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A CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DA CONFISSÃO NO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

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Academic year: 2022

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A CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DA CONFISSÃO NO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

THE CONSTITUTIONALITY OF THE NON-CRIMINAL PROSECUTION AGREEMENT’S CONFESSION REQUIREMENT

Isabella de Oliveira Gonçalves1 Alexandre Knopfholz2

RESUMO

A Lei nº 13.964/19 expandiu os espaços de consenso no ordenamento jurídico brasileiro com a criação do instituto do Acordo de Não Persecução Penal. No entanto, a exigência da confissão como requisito deste dispositivo é controversa. O presente trabalho objetiva analisar o dispositivo e a exigência para a celebração do acordo. Para tal fim, foi realizada uma análise do contexto histórico do dispositivo, novo instituto da justiça criminal negocial, para então averiguar a exigência da confissão. Com a conclusão do trabalho, constatou-se que exigir do investigado a confissão sem o devido processo legal é inconstitucional, e o instituto, que possui como base essa imposição, está marcado por vícios. Para efetivamente lidar com a deslegitimação do processo penal, será necessário observar a fonte de insatisfação da sociedade ao invés de oferecer um instrumento equivocado.

Palavras chave: Acordo de Não Persecução Penal. Justiça Criminal Negocial.

Confissão.

ABSTRACT

The creation of the Non-Criminal Prosecution Agreement with Law 13.964/19 expanded the consensual space in the Brazilian legal system. However, the requirement of the guilty plea is controversial. The goal of this work is to analyze the guilty plea and its requirement to the signing of the deal. To this end, an analysis of the historical context of the provision, newest doctrine of criminal bargaining, was made, so that the requirement of the confession could be verified. With the work’s conclusion, it was reasoned that to impose upon the defendant a guilty plea without due process is unconstitutional, and the agreement, which has the guilty plea as its basis, is defective. To effectively deal with the delegitimisation of the criminal procedure it will be necessary to observe the society’s dissatisfaction source, instead of offering a fallacious instrument.

Keywords: Non-Criminal Prosecution Agreement. Criminal Bargaining. Confession.

1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.

2 Professor de Processo Penal do curso de Direito pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.

Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pela mesma instituição. Advogado Criminal.

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SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A mudança de paradigma na aplicação do processo penal. 2.1 Premissas do processo penal brasileiro. 2.2 A crise do processo penal tradicional. 2.3 A justiça criminal negocial. 3 O Acordo de Não Persecução Penal. 3.1 Legislações relevantes formuladas sobre o Acordo de Não Persecução Penal. 3.2 Requisitos e hipóteses de vedação legal. 3.3 Cumprimento e violação do acordo. 4 A exigência da confissão. 4.1 Princípios processuais penais e constitucionais. 4.2 O papel da confissão no processo penal. 4.3 A confissão no Acordo de Não Persecução Penal. 4.3.1 A voluntariedade da confissão. 4.3.2 A proporcionalidade da confissão. 4.3.3 A culpabilidade do indivíduo diante da confissão. 4.3.4 Possíveis efeitos da confissão. 5 Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Não há dúvidas de que o direito penal e o direito processual penal estão passando por um processo de deslegitimação. Inúmeras esferas do direito penal estão em crise: a falta de amparo no sistema carcerário é evidente, mas a questão também é aparente na esfera processual, com a falta de credibilidade e a demora excessiva do processo, o que gerou uma “superlotação” de processos penais, conforme explicou Pacelli3. A questão não é atual – este momento histórico apenas expôs como inquestionável a crescente insatisfação da sociedade com as instituições estatais.

Nessa conjuntura, a justiça criminal negocial surge como solução alternativa para o processo ao propor uma aceleração procedimental. Essa solução tem inspiração nas práticas restaurativas, que possuem como tese precípua tornar as partes as protagonistas do acordo, deixando de lado a visão impessoal e abstrata do Estado4.

A expansão dos espaços de consenso não é algo recente no ordenamento jurídico brasileiro. Parte do conjunto da justiça criminal negocial, é diante desta transformação na área processual que o Acordo de Não Persecução Penal foi inserido de fato no ordenamento jurídico pelo art. 28-A da Lei nº 13.964/19. O

3 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 123.

