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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO CURITIBA RÚBIA ORLANDI TESKE

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Academic year: 2022

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO CURITIBA

RÚBIA ORLANDI TESKE

INCOMPATIBILIDADE ENTRE O SONHO DOS ADULTOS E A REALIDADE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES DISPONÍVEIS À ADOÇÃO: SELETIVIDADE

ADOTIVA E PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS PRETENDENTES

CURITIBA 2021

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RÚBIA ORLANDI TESKE

INCOMPATIBILIDADE ENTRE O SONHO DOS ADULTOS E A REALIDADE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES DISPONÍVEIS À ADOÇÃO: SELETIVIDADE

ADOTIVA E PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS PRETENDENTES

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba.

Orientadora: Adriana Martins Silva

CURITIBA 2021

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RÚBIA ORLANDI TESKE

INCOMPATIBILIDADE ENTRE O SONHO DOS ADULTOS E A REALIDADE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES DISPONÍVEIS À ADOÇÃO: SELETIVIDADE

ADOTIVA E PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS PRETENDENTES

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos

professores:

Orientador: ____________________________

______________________________

Prof. Membro da Banca

Curitiba, 13 de outubro de 2021

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A você, mano. Que ao longo de sua/nossa história me mostrou a importância do amor e comprovou (na prática) a insignificância dos laços biológicos.

Obrigada por ser parte integral da minha vida e inspiração para esse trabalho.

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AGRADECIMENTOS

É indiscutível que este trabalho não foi construído sozinho, ou então com os esforços de uma pessoa só. Ele é resultado de uma família excepcional, somado a amigos impulsionadores e professores inspiradores, e é essencialmente a eles que eu agradeço.

Aos meus pais, cujos esforços para chegar neste momento foram e continuam sendo imensuráveis. Obrigada pela confiança, pela família que formamos e pelo apoio incondicional. Agradeço a oportunidade de terem me proporcionado estudar em uma excelente faculdade, nem que para isso fosse necessário deixar vosso bebê voar e ficar a praticamente 500km de distância. Pai, obrigada por, com sua seriedade, manifestar aconchego. Mãe, obrigada por ser puro sentimento e manifestar o melhor em mim.

Aos meus irmãos, Giulia e Luiz Felipe. Crescer ao vosso lado foi (e é) uma satisfação. Giu, obrigada por ser inspiração, referência e amizade. Mano, obrigada por ser afago, calmaria e gargalhadas. A vocês, obrigada pela construção, quase que integral, da Rúbia de hoje.

Aos meus amigos, que seguem comigo nesta empreitada que é viver.

Giovana, agradeço seu companheirismo e tudo que decorre dele. Bia, agradeço sua presença em um intercâmbio que me virou do avesso, e por continuar se fazendo presente. Vivi, agradeço sua alegria, jeito leve e conversas profundas. Claudia, agradeço sua disposição e ensinamentos. Aos demais, obrigada por serem.

Aos inúmeros mestres que tive ao longo desta jornada, em especial, àquelas que se tornaram referências: Violeta Caldeira, Tanya Kristyane Kozicki de Mello, Tatiana Denczuk e, claro, Adriana Martins Silva.

A esta última, minha orientadora, faz-se necessário um agradecimento solo, sem qualquer pretensão de que este seja capaz de compensar, ou então, honrar todo o crescimento que tive com seus ensinamentos. Um “muito obrigada” profundo e verdadeiro por me apresentar o direito das famílias em sua acepção mais bonita e verdadeira, sempre com um sorriso no rosto e um bom humor contagiante. Tu és inspiração.

Aos integrantes do grupo de pesquisa, Temas Contemporâneos de Direitos das Famílias e Sucessões, para nós, “LAR”, obrigada por todas as trocas e aprendizados. Agradeço aqui especialmente à Maria Eduarda Dória, por me ajudar a

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dar os primeiros passos na pesquisa acadêmica.

Vocês são fundamentais para que o hoje aconteça e exteriorizam, cada um à sua medida, o sonho de uma menina que entrou na faculdade em 2017 cheia de incertezas e hoje sai uma mulher convicta de seus ideais e um ser humano apaixonado por seus iguais.

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Aos poucos o pescador e o rapaz pequeno eram vistos por todos como os mais normais pai e filho desde sempre. E eram mesmo, porque se sentiam inteiros, porque ainda antes de se encontrarem já eram parte um do outro e podiam jurar sobre isso. Juravam sobre isso muitas vezes. As pessoas diziam que tinham os narizes iguais, e eles riam.

(Valter Hugo Mãe, em O Filho de Mil Homens, 2016, p. 18)

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise crítica acerca da forma com que o instituto da adoção vem se realizando no país, identificando e denunciando em que grau o melhor interesse das crianças e dos adolescentes é efetivado na prática. Isso porque verifica-se um padrão decorrente da doutrina da situação irregular, que sedimentou um adultocentrismo crônico estabelecido pelos aspirantes a adotar acerca do perfil dos futuros filhos. Dentre as preferências, que a depender do ponto de vista podem ser consideradas entraves, merece destaque a predileção por crianças novas. Assim, à medida em que a idade daqueles disponíveis à adoção aumenta, diminuem o número de pretendentes dispostos a serem futuros pais destes, gerando uma eterna e maléfica relação inversamente proporcional. A partir de um viés antropológico e psicológico, mediante o procedimento metodológico de natureza explicativa, através de pesquisa bibliográfica, exteriorizada por livros físicos e digitais, artigos científicos, revistas de direito, dentre outros, além da adoção de pesquisa empírica, arraigada em dados disponibilizados pelos órgãos oficiais, far-se-á uma análise acerca da construção do ordenamento jurídico infanto-juvenil brasileiro, com ênfase no instituto da adoção, dos principais filtros colocados pelos pretendentes, bem como os mitos que envolvem esta criação, e quais alternativas podem ser apresentadas para fazer valer, em todos os aspectos que envolverem os vulneráveis, a doutrina da proteção integral.

Palavras-chave: Adoção. Adultocêntrismo. Preferência dos adotantes. Doutrina da proteção integral.

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ABSTRACT

The present work aims to make a critical analysis of the way in which the adoption institute has been carried out in the country, identifying, and reporting the degree to which the best interests of children and adolescents are in practice. This is because, there is a pattern resulting from the doctrine of irregular situation, which sedimented a chronic adult centrism, established by the aspirants to adopt about the profile of future children. Among the preferences, which, depending on the point of view, can be considered obstacles, the preference for young children deserves to be highlighted.

Thus, as the age of those available for adoption increases, the number of those willing to be their future parents decreases, generating an eternal and inversely proportional relationship. From an anthropological and psychological bias, rooted in data provided by official agencies, an analysis will be made on the construction of the Brazilian children's legal system, with emphasis on the adoption institute, the main filters placed by the applicants, as well as the myths that surround this creation, and what alternatives can be presented to enforce, in all aspects that involve the vulnerable, the doctrine of integral protection.

