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DA OBJETIFICAÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES E PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS ADULTOS

3 DO PROCEDIMENTO DA ADOÇÃO: TRÂMITE E OBJETIFICAÇÃO

3.2 DA OBJETIFICAÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES E PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS ADULTOS

O último diagnóstico realizado pelo CNJ acerca do Sistema Nacional de Adoção e acolhimento institucional constatou, ao examinar as informações registradas no

103 MADALENO, 2021, p. 736.

104 Artigo 47, §1º do Estatuto da Criança e do Adolescente: “O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. § 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes”.

105 Artigo 47, §§ 5º e 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente: “A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome.” e

“Caso a modificação de prenome seja requerida pelo adotante, é obrigatória a oitiva do adotando, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei.

106 DIAS, 2016, p. 803.

SNA, entre os períodos de outubro de 2019 e maio de 2020, que há aproximadamente pretendentes do que crianças passíveis de serem adotadas108.

Entretanto, há a necessidade de contemplar os inúmeros filtros impostos pelos postulantes quando da definição do perfil do futuro filho. Dentre eles, merecem destaque fatores como a idade, problemas de saúde, raça, etnia e pertencimento a grupo de irmãos109, justamente por serem aqueles que mais se destacam nas permaneçam mais tempo institucionalizados, diminuindo as chances de serem colocados em família substituta, uma vez que, quanto mais “velhos”

ficam, mais aumentam as dificuldades para o retorno ao convívio familiar110.

Assim, em razão das inúmeras e minuciosas exigências, o Conselho Nacional de Justiça apresentou, em seu último relatório nacional, que das cinco mil e vinte e seis (5.026) crianças e adolescentes disponíveis à adoção, apenas 69% estão vinculadas com alguma família, de modo que outras mil e quinhentos e quarenta e oito (1.548) sequer possuem um eventual aspirante para parentar. Em verdade,

[...] os candidatos à adoção não chegam preparados para receber um filho.

Na realidade, eles querem o ideal, um aperfeiçoamento e, em razão disso, as filas de crianças e de adolescentes disponíveis são imensas, uma vez que não apresentam esse ideal111.

107 BRASIL, 2020, p. 55.

108 A fim de trazer resultados atualizados para esta pesquisa, bem como demonstrar que esta é uma realidade que se perpetua no tempo, não sendo um acontecimento isolado, atualmente, existem 32.769 pretendentes habilitados e 4.291 crianças e adolescentes disponíveis. Cf.: BRASIL.

Conselho Nacional de Justiça. Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. Brasília: CNJ, [2021].

Disponível em: https://www.cnj.jus.br/sna/estatisticas.jsp. Acesso em: 17 jun. 2021.

109 NAKAMURA, Carlos Renato. Criança e adolescente: sujeito ou objeto da adoção? Reflexões sobre menorismo e proteção integral. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 134, p. 179-197, 2019.

p.182.

110 CASSAB; FANTE, 2007, p. 171.

111 SILVEIRA, Ana Maria da. Adoção de crianças negras: inclusão ou exclusão? São Paulo: Veras, 2005. p. 114.

Certamente, este desequilíbrio gera uma disparidade enorme, de maneira que uma “grande quantidade de crianças maiores continua sem família, enquanto os cadastros de candidatos à adoção pleiteiam bebês. As crianças maiores ficam à espera de pais, e os pais à espera de bebês”112.

Conforme relatado anteriormente, um dos passos a serem seguidos por aqueles que se propõem a adotar é o preenchimento de um formulário, no qual inúmeras informações em relação ao filho desejado são coletadas. Ainda na realização do pré-cadastro, disponível no site do CNJ113, para além das informações pessoais colhidas, os adultos devem responder a inúmeros questionamentos, objetivos e diretos, acerca das “características da criança/adolescente” que se pretende a adotar. Esta etapa é importante à medida que possibilita um direcionamento dos adotantes.

Dentre as perguntas que precisam ser respondidas, destacam-se: i) idade mínima e idade máxima aceita; ii) quantidade máxima a ser adotada; iii) gênero, podendo optar entre “feminino”, “masculino” ou “sem preferência”; iv) condição de saúde, isto é, se aceita que o futuro filho tenha deficiências físicas, mentais ou infectocontagiosas; v) concordância em adotar irmãos; e vi) etnias aceitas, estando disponível, caso haja alguma preferência, para a escolha entre: ‘amarela’, ‘branca’,

“indígena, “preta”, “parda” ou “não informada”.