4 Howard Zehr, um dos pioneiros da justiça restaurativa, se propôs a ver fora da visão retributiva ao questionar o conceito de justiça: “Se o crime é um dano, uma lesão, o que é a justiça?”. Nesta visão restaurativa, para o crime, a resposta seria um ato de restauração para reparar a lesão e a vítima, ao contrário da visão retributiva, que define o crime de maneira abstrata. (ZEHR, Howard. Trocando as lentes: justiça restaurativa para o nosso tempo. 4. ed. São Paulo: Palas Athena, 2020, p. 175- 176.)

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instituto é uma medida despenalizadora, com o seu cumprimento acarretando a extinção da punibilidade. O Acordo de Não Persecução Penal é proposto pelo Ministério Público e requer a confissão do investigado (caput do art. 28-A do Código de Processo Penal). O presente artigo, observando essa exigência para a realização do acordo, analisará se é justificável essa imposição.

2 A MUDANÇA DE PARADIGMA NA APLICAÇÃO DO PROCESSO PENAL

2.1 PREMISSAS DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O Código de Processo Penal de 1941, vigente, foi criado observando a legislação processual penal italiana de 1930, a qual era notadamente autoritária.

Partindo do sistema inquisitório, o processo penal brasileiro tinha como princípio fundamental a presunção da culpabilidade, tornando legítimas práticas abusivas em prol de uma verdade “real”5.

Ao longo dos anos, no entanto, o Código foi editado com o viés do sistema acusatório, decorrente da Constituição Federal de 1988. O processo penal passou então a ter como um de seus princípios a presunção de inocência, uma vez que interpretado através da Constituição Federal de 1988. Ferrajoli, sobre o tema, elaborou:

As garantias constitucionais são as garantias da rigidez dos princípios e dos direitos constitucionalmente estabelecidos que incidem sobre os poderes supremos do Estado. A rigidez consiste na colocação da Constituição no vértice da hierarquia das fontes e, portanto, no grau superior de suas normas com relação a todas as outras normas do ordenamento.6

E conforme ensinou Nucci:

Acrescente-se, ainda, a indispensável mudança de mentalidade de parte dos operadores do Direito, que somente vêem, no direito penal e no processo penal, meios puramente coercitivos de fazer valer a força estatal, quando, em verdade, representam fronteiras para o referido poder, que não é ilimitado, mas jungido aos mandamentos constitucionais básicos da dignidade da pessoa humana. O processo penal democrático é um conjunto de instrumentos, que se desenvolve em direções variadas, tendo por fundo o cenário de respeito aos direitos e garantias humanas fundamentais.7

5 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 21.

6 FERRAJOLI, Luigi. Poderes selvagens: a crise da democracia italiana. Tradução de Alexander Araujo de Souza. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 27.

7 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 21.

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É nítida a preocupação contemporânea de garantir os direitos fundamentais, em contraponto à pretensão inicial do Código de Processo Penal em reprimir o crime e impor o poder estatal. Aury Lopes Júnior pontuou de maneira objetiva que “o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição”8. Assim, além da justificativa exposta pelo jurista do “princípio da necessidade”, que vê o processo penal como o meio para se ter a pena, tem-se como função do processo penal a garantia dos direitos fundamentais9.

2.2 A CRISE DO PROCESSO PENAL TRADICIONAL

O sistema penal brasileiro está passando por um processo de deslegitimação, sendo antiquado para a realidade concreta – fato evidenciado pela dificuldade de aplicação do mesmo em todos os níveis do processo, sendo um discurso apenas simbólico. Zaffaroni, sobre o tema, articulou que “hoje, temos consciência de que a realidade operacional de nossos sistemas penais jamais poderá adequar-se à planificação do discurso jurídico-penal”10.

Em um sistema penal em que é desconhecido o número verdadeiro de crimes cometidos – a chamada cifra oculta da criminalidade – e os que são colocados diante do judiciário não chegam a ser processados e condenados, tem-se uma crescente descrença da população pelo poder judiciário11. Nesse cenário, essa cifra passa a representar mais uma das razões das quais o sistema penal é “estranho à vida das pessoas”12, como alegou Hulsman.