Keywords: Adoption. Adult centrism. Adopters Preference. Doctrine of integral protection.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Idade de crianças e adolescentes disponíveis à adoção no Município de Curitiba ... 57 Gráfico 2 – Idade de crianças e adolescentes aceitas pelos habilitados à adoção ... 57 Gráfico 3 – Idade de crianças e adolescentes adotadas em Curitiba entre 2015 e 2021 ... 58

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LISTA DE SIGLAS

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente CNJ Comissão Nacional de Justiça

CNA Cadastro Nacional de Adoção SNA Sistema Nacional de Adoção

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12 2 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO: FORMAÇÃO DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E HISTÓRIA ... 14 2.1 DOS CAMINHOS PERCORRIDOS ATÉ A CHEGADA DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. .... 14 2.2 ADOÇÃO AO LONGO DOS ANOS: ORIGENS, SUPORTE LEGAL E FATORES MOTIVADORES ... 23 3 DO PROCEDIMENTO DA ADOÇÃO: TRÂMITE E OBJETIFICAÇÃO ... 29 3.1 DA HABILITAÇÃO À SENTENÇA JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO .. 29 3.2 DA OBJETIFICAÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES E PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS ADULTOS ... 36 4 DA DISCREPÂNCIA EXISTENTE ENTRE AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES DISPONÍVEIS À ADOÇÃO E O PERFIL ALMEJADO PELOS PRETENDENTES: PERFIL, ALTERNATIVAS E CASUÍSTICA ... 46

4.1 DOS FILTROS MAJORITARIAMENTE COLOCADOS PELOS

PRETENDENTES E SUAS DESCONSTRUÇÕES: IDADE, RAÇA E CONDIÇÕES DE SAÚDE ... 46 4.2 CASUÍSTICA DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE E ADOÇÃO DE CURITIBA ... 56 4.3 POSSIBILIDADES E ALTERNATIVAS PARA A REDUÇÃO DA DISCREPÂNCIA DENUNCIADA ... 59 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 61 REFERÊNCIAS ... 63

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1 INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico infanto-juvenil foi estruturado a partir da doutrina da proteção integral1, cujo principal objetivo é que a sociedade, família e comunidade respeitem, cuidem e zelem dos protegidos de maneira integral e ilimitada, sem perpetrarem qualquer tipo de discriminação em razão da idade, sexo, raça, etnia, situação familiar ou cor2.

Tal fundamento também orienta o instituto da adoção, em que, nas concessões, isto é, colocação dos vulneráveis em família substituta, o poder judiciário e toda a rede de proteção devem apoiar suas decisões e entendimentos com base no melhor interesse da criança e do adolescente, não se baseando tão somente nos desejos e sonhos dos adultos.

Entretanto, em que pese a previsão formal, realizada pela Constituição Federal, acerca dos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e convivência familiar, a realidade opera de maneira completamente distinta. Isso porque há um descompasso extremamente grande entre o perfil dos protegidos disponíveis à adoção e aquele objetivado pelos adotantes.

Na prática, verifica-se uma incompatibilidade entre a realidade e os sonhos dos adotantes, já que, ao passo que a preferência dos adultos são crianças de até 7 anos de idade3, na prática, a maioria daqueles que estão disponíveis à adoção tem mais que esta idade.

Este assunto se torna ainda mais necessário à medida em que a seletividade apresentada acima gera impactos na vida daqueles que não se enquadram no padrão imposto pela sociedade, dentre eles se destaca uma institucionalização prolongada de crianças e adolescentes que foram destituídos do poder familiar, e que vêm aguardando ansiosamente por uma família.

Dessa maneira, esta preferência dos pretendentes, originária de influências culturais e sociais, por mais que muitas das vezes se apresente como uma atitude sutil, acaba por direcionar o olhar a apenas alguns protegidos, deixando aqueles

1 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias (livro eletrônico). 4. ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2016. p. 81.

2 BRASIL. Lei N. 8.069, de 10 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Artigo 3º, parágrafo único.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 10 maio. 2021.

3 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Diagnóstico sobre o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. Brasília: CNJ, 2020. p 27.

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grupos menos “requisitados” à mercê da sorte, e na esperança de fazerem parte de uma família que os ama.

Ao mesmo tempo, dentro desta análise pretendida, é preciso levar em consideração o fato de se estar diante de um sonho dos pretendentes, os quais, muitas das vezes não puderam ter os filhos de maneira biológica, e veem na adoção a possibilidade de parentar e acompanhar todas as fases de vida daquele ser humano.

O procedimento metodológico a ser utilizado é de natureza explicativa, através de livros físicos, digitais, artigos científicos e pesquisas empíricas, visando compreender e analisar quais os fatores que motivam a existência de um perfil por parte dos pretendentes, e quais impactos esta seletividade gera.

Certamente, esta pesquisa jamais poderá deixar de lado, e sempre terá como norte, as inúmeras emoções e sentimentos que envolvem este tema, o que, seguramente, torna o direito das famílias a área mais extraordinária dentro de uma imensidão normativa complexa e burocrática.

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2 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO: FORMAÇÃO DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E HISTÓRIA

Realizar uma análise histórica acerca das vivências e direitos das crianças e adolescentes no Brasil é de extrema importância, vez que o estudo do tratamento conferido aos protegidos ao longo do tempo, bem como dos institutos aplicados para sua proteção, possibilitauma melhor compreensão do presente.

Assim, objetiva-se neste tópico perpassar por abordagens que demonstram a maneira como as crianças foram tratadas neste país, bem como a constituição do instituto da adoção, a fim de inferir não só os avanços verificados no direito infanto- juvenil, como também quais resquícios ainda permanecem e influenciam na prevalência, muitas das vezes, dos interesses dos adultos.

2.1 DOS CAMINHOS PERCORRIDOS ATÉ A CHEGADA DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Os inúmeros caminhos traçados até que a doutrina da proteção integral fosse efetivada no ordenamento jurídico infanto-juvenil brasileiro foram marcados por diversas atrocidades frente a este grupo cujos integrantes se encontram em desenvolvimento constante, tal o motivo de serem vulneráveis4 e, portanto, carecerem ainda mais de uma atenção extremamente meticulosa.

Além disso, pelo fato de o direito ser uma ciência cujos instrumentos normativos exteriorizam, em alguma medida, a realidade social5, as normas existentes acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes foram se modificando na proporção em que o tratamento conferido aos protegidos se mostrou cada vez mais voltado à proteção deles, que são protagonistas da sua própria jornada6.

