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O Estado laico brasileiro e suas contradições

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Academic year: 2022

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Faculdade de Comunicação

Curso: Comunicação Social – Jornalismo

Professora Orientadora: Lavina Madeira Ribeiro

O Estado laico brasileiro

e suas contradições

Paulo R. R. Caproni

Brasília-DF, junho de 2014

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Faculdade de Comunicação

Curso: Comunicação Social – Jornalismo

Professora Orientadora: Lavina Madeira Ribeiro

O Estado laico brasileiro e suas contradições

Paulo R. R. Caproni

Memória do Produto apresentada ao Curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação, Universidade de Brasília, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social.

Brasília-DF, junho de 2014

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DEDICATÓRIA

Àquela que me especulou e especulou durante 9 meses, até que me concluiu;

àquele que me alimentou com livros e refinou meu paladar

e àquela que teve de aguentar tantos debates, “filosofadas” e certezas incômodas que quase explodiu. Obrigado por me amar mesmo assim.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família do 302, que tanto suou para ver este menino de beca; à família do 303, que me alimentou com amor e feijão preto; à família do 101, que me ensinou a investir em ações de generosidade; à pequena família do 86 que me fez descobrir o quanto este mundo é grande; à nova família do 205, que me trouxe junto na mala da mudança; à família do 103, pela cantoria que começa pontualmente às 22h; à família do Salão Vermelho, pelas cajadadas e pelas madrugadas me ensinando o que importa; e, principalmente, ao Emanuel, por fazer por mim o que eu nunca conseguiria.

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Membros da banca examinadora

1- Lavina Madeira Ribeiro (orientadora) 2- Armando Bulcão

3- Cláudia Maria Busato

4- Fernando Oliveira Paulino (suplente)

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Lavina Madeira Ribeiro

_____________________________

Armando Bulcão

_____________________________

Cláudia Maria Busato

_____________________________

Fernando Oliveira Paulino

Brasília, __ de junho de 2014.

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SUMÁRIO

PARTE 1

Resumo i IX Palavras-chavei .IX

Introdução i1

PARTE 2 Problema da pesquisa i2

Justificativa i3

Referencial Teórico 4

Metodologia ‘ 6

PARTE 3 Conclusões i9

PARTE 4 Referências 12

Anexos 16

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PARTE 1

RESUMO

Reportagem acerca da laicidade do Estado brasileiro que se inicia com uma contextualização suscinta do tema, seguida de uma definição de laicidade amplamente aceita e da remontagem do cenário histórico no qual surge e se perpetua a ideia de neutralidade religiosa. O texto traz em seguida uma primeira problematização que contempla as tensões sociais relacionadas à questão da laicidade. Uma segunda problematização é introduzida, evidenciando as dificuldades estratégicas do Estado de lidar com essas tensões, devido ao papel histórico da Igreja católica nos primórdios da formação social brasileira e à sua marcante influência atual. Finalmente, uma última problematização é colocada no âmbito sociológico e da filosofia do direito, estabelecendo os marcos históricos e as bases racionais para a afirmação de valores constitucionais essenciais, contemplando a influência dos pensamentos greco-romanos, judaico-cristãos, iluministas, teístas e não teístas. Dessa problematização, alimentada pelas entrevistas, emerge uma conclusão.

PALAVRAS-CHAVE

Estado laico, neutralidade religiosa, religião, Constituição Federal, jornalismo

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INTRODUÇÃO

TEMA

O Estado laico no Brasil OBJETIVO

Questionar o grau de laicidade do Estado brasileiro e as contradições resultantes dessa laicidade.

DESCRIÇÃO DO PRODUTO

Grande reportagem de caráter investigativo a respeito do grau de laicidade do Estado brasileiro e as contradições resultantes dessa laicidade. Reflexão do ponto de vista acadêmico, assim como do ponto de vista de algumas vertentes religiosas existentes no país e dos movimentos sociais que lutam por direitos que não firam valores presentes em doutrinas religiosas nem premissas constitucionais.

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PARTE 2

PROBLEMA DE PESQUISA

A reportagem traz questionamentos sobre a possibilidade de aplicação de políticas estatais realmente neutras ligadas à suposta laicidade brasileira. Algumas questões não se encontram logo no princípio do trabalho, mas são formuladas de acordo com o desenrolar da linha de raciocínio atrelada às análises factuais e teóricas realizadas por especialistas e representantes de organizações sociais religiosas e não religiosas.

Encontrar-se-ão, portanto, nesse trabalho, questões como:

O princípio da neutralidade religiosa é um princípio realmente aplicável? Caso seja, existe algum limite para sua aplicação em um Estado democrático? Seria a Constituição Federal do Brasil religiosamente neutra, como tantos ativistas defendem, ou seria ela confessional, mesmo que isso não seja expresso oficialmente? Seria possível “transplantar” os valores constitucionais fundamentais para uma esfera ideologicamente laica, dissociando-os de uma noção de lei divina e encaixando-os nos pressupostos iluministas que embalaram a Revolução Francesa?

Deveria o Estado brasileiro abraçar abertamente o teísmo, firmando seu governo nas bases já consolidadas pelos ideias judaico-cristãos, ou deveria ele assumir ideais não teístas, empreendendo uma guinada histórica de consequências imprevisíveis e lançando suas bases sobre uma cosmovisão sem absolutos?

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JUSTIFICATIVA

Essa reportagem vem contribuir para o amadurecimento do jornalismo investigativo no âmbito das matérias que englobam política e cultura, pois traz a uma mesma página um conjunto de acontecimentos relevantes na longa história do Estado laico, enfatizando o fato de que o Estado não nasceu laico, mostrando as intrincadas relações entre o Estado e a Igreja e as influências dessas relações na Idade Moderna e Contemporânea. Profissionais, teóricos e estudantes da comunicação se beneficiarão dessas informações, por vezes ignoradas em seus trabalhos sobre a laicidade no Brasil, dada a necessidade de uma extensa pesquisa para colhê-las. Já os leitores serão servidos de informações importantíssimas para a sociedade em geral, passadas com grande esforço de imparcialidade e clareza.

Outrossim, essa reportagem incentiva a abertura de mais debates a respeito do assunto e instiga jornalistas a acompanharem mais de perto os desdobramentos da

“recente” laicização brasileira, seu amadurecimento ou arrefecimento, bem como suas contradições e mistérios.

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REFERENCIAL TEÓRICO

Várias foram as fontes teóricas necessárias à elaboração desta grande reportagem. Em primeiro lugar, o conhecimento dos critérios de construção do texto jornalístico, as bases essenciais para a execução de uma reportagem escrita e os processos que ela envolve, como a seleção dos valores noticiosos apropriados; o planejamento da produção da reportagem; os processos de preparação para a realização, o posterior procedimento de edição de uma entrevista, o estilo de escrita e de estrutura a ser usado (JORGE, 2008).

