutscher Werkbund

Nationalist policies and the seed of modern design in

Germany: Hermann Muthesius and the Deutscher

Werkbund

ROCHA, Marcelo.

RESUMO: O período seguinte à unificação Alemã, em 1871, é extremamente rico para o entendimento da emergência do designer e sua importância no mundo moderno. O artigo procura trazer aspectos da política nacionalista pós-unificação, momento no qual se evidencia a necessidade estratégica de construção de novas linguagens formais e estéticas, que possibilitassem a representação de uma identidade nacional e também o atendimento dos imperativos colocados pela máquina e a produção estandardizada. Como principal eixo de análise será utilizada a criação da Deutscher Werkbund, em 1907, cuja importância seguiria nas décadas seguintes, fazendo inclusive parte do pensamento que daria contornos à formação da Bauhaus, em 1919. Deste modo, a figura do designer vai emergir como parte de uma complexa rede de acontecimentos e estratégias, que se apresentaram no campo social, econômico, tecnológico, político e cultural. Palavras-chave: Cultura e sociedade. História do design. Revolução industrial. Deutscher Werkbund. Hermann Muthesius.

ABSTRACT: The period following German unification in 1871 is extremely rich for the

understanding of the emergence of the designer and its importance in the modern world. The article seeks to bring about aspects of post-unification nationalist politics, at which moment the strategic need for the construction of new formal and aesthetic languages is evidence. These languages would allow the representation of a national identity, as well as the fulfillment of the imperatives established by the machine and the standardized production. The creation of the Deutscher Werkbund in 1907, whose importance would remain in the following decades, including being part of the thought that would shape the Bauhaus formation in 1919, will be used as the main axis of analysis. In this way, the figure of the designer will emerge as part of a complex network of events and strategies that have appeared in the social, economic, technological, political and cultural fields.

Keywords: Culture and society. Design history. Industrial Revolution. Deutscher Werkbund.

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Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933

1 — Introdução

O final do século XIX representa um momento de importantes movimentações que foram definitivas para o surgimento do designer industrial. Dentro dessa perspectiva, a unificação da Alemanha, no final do século, merece um olhar especial por suas características particulares. Após a unificação uma política de fortes investimentos na industrialização e no comércio, aliada à presença de figuras de grande capacidade artística, intelectual e articulação política, resultaram na criação de escolas, museus e entidades, cujo objetivo era fomentar a educação estética e articular artistas e novas tecnologias industriais. Assim, em 1907, nasce a Deutscher Werkbund, reunindo artistas, artesãos, arquitetos, industriais e políticos, com o objetivo de por ordem na produção desordenada que acompanhava a industrialização.

A Deutscher Werkbund, a associação de design dedicada, desde a sua criação, em 1907, a 'harmonizar' a cultura alemã e a 'espiritualizar' o trabalho alemão, se tornou o epicentro do esforço de artistas no sentido de reformar os produtos alemães, e todas as manifestações do seu desenvolvimento, como símbolos de uma renovada cultura alemã do século XX (MACIUIKA, 2005, p. 8, tradução minha).

Autores como Joan Campbell — The German Werkbund, The Politics of Reform in the

Applied Arts —, John Heskett — German Design 1870-1918 — e John Maciuika — Before the Bauhaus - Architecture, Politics and the German State - 1890-1920 — são alguns dos

pesquisadores que se debruçaram sobre a história da Werkbund, demonstrando, através de diferentes perspectivas, a importância da sua análise. Este artigo, ainda que de forma breve, tem o objetivo de destacar três grandes forças que atuaram no período pós-unificação e que foram fundamentais para os desdobramentos que resultaram no design moderno alemão.

A primeira é a presença forte do Estado em sua busca por unidade cultural e política, como forma de estabelecer a importância econômica da Alemanha. Personagens como Friedrich List, o Chanceler Otto von Bismarck, o Imperador Guilherme II e vários ministros do Império Alemão, tiveram participação relevante ao estabelecer políticas econômicas e culturais ao longo do século XIX. A presença do Estado é assim apontada por Heskett: “A autocracia, o militarismo e o nacionalismo foram, portanto, confirmados pela conquista da unificação e continuaram a influenciar a sociedade e a cultura alemãs, incluindo o design, em seu desenvolvimento após 1871” (HESKETT, 1986, p. 9).