Pode-se observar uma transformação de tratamento concomitantemente ao passar do tempo da história, contada e registrada, deste país. Por este motivo, tal

4 RIZZINI, Irene; BARKER, Gary; CASSANIGA, Neide. Políticas sociais em transformação: crianças e adolescentes na era dos direitos. Educ. Rev., Curitiba, n. 15, p. 1-9, dez. 1999. p. 4. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 40601999000100011&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 13 abr. 2021.

5 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. [S. l.]: USP, [20--?]. p. 5. Disponível em:

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4147570/mod_resource/content/0/A%20Forca%20Normativ a%20da%20Constituicao%20%20-%20Hesse.pdf. Acesso em: 12 abr. 2021.

6 MYERS, 1988 apud RIZZINI; BARKER; CASSANINGA, 1999, p. 3.

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abordagem iniciar-se-á com o deslocamento ocorrido de crianças e adolescentes nas embarcações portuguesas, tendo seu término com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente que, à rimo dos princípios e direitos constitucionais estabelecidos, alicerçou o direito infanto-juvenil na doutrina da proteção integral.

Vale destacar que são poucos os registros existentes acerca da história das crianças e dos adolescentes, isso porque o cerne dos interesses do homem branco europeu era tão somente relacionado ao fisco7. De maneira tal que, nos dizeres de Mary Del Priore, “na mentalidade coletiva, a infância era, então, um tempo sem maior personalidade, um momento de transição e, porque não dizer, esperança”8.

Verifica-se, em linhas gerais, que o tratamento social conferido aos protegidos era extremamente objetificado, não sendo vistos a partir da sua individualidade, e considerados seres de fácil substituição, uma vez que não possuíam, quando muito novos, capacidade para laborar e contribuir economicamente.

Com a chegada dos portugueses no Brasil, mostrou-se necessário o deslocamento de pessoas a fim de povoar a terra até então “desconhecida”. Tal movimento teve início aproximadamente em 15329. Dentre aqueles que foram submetidos a viagens extremamente cansativas, insalubres e muitas das vezes fatais, estavam crianças e adolescentes, os quais, dentro da linha hierárquica e de direitos imposta, se localizavam nas posições mais inferiores e desumanas10.

Em que pese a tenra idade, estes jovens embarcavam com um único objetivo, ocupar posições de trabalho pertencentes a adultos e, assim, deveriam agir como se tal fossem. Para além da mão de obra infantil, os grumetes e pajens eram vítimas de diversos abusos sexuais praticados por seus superiores, suas refeições eram escassas e os dormitórios nada salutares11.

Chegando no “Novo Mundo”, os portugueses, através da Companhia de Jesus, passaram a catequisar as crianças indígenas, sendo o principal objetivo torná-las pessoas de valor, guiadas pelas ideias do cristianismo e praticantes dos bons

7 SCARANO, Julita. Criança esquecida das Minas Gerais. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 108.

8 PRIORE, Mary Del. O cotidiano da criança livre no Brasil entre a Colônia e o Império. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 84.

9 MESGRAVIS, Laima. História do Brasil Colônia. 1. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2015. p. 19.

10RAMOS, Fábio Pestana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 20.

11RAMOS, 2010, p. 49.

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costumes12.

Percebe-se, portanto, que os jesuítas não almejavam ensinar os jovens para que o estudo contribuísse com a sua evolução e desenvolvimento, mas sim para que pudessem ser de alguma forma úteis, repassando tais ensinamentos à população nativa e se distanciando, o máximo possível, das suas raízes.

Inclusive, a partir do momento em que passou a se verificar não ser o interesse dos indígenas a doutrinação, estes passaram a ser excluídos, objetivando apenas a sua catequização, ao passo que o anseio para com os filhos de colonizadores era sua instrução13.

Esta educação cristã se revelou intensamente violenta, à medida em que os alunos eram ensinados através de retaliações físicas, isso porque a correção seria uma forma de amor14. Certamente, tal hábito era repassado para a sociedade de modo geral, sendo que os indígenas viam com espanto esta prática, desconhecida até então, vez que não há registros destes nas mais diversas sociedades, fazendo uso da violência para educar a prole15.

Acontece que, em meados de 1759, os jesuítas foram expulsos do país16, inaugurando um período em que a educação, mais do que nunca, foi voltada para os nobres e sociedade aristocrática17. Mas, vale destacar que a educação não era inteiramente voltada para o desenvolvimento e construção cultural das crianças e dos adolescentes, muito pelo contrário, estes se encaixavam nas estruturas permitidas para os adultos, conforme relata Ana Maria Mauad, ao tratar da vida das crianças de elite:

Diferentes discursos produzidos pelo universo adulto enquadraram a criança e o adolescente, determinando os espaços que eles poderiam frequentar e estabelecendo os princípios e conceitos norteadores do seu crescimento e educação. Paralelamente, era a rotina do mundo adulto que ordenava o cotidiano infantil e juvenil, por meio de um conjunto de procedimentos e práticas aceitos como socialmente válidos18.

12CHAMBOULEYRON, Rafael. Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 56.

13RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da educação brasileira: a organização escolar. 21. ed. [S.

l.]: Autores Associados, 2010. p. 11.

14CHAMBOULEYRON, 2010, p. 97.

15CHAVES, Antonio Marcos. Os significados das crianças indígenas brasileiras (séculos XVI e XVII).

Journal of Human Growth and Development, [s. l.], v. 10, n. 1, p. 1-26, 2000. p.15.

16LÉPORE, Paulo Eduardo. Profissionalização e acesso ao trabalho para os jovens: elementos sociojurídicos. 2014. p. 63.

17ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: (1930:1945). 8. ed. Rio de Janeiro:

Vozes, 1987. p. 37.

18MANUAD, Ana Maria. A vida das crianças de elite durante o Império. In: PRIORE, Mary Del (org.).

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Em contrapartida, é de extrema importância, inclusive para reafirmar as origens da distinção de tratamento para com os negros, verificar que os filhos de escravos, os quais viriam a se tornar úteis à classe dominante, não tinham os mesmos direitos e prerrogativas do que as crianças de elite, apesar de os vínculos fraternos entre as famílias serem extremamente fortes19.

Tal desigualdade se inicia, a partir do momento em que os números revelam uma taxa de mortalidade extremamente grande na população infantil dos filhos de escravos, vez que aqueles “com menos de dez anos de idade correspondiam a um terço dos cativos falecidos, dentre estes, dois terços morriam antes de completar um ano de idade, 80% até os cinco anos” 20.

Além disso, da mesma forma que os pais, as crianças também eram submetidas aos mais diversos tipos de violência, prática que incentivava, inclusive, a realização de aborto voluntário por parte das escravas21. Uma alternativa vista pelas mulheres grávidas, as quais não queriam que seus filhos vivenciassem a realidade cruel que elas estavam inseridas, era a roda dos expostos.