Em análise da obra de Ciro Marcondes, Lavina Ribeiro aponta que ele elege um conjunto de questões fundamentais, que devem ser levadas em consideração, como o equilíbrio de fontes, dados contextualizados, pluralidade informativa e objetividade. Questionar se ocorrem procedimentos de falseamento da realidade, de fragmentação, sensacionalismo, personificação dos processos sociais, falsificação de registros, destaque e supressão de informações, fontes e contextos, uso de linguagem técnica ou construções textuais muito padronizadas. Deve-se perguntar se é possível identificar uma política editorial restritiva, se há marcas de opinião e parcialismo do redator e em que sentido. Para além disso, deve-se estar atento se há procedimentos de adoção do lugar do coletivo, de falar em nome da sociedade, de se colocar como discurso revelador do real, de autorreferência, de mobilização de instituições e poderes e de julgamento da realidade. Se há mistura ou fusão de gêneros (informativo, opinativo e publicitário) e procedimentos de ecletismo, espetacularização, superficialidade, pluralidade de apelos. (RIBEIRO, 1988)

Outro aspecto considerado foi a afirmação de Ricardo Kotscho, com anos de experiência em redações jornalísticas, sobre o papel do repórter de informar seus leitores e de atuar como agente transformador da sociedade, que é até maior que sua obrigação de escrever um bom texto em termos estilísticos.(KOTSCHO, 1986)

Em segundo lugar, fez-se necessário um estudo aprofundado acerca do tema da reportagem, o Estado laico brasileiro e suas contradições. Para tanto, foi feito um estudo histórico a fim de se definir tanto a origem e desenvolvimento quanto às causas do laicismo, principalmente no Ocidente. A relação existente entre os ideais

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da Reforma Protestante, de Maquiavel e de Thomas More e os fundamentos da laicidade exposta por Luís Felipe Miguel. (MIGUEL, 2007)

O jurista Michel Villey, o professor de direito Jeremy Waldron, o escritor e político Dinesh D’Souza e o sociólogo Rodney Stark, por sua vez, avaliam a contribuição da antiga sociedade Greco-Romana, bem como a da Revolução Francesa e o papel do Iluminismo na formação das teorias da laicidade, segundo critérios históricos, políticos e sociológicos. (VILLEY, 2006; WALDRON, 93;

D’SOUZA, 2005; STARK, 2009)

Já no âmbito da modernidade, o professor de direito Jónatas Machado e Dinesh D’Souza esclarecem os fundamentos judaico-cristãos que embasam o constitucionalismo moderno, enumera as consequências de um pensamento não teísta para o mundo jurídico e estabelece as bases críticas para a afirmação das contradições expressas por um Estado constitucional de direito que se diz laico.

(MACHADO, 2013; D’SOUZA, 2005) Michel Villey, Jeremy Waldron e Rodney Stark também dissertam sobre o assunto, evidenciando as bases judaico-cristãs do pensamento iluminista e revolucionário da Revolução Francesa. (VILLEY, 2006;

WALDRON, 1993; STARK, 2009) Também foram levadas em conta as decisões do executivo, legislativo e judiciário brasileiros (no âmbito federal, estadual e municipal) a respeito de questões que dizem respeito à laicidade do Estado, expostos em diários oficiais e portais virtuais do governo.

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METODOLOGIA

Grandes reportagens exigem muita competência em sua formulação, planejamento e execução, pois o espaço para erros também é grande, dada a dimensão do produto. Tendo em vista a necessidade de se colher uma larga variedade de informações em um curto espaço de tempo, essa reportagem se apoiou em métodos amplamente utilizados por jornalistas brasileiros - no sentido de promover uma maior eficiência produtiva - sem deixar, entretanto, de abrir algum espaço para a experimentação, por não se furtar à investigação das bases racionais que compõem ideologias opostas, como o teísmo e o ateísmo.

Os métodos tradicionais utilizados foram inspirados, primeiramente, no livro Thaïs Jorge. Esses métodos correspondem ao emprego de diversas fontes para garantir o equilíbrio na coleta de informações (especialmente no caso dessa reportagem, que trata de um assunto polêmico); objetividade nas entrevistas e na redação dos textos; neutralidade na interpretação das informações; cultivo de hábitos de leitura diários sobre o tema a ser tratado (mantendo o repórter informado e a matéria atualizada) e sobre outros assuntos de interesse geral; leitura extensa de obras acadêmicas produzidas com base na temática a ser tratada (com diversas visitas a bibliotecas e livrarias); presença em eventos que tratem do assunto abordado na reportagem (como palestras, assembleias e audiências públicas);

atenção a outros meios de comunicação que tratam do tema; atenção no uso da norma culta da língua aplicada à redação da reportagem e à transcrição das entrevistas; cuidado com o uso de repetições, termos da linguagem informal, adjetivações excessivas e pleonasmos.

Segundo Thaïs, os valores-notícia fundamentais que constam na reportagem são os da atualidade, proximidade (por se relacionar diretamente com a comunidade religiosa e não religiosa), notoriedade (por tratar de conflitos e polêmicas latentes na sociedade contemporânea e com larga cobertura midiática). Já os valores temáticos se dão no âmbito da religiosidade; da educação (por tratar do ensino religioso em escolas públicas e da influência de valores religiosos na academia do direito, especialmente); da ciência (por tratar dos pressupostos teístas empregados pelo método científico); das relações de poder (entre a antiga burguesia e a monarquia,

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católicos e protestantes, ateístas e teístas, etc.) e dos contrastes entre os grupos que buscam esse poder. O caráter da matéria é de “reportagem / cobertura especial”

e seus veículos mais comuns são as revistas ou jornais impressos, por fazer referência a um assunto complexo; valer-se de múltiplas fontes; exigir um tempo mais extenso para produção do que matérias jornalísticas convencionais e maior sensibilidade do redator para identificar as nuances dos argumentos apresentados;

inspirar maior cuidado na apuração, dado o equilíbrio delicado no relacionamento entre fontes com pensamentos conflitantes; e por exigir perfeccionismo na organização dos dados. O estilo desse tipo de reportagem oscila entre o informativo e o literário e não há, em momento algum, o uso da primeira pessoa do singular ou do plural.

Na produção da reportagem houve extensivos esforços destinados à anotação e à indexação de informações e à elaboração de questionamentos para as entrevistas. Tudo foi feito com a necessária organização e sob criteriosa autoavaliação. Por opção editorial, não houve envio prévio dos questionários completos aos entrevistados. Somente emitiu-se uma pergunta-chave sobre o tema para que as fontes se familiarizassem com o contexto do questionário, para evitar um enfado prematuro por parte das fontes, já que o número de perguntas preparadas excedia uma dezena.

Para a elaboração dos questionários foi necessária a recapitulação dos estudos realizados acerca do Estado laico e dos autores lidos (das áreas da ciência política, da história, da sociologia, do direito e da filosofia). As questões foram construídas com base nesse arcabouço teórico e direcionadas, segundo seus temas, aos os entrevistados cuja experiência lhes conferisse a maior competência para respondê-las.

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CRITÉRIOS PARA ELABORAÇÃO DAS QUESTÕES FUNDAMENTADOS NA BIBLIOGRAFIA

Os recursos técnicos utilizados na apuração, segundo recomendações contidas no livro de Thaïs Jorge, foram: computador (para armazenamento das informações dos contatos, realização das pesquisas e redação da reportagem);

gravador (operado simultaneamente ao computador em entrevistas, situação em que o repórter anotava as falas mais importantes e fazia uma pré seleção delas para facilitar sua posterior transcrição); telefone celular e fixo (para contactar as fontes);

livros diversos (para consulta teórica).

Ainda segundo Thaïs Jorge, foi feita a opção por um lide de tipo “pergunta” e por uma estrutura de pirâmide normal na reportagem, que é própria de matérias longas, conduzindo o leitor por informações ligadas a uma ideia central, com a presença de mais de uma retranca e de informações periféricas que podem entrar em boxes. Esse tipo de estrutura visa construir um valor de suspense durante a matéria, identificado nas situações que evidenciam gradualmente a impossibilidade de aplicação do princípio da neutralidade religiosa de maneira satisfatória nas políticas do Estado brasileiro.

Segundo Thaïs Jorge e Thaís Oyama, o tipo de entrevista realizado foi o da entrevista temática e em profundidade, que exige ampla pesquisa prévia sobre o assunto e sobre a pessoa a ser entrevistada, que também demonstra, segundo Oyama, respeito pela fonte e por seu trabalho. A entrevista é também conceitual (por tratar de tensionar conceitos) e investigativa (por trazer à luz informações nebulosas, esquecidas ou completamente ocultas).

Por fim, a técnica de imersão no meio acadêmico e social de onde será extraída a entrevista, bem como a da identificação pessoal com o assunto e com os entrevistados foi utilizada pelo repórter no decorrer da apuração da matéria, por meio de conversas formais e informais, do contato com vídeos de sabatinas e debates com a temática da laicidade e da participação em palestras, protestos, passeatas, cultos de diferentes religiões e enquetes virtuais promovidas pela Câmara dos Deputados abordando o assunto, direta ou indiretamente.