A segunda força diz respeito aos diversos artistas, intelectuais, arquitetos, críticos e jornalistas que participaram ativamente daquele período. Seus ideais e ideias, suas práticas profissionais e a capacidade de articulação, foram de extrema relevância para discutir e dar forma a nova expressão cultural que se fazia necessária. Debates como o ocorrido sobre a racionalização ou individualismo artístico, este protagnonizado por Hermann Muthesius e Henry van de Velde, demonstram questões que se colocavam como fundamentais durante o avanço da produção industrial:

As mudanças no artesanato no Segundo Império na Alemanha foram de fundamental importância para a evolução subsequente da arquitetura e dos campos do design na Alemanha do século XX. Semelhante à Grã-Bretanha, onde a industrialização inicial estimulou um movimento de artes e ofícios várias décadas antes da Alemanha (MACIUIKA, 2005, p. 5).

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... seus fundadores tentaram provar que uma organização dedicada a elevar o padrão do trabalho alemão nas artes aplicadas, através da cooperação com elementos progressistas na indústria, poderia restaurar a dignidade do trabalho e ao mesmo tempo produzir um estilo nacional harmonioso e em sintonia com o espírito da era moderna (CAMPBELL, 1978, p. 3, tradução minha).

A Deutscher Werkbund sobreviveu ao fim do segundo Império e se manteve atuante até 1934, quando subiu ao poder o Nacional Socialismo. Durante esse período, figuras emblemáticas para a história do design como Walter Gropius, Ludwig Mies van der Rohe, Henry van de Velde, Peter Behrens, Bruno Paul, Hermann Muthesius entre outros, estiveram entre os seus colaboradores.

2 — A unificação e o Estado forte

Cercada por impérios coloniais (Inglaterra, França, Áustria etc), a Alemanha não tinha possibilidades práticas de concorrer nas mesmas condições no mercado internacional. A política de Bismarck e de seus sucessores orientou-se para uma profunda reforma que visou a transformação de um Estado/Exército em um Estado/Empresa. Em outras palavras, sob o comando básico do Estado, a economia passou a se orientar para o fortalecimento de um mercado interno como plataforma para a construção de uma estrutura industrial moderna (SOUZA, 1998, p. 16).

O fim da Guerra Franco-Prussiana assinala a unificação do Império Alemão. Após a vitória em 1870, os estados alemães proclamam, em 1871, Guilherme da Prússia como Imperador. A partir desse momento, alavancado por uma vultosa indenização paga pela derrotada França, o Império Alemão passa a perseguir um lugar de destaque no cenário de disputas comerciais da Europa.

A tradição de governo herdada pelo Reich, na verdade a coesão social alemã, se baseava na subordinação da individualidade (o que não é necessariamente sinônimo de sua repressão) à comunidade representada pelo Estado. [...] A política, portanto, foi transferida para uma burocracia altamente treinada e eficiente, em vez dos representantes eleitos, com o Estado intervindo amplamente nas atividades que desejava promover ou nas quais vislumbrava interesse. O resultado não foi a ditadura, mas um pesado paternalismo autocrático, no qual a conformidade era esperada e geralmente concedida (HESKETT, 1986, p. 57).

Ainda que não seja o foco deste artigo, a ideia de “subordinação da individualidade” pode ser cotejada, mesmo que de forma breve, com os conceitos de nação e nacionalidade apresentados pelo economista Friedrich List (1983). List, autor de “Sistema Nacional de Economia Política”, escrito em 1840, defendia a ideia de nacionalidade como o “interesse intermediário entre o individualismo e a humanidade inteira” (LIST, 1983, p. 5) e colocava a nação como uma unidade econômica. Tal afirmação era uma forma de sustentar uma tese protecionista num momento no qual países como a Alemanha, por exemplo, buscavam seu desenvolvimento econômico e político no cenário global. A unidade nacional, econômica e política, se apresentava como um caminho anterior ao livre comércio, defendido por países em um estágio industrial mais adiantado, como, por exemplo, a Inglaterra.

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industrialização, crescimento populacional, urbanização e o novo cenário global de disputas comerciais, foi o desenvolvimento de um novo alinhamento entre arte e indústria. Por um lado, as instituições imperiais e estatais de Guilherme buscaram políticas comerciais, industriais e de exportação expansionistas, em consonância com as grandes ambições alemãs de competir com as principais potências imperiais e econômicas do mundo em pé de igualdade. Por outro lado, e em meio a uma onda de expansão econômica que começou em meados de 1890, artistas, arquitetos e artesãos identificaram áreas emergentes de crescimento industrial, expansão comercial e consumo privado como processos legítimos de produção cultural (MACIUIKA, 2005, p. 8).