Os dados históricos mostram que a implantação da primeira roda se deu em 1726, em Salvador, e esta consistia em um instrumento cilíndrico no qual as crianças, principalmente recém-nascidas, eram colocadas e davam entrada à Casa dos Enjeitados22.

O destino destas, quando não a morte, vez que os índices de sobrevivência eram extremamente baixos, era permanecer junto a uma família, que lhes proviam condições para um adequado desenvolvimento, sob o apoio financeiro de algumas instituições, até os sete anos de idade. Depois deste período, ou elas eram adotadas pela família, prática extremamente rara, ou continuavam a viver com estes, mas agora

História das crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 140.

19GÓES, José Roberto de; FLORENTINO, Manolo. Crianças escravas, crianças dos escravos. In:

PRIORE, Mart Del (org.). História das crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2010.

p.181.

20GÓES; FLORENTINO, 2010, p. 180.

21ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil: por suas drogas, e minas, com várias noticias curiosas do modo de fazer o assucar, plantar, & beneficiar o tabaco; tirar ouro das minas; & descubrir as da prata; e dos grandes emolumentos, que esta conquista da America meridional dá ao Reyno de Portugal com estes, & outros generos, & contratos reaes. Rio de Janeiro: Deslandesiana, 1711. p.

1201.

22CIVILETTI, Maria Vittoria Pardal. O Cuidado às crianças pequenas no Brasil escravista. Cadernos de Pesquisa, n. 76, p. 31-40, 1991. p. 37.

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de favor, sendo tratados como se adultos fossem23.

Percebe-se, portanto, que “a criança escrava era cria da escravidão”24, tendo, inclusive, à medida que atingiam a idade de aproximadamente seis anos de idade, inúmeras atribuições laborais. Neste sentido, inferiu Debret a partir de relatos realizados quando da sua viagem ao Brasil:

No Rio, como em todas as outras cidades do Brasil, é costume, durante o

“tete-à-tete” de um jantar cojugal, que o marido se ocupe silenciosamente com seus negócios e a mulher se distraia com os negrinhos que substituem os doguezinhos, hoje quase completamente desaparecidos na Europa. Esses molecotes mimados até a idade de cinco ou seis anos, são em seguida entregues à tirania dos outros escravos que os domam a chicotadas e os habituam assim a compartilhar com eles das fadigas e dissabores do trabalho”25.

Paulatinamente, este sistema escravocrata foi sendo extinto, apesar de suas consequências perdurarem até hoje. A partir deste momento, a preocupação em um país, agora republicano26, no que tange ao estudo pretendido neste tópico, passou a ser principalmente com as atitudes de uma parcela de crianças e adolescentes desamparados.

O número de crianças e adolescentes identificados nas ruas “[...] brincando, trabalhando, esmolando, ou mesmo cometendo pequenos furtos [...]”27 aumentou significativamente. Ora, aqueles que até então eram reconhecidos como escravos, passaram a ser filhos ou pais de família repentinamente, sem possuírem condições econômicas e materiais de prover o próprio sustento, bem como da prole.

Entretanto, esta apreensão não estava relacionada com os direitos daquelas crianças e adolescentes que viviam em situações precárias. Em verdade, o poder público tentava evitar ao máximo que os “meninos de rua” influenciassem a sociedade em geral com suas práticas28, que eram caracterizadas por mendicância, prostituição,

23KREUZ, Sergio Luiz. Da convivência familiar da criança e do adolescente na perspectiva do acolhimento institucional: princípios constitucionais, direitos fundamentais e alternativas. Curitiba:

Juruá, 2011. p. 14.

24GÓES; FLORENTINO, 2010, p. 189.

25MOTT, Maria Lúcia de Barros. A criança escrava na literatura de viagens. Cadernos de pesquisa, [s. l.], n. 31, p. 57-68, 1979.p. 61.

26NAPOLITANO, Marcos. História do Brasil República: da queda da monarquia ao fim do Estado Novo. São Paulo: Editora Contexto, 2016. p. 11-12.

27PILOTTI; RIZZINI, 1995, p. 193.

28FERREIRA, Laura Valéria Pinto. Menores desamparados da proclamação da República ao Estado Novo. SIMPÓSIO DO LABORATÓRIO DE HISTÓRIA POLÍTICA E SOCIAL, 1., 2015, Juiz de Fora.

Anais [...]. Juiz de Fora: UFJF, 2015. p. 2.

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vadiagem, delinquência e criminalidade29.

Assim, em que pese a verificação de um problema social em relação a estes jovens que não tinham seus direitos tutelados, vivendo em ambientes inapropriados e cercados de inúmeros tipos de violência, o objetivo do Estado era tão somente corrigi- los, visando que não influenciassem de maneira negativa os demais seres humanos em desenvolvimento, tendo em vista a infância ser a “semente do futuro”30. Em verdade, verifica-se uma tentativa de higienização e saneamento, conforme descreve Irene Rizzini:

A missão ‘saneadora’ do país, no que tange à infância, era elaborada como parte do projeto de construção nacional, desde os primeiros anos de instauração do regime republicano. O discurso predominante contina uma ameaça implícita em suas mensagens; a de que o país seria tomado pela desordem e pela falta de moralidade, se mantivesse a atitude de descaso em relação ao estado de abandono da população, em particular a infância. A proposta tinha uma fórmula extremamente lógica e econômica, adequada ao pensamento de então. Ao proteger a criança, defendia-se o país (do crime, da desordem, etc.). Portanto: ‘salvar a criança era salvar o país’31.

Como maneira de conter a criminalidade, uma das alternativas foi a constituição de inúmeros institutos disciplinares, cujo foco principal era educar os “delinquentes”, mediante um poder de polícia coercitivo e, posteriormente, colocá-los junto ao mercado de trabalho32.

Como se depreende a partir da análise realizada até então, não havia uma compreensão das crianças e dos adolescentes como sujeitos de direitos. Na verdade, verifica-se uma objetificação destes seres em constante evolução, a qual foi intensificada com a elaboração do Código de Menores, em 1927.

Este instrumento normativo, também conhecido como Código de Mello Matos, cuja criação foi influenciada pela experiência prática vivenciada para com os Juizados de Menores33, formalizava a doutrina da situação irregular, em que aqueles com menos de dezoito anos de idade que estivessem expostos, abandonados ou fossem

29MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Meninos e meninas na rua: impasse e dissonância na construção da identidade da criança e do adolescente na República Velha. Revista Brasileira de História, [s. l.], v. 19, n. 37, p. 85-102, 1999.

30SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. Criança e criminalidade no início dos anos XX. In: PRIORE, Mart Del (org.). História das crianças no Brasil. 7. ed. Editora Contexto: São Paulo, 2010. p. 213.

31RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil.

Editora: Cidade, 1997. p. 71.