Verifica-se, a partir das inúmeras exigências apresentadas, que a seleção, e consequente exclusão, é iniciada ainda na pré-inscrição. Além disso, características físicas preponderam quanto àescolha, sendo apenas mais um dos exemplos de como nessa sociedade atual (do consumo, do egoísmo e das aparências) privilegia o exterior em detrimento ao interior.

Weber, ao analisar esta tendência de exclusão, observa que não há o objetivo no país, por parte dos postulantes, em tão somente adotar, isto é, subverter a ordem da natureza, em que o afeto se mostra mais importante do que os vínculos biológicos114, independentemente da idade, vivências passadas, raça, etnia e doenças.

112 EBRAHIN, Surama Gusmão. Adoção tardia: Altruísmo. Maturidade e Estabilidade Emocional.

Psicologia: Reflexão e Crítica, [s. l.], v. 14, n. 1, p. 73-80, 2001. p. 74.

113 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Sistema Nacional de Adoção. Pré-Cadastro. Brasília: CNJ, [2021]. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/sna/precadastro.jsp. Acesso em: 17 jun. 2021.

114 WEBER, 2011, p. 17.

Trata-se, em verdade, de adotar uma criança com características determinadas, que correspondam as expectativas dos adultos, como se um boneco fosse, e caso não seja encontrado algum ser humano com aquelas características específicas, desiste-se do processo.

Nesta linha de intelecção, constatando que a adoção só é realizada caso satisfaça aos interesses dos pretendentes, os quais muitas das vezes são carregados de preconceitos, a pesquisadora observa não haver no país a prática de uma adoção autêntica e livre de estereótipos, mas sim uma adoção pré-determinada. Veja-se:

[...] se uma cultura da adoção já alcançasse a sociedade totalmente, esta escolha poderia ser o desejo de adotar de igual modo, uma criança, branca ou negra, uma criança saudável ou portadora de deficiências físicas ou mentais (sendo estas crianças portadoras de deficiências físicas ou mentais as mais necessitadas de um meio familiar compreensivo e acolhedor). Pois, qualquer criança, sem discriminação, tem o direito de desfrutar do convívio familiar; pois este é o ambiente mais adequado para que possa desenvolver-se plenamente115.

Esta seleção de um “filho ideal” que impõe inúmeros obstáculos para a efetivação do princípio da convivência familiar, expresso na Constituição Federal, é extremamente gravosa, vez que, para além de objetificar a criança ou o adolescente e fazer valer os interesses e preferências dos adultos, gera uma dissonância muito grande. Isso porque inúmeras crianças e adolescentes que não se encaixam no padrão permanecem acolhidas enquanto há um número expressivo de pretendentes aguardando alguém compatível com seu perfil.

A prática de escolher as características do futuro filho é comparada por alguns autores com os pedidos em redes de fast food116. Posto que se preenche um formulário assinalando os atributos desejados e aqueles não tão apreciados, em que ao invés de fazer o pedido com determinado molho e sem alfaces, se solicita, por exemplo, uma criança de até dois anos de idade, do sexo feminino, branca, com nenhuma doença e sem irmãos, e o objetivo é que, ao final, seu pedido venha conforme requerido, em um tempo razoável e sem defeitos, atendendo aos interesses dos adultos por completo.

Neste sentido, criticando a constante escolha, julgamento e tentativa de realização de sonhos pessoais através de uma criança, Varela afirma que:

115 WEBER, 2014, p. 87.

116 MOREIRA, 2020, p. 29.

Na adoção, não pode haver escolha da criança, desta ou daquela forma, desta ou daquela cor, tamanho, saúde etc. Criança não é objeto, não é mercadoria que se pode apalpar ou rejeitar quando apresentar algum problema ou defeito117.

Pretendendo constatar qual a importância para os pretendentes em escolherem a criança que se objetiva adotar, Weber, em uma pesquisa realizada no ano de 2003 acerca da temática da adoção, no município de Curitiba, concluiu que 72% dos entrevistados acreditavamque seria melhor se aqueles que pretendessem adotar pudessem escolher a criança ou adolescente118, da mesma forma que alguém opta por um calçado com ou sem salto. Este número é bastante expressivo, e novamente atesta para quem a adoção vem sendo direcionada e aos interesses e desejos de quem ela atende. Em contrapartida, também evidencia a maneira pela qual crianças e adolescentes são tratados: objetos que precisam ser escolhidos e agradar todos os interesses dos postulantes.