Victor Margolin (2005), no artigo A world history of design and the history of the world, aponta a importância de se buscar uma construção histórica do design envolvendo não apenas os objetos, mas também “questões como o nacionalismo, imperialismo, classe ou raça, que serviram como contexto para a produção desses objetos” (MARGOLIN, 2005, p. 237, tradução minha). Como uma atividade ligada à produção material o design está diretamente conectado à fatores econômicos e forças políticas: “A mudança de papel do designer em relação a evolução dos métodos de produção é, portanto, um componente importante da história econômica e precisa ser enfatizado” (MARGOLIN, 2005, p. 239, tradução minha).

O design está fortemente implicado no drama da competitividade nacional e é aqui que a história mundial do design pode afirmar uma relação significativa com histórias mais amplas [...] Embora o design não seja um modelador estrutural da mesma forma que a política monetária, ele é parte integrante do exercício do poder econômico por meio de seu papel na criação de tecnologias de produção, mercadorias para o comércio e meios de comunicação. Assim, diferentemente das histórias da arte existentes, cujos principais atores são artistas individuais, os atores de uma história mundial do design são também instituições industriais e governos que têm usado o design como instrumento de construção nacional econômica e política (ibid., p. 240).

3 — A industrialização e um projeto nacional

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constituiu-se em um dos grandes marcos na formação de um sistema econômico global” (ibid., p. 90). Com a unificação em 1871, o Império Alemão se coloca como forte participante no jogo de forças globais e, nas décadas seguintes, sua indústria se consolidaria como uma das principais, se não a principal, referência mundial.

4 — As políticas públicas e identidade nacional

Como parte do clima de acirrada concorrência econômica internacional criado pela expansão do capitalismo industrial, vários países começaram a perceber o interesse de coordenarem as ações e produções de suas indústrias (ibid., p. 121).

Em seu artigo “Investimento público em design: uma perspectiva histórica”, o historiador Rafael Cardoso (1997) traça uma análise da importância das políticas públicas, comparando países como a Alemanha, a Inglaterra, Japão e Estados Unidos.

Em sua reflexão, o autor parte do exemplo do governo inglês que, em 1835, provocado por uma pressão de industriais do segmento de fitas de seda que relatavam perda de mercado para os produtos franceses, organiza uma comissão parlamentar para investigar o fato. Como resultado, a comissão viria a estabelecer, em 1837, a criação de um sistema de escolas de design para a capacitação industrial.

Ainda assim, Cardoso deixa claro que vistas à luz da análise histórica, as questões de investimento público em design não seguem uma simplista lógica causal: “como sempre nas questões históricas, a realidade é muito mais complexa do que imaginam as nossas vãs políticas setoriais” (ibid., p. 2,). Segundo o autor, as particularidades de cada país fizeram com que seus governos participassem ou influíssem em maior ou menor grau no processo de desenvolvimento industrial. Fatores como a “suscetibilidade do país ao mercado externo” e “a posição relativa do país na economia internacional” ditavam o grau de investimento do estado para que o país se colocasse de forma mais competitiva no cenário internacional.

Considerando apenas dois dos países analisados no artigo, a Inglaterra e a Alemanha, o autor coloca que, no caso inglês, o imperialismo histórico havia criado um grande mercado consumidor para os seus produtos e que “nessa situação excepcional, a qualidade dos produtos britânicos tornava-se uma consideração quase secundária, de importância apenas dentro do próprio país ou na exportação para outros países que produzissem produtos similares” (ibid., p. 5). Por conta disso, houve uma falta de investimento sistemático, fazendo com que a Inglaterra, em certo momento, fosse superada comercialmente por outros países, tendo que, em seguida, resgatar as políticas de investimento interno.

Diferente do exemplo inglês, a Alemanha lançou mão de um projeto de caráter nacionalista: “o fator diferencial dos seus produtos não era a qualidade mas a percepção nítida desta e a sua identificação instantânea com um projeto nacional de excelência industrial” (ibid., p. 6). De forma distinta do “tradicional liberalismo britânico”, o governo alemão participou de forma planejada, tomando a “dianteira para garantir que a indústria do país adquirisse uma feição claramente nacional. Após a sua unificação o Império Alemão não poupou esforços para se colocar de forma competitiva frente à Grã-Bretanha e a França:

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Tsoumas (2010) coloca a dificuldade de se atribuir uma definição para o conceito de nação. Ainda assim, recorre a Max Weber e traz a ideia de um “específico sentimento de solidariedade” que se evidencia entre determinados grupos. Esse sentimento de solidariedade se manifesta na “cultura, linguagem, consciência histórica, comunicação social, religião e objetivos políticos. Esses fatores adquirem significados especiais como marcas de uma identidade nacional” (TSOUMAS, 2010, p. 172, tradução minha). A ideia de nacionalismo seria assim uma externalização desses sentimentos comuns a uma nação, canalizados em manifestações políticas, sociais e culturais.