32KREUZ, 2011. p. 15.

33LÉPORE, 2014, p. 23.

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delinquentes seriam objeto do direito, a fim de se manter a ordem social34.

Em verdade, apenas um grupo seleto de crianças e adolescentes seria de responsabilidade do Estado, e isso se dava ao fato de a preocupação estar calcada no temor das possíveis influências negativas destes jovens à sociedade brasileira.

Nos dizeres de Allyrio Cavallieri, “os menores são sujeitos de direitos quando se encontrarem em estado de patologia social, definida legalmente”35.

Assim, a apreensão não estava direcionada nos direitos das crianças e dos adolescentes, mas sim nas consequências que determinadas atitudes poderiam causar aos adultos – típico adultocentrismo – e à sociedade de maneira geral. Nesse sentido, observa Vicente de Paula Faleiros:

A intervenção do Estado não se realiza como uma forma de universalização de direitos, mas de categorização e exclusão, sem modificar a estratégia de manutenção da criança no trabalho, sem deixar de lado a articulação com o setor privado e sem se combater o clientelismo e autoritarismo. A esfera diretamente poliacilesca do Estado passa a ser assumida/substituída por instituições médicas e jurídicas, com novas formas de intervenção que vão superando a detenção em celas comuns, sem, contudo, fugirem do caráter repressivo36.

Havia, em verdade, uma consideração do “menor” como objeto de compaixão- repressão37, e não destes em sua integralidade, visualizados e tratados como sujeitos de direitos.

Em um contexto de redemocratização, inúmeras frentes populares passaram a defender a necessidade de ser realizada uma nova Constituição, dado queaquela a qual estava em vigor, Constituição de 1967, não mais exprimia a realidade social brasileira. Assim sendo, a Assembleia Nacional Constituinte foi convocada em 198538.

Dentro da atuação do poder constituinte originário, a população se fez amplamente presente mediante as Emendas Populares, nas quais se fazia necessário a obtenção de 30 mil assinaturas para que a proposta defendida fosse votada pela assembleia.

34BRASIL. Decreto n° 17.943 – A, de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistencia e protecção a menores. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República, 1927. Artigos 14ss, 26 e 69ss.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm. Acesso em: 12 abr. 2021

35RIZZINI, 1997, p. 70.

36RIZZINI, 1997, p. 49.

37MENDEZ, 2000 apud KREUZ, 2011, p. 139.

38BRASIL. Senado Federal. Ulysses: Constituição será do povo: promulgação da emenda convocando Constituinte foi aplaudida de pé. Brasília: Correio Braziliense, 1985. Disponível em:

http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/113675. Acesso em: 10 maio 2021.

(22)

Foi o que aconteceu com a Comissão Nacional Criança e Adolescente, a qual alcançou 1.200.000 assinaturas39, tendo, portanto, este tema a atenção por parte dos membros da assembleia, os quais se comprometeram defender ao longo da elaboração da Constituição os direitos das crianças e adolescentes que corriam sérios riscos de restarem, mais uma vez, esquecidos.40

Dessa maneira, em 05 de outubro de 1988, com a promulgação da Constituição Federal da República, houve a instauração de um direito infanto-juvenil completamente distinto daquele que se fazia presente nos instrumentos normativos brasileiros, declarando em seu artigo 227 como sendo

dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A partir deste momento, o foco daqueles que integravam a sociedade passou a ser as crianças e adolescentes, não sendo realizada qualquer distinção, ou então, seleção daqueles que mereceriam mais ou menos atenção estatal.

Composta pela perfeita junção da visão da criança e adolescente como sujeitos de direito, destinatários de absoluta prioridade em razão do seu desenvolvimento, assenta-se um verdadeiro paradigma, em que “não há mais uma dualidade no ordenamento jurídico envolvendo a coletividade de crianças e adolescentes ou a categoria de crianças e adolescentes41”, isto é, deixa de haver o binômio e a consequente tentativa de encaixar os protegidos em categorias de regulares e irregulares.

À rimo das criações legislativas que estavam sendo produzidas no país, muito influenciadas por organismos internacionais atuantes na área dos direitos humanos42, fazia-se necessário a criação de um instrumento legal que abarcasse “os direitos da

39PILOTTI, Francisco J.; RIZZINI, Irene (ed.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. [S. l.]: Instituto Interamericano del Niño, 1995. p. 75.

40PRIORIDADE ABSOLUTA. 32 anos do artigo que determina que crianças e adolescentes sejam considerados prioridade absoluta do país. [S. l.]: Prioridade absoluta, 2020. Disponível em:

https://prioridadeabsoluta.org.br/noticias/32-anos-artigo-227/. Acesso em: 10 maio 2021.

41MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos. 1. ed. Barueri: Manole, 2003. p. 146.

42PILOTTI; RIZZINI, 1995, p. 310.

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criança e do adolescente já em forma de diretrizes gerais para uma política nessa área”43.

Assim sendo, em julho de 1990, houve a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que revogou o Código de Menores de 1979, instaurando, de maneira expressa, já no seu primeiro artigo, a doutrina da proteção integral, a qual, em linhas gerais, de acordo com Irene Rizzini, objetivou

[...] romper com a ótica e prática estigmatizantes e excludentes que indiciam, em ampla escala, sobre a infância pobre, objeto precípuo das políticas de controle social, exercitadas com o auxílio de asilos, preventórios, internatos, patronatos e presídios, como registra, fartamente, a historiografia sobre o tema44.

Significava, portanto, que o referido Estatuto inaugurava um momento do direito infanto-juvenil em que crianças e adolescentes passaram a ser vistos e tratados como sujeitos de direitos em todas as áreas de suas vidas, sendo incabível qualquer forma de discriminação45. Além disso, seus direitos passaram a ser resguardados a partir da atuação vigilante da família, sociedade e do Estado46.

Em verdade, há o reconhecimento, em que pese tardio, destes como sendo protagonistas de suas próprias histórias, em que se “afirma o valor intrínseco da criança como ser humano e a necessidade especial de respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento”47.

Juntamente com a doutrina da proteção integral, houve a estruturação de inúmeros princípios basilares para que o projeto objetivado tanto pela Constituição Federal como também pela Lei 8.069 fosse efetivado, e demonstrasse modificações na sociedade. Dentre eles, merecem destaque os princípios da prioridade absoluta, convivência familiar e melhor interesse da criança e do adolescente.

Entretanto, em que pese a ampla proteção legal conferida aos vulneráveis, afirmando que estes possuem o direito à proteção pelo fato de estarem em desenvolvimento, sendo enquadrados como sujeitos de direitos, na prática inúmeras ações assistencialistas, menoristas e adultocêntricas são verificadas48. Ainda há a

43PILOTTI; RIZZINI, 1995, p. 81.