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PARTE 3

CONCLUSÕES

RECAPITULAÇÃO E APLICAÇÃO DA PESQUISA:

Ao longo da pesquisa foi feito, inicialmente, um estudo bibliográfico sobre o Estado laico, sua origem histórica e sua configuração contemporânea no Ocidente e, em particular, no Brasil. Em seguida, foram elaboradas questões baseadas nessa bibliografia que serviram de base para a construção das perguntas das entrevistas e dos textos que precederam as falas dos entrevistados. Feito isso, foram pesquisados e contactados os acadêmicos especializados nas áreas de ciência política, história e direito que pudessem ser entrevistados posteriormente. O mesmo foi feito com os representantes das diversas vertentes religiosas. Vale lembrar que a maioria dos entrevistados selecionados não residia em Brasília, tendo havido, portanto, a necessidade de entrevistá-los por telefone.

A montagem do texto que precede as entrevistas foi feita com base em documentos oficiais, como as diversas constituições brasileiras e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e em estudos históricos sobre a questão da laicidade, portais governamentais na internet, teses de doutorado, artigos acadêmicos, relatórios estatísticos, estudos sociológicos, entre outras obras de referência. O texto leva em conta:

1- A história da formação dos Estados laicos; a definição de laicidade e os variados problemas enfrentados pelos três poderes no sentido de garantir um tratamento aos cidadãos que não privilegie nenhuma religião, crença ou ideologia que negue a crença. Por meio de exemplos factuais e fictícios, a reportagem ilustra as contradições ao princípio da neutralidade religiosa vistas nas ações governamentais e traz uma visão mais precisa da

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dimensão dos problemas que o Estado enfrentou, enfrenta e pode vir a enfrentar em suas tentativas de afirmação e aplicação desse princípio.

2- A formação histórica do Brasil, sua identidade cultural atual e as decisões do poder Judiciário diante de polêmicas sobre a laicidade brasileira

3- Entrevistas com acadêmicos da ciência política, direito e história; com religiosos e com representantes de associações atuantes em debates sobre a aplicação do princípio da neutralidade religiosa no Estado brasileiro.

4- Uma síntese do pensamento presente nas obras de um conjunto de acadêmicos do direito, da história, da sociologia e da filosofia, evidenciando as bases judaico-cristãs do pensamento jurídico ocidental de modo geral e dos valores constitucionais brasileiros de modo específico, bem como a incapacidade dos princípios greco-romanos, iluministas, não-deístas e cientificistas de sustentarem argumentos racionalmente válidos para a criação ou manutenção desses valores constitucionais.

O processo de edição das entrevistas - que somaram, sem edição, cerca de 30 páginas - foi trabalhoso em termos de seleção e descarte de conteúdo para que as falas não ocupassem mais que 3 páginas e correspondessem, com a maior fidelidade possível, tanto às ideias expressas pelos entrevistados, quanto ao intuito do trabalho de questionar a laicidade brasileira. Selecionadas as falas mais relevantes, elas foram dispostas por temas (e não por entrevistado), evitando uma enfadonha repetição de temas a cada entrevista. Assim, houve a necessidade de apresentar, primeiramente, os entrevistados e só então tratar das questões da entrevista, que seguiam agregando comentários de entrevistados específicos à medida que tocavam em assuntos de sua competência.

RESULTADOS DA REPORTAGEM E APLICAÇÃO DAS CONCLUSÕES

O Estado brasileiro se diz laico. Laicidade pressupõe a adoção de um igual tratamento para tudo aquilo que é fruto de ideias religiosas e não religiosas.

Entretanto, a base racional e moral dos valores defendidos pela Constituição e pela maior parte da população brasileira é fruto de ideias religiosas (ou seja, essa base

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racional e moral não é laica). É, portanto, logicamente impossível aplicar o princípio da laicidade em um Estado baseado em valores não laicos, como a dignidade, igualdade e liberdade de consciência. Para que esses valores constitucionais e a laicidade pudessem coexistir em uma mesma constituição, esses valores deveriam tornar-se laicos, ou seja, deveriam deixar de ser apenas religiosos (tornando-se relativos, e, portanto, violáveis), o que é impossível, segundo análises acuradas, tanto históricas quanto sociológicas.

Mesmo sem condições lógicas de sustentar sua viabilidade, a laicidade ainda é amplamente defendida por grupos religiosos e não religiosos, por funcionar, em alguns casos, como defensora da liberdade de crença (evitando a discriminação religiosa e garantindo certos direitos exclusivos a grupos religiosos), e, por outro, como defensora da igualdade de direitos (evitando o favoritismo e garantindo que religiosos não tenham mais direitos que não religiosos).

Assim, contempladas as análises acadêmicas e a opinião dos representantes de grupos sociais, percebe-se claramente que a ideia da laicidade aplicada ao Estado brasileiro sustenta-se tão somente na luta por poder travada por minorias e maiorias, valendo-se ora do direito à liberdade de crença, ora do princípio da igualdade e legalidade, conforme sua conveniência. A laicidade, portanto, existe apenas como uma ferramenta que serve à agenda de diversos grupos, religiosos ou não, já que não pode existir de maneira eficiente em uma constituição que não é, verdadeiramente, laica.

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PARTE 4

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasília, DF, Senado, 1998.

BRUM, Eliane. O Olho da Rua. 1ª ed. São Paulo: Globo, 2008.

D'SOUZA, Dinesh. A Verdade sobre o Cristianismo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2005.

JORGE, Thaïs M. Manual do Foca - Guia de Sobrevivência para Jornalistas. São Paulo: Contexto, 2008.

KOTCHO, Ricardo. A Prática da Reportagem. São Paulo: Ática, 1986.

MACHADO, Jónatas E. M. Estado Constitucional e Neutralidade Religiosa – Entre Teísmo e o (neo) Ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.

MIGUEL, Luís Felipe. Maquiavel, Utopia e Reforma – O Nascimento da Política Moderna. Brasília: UnB, 2007.

(27)

ORO, Ari Pedro; URETA, Marcela. “Religião e Política na América Latina: uma Análise da Legislação dos Países”. Horizontes Antropológicos, n. 27, 2007, pp. 281- 310.

OYAMA, Thaís. A Arte de Entrevistar Bem. Ed. Contexto. São Paulo, 2009.

RIBEIRO, Lavina M. Contribuições ao Estudo Institucional da Comunicação, Teresina, EdUFPI, 1988.

STARK, Rodney. O Crescimento do Cristianismo – Um Sociólogo Reconsidera a História / Rodney Stark; [tradução Jonas Pereira dos Santos]. -. São Paulo. Paulinas, 2006. – (Coleção repensando a religião)

STARK, Rodney. The Victory of Reason: How Christianity Led to Freedom, Capitalism, and Western Success. New York. Random House Inc., 2005.

VILLEY, Michel. A Formação do Pensamento Jurídico Moderno / Michel Villey ; tradução Claudia Berliner; notas revistas por Eric Desmons; revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios; texto estabelecido, revisto e apresentado por Stéphane Rials. – 2ª ed. - São Paulo: Editora WMF Martins Fontes , 2009. – (Biblioteca jurídica MWF)

VILLEY, Michel. Filosofia do Direito – Definições e Fins do Direito. Os Meios do Direito / Michel Villey ; tradução Márcia Valéria Martinez de Aguiar ; Prefácio François Terré; revisão técnica Ari Solon. – 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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WALDRON, Jeremy. Liberal Rights – Collected Papers 1981 – 1991. Cambridge.

Cambridge University Press, 1993.

WALDRON, Jeremy. God, Locke, and Equality: Christian Foundations in Locke's Political Thought. Cambridge. Cambridge University Press, 2002.

WALDRON, Jeremy. Nonsense Upon Stilts – Bentham, Burke and Marx on the Rights of Man. London and New York. Methuen, 1987.