A competição entre as nações ganha força no século XIX e o nacionalismo se consolida como forma de dar unidade cultural e política a um determinado grupo e assim diferenciá-lo de outros. Com a presença cada vez mais forte do Estado as relações nacionalistas ganham novos contornos dentro dos países e no trato com outras nações: “é justamente no contexto de tais relações que o nacionalismo tem exercido um papel importantíssimo na evolução histórica do design” (CARDOSO, 2008, p. 121).

Ainda segundo Cardoso (2008), a perspectiva de constante melhora da qualidade do produto industrial assim como a maior “integração de arte e indústria”, já se faziam presentes em vários países europeus. Até boa parte do século XIX, entidades como a

Society for the Encouragement of Arts e a Manufacture and Commerce, na Grã-Bretanha, a Svenska Slöjdforeninge, na Suêcia e a Union Centrale des Arts Décoratifs, na França, atuavam

como entidades privadas e “de modo geral, [...] receberam pouco ou nenhum subsídio direto dos governos” (ibid., p. 122). A partir das últimas décadas do século XIX, com a economia tomando contornos globais, os estados nacionais começam a participar de forma mais efetiva do incentivo ao crescimento industrial: “tornava-se evidente para muitos que os interesses da indústria de um país eram idênticos aos do estado nacional” (ibid., p. 123).

5 — Hermann Muthesius e a Deutscher Werkbund: da almofada do

sofá ao planejamento urbano

Era amplamente reconhecido entre aqueles envolvidos que alcançar uma unidade artística não dependia simplesmente de resolver a confusão de estilos, mas também uma gama mais ampla de fatores extra estéticos (HESKETT, 1986, p. 19, tradução minha).

A fase imediatamente posterior a unificação ficou conhecida como “O Período dos Fundadores”. Conforme Heskett (1986) foi um momento de “boom econômico” e de abertura de diversas empresas. A riqueza daquele tempo se manifestava num grande otimismo e na certeza de que a vitória fora alcançada “como um triunfo da moral e cultura germânica”(HESKETT, 1986, p. 11, tradução minha). Para externar esse momento, as referências simbólicas de um espírito germânico buscavam as raízes nacionais num passado idealizado e romantizado. As construções associavam anacronicamente o antigo ao moderno, o rococó era reinterpretado e “a decoração exagerada era constantemente confundida com status” (ibid., p. 12, tradução minha).

Tomas Maldonado (1991) analisando a Alemanha nos anos anteriores à Primeira Grande Guerra, comenta sobre a conferência “A Importância da Arte Aplicada” proferida por Hermann Muthesius em 1907 e reforça a presença ainda naquele período de referências estéticas de “estilos decorativos, herdados da tradição de gosto da época vitoriana: o neoegípsio, o neogrego, o neogótico, o neo-renascentista, o neochinês” (MALDONADO, 1991, p. 38).

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estabelecimento de um estilo nacional nas artes aplicadas, que simbolizasse uma Alemanha unida e sua identidade cultural” (HESKETT, 1986, p. 12, tradução minha). Para isso, um dos grandes desafios a ser ultrapassado era no sentido de combinar os diferentes interesses das classes que se faziam presentes naquele momento. O propósito de construção de uma unidade, de uma nova Alemanha, era “dificultado pelas divisões dentro sociedade contemporânea alemã” (ibid., p. 19), para a qual o processo de industrialização e enriquecimento trouxe interesses diferenciados de uma nova classe burguesa, em convívio com a antiga aristocracia e a classe média.

A unidade cultural não foi considerada simplesmente como um espelho de empreendimentos sociais ou políticos, mas ela mesma como uma força vital, capaz de suplantar a política, indo além de divisões políticas e sociais, para ajudar a criar uma sociedade harmoniosa (ibid., p. 19).