44PILOTTI; RIZZINI, 1995, p. 323.

45BRASIL, 1990, Art. 3, parágrafo único.

46LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias.11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 46.

47COSTA, 1992 apud PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 91.

48ALMEIDA, Maria Juliana Andrade; COSTA, Nina Rosa do Amaral. Desafios da adoção na atualidade.

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prevalência, mesmo que velada, dos interesses dos adultos.

Tal situação apontava para a necessidade de uma atuação ampla daqueles sujeitos elencados no artigo quarto da Lei 8. 069, isto é, família, comunidade e sociedade em geral de ombrearem uma efetiva mudança, principalmente na maneira de o corpo coletivo enxergar as crianças e adolescentes49.

2.2 ADOÇÃO AO LONGO DOS ANOS: ORIGENS, SUPORTE LEGAL E FATORES MOTIVADORES

A prática da adoção remonta a própria existência de crianças e adolescentes no mundo. Assim, apesar de em tempos passados não ser reconhecida por este nome, o ato de pessoas que não são pais biológicos reconhecer como filho aquele ser humano que na maior parte das vezes se encontra em situação de vulnerabilidade, lhe provendo todas as condições necessárias para um adequado desenvolvimento, é longevo e habitual50.

Acredita-se que os primeiros registros históricos em que se relata a ocorrência da adoção estão nos escritos bíblicos, não sendo incomum identificar a aplicação deste costume ao longo de sua leitura. Talvez, a história que mais seja reproduzida e conhecida acerca do tema é a de Moisés, que foi abandonado, quando recém- nascido, por seus genitores em um cesto de vime no Nilo, tendo sido encontrado pela filha do faraó, a qual o adotou51.

Também no Código de Hamurabi, cuja vigência se deu aproximadamente em 1700 a. C, havia um capítulo direcionado a este instituto, intitulado como “Adoção, ofensas parentais e subserviência”. Entre os artigos 185 e 195, há diversas previsões estabelecendo as regras gerais do ato. Certamente, estes instrumentos normativos eram caracterizados por um caráter revogável, sempre direcionando o olhar aos interesses dos adultos52.

Investigação, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 81-90, 2009. p. 84.

49RIZZINI; BARKER; CASSANIGA, 1999, p. 6.

50PAIVA, Leila Dutra. Adoção: significados e possibilidades. 2. ed. Casa do Psicólogo: São Paulo, 2008. p. 35.

51BÍBLIA, A. T. Êxodo. In: BÍBLIA. Bíblia Sagrada: nova versão internacional. Tradução de comissão de tradução da sociedade bíblica internacional. São Paulo: Editora Geográfica, 2000. p. 42.

52SÃO PAULO. Polícia Militar do Estado de São Paulo. Código de Hamurábi. São Paulo: PMSP, [20-

-?]. Disponível em:

http://www4.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/dpcdh/Normas_Direitos_Humanos/C%C3%93DIGO%2 0DE%20HAMURABI.pdf. Acesso em: 17 set. 2021.

(25)

Ainda, há registros sobre a utilização da adoção na antiguidade greco-romana como maneira de perpetuar os cultos aos mortos, que era de extrema valia para estes povos. Assim, apenas aqueles que não podiam ter filhos biológicos adotavam crianças ou adolescentes a fim de manter vívida a cultura, “funcionando para as famílias como último recurso para escapar à temida desgraça da extinção dos cultos domésticos”53.

Principalmente na Idade Média, verifica-se uma valorização cada vez maior dos vínculos sanguíneos, de modo que os registros acerca da adoção se tornaram escassos, e quando presentes, não conferiam direitos aos adotados.

Esta redução foi amplamente influenciada em razão do poder exercido pela Igreja, que não desejava o reconhecimento de filhos incestuosos, e acreditava ser a adoção um meio para tanto, bem como se aprazia dos recursos financeiros daqueles que não tinham herdeiros54.

É apenas na Idade Moderna que se observa um retorno amplo do instituto da adoção, muito influenciada pelo Código Napoleônico, o qual foi responsável pela estruturação de inúmeras regras para a prática deste feito. Registros históricos revelam que a ampla atenção dada pelo “Code” foi motivada pelo fato de a primeira esposa de Napoleão Bonaparte ser estéril.Dessa forma, o estadista focou muito de sua atenção para que o filho adotado tivesse os mesmos direitos dos biológicos55.

Com a ocorrência de duas grandes guerras – primeira e segunda guerra mundial56 –, em que o número de órfãos aumentou significativamente, bem como em razão da ampla discussão em organismos internacionais acerca dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, pautados na dignidade da pessoa humana, percebe-se uma tentativa gradual de modificação deste instituto.

Assim, o foco deixa de ser a utilização da adoção como ferramenta para solucionar problemas de casais que não puderam ter filhos de maneira biológica, e passa a ser, pelo menos na teoria, uma alternativa para que crianças tenham uma família57.

Da mesma maneira que nos demais países, no Brasil também se verifica, ao

53PAIVA, 2008, p. 37.

54SILVA FILHO, Artur Marques da. O regime jurídico da adoção estatutária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 24.

55PAIVA, 2008, p. 39.

56PAIVA, 2008, p. 40.

57WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Famílias adotivas e mitos sobre laço de sangue. Curitiba:

UPFR, 1996. p. 1. Disponível em: http://www.nac.ufpr.br/wp- content/uploads/2016/07/1996_Familias_adotivas_e_mitos_sob_relacoes_de_sangue.pdf. Acesso em: 12 abr. 2021.

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longo da história, a ampla existência da prática da adoção, a qual perdura até os dias de hoje – com uma teoria muito mais refinada e dedicada à efetivação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Conforme relatado anteriormente, prevaleceu durante muito tempo neste país um foco para as crianças e adolescentes arraigado em um viés assistencialista e paternalista, cujo objetivo não era a solução dos problemas, mas sim o seu enfrentamento superficial para causar um sentimento benéfico àqueles que ajudavam.

A partir da análise do instituto da adoção no Brasil, verifica-se ter sido “através da possibilidade de trabalhadores baratos e da caridade cristã que a prática da adoção foi construída no país [...] não havia um interesse genuíno de cuidado pela criança necessitada ou abandonada”58.

Dessa forma, até a elaboração de uma legislação acerca do tema, que aconteceu apenas em meados do século XIX, era extremamente comum que os adultos pegassem crianças deixadas na roda dos expostos e as criassem.

Contudo, este status de “filhos de criação” não concedia aos protegidos nenhum direito, e havia uma distinção no tratamento destes para com os filhos biológicos. Nesse sentido, infere Maria Luiza Marcílio, em sua obra História Social da Criança Abandonada que

[...] antes da instituição legal da adoção plena (1979), a situação dos filhos de criação no âmbito das famílias sempre foi muito ambígua. Ora eram aceitos como filhos da família, ora se confundiam com serviçais da casa onde eram criados. Em todo caso, raramente partilhavam com os filhos naturais a herança do patrimônio familiar59.