SITES ACESSADOS

Artigo: "Laico, mas nem tanto": cinco tópicos sobre liberdade religiosa e laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira – por Letícia de Campos Velho Martel

CNJ encerra julgamento sobre símbolos religiosos no Poder Judiciário

Declaração Universal dos Direitos Humanos

10/06/2014

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Legislações estaduais sobre ensino religioso

Notícias STF: “Sacrifício de animais em rituais religiosos será discutido pelo STF”

em 10/06/2014

Portal do Observatório da Laicidade na Educação

Presidência da República - Nossa Senhora da Aparecida como “Padroeira do Brasil”

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ANEXOS

ENTREVISTADOS

(ordenados alfabeticamente, com minicurrículo de cada entrevistado)

Antonio Cesar Perri

Presidente da Federação Espírita Brasileira (FEB), Doutor em ciências, escritor, palestrante e membro da Comissão Executiva do Conselho Espírita Internacional (CEI).

Daniel Sottomaior

Engenheiro, palestrante e presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA).

Luís Felipe Miguel

Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas (Unicamp), Mestre em Ciências Políticas pela Universidade de Brasília (UnB) e professor titular do Instituto de Ciência Política da UnB, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É autor de vários livros, dentre eles “O Nascimento da Política Moderna – Maquiavel, Utopia, Reforma” e trabalha nas áreas de teoria da democracia, representação política e gênero.

Marcos Aurelio de Paula Pereira

Historiador, Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (2009) e professor adjunto de História Moderna na Universidade de Brasília (UnB).

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Maria Berenice Dias

Mestre em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua como advogada especializada em Direito Homoafetivo, Direito das Famílias e Sucessões. É Presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB e Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

Menelick de Carvalho Netto

Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autor de vários livros na área e professor associado da Universidade de Brasília (UnB), com ênfase em Direito Constitucional e Teoria do Direito.

Nivaldo Pessinatti

Padre, Teólogo, Doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e Mestre em Filosofia. Trabalha atualmente em Brasília, no Santuário Dom Bosco.

Uziel Santana

Doutorando em História do Direito pela Facultad de Derecho da Universidad de Buenos Aires (FD-UBA) e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor efetivo da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

É presidente da Associação de Juristas Evangélicos (ANAJURE), jurista e escritor militante no movimento pró-vida e pró-família, sendo autor da série de artigos

“Projeto 122/2006: homofobia ou heterofobia?”, de 2007.

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ENTREVISTAS NA ÍNTEGRA

(ordenadas alfabeticamente, por entrevistado)

Entrevista Antonio Cesar Perri – Federação Espírita Brasileira

1- O princípio da neutralidade religiosa é um princípio realmente aplicável?

É um princípio de aplicação prática muito difícil no Brasil, considerando a trajetória politica e religiosa do país. No período de formação da cidadania brasileira havia uma religião oficial. A presença dessa religião oficial ainda é marcante. O crucifixo nas repartições públicas é um exemplo. O mais importante é que isso está no intimo da população e dos políticos que a representam.

2- Existe algum limite para sua aplicação em um Estado democrático?

A neutralidade pode ser aplicada, a depender do gestor. Um gestor deveria ter um valor de respeito à diversidade e valores de cidadania. Deveria saber as necessidades de cada classe.

Nós, espíritas, somos contrários ao ensino religioso no ensino publico porque isso restabelece uma pratica que existia no brasil de obrigatoriedade do ensino religioso que era ministrado por representantes da Igreja Católica. Isso gerava um constrangimento entre aqueles não católicos que quisessem se retirar da sala. A visita de bispos e de sacerdotes também era comum nas escolas publicas.

A FEB, por sua vez, não credencia professores de espiritismo, pois o ensino deve ser laico. Além de que, todas as praticas espíritas são voluntarias. Um professor de espiritismo, então, não poderia receber honorários.

Apesar do que dizem alguns, a ausência de ensino religioso não valoriza a irreligiosidade. Um ensino laico não é destituído de ética. A pesquisa da OCDE sobre educação e estudos do INEP/Ministério da Educação – mostrou, por exemplo, que o mais importante na formação do profissional são os valores.

As habilidades cognitivas meramente não são suficientes. O profissional necessita

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de habilidades sociais, não somente cognitivas, ou seja, ele necessita de valores éticos.

3- A Constituição Federal do Brasil é religiosamente neutra, como tantos ativistas defendem, ou ela é confessional, mesmo que isso não seja dito expressamente?

Na letra dela, ela é religiosamente neutra, apesar de citar a Deus. Vamos pegar o conceito de família do Brasil no período colonial, por exemplo. As pinturas de Debret já mostravam: havia um pai, único responsável, e uma mãe com uma posição secundária. Já hoje, o homem não é o único responsável para se manter uma família. E nos últimos anos, depois da lei do divorcio, temos diversas configurações de família, com a convivência de irmãos e meios-

irmãos. Mais recentemente, nota-se o surgimento das uniões homoafetivas e as legislações sobre adoção de crianças. Temos de entender que o principal é haver um respeito à diversidade das pessoas na maneira delas serem. Não deve haver imposição nenhuma sobre elas. Deve-se evitar as discriminações, como as cometidas por alguns carteiros que jogam fora correspondências que vão contra sua religião. O espiritismo não tem nenhuma relação com a umbanda, mas também somos contra o apedrejamento de templos umbandistas por outros segmentos religiosos. Não posso concordar que um líder religioso chute uma imagem da Igreja Católica, por exemplo. Tampouco deve haver interferência, por exemplo, de um gestor sobre o direito legal de casais gays adotarem filhos.

4- “Na prática, há uma preferência governamental pela religião católica em especial. Prova disto são os crucifixos ainda presentes em repartições públicas como o Congresso Nacional; os 118 milhões de reais retirados dos cofres públicos com a vinda do Papa em julho de 2013 e os oito feriados católicos anuais presentes no calendário nacional.

O dispositivo jurídico da equidade dos direitos religiosos, portanto, não garante essa equidade na prática.

O sr. concorda com essa afirmação?

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A essência de princípios, ou de uma moral cristã já está fundamentando a sociedade, mas é importante lembrar que não podemos confundir cristianismo com Igreja Católica. Ha uma certa confusão. Nós, espiritas, partimos do pressuposto que o cristão é quem adota os ensinos do Cristo. Pode-se ser cristão sem que se vincule a uma organização religiosa. O cristianismo, sim, se refletiu na proposta da constituição.

Outro fato a ser mencionado: A Constituição Federal de 1988 se propõe realmente

a não ser uma constituição ateísta, e sim laica. Quando analisamos os princípios que fundamentam vários artigos da Constituição, claramente se identifica um referencial com altos valores humanísticos que coincidem com uma visão cristã. Esse fato já foi identificado por vários filósofos, como Edgar Morin. Se analisarmos suas propostas políticas para a França, há uma convergência claramente humanística-cristã.

5- Que decreto ou medida o sr. modificaria na atual constituição, se pudesse?

Os artigos da constituição são muito detalhados. Eu pensaria em uma constituição menor e mais geral. Há necessidade de se evitar emendas pontuais e retiraria leis que conflitem com a própria constituição para fazê-la mais ágil e simples e sem o eventual choque entre presidencialismo e parlamentarismo.

6- Com que base o sr. definiria os termos “bons costumes”, “ordem” e “moral universal”

.

São palavras muito vagas e muito amplas. Têm de ser definidas em termos de valores, que deveriam ser baseados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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7- O Sr. concorda com o ideal da Revolução Francesa de haver separação não só entre Estado e Instituições Religiosas, mas também entre o Estado e uma “fé estatal”?

Em generalidade, sim. Foi uma proposta importante no século XIX. Houve um ideal da Revolução Francesa derrubado nos primeiros anos com o período do terror de Robespierre e de outros, com julgamentos e execuções sumaríssimas, saque às igrejas, etc. Houve exagero. Mostra-se uma incoerência entre a proposta e a prática.