O Direito Penal, com o princípio da intervenção mínima, limita o poder punitivo estatal ao conferir a este ramo do Direito um viés subsidiário, tutelando apenas a proteção de bens jurídicos considerados mais importantes. Como explicou Bitencourt, o Direito Penal “deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do

8 LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 12.

9 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.

12.

10 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução de Vânia Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 15.

11 ADORNO, Sérgio. Crise no sistema de justiça criminal. Ciência e cultura, v. 54, n. 1, p. 50-51, 2002.

12 HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas: o sistema penal em questão.

Tradução de Maria Lúcia Karan. Niterói: Luam, 1993, p. 66.

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indivíduo e da própria sociedade”13. Todavia, apesar de ser a ultima ratio legis, o Direito Penal acabou sendo aplicado em demasia, gerando um acúmulo de processos nas varas e tribunais14. Como consequência, há uma justiça criminal lenta que estabelece uma convicção de impunidade no imaginário coletivo15.

É necessário, ainda, também comentar sobre a crise do sistema carcerário, visto que o Brasil é o país em terceiro lugar de população carcerária no mundo, atrás apenas dos Estudos Unidos da América e da China16. Ainda, teve em 2017 um déficit de 303.112 vagas para um total de 726.354 pessoas privadas de liberdade17.

O sistema se encontra superlotado e suscetível ao domínio do crime organizado, em um cenário que retrata a prisão privativa de liberdade, nas palavras de Bitencourt18, como um “castigo desumano”. Além disso, é comprovada a incapacidade do Estado de ressocializar o condenado, um de seus objetivos precípuos, uma vez que um em cada quatro condenados reincide no crime, como apontou pesquisa a pedido do Conselho Nacional de Justiça19. O sistema penal,

13 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal volume 1 - parte geral. 26. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 61.

14 “A Justiça Estadual é o segmento com maior representatividade de litígios no Poder Judiciário, com 68,4% da demanda. Na área criminal essa representatividade aumenta para 91,4%. [...] Os resultados dos tempos médios dos processos baixados no ano de 2019, por tribunal, indicam cenários distintos no 2º grau e nos tribunais superiores. A Justiça Eleitoral é a única em que o processo criminal demora mais que o não criminal. Nos Tribunais Regionais Federais, o processo baixado não criminal durou, em média, o dobro do tempo do criminal em 2019. Na Justiça Estadual, os casos criminais duraram uma média de 4 meses a menos que os não criminais. Na fase de conhecimento de 1º grau ocorre o inverso do observado no 2º grau: o tempo do processo criminal é maior que o do não criminal. Os processos criminais duraram, em média, 1 ano e 3 meses a mais do que os não criminais, sendo essa realidade verificada em todos os segmentos de justiça. [...] A taxa de congestionamento criminal (70%) supera a não criminal (56,5%), para essa fase/instância.”

(BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020. Brasília: CNJ, 2020, p.

192-194. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/>. Acesso em: 08 abr. 2021).

15 LOPES JÚNIOR, Aury. A tridimensionalidade da crise do processo penal brasileiro: crise existencial, identitária da jurisdição e de (in) eficácia do regime de liberdade individual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 143, p. 117-153, 2018.

16 WALMSLEY, Roy et al. World prison population list. London: Home Office, 2018, p. 02.

17 BRASIL. INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias. Atualização junho de 2017. Marcos Vinícius Moura (Org.). Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, Departamento Penitenciário Nacional, 2019, p. 07. Disponível em:

<http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev- 12072019-0721.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.

18 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2011, p. 230.

19 “Entre os 817 processos válidos para o cálculo da taxa de reincidência, foram constatadas 199 reincidências criminais. De tal modo, a taxa de reincidência, calculada pela média ponderada, é de 24,4%.” (BRASIL. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Reincidência criminal no Brasil: relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: IPEA, 2015, p. 22-23. Disponível em:

<https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&amp;id=25590/>. Acesso em: 08 abr.

2021).

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então, passou a ser um sistema que viola os direitos fundamentais ao invés de garanti-los.

2.3 A JUSTIÇA CRIMINAL NEGOCIAL

A busca por uma expansão nos espaços de consenso não é recente. A Lei nº 9.099/95 é considerada um dos primeiros passos do legislativo na área de justiça criminal negocial ao instituir os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Estadual – estes com sua criação prevista no art. 98, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Quanto aos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal, foi necessária uma lei federal: a Lei nº 10.259/2001. Grinover et al. descreveu que a Lei nº 9.099/95 foi “uma verdadeira revolução no sistema processual-penal brasileiro.