Apesar de haver outros instrumentos normativos tratando acerca da adoção, é apenas com o Código Civil de 1916 que há uma ampla regulamentação do tema60.

Este Código, inteiramente fundamentado em ideais patriarcais e adultocentristas, em que não se valorava o melhor interesse da criança e do adolescente, estabeleceu que apenas aqueles com mais de cinquenta anos e que não tivessem filhos eram aptos a adotar.

Além disso, a diferença de idade entre adotante e adotado necessitava ser igual

58BARBOSA, Ana Andréa Maux; DUTRA, Elza. A adoção no Brasil: algumas reflexões. Estudos e pesquisas em psicológica, [s. l.], v. 10, n. 2, p. 356-372, 2010. p. 5.

59MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998. p. 139.

60BELIVACQUA, Clovis. Adopção antes do Código Civil: soluções práticas de direito (pareceres). Rio de Janeiro: Correa Bastos, 1923. p. 23.

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ou superior a dezoito anos de idade. A adoção, formalizada através de instrumento público, poderia ser revogada, não havendo, portanto, qualquer segurança jurídica.

Os parâmetros etários foram alterados com a publicação da Lei Nº 3.133 de 1957, a qual modificou a idade mínima do adotante para trinta anos, independentemente de ter ou não filhos biológicos. Além disso, estes necessitavam estar casados há pelo menos cinco, e a diferença de idade entre adotado e adotante não poderia ser inferior de dezesseis anos.

Entretanto, até aqui, a forma com que a adoção se estruturava no país estava extremamente associada ao direito sucessório, sempre visando proteger os interesses dos, então denominados, filhos legítimos61, isso porque, caso o adotante já possuísse filhos quando da efetivação da adoção, não haveria de se falar em direitos sucessórios para aquele que viria a integrar a família através de meios civis, posto que todos os direitos eram repassados ao filho biológico. Além disso, nas situações em que, após a efetivação da adoção, o casal viesse a ter filhos por meios biológicos, o filho adotado apenas teria direito à metade do patrimônio conferido aos legítimos62.

Um grande avanço foi identificado com a Lei 4. 655, que conferiu à adoção seu caráter de irrevogabilidade. Entretanto, este status apenas existia naquelas situações em que o sujeito adotado tivesse até sete anos de idade ou fosse órfão de pais desconhecidos. Outrossim, os direitos sucessórios eram limitados, ficando condicionados à existência de filhos biológicos63.

Com a elaboração do Código de Menores, em 1979, cujas origens e preceitos foram brevemente traçados no tópico anterior, o instituto da adoção foi ramificado, vez que fora legislado acerca da adoção plena e a adoção simples. A primeira rompia com todos os vínculos do adotado para com a família natural, o qual, via de regra, não poderia ter mais de sete anos de idade. Já a segunda, era direcionada àqueles que se encontravam em situação irregular, sendo revogável64.

Percebe-se que o princípio da igualdade entre os filhos não prevalecia no ordenamento jurídico brasileiro, muito pelo contrário, havia uma severa distinção entre

61MARCÍLIO, 1998, p. 302.

62BRASIL. Lei N. 3.133, de 8 de maio de 1957. Atualiza o instituto da adoção prescrita no Código Civil.

Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República, 1957. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l3133.htm. Acesso em: 12 abr. 2021.

63BARBOSA; DUTRA, 2010, p. 6.

64BRASIL. Lei N. 6.697, de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Brasília, DF:

Presidência da República, 1979. Disponível em: BRASIL. Lei N. 6.697, de 10 de outubro de 1979.

Institui o Código de Menores. Brasília, DF: Presidência da República, 1979. Disponível em:

http://www.planalto .gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/l6697.htm. Acesso em: 13 abr. 2021.

(28)

os “filhos biológicos” e os “filhos de criação/adotivos”.

Foi apenas com a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, que se verifica a aplicação máxima deste princípio e direito, ao enunciar no artigo 227, §7º que “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas aos filhos”.

Outrossim, há uma tentativa por parte do legislador, bem como de toda a comunidade acadêmica, a fim de mudar o paradigma social existente em relação à adoção, posto que, historicamente, foi tratada como meio para satisfazer aos interesses dos adultos e não como fim para proteger as crianças e os adolescentes.

Nesse sentido, aponta Rolf Madaleno que:

Os filhos adotivos já representaram uma forma de realização dos desejos para pessoas, matrimônios ou uniões estáveis sem descendência; com o advento da doutrina dos melhores interesses das crianças e dos adolescentes, também no instituto da adoção a prioridade deixou de ser realização pessoal dos adotantes e passou a prestigiar os interesses superiores da criança e do adolescente, substancialmente integrado em uma célula familiar, capaz de proporcionar efetiva felicidade ao adotado65.

Certamente, as expectativas depositadas nestes instrumentos legais foram e continuam sendo singulares, visando, cada vez mais, alcançar uma sociedade em que todas as crianças e adolescentes, sem exceção, possuam uma ampla proteção daqueles que integram o corpo coletivo e sejam percebidas, e conferido o devido tratamento, como sujeitos de direitos.

O propósito é que esta mesma linha de pensamento seja aplicada amplamente, ainda no início do caminho a ser percorrido no ato de adotar. Ou seja, neste ato jurídico em sentido estrito66, é extremamente importante que a atenção esteja direcionada àqueles que ainda não completaram dezoito anos de idade, sempre sendo orientado pelos princípios balizadores do ordenamento jurídico infanto-juvenil.

Lamentavelmente, em que pese as tentativas em inverter o grau de importância, sendo a adoção direcionada, primeiramente, para atender aos interesses das crianças e adolescentes, ainda hoje verifica-se o contrário. Fante e Cassab afirmam que:

65MADALENO, Rolf. Direito de Família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 687.

66DIAS, 2016, p. 792.

(29)

Assim, percebemos, claramente, que a adoção ainda é vista como uma ação voltada para satisfazer os requerentes da adoção. O ideal de criança e adolescente privilegiado é o de origem branca, em perfeitas condições de saúde, que não apresente nenhum componente hereditário ou genético que ressalte suas raízes67.

Há uma incompatibilidade, são futuros pais em uma busca desenfreada por filhos que se enquadrem em um sonho ideal e terreno, pouco abertos à realização de mudanças neste padrão pré-definido arraigado de preconceitos e desinformação. Em contrapartida, há milhares de crianças e adolescentes institucionalizados, à espera do momento em que alguém irá aceitá-los e escolhê-los, do seu próprio modo.

67CASSAB, Latif Antonia; FANTE, Ana Paula. Convivência Familiar: um direito à criança e adolescente institucionalizado. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 154-174, 2007. p 169.