A conquista dessa identidade cultural passou então pelo estabelecimento de museus, projetos educacionais, incentivo a exposições regionais e a participação do país em feiras internacionais. Era importante a educação para o gosto da população em geral e também o ensino qualificado nas escolas de artes aplicadas. Ainda assim, a Alemanha atravessaria o período final do século XIX dividida entre um passado artesanal, a falta de preparo para lidar com progresso industrial crescente e uma multiplicidade de referências de estilos:

O abismo que existia no final do século XIX, na Alemanha, entre o progresso no desenvolvimento tecnológico e a busca de um estilo visual apropriado, era evidente em muitas categorias de indústrias e produtos (ibid., p. 28). 5.1 Hermann Muthesius Nikolaus Pevsner (1980), no seu clássico livro “Os pioneiros do design moderno”, coloca a importância de Muthesius como ponte fundamental entre os ideais de William Morris e o novo momento da produção industrial alemã, que estava em curso no começo do século XX. Muthesius regressa à Alemanha depois de um período de seis anos como adido oficial do governo para pesquisar e relatar os avanços ingleses no campo da habitação. Ele retornaria “transformado num partidário convicto da sensatez e da simplicidade [...] A intraduzível palavra sachlich, que significa ao mesmo tempo pertinente, apropriado e objetivo, era agora a palavra-chave do Movimento Moderno” (PEVSNER, 1980, p. 37). Do período no qual esteve na Inglaterra, resultaram três importantes livros cujas as análises das soluções inglesas para arquitetura e moradia ofereceram rico material para pesquisa. O terceiro livro, Das englische Haus, produzido já na Inglaterra, é ainda hoje

referência para consultas pela sua ampla análise e “estudo da arquitetura residencial inglesa do século XIX.” (ANDERSON, 1994, p. 3, tradução minha). Sua produção intelectual seguiu adiante com a publicação de diversos artigos, ao mesmo tempo em que exercia uma posição pública no Ministério do Comércio da Prússia.

Apesar da sua admiração por William Morris, John Ruskin e o Movimento Arts & Crafts, Muthesius entendia a necessidade de uma adequação daquelas ideias à inevitável presença da industrialização. A máquina não era um mal a ser combatido, mas uma realidade a ser compreendida e dominada pelo homem. Nesse sentido, cabia a busca por uma nova realidade formal para os objetos. Mas essa busca não poderia se dar retrospectivamente, entre modelos de estilos revisitados do passado:

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A arquitetura era vista por Muthesius como central nessa busca por um novo modelo programático que uniria arte e indústria. Era partindo do “pequeno para o grande”, da casa para a rua que ele enxergava a possibilidade de mudança cultural e social na Alemanha. Novamente era aqui que ele apontava o erro do modelo inglês que teria trazido a proposta de uma arquitetura baseada na casa, mas que não soube entender o processo de industrialização como algo a ser considerado como positivo. As máquinas, as novas tecnologias construtivas e os novos materiais traziam vantagens econômicas que não podiam ser deixadas de lado: “em contraste, Muthesius vislumbrou padrões mais elevados de qualidade através da produção industrial e previu o desejado restabelecimento da integridade e orgulho do trabalhador” (ibid., p. 9). Para Muthesius, a busca por qualidade do produto industrial passava por um novo ideal estético que não deveria ser imposto ou mesmo copiado de outros estilos do passado. Os gostos e as preferências individuais haviam levado à completa confusão ao longo do século XIX. Por isso, a construção de uma cultura alemã unificada estaria “baseada nas condições sociais e materiais da época, que se manifestariam no seu conceito de ‘tipo’, como forma estandardizada” (HESKETT, 1986, p.121, tradução minha). Tomás Maldonado (1991) analisando as palavras de Muthesius em uma conferência de 1907, antes da formação da Werkbund, coloca: “Mas o verdadeiro grande mérito de Muthesius é o de ter ultrapassado uma interpretação sociocultural desses objetos, isto é, de ter examinado também as suas implicações econômico-produtivas” (MALDONADO, 1991, p. 38). A proposta moderna de objetividade da forma parece ganhar contornos com as ideias de Muthesius. 5.2 Deutscher Werkbund

Chegando tão longe como a se referir sobre produção industrial alemã, exibida na Filadélfia (1876), como ‘billig und schkecht’ (barato e desagradável), Reuleaux fez questão de antecipar a defesa da Deutscher Werkbund por volta de 1910: ‘A indústria alemã deve renunciar ao princípio da competição apenas por preço e deve, em vez disso, decidir se compete em qualidade ou valor’ (ANDERSON, 1980, p. 88, tradução minha).