Napoleão procurou reorganizar o Estado francês, o estado de animo, cidadania e educação. Ele provocou a maior reforma na educação francesa. A estabilidade veio, mesmo, depois de Napoleão III, mas permaneceu o choque entre ateísmo e laicismo.

8- Como a comunidade Espírita vê e se relaciona com os demais grupos religiosos e com os grupos i(ou anti) religiosos?

Em nossos dias têm havido muitos esforços para eventos inter-religiosos. Esse grupo tem se reunido e gerado declarações apontando para o governo. Hoje há, ao menos, uma abertura religiosa. Há, entretanto, organizações irreligiosas extremistas também. Com elas, o dialogo se torna difícil.

ABORTO

“Já tivemos uma experiência interessante. O problema da descriminalização do aborto no Brasil, em que houve um momento extremamente delicado no ano de 2005. O que a FEB fez? Elaborou um documento doutrinário e distribuiu para todo o meio espírita, a título de esclarecimento. Todavia, não podemos apresentar esse documento aos Ministros do STF ou do STJ, ou aos parlamentares. Na época, houve uma reunião com a Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas e com a Associação Brasileira dos Médicos Espíritas e ambas fizeram um documento cientifico – um à luz da ciência jurídica e outro à luz da ciência médica – e apresentamos esses documentos. Os apontamentos foram bem aceitos e eles

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colaboraram para que o aborto não viesse a ser aprovado naquele momento no Brasil.”

9- Quando começa a vida? Abortar significa tirar vidas?

A vida começa no momento da concepção. Há estudos médicos confirmando isso. O ente dentro do útero tem autonomia. Eros Grau, ex-ministro do STF defende, juridicamente, que embrião e feto são entes jurídicos. Abortar significa tirar vidas.

Como e com quais ferramentas o Sr. Esperaria que o Estado julgasse essa questão?

A principal ferramenta é o processo educacional. Prevenção desde a base.

Se alguém não quer ter filhos, esse alguém deve saber como prevenir isso. Quanto aos três casos em que o aborto é legalmente aceito (estupro, anencefalia e risco de vida para a mãe), eles devem ser respeitados, caso confirmada a veracidade deles.

Mas sempre há espaço para dialogo. Há casos de anencéfalos que viveram por mais de 2 anos, por exemplo. No caso do estupro, a pergunta é: quem pode comprovar que houve mesmo o estupro? Os laudos médicos não são tão confiáveis, pois algumas situações são facilmente mascaráveis. Decisões externas, sem o diálogo com a mulher, podem mascarar muito alguns casos de aborto.

10- O direito à autonomia sobre o próprio corpo deveria ser colocado acima do direito á vida de um ser humano (que, por sua vez, deveria ter autonomia sobre seu corpo)?

Não. Isso seria um desrespeito. Se a mulher quer preservar sua beleza, forma e condição social, isso deve por educação e não por meio de algum aborto.

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Entrevista Daniel Sottomaior – Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos

1- O Estado brasileiro é laico?

Se alguém acha isso, ou não é uma pessoa séria ou não está bem informado. O Estado é escancaradamente religioso, e os sinais são claríssimos, como os símbolos nas repartições públicas, mensagem religiosa nas notas de Real, etc.

2- A Constituição Federal do Brasil é religiosamente neutra, como tantos ativistas defendem, ou ela é confessional (católica, principalmente), mesmo que isso não seja dito expressamente?

A constituição não é neutra. Ela concede imunidade tributária a religiões, oferece de forma imposta as matérias de ensino religioso (tornando esse ensino obrigatório) e possui uma citação religiosa, além de apresentar uma “frouxidão” no artigo de separação entre Estado e religião.

3- A dignidade e o poder de escolha são conceitos intrínsecos aos seres humanos ou construídos socialmente?

Todo conceito é construído pela cognição. Dignidade e poder de escolha são ideias.

São todas ideias.

4- Como se deve tratar alguém que se negue a reconhecer a dignidade e o poder de escolha do ser humano, visto que essa é uma crença pessoal desse indivíduo em particular?

Se não ofender a lei, não precisa tratar de nenhum modo especial. Se ofender a lei, deve-se tratar conforme a lei.

5- Que decreto ou medida o Sr. mudaria em nossa legislação, se pudesse?

Eu retiraria a imunidade tributária, a menção religiosa do preâmbulo, o ensino

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religioso nas escolas públicas e mudaria a redação do artigo 19 sobre a interferência religiosa (retiraria trecho onde se lê: “a menos de colaboração de interesse publico”). Completaria também dando uma redação mais clara e incisiva para impedir qualquer tipo de vinculo ente o Estado e as organizações religiosas.

6- Como a ATEA vê e se relaciona com as comunidades religiosas?

Não mantendo relações. A ATEA não se posiciona sobre como vê essas organizações, e sim sobre como vê as religiões de maneira geral.

7- Algumas correntes naturalistas e darwinistas defendem que a dignidade humana é ilusória. A ATEA corrobora essa posição?

Não cabe à ATEA emitir essas opiniões, nem corroborar nem negar. Ateus não têm em alta conta assuntos metafísicos como esse.

8- De onde surgem os valores?

Os valores não devem surgir de lugar nenhum.

9 - Mas todas as pessoas têm seus axiomas, não?

Eu nem sabia que eu tinha um axioma! Eu sou engenheiro da MALBERTEC, não sou um filósofo.

10- Analisando o que leva algumas pessoas a cometerem atos discriminatórios, podemos afirmar que: “Nem todos sofrem com o sofrimento que causam aos outros”, de acordo? – Como se pode comprovar racionalmente que fazer uma pessoa sofrer é algo “mal, intrinsecamente ruim” quando a pessoa que perpetua o sofrimento não sofre ao fazer isso?

Uma sociedade com menos sofrimento é uma sociedade melhor. Quem não sofre com o sofrimento alheio é um psicopata.

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11- Certos líderes evangélicos dizem que um ateu seria incapaz de defender a

validade de qualquer princípio, como o da Neutralidade Religiosa, porque “ateus não acreditam em verdades absolutas”. O sr. acredita que existe alguma verdade

absoluta? Se sim, diga-me uma.

O que é uma verdade absoluta? Se a definição for que a Bíblia é a verdade absoluta, nós não acreditamos em verdades absolutas. Eu não preciso saber o que é verdade absoluta para acreditar em algo. Eu acredito no que estou falando mesmo sem entender o que seria uma verdade absoluta.

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Entrevista professor Luís Felipe Miguel – Ciências Políticas

1- O princípio da neutralidade religiosa é um princípio realmente aplicável?

Prefiro falar em laicidade, porque não se trata simplesmente de você ser neutro em relação a uma denominação religiosa existente. Se trata de se estabelecer que o espaço da política e do estado é um espaço separado do espaço das religiões. Esse é um conceito mais forte. Temos conflitos em relação à laicidade do Estado. No Brasil, hoje, poucos se colocam contra, totalmente a laicidade do Estado, mas vários grupos defendem uma visão muito diluída dessa ideia. Nós temos uma assimetria dessas posições porque os grupos religiosos que desejam influenciar a ação do Estado (as Políticas Públicas à partir de suas compreensões religiosas) têm uma centralidade muito maior nas suas próprias agendas do que os grupos que defendem a laicidade do Estado. Porque ninguém defende a laicidade do Estado como um fim em si mesmo, e sim como um instrumento para se estabelecer outras políticas. Os grupos feministas, por exemplo, a defendem porque acham que a laicidade do Estado é necessária para alavancar o foco no direito das mulheres. Os grupos religiosos têm uma relação muito mais íntima entre suas demandas e essa laicidade. É uma questão de uma batalha política.

2- Existe algum limite para sua aplicação em um Estado democrático?