(30)

3 DO PROCEDIMENTO DA ADOÇÃO: TRÂMITE E OBJETIFICAÇÃO

Para realizar a análise pretendida neste estudo, é necessário compreender todos os aspectos envolvidos com o ato de adotar, os quais são multidisciplinares.

Assim, não se mostra suficiente reunir dados que são extremamente importantes para a compreensão da realidade, sem entender e interpretá-los, buscando o real motivo para a existência de um determinado padrão.

Inicialmente, a compreensão do regramento legal da adoção no país é necessária, além de extremamente importante, para que seja possível verificar em que momento as características dos futuros filhos são escolhidas e idealizadas no imaginário adultocêntrico.

Em seguida, far-se-á uma ponderação acerca da objetificação das crianças e dos adolescentes, constatando, a partir da análise de informações disponibilizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), se ainda se fazem presentes na sociedade comportamentos derivados de uma redução dos vulneráveis a objetos, cuja principal função seria satisfazer os interesses e sonhos dos adultos na adoção.

3.1 DA HABILITAÇÃO À SENTENÇA JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO

Tratar acerca do procedimento da adoção é de suma importância para que seja possível perceber em que momento a seletividade em relação ao padrão dos adotados acontece, ou então, é exteriorizada, bem como quais são os atos existentes neste percurso, e que devem, obrigatoriamente, ser perpassados.

Os instrumentos normativos que disciplinam esta temática são o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei da Adoção, tal como algumas resoluções do Conselho Nacional de Justiça, dentre elas, merece destaque a Resolução nº 289 de 201968. Dessa forma, a exposição aqui realizada, sempre em congruência com a Constituição Federal, envolverá de maneira heterogênea todas estas normas.

O ordenamento jurídico brasileiro prevê duas modalidades de adoção, a daqueles que possuem mais de dezoito anos de idade, cuja competência para processar a ação é da Vara da Família, e dos menores de dezoito anos69.

A adoção destes últimos, isto é, crianças e adolescentes, via de regra, deve

68TARTUCE, Flávio. Direito de Família. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 470.

69MADALENO, 2021, p. 689.

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respeitar o Cadastro Nacional de Adoção, ou seja, os pretendentes, devidamente habilitados, estão sujeitos à ordem cronológica do registro, considerando os parâmetros traçados acerca do perfil da criança ou adolescente que se pretende adotar70.

Esta imposição, e consequente organização legal, existe por força do princípio da igualdade. Todosaqueles que têm como objetivo adotar estarão sujeitos ao mesmo procedimento, sendo incabível qualquer forma de ludibriação a fim de obter vantagens temporais.

As únicas situações em que a lei não exige a prévia inscrição no cadastro estão expressas no Estatuto da Criança e do Adolescente71, sendo bem únicas, e tendo como objetivo que os protegidos estejam na companhia de pessoas com as quais já nutrem um vínculo extremamente forte. As hipóteses excepcionais são: I) adoção unilateral; II) quando é formulada por um parente com o qual a criança mantenha vínculos de afinidade e afetividade; e III) nas situações em que o pretendente detém a guarda ou tutela da criança maior de três anos ou adolescente há um lapso temporal considerável, não sendo verificada qualquer hipótese de má-fé.

Tendo em vista que o objetivo deste trabalho é realizar uma análise da incompatibilidade existente entre as crianças e adolescentes disponíveis à adoção e o perfil ansiado pelos pretendentes, o estudo a ser realizado acerca do trâmite da adoção recairá nas situações em que uma pessoa se dirige até à Vara da Infância e Juventude da sua comarca a fim de dar entrada no registro para adoção. Significa, portanto, que a atenção recairá nos casos em que não há um prévio conhecimento, a criança ou adolescente, isto é, os adultos irão conhecer o futuro filho no decorrer do procedimento.

A primeira etapa que compõe este microssistema é a habilitação à adoção, a qual é dotada de um rigor formal acentuado. A petição inicial deverá ser protocolada junto ao Juizado da Infância e da Juventude da comarca em que os postulantes residem, acompanhada, para além dos documentos pessoais dos pretendentes, de

70BRASIL, 1990, Art. 50.

71Artigo 50, §13º do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: I - Se tratar de pedido de adoção unilateral; II - For formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei”.

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atestado de sanidade física e mental, certidão de antecedentes criminais e certidão de negativa de distribuição cível72.

Recebida a ação, cujo prazo máximo para a conclusão é de 120 (cento e vinte) dias, podendo ser prorrogável por igual período73, o juiz determinará as diligências necessárias, dentre elas a remessa dos autos ao Ministério Público74, para que requeira o que entender cabível.

Vale destacar que este é o momento em que o poder judiciário irá averiguar as condições daqueles que se propõem a adotar. Isso será feito, obrigatoriamente, com o auxílio da equipe multidisciplinar, a qual deverá apresentar relatório com “subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável [...]”75.

Assim sendo, uma vez verificada a possibilidade dos postulantes em praticarem este ato que “recria vínculos afetivos para a criança privada da sua família76”, a habilitação será deferida, e os pretendentes são inclusos no Cadastro Nacional de Adoção77.

É de suma importância perceber que, neste momento, o magistrado, com o auxílio da equipe multidisciplinar, terá que verificar quais são os reais motivos pelos quais os postulantes pretendem adotar, isso porque é incabível a prática deste ato para a satisfação de um desejo pessoal, ou então com o intuito de salvação. Nos dizeres de Silvana do Monte Moreira:

A adoção não busca repor o filho morto, substituir o filho não gerado ou, ainda, salvar uma relação falida. O filho por adoção não pode vir por medo

72ROSA, Corado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo. 8. ed. Salvador: JusPODIVM, 2021.

p. 470.

73Artigo 197-F do Estatuto da Criança e do Adolescente: “O prazo máximo para conclusão da habilitação à adoção será de 120 (cento e vinte) dias, prorrogável por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária”.

74Artigo 197-B do Estatuto da Criança e do Adolescente: “A autoridade judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, dará vista dos autos ao Ministério Público, que no prazo de 5 (cinco) dias poderá: I - apresentar quesitos a serem respondidos pela equipe interprofissional encarregada de elaborar o estudo técnico a que se refere o art. 197-C desta Lei; II - requerer a designação de audiência para oitiva dos postulantes em juízo e testemunhas; III - requerer a juntada de documentos complementares e a realização de outras diligências que entender necessárias”.

75 Artigo 197-C do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei”.

76ROSA, 2021, p. 461.

77SARTO, Itala Sandra Del. A escuta no tempo de espera pela adoção. In: MOREIRA, Silvana do Monte.

Adoção: desconstruindo mitos, entre laços e entrelaços. Curitiba: Juruá, 2020. p. 174.

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