Toda esta objetificação restou materializada em um desfile realizado no ano de 2019, em um shopping no município de Cuiabá-MT. O evento, intitulado “Adoção na Passarela”, teve como objetivo anunciar para a sociedade 18 adolescentes disponíveis à adoção. O ato contou com a presença de aproximadamente duzentos espectadores, a maioria deles interessados em adotar, e consistiu, literalmente, em um desfile119.

Certamente, as críticas realizadas a este episódio foram diversas, não só por ter sido realizado em um ambiente tipicamente comercial, o que transpareceu uma ideia de mercantilização, mas também pela necessidade de jovens, que objetivam ter uma família, se exporem desta forma, aspirando conquistar a atenção, através de sua imagem, de um futuro pretendente. Lamentavelmente, este acontecimento tão somente retratou, dada as devidas proporções, a forma que crianças e adolescentes disponíveis à adoção que não se encaixam no perfil são tratados na sociedade.

É curioso perceber, mais uma vez, há a demonstração da criança e do adolescente não como protagonistas de suas próprias histórias, mas sim na figura de

117 VARELA, 1998 apud RUFINO, Silvana. Uma realidade fragmentada: a adoção inter-racial e os desafios da formação. Katálysis, Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 79-88, 2002. p. 5.

118 WEBER, 2014, p. 87.

119 LEMOS, Vinícius. “Adoção na passarela”: o desfile de adolescentes que gerou revolta nas redes sociais. Cuiabá: BBC News Brasil, 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-48374660. Acesso em 18 jun. 2021.

coadjuvantes, como o ato de adotar está condicionado à movimentação e anseio dos adultos.

Ora, para que seja possível conferir uma família e, consequentemente, um lar àqueles seres humanos institucionalizados, há, necessariamente, que haver uma contrapartida, isto é, uma manifestação de vontade dos adultos, não dependendo apenas delas, e da enorme vontade em ter amor, carinho, zelo e um ambiente familiar digno para o desenvolvimento.

Não há dúvidas de que se esta fosse uma escolha a ser tomada pelas crianças e adolescentes, a maioria, se não a totalidade, já estaria em uma casa, na companhia de pais que lhes proporcionem condições ideais para um ser humano se desenvolver.

É muito frequente, no dia a dia de crianças e adolescentes institucionalizados, estes manifestarem aos profissionais da equipe técnica o anseio em serem adotados.

Entretanto, manifestam também o constante sentimento de rejeição a que são submetidos.

Sousa, supervisor da seção de colocação em família substituta da Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, relata em um artigo, intitulado “Quero ser adotado, mas ninguém me aceita”, a história que é extremamente recorrente de um adolescente de quinze anos, o qual foi informado acerca da colocação em família substituta de sua irmã, de dois anos de idade120. Entretanto, ao mesmo tempo em que esta notícia foi dada, o jovem foi informado que ele permaneceria na unidade institucional, sem prazo para de lá sair, tendo em vista nenhum dos habilitados terem manifestado interesse em lhe adotar, inclusive, aqueles que estavam no processo de adoção de sua irmã.

Outrossim, merece destaque o fato de não se observar este comportamento seletivo nas crianças e adolescentes. Eles tão somente objetivam ser inclusos em uma família, independentemente da característica dos futuros pais. A conclusão de Weber, em uma pesquisa realizada com crianças institucionalizadas, foi de que “elas não pensam muito em características físicas, mas em como seriam inseridos dentro da família”121. Mais uma vez, verifica-se o quanto o crescimento, e contato com preconceitos, torna as pessoas intolerantes e seletivas, dando muito mais importância

120SOUSA, Walter Gomes da. Quero ser adotado, mas ninguém me aceita. Brasília: TJDFT, [2016].

Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/informacoes/infancia-e-juventude/publicacoes-textos-e-artigos/textos-e-artigos/201cquero-ser-adotado-mas-ninguem-me-aceita201d. Acesso em: 15 jun.

2021.

121 WEBER, 2014, p. 53.

a aspectos físicos e externos.

O ato de escolher as características do futuro filho transparece a conduta de uma população carregada de um viés adultocêntrico. O adulto escolhe o que será melhor dentro da sua realidade, isto é, que perfil se encaixará mais adequadamente tanto em sua vida, como também em suas concepções e preconceitos, independentemente do fato de a conta não fechar, e inúmeras crianças e jovens continuarem sem uma família. Ora, na consciência coletiva, o que é importa é aquilo que o adulto quer, o qual já estaria “fazendo demais” com esta atitude “benevolente”.