[...] A lei não sei contentou em importar soluções de outros ordenamentos, mas – conquanto por eles inspirado – cunhou um sistema próprio de Justiça penal consensual”20.

Muito analisada pelos doutrinadores, a justiça negocial criminal tem seus críticos. Ferrajoli21, ao analisar as origens de tal método – o qual é tido pela doutrina como resultante do processo acusatório, uma vez que tem o intuito de trazer celeridade ao processo entre as partes –, diz que tal visão é “totalmente ideológica e mistificadora” e que “o contraditório, de fato, consiste no confronto público e antagonista entre as partes em condições de paridade”. No mesmo viés, Lopes Júnior alertou:

O pacto no processo penal é um perverso intercâmbio, que transforma a acusação em um instrumento de pressão, capaz de gerar autoacusações falsas, testemunhos caluniosos por conveniência, obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa, desigualdade de tratamento e insegurança.

[...] Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões, o processo assume sua face mais nefasta e cruel. É a lógica do tempo curto atropelando as garantias fundamentais em nome de uma maior eficiência.

Em síntese, a justiça negociada não faz parte do modelo acusatório e tampouco pode ser considerada como uma exigência do processo penal de partes. Se não atentarmos para essas questões, ela pode se transformar em uma perigosa medida alternativa ao processo, sepultando as diversas garantias obtidas ao longo de séculos de injustiças.22

20 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães, FERNANDES, Antonio Scarance;

GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.95. 5. ed.

São Paulo: RT, 2005, p. 41.

21 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer et al. São Paulo: RT, 2002, p. 600.

22 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.

346.

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Independentemente do posicionamento dos doutrinadores, é inegável que os espaços de consenso foram expandidos no ordenamento jurídico brasileiro. Grinover et al., sobre as consequências jurídicas da Lei nº 9.099/95, concluiu de maneira esclarecedora:

Em síntese, estão lançadas as bases de um novo paradigma de Justiça criminal: os operadores do direito (juízes, promotores, advogados, autoridades policiais etc.) estão desempenhando um novo papel: o de propulsores da conciliação no âmbito penal, sob a inspiração dos princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade (arts. 2º e 62).23

A vítima passou a ser uma parte importante no processo, além de ter sido aberto um espaço para a conciliação e a verdade decorrente dela. A Lei nº 9.099/95, em suma, introduziu um novo viés de justiça onde a conciliação tem um papel de relevância. Assim, passou-se a ser procurada uma solução mais restaurativa ao conflito.

3 O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

3.1 LEGISLAÇÕES RELEVANTES FORMULADAS SOBRE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Embora o respeito aos direitos e garantias humanas fundamentais constitua o alicerce do sistema processual penal brasileiro, uma vez que este é um sistema denominado garantista, a posição tomada ao longo dos anos com relação à política criminal parte de um discurso punitivista. Essa perspectiva maniqueísta ao lidar com a criminalidade incorre na insegurança social, onde o crime é um espetáculo dos meios de comunicação e o medo permeia a população.

O Acordo de Não Persecução Penal foi inicialmente disciplinado pela Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público antes de sua implementação com a Lei nº 13.965/19. A redação do art. 18 da Resolução, que dispõe sobre a negociação, foi modificada pela Resolução nº 183/2018, do mesmo órgão.

Esse dispositivo antes da promulgação do “Projeto Anticrime” foi outrora considerado inconstitucional, com ressalvas baseadas no princípio da legalidade,

23 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães, FERNANDES, Antonio Scarance;

GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.95. 5. ed.

São Paulo: RT, 2005, p. 50.

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uma vez que a Constituição determinou com o art. 22, inciso I, que é competência específica da União de legislar sobre direito penal e direito processual penal – essa Resolução estaria extrapolando a competência do Congresso Nacional, explicou Vasconcellos24. Além disso, de acordo com Santoro e Filpo25, essa disposição colocou o Ministério Público como protagonista ao conferir a vitima apenas uma das cinco condições de acordo.