A Deutscher Werkbund nasce em Outubro de 1907 como uma associação privada reunindo artistas, arquitetos, industriais e artesãos, com o objetivo de buscar resultados de alta qualidade para a indústria, através da conexão entre arte e tecnologia. Ainda que as análises sobre a Werkbund sigam, via de regra, o caminho das discussões sobre a racionalidade formal que se almejava para o produto industrial padronizado, John Maiciuika (2011) reforça o papel político que personagens como Hermann Muthesius, Friedrich Naumann e Ernst Jäckh exerciam:

Para os líderes da Werkbund como Hermann Muthesius, Fredrich Naumann e Ernst Jäckh, a Werkbund operou, por um lado, na interseção das reivindicações da arte para representar a civilizada cultura alemã, e, por outro lado, nas demandas da indústria por uma influência política proporcional a sua crescente preeminência na vida econômica alemã (MAICIUIKA, 2011, p. 100, tradução minha).

Na conferência de abertura em Munique, Fritz Schumacher ficou responsável pelo discurso de apresentação. Em suas palavras fica evidente a influência das ideias de Morris e do Arts & Crafts quando coloca a necessidade de “recuperar o prazer no trabalho, o que é sinônimo de elevar a qualidade” (HESKETT, 1986, p. 119, tradução minha). Mais adiante, a ênfase é colocada no poder econômico como resultado de uma soma entre os componentes estéticos e moral da arte.

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Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 uma identidade cultural nacional e a visão estratégica de mercado, eram solucionados com a ideia de padronização “técnica” e “estilística” da produção: “tratava-se essencialmente de uma questão de usar o design como alavanca para as exportações e para a competitividade” (ibid., p. 123).

Segundo Heskett, apesar de perseguir a ideia de unidade, as divergências entre os membros da Werkbund eram constantes. Isso levou Muthesius a descrever a Werkbund da seguinte forma: “uma associação dos mais íntimos inimigos” (HESKETT, 1986, p. 120, apud MUTHESIUS). Mas foram justamente os debates apaixonados que levaram a associação ao patamar de relevância que conquistou.

Em suas discussões teóricas, resumiu uma série de preocupações relacionadas ao desenvolvimento da sociedade moderna; sua influência na educação no sentido mais amplo foi profunda; e através dos projetos de membros profissionais, estabeleceu novos padrões de desenvolvimento (ibid., p. 120, tradução minha).

Dessa forma, temos na Werkbund um esforço coletivo privado, incentivado de forma estratégica pelo estado, tendo objetivos diversos como: o resgate de uma identidade nacional para a construção de uma produção industrial diferenciada e de qualidade; expansão comercial e econômica; estabelecimento de valores culturais e sociais comuns. Como proposição chave para atingir seus objetivos, a Werkbund tinha por base a aceitação da “indústria e da mecanização” e o conceito de função fundamentado numa “linguagem visual capaz de expressar valores culturais contemporâneos” (ibid., p. 120, tradução minha).

7 — Conclusões

O final do século XIX representa um momento de forte concorrência econômica entre os países de maior expressão global. A partir daquele período, torna-se imperativo uma efetiva participação do estado nas estratégias de expansão industrial e comercial. Na Alemanha, a enorme profusão de estilos e a falta de qualidade de sua produção industrial, mostram a necessidade de unidade cultural e social. Envolvido nesse tecido vivo de confrontos ideológicos e interesses econômicos, o designer emerge como uma ponte entre arte e tecnologia.

No começo do século XX, a tipificação e racionalização da forma se tornam questões-chave para o estabelecimento de uma linguagem para essa nova era da máquina. O designer, a exemplo de Peter Behrens —responsável pelo sistema de identidade da AEG—, trafega, a partir daquele momento, por projetos e programas que envolvem situações de ordem econômica, social, cultural, tecnológica e política, cada vez mais complexas. A Werkbund nasce como uma associação privada, mas ficam evidentes os vieses político e ideológico que permeiam as suas ações: design e economia começam a se tornar um binômio inseparável.

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Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 Gropius e a Bauhaus. A frase da “almofada do sofá ao planejamento urbano” (CAMPBELL, 1978, p. 3) dita por Hermann Muthesius, parece antecipar os desafios do design moderno.

Referências

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João de Souza Leite; Ano previsto para defesa: 2019; link para Currículo Lattes

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