O fortalecimento da laicidade é uma batalha. Acredito que a gente tem que construir essa laicidade. Ela não está dada. A gente tem um arcabouço institucional ambíguo, que tem elementos fortes de Estado laico mas tem aberturas contraditórias, como a presença de símbolos religiosos nas repartições públicas, as manifestações religiosas na nota do Real, no preâmbulo da constituição, na educação pública são alguns exemplos. A ideia de um ensino religioso facultativo em si já é complicado. O ensino acaba sendo loteado entre instituições cristãs. A laicidade não está completamente configurada nas nossas instituições porque não existe um consenso construído politicamente de que ela é importante. Acho que estamos em desfoque.

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3- O que é preciso para que uma instituição seja considerada religiosa? A ATEA caberia, paradoxalmente, nesse rol de requisitos (religiões seculares)? E o Kopimismo?

Essa pergunta tem dois níveis.

De um lado, o conceito de religião é fácil para o senso comum, mas ao se tentar definir o termo de maneira mais precisa ele inclui complicações. Há religiões históricas que não têm um deus, como o budismo, mas há, normalmente um conjunto de crenças dogmáticas associado a um conjunto de rituais e critérios de pertencimento e de não pertencimento importantes para essa definição. Nesse sentido, a ideia de que o ateísmo é uma religião é uma tentativa de se desqualificar o ser Ateu e os argumentos do ateísmo. Você até pode ser ou não ser ateu, mas dizer que a não crença é simplesmente uma forma de crença é um problema.

Há também um problema político, que é o fato de que nós temos, entre as nossas liberdades ideais, a liberdade religiosa como uma liberdade à parte. E a essência da liberdade religiosa é problemática, a meu ver, porque, na verdade, aquilo que a liberdade religiosa garante já está garantida pelo conjunto de outras liberdades. A liberdade de expressão, de pensamento, de manifestação e de associação resolveriam tudo o que a liberdade religiosa contempla. Mas temos a liberdade religiosa como uma liberdade separada porque a religião tem um estatuto considerado mais importante, mais fundante da identidade das pessoas, e portanto ela merece esse status (por um motivo histórico, por causa das guerras de religião).

Quando uma coisa entra no âmbito da religião, essa coisa se reveste de uma autoridade maior. Então, por exemplo, se eu não vou prestar um concurso público porque ele ocorre no sábado, e o sábado é sagrado para minha religião, o Estado terá de respeitar isso de alguma maneira porque a religião é fundante da identidade e não pode ser descartada dessa forma. Agora, se eu não quero prestar um concurso no sábado porque faz parte dos meus hábitos e das minhas tradições comer feijoada aos sábados, aí ninguém vai se preocupar porque a feijoada é algo secundário. Então você tem uma distância, que faz com que aquilo que se reveste de um caráter religioso tem de ser, por definição, respeitado de uma maneira que as outras coisas não são respeitadas. E daí você tem essas apropriações, como a do Partido Pirata Sueco, que virou uma religião pirata que diz que o download livre é um dogma religioso (fazendo como que uma paródia), você tem uma tentativa de

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garantir determinadas práticas que para aquelas pessoas pode ser tão essenciais e fundantes da sua identidade quanto a religião é para outras, que essa linguagem traz esse reconhecimento. Outro exemplo é o Santo Daime, com relação ao problema das drogas. O Daime é permitido para os fieis daquela igreja porque é algo religiosos. Mas para outras pessoas o conjunto de determinadas drogas alucinógenas pode ser tão essencial quanto o Daime para o fiel do Daime. Mas, como não ha´o revestimento religioso, o Estado não precisa aceitar da mesma forma. Eu acho que isso fere um princípio republicano importante que é a igual consideração das opções dos cidadãos de um Estado. O Estado deve tratar a todos os cidadãos igualmente, então por que um cidadão que fundamenta suas escolhas em critérios religiosos tem suas escolhas mais respeitadas do que aqueles que as fundamentam em outros critérios? Não sou favorável à liberação das drogas, mas por que um indivíduo que usa drogas de forma recreativa é reprimido, já que isso é essencial para suas opções de vida, e aquele que usa as drogas por critério religioso é tolerado? Então o Estado está dizendo que algumas opções são mais válidas que outras. É um problema sério. E essas ações que criam igrejas para justificar ações criminalizadas são uma forma de tensão desse tema. Como o Estado vai agir, então? É mais um passo para se descriminalizar outras ações.

O princípio da liberdade religiosa da forma como é formulado hoje hierarquiza opções e grupos particulares da sociedade de uma maneira que, ao meu ver, é injusta.

4- Que tipo de privilégios fiscais existem para Instituições Religiosas? -

Os privilégios fiscais têm um pé na religião no texto da constituição e serão disseminados por legislação estadual e municipal. Mas eu não vejo nenhuma justificativa razoável para isso. Por que uma igreja não paga imposto territorial e um clube de funk que é frequentado por mais gente e que tem um papel mais importante na sociabilidade de um grupo maior de pessoas tem que pagar? Isso significa que o Estado está indicando que a religião é mais importante que outras formas de atividade, e não existe justificativa para isso num contexto republicano.

5- A Constituição Federal do Brasil é religiosamente neutra, como tantos ativistas defendem, ou ela é confessional, mesmo que isso não seja dito expressamente?

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Eu acho que a Constituição tem ambiguidades, aberturas, desde seu preâmbulo até as proibições mais sustentadas por valores cristãos. Eu acho que a noção de que o Estado não pode favorecer determinados cultos é fundamental. Pois há, por exemplo, uma repressão dos cultos afro-brasileiros que mostra um preconceito contra determinadas formas de expressão religiosa. Isso tem de ser combatido, mas isso pode ser resolvido sem precisar de um recurso de didática religiosa específica.

6- O que fazer quando algum costume entra no rol dos “bons costumes universais”, mas, na verdade, não são tão universais assim? Exemplos:

a) Algumas igrejas evangélicas consideram um “mau costume” que o governo realize casamentos entre duas pessoas do mesmo sexo, muito embora o STJ considere, atualmente, tais cerimônias como sendo parte dos bons costumes (STJ, maio de 2013, resolução nº 175, parágrafo 1º).

b) O incentivo estatal à doação de sangue com campanhas divulgadas na televisão, em rádios, na internet e nos meios impressos vai de encontro ao rol dos bons costumes das Testemunhas de Jeová. Para esse grupo religioso o estado está incentivando uma prática condenável e antibíblica.

Esse problema se divide em duas situações diferentes:

A primeira é quando o Estado permite algo que a religião proíbe. A meu ver, isso não é problemático. A religião interfere somente nas decisões daqueles que desejam seguí-la. Então se uma igreja Evangélica acha que casais gays não querem adotar filhos, por exemplo, os fieis dessa religião não doam seus filhos para adoção por casais gays. Agora, aqueles que não seguem esses dogmas religiosos não estão presos a essa posição. A controvérsia sobre o direito ao aborto se coloca dessa forma: a mulher que é católica e engravida quando não deseja está livre para seguir os preceitos da sua igreja. Ninguém a obriga a abortar. A adesão a preceitos religiosos deve ser voluntária, e não imposta àqueles que não participam daquela religião.Na prática isso é um dos grandes temas de conflito, mas do ponto de vista principiológico, isso não é difícil de ser resolvido.

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O segundo nível é quando a religião permite algo que o Estado proíbe. A literatura do multiculturalismo vai discutir isso. Um exemplo: os siques são um grupo religioso que deve, necessariamente, usar turbante. Na Inglaterra, como muitos são imigrantes, muitos deles trabalham como motoboys, ou como operários na construção civil, mas eles não podem usar capacetes por causa dos turbantes.

Como resolver isso? É uma coisa muito complicada porque outro preceito religioso dos siques é que os homens devem portar punhais. Então, como permitir que um sique deixe de usar o capacete e, ao mesmo tempo, proibir que ele porte seu punhal? Outro exemplo: há, hoje,na Inglaterra, regras rígidas contra a crueldade no abate dos animais. Mas a comida kosher, judaica, e a comida halal, muçulmana, exige que o animal sangre e que todo o sangue seja retirado em um abate ritual que é muito doloroso para o animal. O que a Inglaterra fez? Ela permitiu uma exceção às regras de abate humanitário para a comida kosher. E o que aconteceu nos anos 2000? 60% da carne vendida na Inglaterra era “kosher” porque os abatedouros aproveitavam essa exceção à regra para reduzir seus custos, porque o abate humanitário é mais caro. O que a Suécia fez? Ela não abriu essa exceção.