Nesta toada, é importante ressalvar que em momento algum se pretende criticar as adoções que acontecem com frequência no país. Certamente, o fato de inúmeras crianças serem colocadas em famílias substitutas é extremamente importante e necessário, e com toda a certeza, os juízes e a rede de proteção, quando do deferimento da adoção, verificam com muito esmero se esta será a medida que melhor atenderá ao interesse daquela determinada criança. Além disso, merece destaque o fato de o número de adoções terem aumentado significativamente no país, especialmente, no Estado do Paraná122.

O ponto que precisa ser analisado é o fato de esta sequer ser uma possibilidade para inúmeras crianças e adolescentes, em razão do perfil delas não se encaixar no modelo mais aceito e procurado. De alguma maneira, já se antecipa, dada a realidade e estatísticas, que a probabilidade de um determinado grupo destituído do poder familiar ser adotado é extremamente baixa. O contrário também é verdadeiro, não há dúvidas que um recém-nascido, destituído do poder familiar, será facilmente colocado em uma família substituta.

Este comportamento seletivo e objetificador é muito investigado pela sociologia da infância, ramo que tem como propósito reconhecer as crianças e adolescentes como atores sociais. Verifica-se, em praticamente todas as relações interpessoais entre crianças e adultos, uma suposição de que estes últimos são superiores, e tão somente têm a ensinar ao passo que aqueles apenas podem aprender.

Prevalece no imaginário popular a concepção de que a criança é um ser em

122 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Adoção: mais uma vez, o Paraná figura entre os estados que realizaram o maior número de adoções no país. Curitiba: TJPR, 2020. Disponível em:

https://www.tjpr.jus.br/noticias/-/asset_publisher/9jZB/content/adocao-mais-uma-vez-o-parana-

figura-entre-os-estados-que-realizaram-o-maior-numero-de-adocoes-no-pais/18319#:~:text=ADOÇÃO%3A%20MAIS%20UMA%20VEZ%2C%20O,NÚMERO%20DE%20A DOÇÕES%20NO%20PAÍS&text=Atualmente%2C%20o%20Paraná%20possui%20333,224%20ain da%20não%20possuem%20v%C3%ADnculos. Acesso em: 15 set. 2021.

desenvolvimento, um “adulto imperfeito”123, e que a finalidade da vida é chegar à fase adulta, sem levar em consideração que a infância não é uma mera passagem de tempo para a vida adulta. Ora, “as crianças são atores sociais dotados de pensamento crítico e reflexivo”124.

Ora, apesar de a infância e juventude ser um momento em que inúmeras mudanças acontecem, tanto no plano emocional como também no físico, ainda assim os pequenos são impulsionadores de suas vidas e agentes sociais125, não sendo necessário se tornarem adultos para que seus sentimentos, emoções e opiniões sejam respeitados e valorados.

Há a necessidade urgente de escutá-los. Via de regra, na história da humanidade, tem-se que grupos dominantes concluem o que é melhor para seus

“subalternos” sem sequer ouvir quais são suas queixas, medos, problemas e desejos.

Os adultos concluem que adotar um adolescente lhe trará problemas, que este manterá contato frequente com a família natural, que será indisciplinado, e que carregará para sempre consigo traumas126. Entretanto, são poucos que se sentam e escutam que, na verdade, não possuem traumas, e o que mais querem é o desligamento definitivo com os pais biológicos, já que muitas das vezes sofreram em demasiado127.

Ao mesmo tempo, há a necessidade de ponderar que esta escolha de um perfil não necessariamente acontece pelo fato de os pretendentes serem extremamente seletistas, preconceituosos e não abertos à mudança de opinião. Muitas vezes, quando da seleção das características do futuro filho, os postulantes depositam na ficha de inscrição um sonho de parentar muito grande, e acabam transportando para as perguntas que são submetidos os seus próprios sonhos, como se uma criança, igual imaginado, fosse cair em seus braços.

Além disso, a própria forma com que o processo de adoção acontece no país dificulta a possibilidade de mudança de opinião. Isso porque, são poucas as vezes que os futuros pais realizam visitas nas unidades institucionais, mantendo um contato

123 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Os filhos de ninguém. Revista Conjuntura Social, Rio de Janeiro, n. 4, p. 30-36, 2000. p. 30.