Então quem teve de abrir uma exceção foi o rabinato da Suécia. Os judeus, na suécia, são autorizados a comer comida não-kosher porque o Estado não abriu exceção. Eu, particularmente gosto mais da opção sueca, porque a gente acaba acreditando que os dogmas religiosos são imutáveis, mas eles, na verdade, se adaptam às circunstâncias. A não ser, claro, em grupos muito fechados, como os Amish, que resolvem criar um mundo à parte exatamente para “pararem” o tempo histórico. Então, em outras religiões, os dogmas vão evoluindo, inclusive porque trabalham com textos sagrados que foram escritos em um mundo completamente diferente do nosso. Então a ideia de que você pode forçar mudanças no abate animal, justificando crueldade porque 3000 anos atrás isso era uma regra de higiene, mesmo hoje podendo garantir a salubridade do alimento sem essa crueldade, estimular as religiões a evoluírem. Essa situação é complicada porque cria conflitos diretos com alguns dogmas religiosos, e isso pode gerar uma reação muito forte.

7- A dignidade é um valor intrínseco ao ser humano ou é apenas uma construção social?

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Sim. Não creio que haja um fundamento pré-social para esse valor.

8- Como se deve tratar alguém que se negue a reconhecer a dignidade e o poder de escolha do ser humano, visto que essa é uma crença pessoal desse indivíduo em particular?

Segundo os critérios políticos legais.

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Entrevista professor Marcos Aurélio - História

1- O princípio da neutralidade religiosa é um princípio realmente aplicável?

Sim, é aplicável num estado que se diz laico.

2- Existe algum limite para sua aplicação em um Estado democrático?

Há um limite, se a sociedade alterar e requerer que o Estado Deixe de ser laico, como na Revolução Iraniana de 79, em que o Estado era laico e foi instituído um Estado teocrático.

O Estado democrático de direito garante a liberdade religiosa de seus cidadãos. Um Estado teocrático vai se organizar segundo os princípios de uma religião escolhida, podendo negar, ou não, a liberdade religiosa.

3- A Constituição Federal do Brasil é religiosamente neutra, como tantos ativistas defendem, ou ela é confessional, mesmo que isso não seja dito expressamente?

A Constituição Federal é laica. A base moral da Constituição Federal é cristã porque a sociedade é majoritariamente cristã.

4- “Na prática, há uma preferência governamental pela religião católica em especial. Prova disto são os crucifixos ainda presentes em repartições públicas como o Congresso Nacional; os 118 milhões de reais retirados dos cofres públicos com a vinda do Papa em julho de 2013 e os oito feriados católicos anuais presentes no calendário nacional.

O dispositivo jurídico da equidade dos direitos religiosos, portanto, não garante essa equidade na prática.

O sr. concorda com essa afirmação?

Não concordo. A sociedade é tradicionalmente católica, mas o Estado não nega o direito das demais manifestações religiosas. Até que ponto a retirada dos feriados religiosos é de interesse da sociedade? O Estado acaba confirmando um interesse

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social tradicional, não se pode culpar uma religião por isso. É o caso do Dia do Evangélico.

Essa defesa não altera a laicidade do Estado. O Estado sempre defende interesses múltiplos, dos grupos que fazem a maior pressão.

5- Com que base o sr. definiria os termos “bons costumes”, “ordem” e “moral universal”

“Bons costumes”: respeito ao costume vigente em cada época.

“Ordem”: serve para a manutenção do o status quo estabelecido.

“Moral universal”: é relativamente universal. Do ponto de vista histórico não há uma moral universal. Há morais preponderantes ou homogêneas em cada época.

6- O que fazer quando algum costume entra no rol dos “bons costumes universais”, mas, na verdade, não são tão universais assim? Exemplos:

a) Algumas igrejas evangélicas consideram um “mau costume” que o governo realize casamentos entre duas pessoas do mesmo sexo, muito embora o STJ considere, atualmente, tais cerimônias como sendo parte dos bons costumes (STJ, maio de 2013, resolução nº 175, parágrafo 1º).

Resposta: Não se pode afirmar que o STF fez isso segundo os “bons costumes”, e sim que ele o fez segundo o princípio da liberdade individual da escolha dos parceiros. Ele legaliza, não diz que é bom costume.

b) O incentivo estatal à doação de sangue com campanhas divulgadas na televisão, em rádios, na internet e nos meios impressos vai de encontro ao rol dos bons costumes das Testemunhas de Jeová. Para esse grupo religioso o estado está incentivando uma prática condenável e antibíblica.

Resposta: Não há o conflito de definição de bons costumes pois uma entidade não pode exigir a prerrogativa de que o Estado Brasilieiro (que é laico) atenda a sua doutrina.

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7- A dignidade e o poder de escolha são valores intrínsecos aos seres humanos ou construídos socialmente?

Todos os valores humanos são construídos historicamente. A ideia de dignidade está atrelada a um comportamento pressuposto.

8- Como se deve tratar alguém que se negue a reconhecer a dignidade e o poder de escolha do ser humano, visto que essa é uma crença pessoal desse indivíduo em particular?

Como um ser humano normal, com ideias diferentes. O princípio da dignidade humana não é exclusivamente judaico-cristão.

9- O Sr. concorda com o ideal da Revolução Francesa de haver separação não só entre Estado e Instituições Religiosas, mas também entre o Estado e uma “fé estatal”?

Concordo plenamente. E digo enquanto ser-humano, cidadão e historiador: o Estado DEVE permanecer laico.

Ter uma base moral de conceitos-chave da sociedade (moral construída historicamente por princípios judaico cristãos) não significa que o Estado é judaico-cristão, significa que a sociedade tem princípios judaico-cristãos.

Não significa que o Estado defenda uma religião.

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Entrevista Maria Berenice Dias - Movimentos Feministas e pró-LGBTI

1- A dignidade e o poder de escolha são valores intrínsecos aos seres humanos ou construídos socialmente?

O conceito de dignidade é cultural, não está na pessoa em si. É fruto da educação e vai conforme a época e o local. O mais próximo que se pode chegar do conceito de respeito a uma dignidade universal é o respeito dado a uma pessoa que se apresenta da maneira como ela é, o respeito que se aplica à parte dos estereótipos.

2- Como se deve tratar alguém que se negue a reconhecer a dignidade e o poder de escolha do ser humano, visto que essa é uma crença pessoal desse indivíduo em particular?

Se esta negativa dele tem a possibilidade de infringir a dignidade do outro, deve-se recorrer aos mecanismos estatais de coibir essa postura.

Os mecanismo estatais deveriam ser suficientes para isso, e têm avançado, tanto no âmbito da proteção dos vulneráveis quanto no do compromisso com o cidadão tem sido mais eficiente.

3- Quando começa a vida? Abortar significa tirar vidas? Como e com quais ferramentas a Sra. Esperaria que o Estado julgasse essa questão?

Não. Por essa lógica, masturbação também seria um crime de homicídio. A vida começa à partir do nascimento com vida, isso inclui nascimentos de anencéfalos.

Ninguém pode matar um anencéfalo. A mulher que gesta um anencéfalo, por sua vez, tem o direito de interromper a gravidez, segundo o principio do direito da mulher. Não se pode impor a uma mulher a gestação de um bebê que não vai sobreviver

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Direito do nascituro desde a concepção, direitos de personalidade desde o nascimento. A proteção do Estado durante a gestação é, na verdade, para a mulher, pois é responsabilidade do estado o cuidado e a atenção à gestante. Deve prevalecer o direito de escolha da mulher sobre um eventual direito do feto.

4- O direito à autonomia sobre o próprio corpo deveria ser colocado acima do direito á vida de um ser humano (que, por sua vez, deveria ter autonomia sobre seu corpo)?

Se um feto tivesse autonomia sobre si, a mulher seria transformada em um mero objeto a serviço da gestação. Viraria uma maquina gestora.

5- Que decreto ou medida o Sr. Adicionaria à nossa legislação, se pudesse?

Na CF, de maneira explicita, no inciso 4 do art. 3º (que veta discriminação por raça, cor, sexo) inseriria a orientação sexual e diversidade de gênero a fim de pressionar que o legislador cumpra com seu dever de promover a proteção e legislar em favor dos segmentos mais vulneráveis da sociedade.

6- Como a comunidade LGBTI vê e se relaciona com as comunidades religiosas?

Em geral as religiões se relacionam mal com a comunidade LGBTI. Já a LGBTI, por serem normalmente ridicularizados acabam ficando mudos, sem reação. O lado mais agressivo, nas discussões, é o das comunidades religiosas. Não tenho ideia do porque de tamanha aversão à essa comunidade. Todas as religiões acreditam nos seus deuses, pregam o amor e respeito ao próximo, mas utilizam livros antigos e muitas vezes ininteligíveis pra justificar ataques à comunidade LGBTI.

7- “Na prática, há uma preferência governamental pela religião católica em especial.

Prova disto são os crucifixos ainda presentes em repartições públicas como o Congresso Nacional; os 118 milhões de reais retirados dos cofres públicos com a

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vinda do Papa em julho de 2013 e os oito feriados católicos anuais presentes no calendário nacional.

O dispositivo jurídico da equidade dos direitos religiosos, portanto, não garante essa equidade na prática.

A sra. concorda com essa afirmação?

Sim. Temos um histórico de perversidade total da igreja católica com o objetivo de manifestar seu poder. Uma religião consegue parar o pais, parar o mundo. E agora os evangélicos também estão aí, querendo convencer as pessoas a doarem seus bens.

8- A Sra. concorda com o ideal da Revolução Francesa de haver separação não só entre Estado e Instituições Religiosas, mas também entre o Estado e uma “fé estatal”?

Prefiro preceitos éticos a preceitos morais. Fraternidade não é religiosidade. Seria mais ético que tudo que as religiões fazem em nome de Deus fossem feitas em nome da fraternidade, igualdade e solidariedade. Pode-se viver em uma sociedade ética completamente separada da moralidade religiosa.

Eu me sinto ofendida ao ver um crucifixo (que simboliza uma condenação injusta, um crime horrível, hediondo) num tribunal. Esse símbolo não tem à ver com a justiça, e sim o contrário, pois representa o injusto castigo de um inocente.

Independentemente disso, se uma religião quer ter o direito de colocar seu crucifixo nos tribunais, um praticante do candomblé vai querer o o direito de colocar seus orixás lá também.

9-O princípio da neutralidade religiosa é um princípio realmente aplicável?

É, mas esse princípio não tem sido bem aplicado. As leis são suficientes para a tomada de decisões, que não devem ser regidas pela religião.

10 -Caso seja, existe algum limite para sua aplicação em um Estado democrático?

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A aplicação de qualquer princípio deve ser detida antes que haja invasão da dignidade do outro. Esse é o limite.

11- A Constituição Federal do Brasil é religiosamente neutra, como tantos ativistas defendem, ou ela é confessional, mesmo que isso não seja dito expressamente?

A Constituição evoca a proteção de Deus, em seu preâmbulo, mas não impõe obrigação nenhuma a esse Deus. Essa parte do preâmbulo, no fundo, não significa nada, pois não define quem é esse Deus, nem quais são suas vontades ou deveres.

Eu discordo da afirmação de Jónatas Machado sobre as bases judaico-cristãs do Estado constitucional.

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Entrevista professor Menelick de Carvalho Netto - Direito Constitucional

1- O princípio da neutralidade religiosa é um princípio realmente aplicável?

Acredito que sim. O problema é que este princípio será objeto de leituras ou interpretações diversas nas diferentes tradições constitucionais. Contudo, em que pesem as suas distintas leituras, esse princípio é uma exigência básica do constitucionalismo.

A idéia de uma religião principiológica (fundada em princípios) corresponde às grandes religiões como o catolicismo, o protestantismo, o islamismo, o budismo. O problema são as leituras abusivas que delas podem ser feitas e que eliminam precisamente o seu caráter aberto, universal e principiólogico, transformando-as em seitas fechadas e sectárias. Como as cruzadas, por exemplo. Não há nada mais contrário ao ensinamento de Cristo de amor ao próximo do que as práticas de pilhagem, assassinato, conquista e destruição desenvolvidas nas cruzadas em nome do cristianismo, a negar desde a base os princípios fundantes do próprio cristianismo. Essas religiões, contudo, de uma forma ou de outra, muito contribuíram e facilitaram o processo posterior de modernização da sociedade.

2- Existe algum limite para sua aplicação em um Estado democrático?

A democracia não é simplesmente o regime do governo da maioria, mas o do governo da maioria em que se respeitem os direitos das minorias. No Brasil, por exemplo, há ainda hoje uma significativa maioria católica e uma superlativa maioria cristã. De início, constitucionalmente, a liberdade religiosa só é consagrada com a Constituição da República. No Império as demais religiões cristãs eram toleradas, as religiões africanas, por exemplo, mesmo na República, continuam a ser punidas, perseguidas e não eram reconhecidas como religião. E isso mesmo após o Império, com a afirmação republicana da liberdade religiosa como direito básico.

3- Mas o Estado Democrático não é feito pela maioria? Onde é que entram as minorias, segundo a democracia?

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Depois de Hitler e dos stalinistas, ou seja, após as experiências totalitárias e autoritárias, houve uma mudança no conceito de democracia. Não há democracia se não houver respeito às minorias. A democracia só é democrática se ela for constitucional, da mesma forma que a constituição só é constitucional, ou seja, acorde com o constitucionalismo, se for democrática. Então as constituições autoritárias são a discrepância. Atentam contra o próprio constitucionalismo, negam a idéia mesma da constituição como uma garantia dos governados contra os governantes, ao reduzirem a constituição a um mero instrumento de governo.

4- E qual a medida da voz que deve ser dada a uma minoria?

Define-se minoria pela ausência, ou precariedade de direitos reconhecidos a esse grupo. Estamos falando de minorias em termos de direitos, e não de números, necessariamente. As mulheres, por exemplo, não são necessariamente uma minoria numérica, mas ainda assim são uma minoria. É claro que a afirmação de direitos é sempre uma questão de luta e conquista permanentes. A primeira conquista é a da visibilidade da discriminação até então perpetrada, e a pretensão de que aquela diferença específica não mais possa importar em tratamento desqualificante. Para resumir, o direito à igualdade revela-se, então, como direito à diferença.

5- A Constituição Federal do Brasil é religiosamente neutra, como tantos ativistas defendem, ou ela é confessional, mesmo que isso não seja dito expressamente?

Aí cabem duas respostas. Como professor de direito constitucional e até como defesa de uma posição, ela é neutra. Mas como estudioso do fenômeno constitucional, não. Essa neutralidade é uma luta constante, até pelo problema das minorias, que não são sequer vistas como tais. No final da década passada iniciaram-se programas, ainda que tímidos, de ações afirmativas no que se refere às religiões afro-brasileiras. Os terreiros têm que ser respeitados como templos, espaços de culto, de exercício da liberdade religiosa.

6- “Na prática, há uma preferência governamental pela religião católica em especial. Prova disto são os crucifixos ainda presentes em repartições públicas como o Congresso Nacional; os 118 milhões de reais retirados dos cofres públicos com a vinda do Papa em julho de 2013 e os oito feriados católicos anuais presentes no calendário nacional. O dispositivo jurídico da equidade dos direitos religiosos,

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