124 SILVA, Cleber Fabiano da; RAITZ, Tânia Regina; FERREIRA, Valéria Silva. Desafios da Sociologia da Infância: uma área emergente. Psicologia & Sociedade, [s. l.], v. 21, n. 1, p. 75-80, 2009. p. 75.

125 PINTO, M.; SARMENTO, M.J. (Coord.). As crianças: contextos e identidades. Braga: Centro de Estudos da Criança, Universidade do Minho, 1997. p. 7.

126 WEBER, 2011, p. 53.

127 WEBER, 2011, p 97.

com crianças e adolescentes institucionalizados, em que pese determinação expressa do Estatuto da Criança e do Adolescente128.

Dessa forma, torna-se extremamente difícil transcender a bolha e conhecer crianças e adolescentes que não se enquadrem no padrão. Ora, para que o encontro de corações aconteça entre pais e filhos, há, necessariamente, que haver um contato prévio. Inclusive, são variados os relatos de adotantes que manifestam ter havido uma compatibilidade instantânea quando viram pela primeira vez o filho na unidade institucional.

Weber, em sua obra “Adote com carinho”, traz diversas histórias que narram estes acontecimentos, dentre eles um pai cujo relato, extremamente emocionante e inspirador, narrou ter conhecido o filho, que na época tinha cinco anos de idade, na unidade institucional. O infante foi o primeiro que se dirigiu até o casal129.

São inúmeras as críticas realizadas pelo fato de não se fazer valer o regramento do ECA, não havendo muitas das vezes qualquer contato com as crianças e adolescentes. Nesse sentido, Maria Berenice Dias infere que:

Claro que todas as pessoas idealizam os filhos que desejam ter, por isso querem adotar quem corresponde a seus sonhos. Daí a preferência por bebês ou crianças de pouca idade. Como são proibidos de visitar as instituições de acolhimento, não têm a chance de conhecer quem está abrigado, é difícil alterarem o perfil que elegeram. Diante de tal condenação à invisibilidade, grupos de irmãos, adolescentes e crianças maiores, pretas, pardas ou com algum tipo de deficiência física ou mental não tem a mínima chance de cativar alguém. Afinal, ninguém adota uma criança com alguma espécie de limitação se não a tiver conhecido e se encantado por ela. Como nada disso é possível, o jeito é esperar130.

Considerando a baixa abertura dada por parte da equipe técnica em conhecer as crianças que estão disponíveis a adoção, e não apenas ficar no imaginário de um filho ideal, ou então sonhado, hoje em dia, tem-se que na maioria das vezes, se houver uma mudança após a inscrição dos pretendentes acerca do perfil do futuro filho, ela se dará em razão do acompanhamento com a equipe técnica. Isso porque, este é um momento em que os profissionais desmistificam e desconstroem inúmeros conceitos e preconceitos acerca da adoção.

Em uma pesquisa, na qual pais afetivos que se enquadraram no conceito de

128 BRASIL, 1990, Art. 50, §4º.

129 WEBER, 2011. p. 101.

130 DIAS, 2020, p. 14.

adoção tardia foram entrevistados, uma família homoparental relatou justamente isso, de que jamais tinham parado para refletir o motivo pelo qual queriam adotar uma criança com aquelas características exigidas em sede de inscrição. Veja-se um trecho de sua fala:

Quando a gente entrou no processo de adoção, a gente tinha colocado de zero a seis anos, um só, mas eu descobri que esse perfil não era muito baseado em desejo. Ele era baseado em medo e em um bando de fantasias.

Então conforme a gente foi fazendo as palestras e eu fui conversando com as pessoas, eu fui ficando mais seguro com relação a isso131.

Assim, tem-se que a convivência prévia dos pretendentes para com as crianças e adolescentes disponíveis à adoção é importante e possibilita a desconstrução do paradigma instaurado na sociedade. Contudo, é preciso cautela pois as crianças que já se encontram em uma situação de vulnerabilidade são mais suscetíveis ao apego e estabelecer uma ligação muito profunda com os visitantes os quais, quem sabe, podem se tornar futuros pais.

131 SAMPAIO, Débora da Silva; MAGALHÃES, Andrea Seixas; FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. Pedras no caminho da adoção tardia: desafios para o vínculo parento-filial na percepção dos pais. Trends

131 SAMPAIO, Débora da Silva; MAGALHÃES, Andrea Seixas; FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. Pedras no caminho da adoção tardia: desafios para o vínculo parento-filial na percepção dos pais. Trends

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