A promulgação da Lei nº 13.964/19, conhecida como “Pacote Anticrime”, se deu em um histórico marcado por debates. Buscando uma maior eficiência na política criminal ao impor um tratamento mais severo para crimes violentos ao passo que procurou uma solução mais rápida aos crimes não violentos, a Lei resultou da tramitação conjunta dos Projetos de Lei nº 10.372 e 10.373, de 2018 – estes apresentados por uma comissão de juristas coordenados pelo atual Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes –, bem como do Projeto de Lei nº 882/2019 – este articulado por Sérgio Moro, Ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil. Ela entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020, após o período de vacatio legis de 30 dias.

A Lei, que em seu primeiro artigo dispõe que “aperfeiçoa a legislação penal e processual penal”26, alterou as mais diversas legislações do ordenamento jurídico brasileiro. Dentre as mudanças promovidas pela Lei, no âmbito material houve o aumento do limite máximo do tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade, passando de 30 anos para 40 (art. 75 do Código Penal). Além do Acordo de Não Persecução Penal, negociação prevista no art. 28-A, outra das alterações processuais mais relevantes é a advinda da inclusão do Juiz das Garantias. De modo a garantir os direitos do acusado e firmar o sistema processual brasileiro como um modelo acusatório dos países democráticos, faz-se uso do “duplo juiz”, separando o juiz que fiscaliza a fase pré-processual do juiz que irá julgar o processo, elucidou Pacelli27. Esta figura, nas palavras de Lopes Júnior, “atua como juiz e não

24 DE VASCONCELLOS, Vinicius Gomes. Colaboração premiada e negociação na justiça criminal brasileira: acordos para aplicação de sanção penal consentida pelo réu no processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 166, p. 241-274, 2020.

25 SANTORO, Antonio Eduardo Ramires; FILPO, Klever Paulo Leal. Abrir espaço para as soluções consensuais no processo penal brasileiro? Reflexões a partir do modelo empregado na Cidade Autônoma de Buenos Aires. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 150, p. 121-144, 2018.

26 BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm>.

Acesso em: 12 mai. 2021.

27 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 172.

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como instrutor-inquisidor”28. A vigência deste instituto, no entanto, está atualmente suspensa devido à concessão de medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305.

Se as medidas introduzidas com a Lei nº 13.964/19 serão efetivas, só o tempo esclarecerá. De acordo com Mendes e Martínez29, é possível observar, entretanto, que a lei trouxe alguns avanços ao processo penal brasileiro, embora seja possível observar um retrocesso em certas normas que não estão de acordo com a Constituição.

3.2 REQUISITOS E HIPÓTESES DE VEDAÇÃO LEGAL

Com sua correta inserção no ordenamento jurídico brasileiro pelo art. 28-A da Lei nº 13.964/19, o Acordo de Não Persecução Penal é um instituto que ampliou o espaço de negociação penal, sendo uma medida despenalizadora. O mecanismo possui natureza mista, ou seja, processual e material, uma vez que criou um instituto que impede o oferecimento da denúncia e que se cumprido, resulta na extinção da punibilidade30.

O acordo é celebrado entre o investigado e o Ministério Público, constituindo um negócio jurídico pré-processual. Ele é aplicável antes de ser oferecida denúncia pelo Ministério Público, sendo proposto pelo mesmo e podendo ser aceito ou não pelo investigado.

De acordo com o caput do art. 28-A do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:31

28 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.

51.

29 MENDES, Soraia da Rosa; MARTÍNEZ, Ana Maria. Pacote anticrime: comentários críticos à Lei 13.964/2019. São Paulo: Atlas, 2020, p. 11.

30 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei anticrime comentada – artigo por artigo. 2. ed. São Paulo:

Saraiva Educação, 2021, p. 67.

31 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 25 mai.

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O instituto tem como primeiro requisito não ser caso de arquivamento. O acordo exige a existência de justa causa para a proposição de ação penal, em virtude de o dispositivo configurar uma alternativa ao processo judicial.

O segundo requisito para a proposição do acordo e objeto de análise deste trabalho é a exigência de confissão formal e circunstanciada da prática de infração penal. A necessidade de confissão, tema desta monografia, será discutida no próximo tópico.

O terceiro requisito impõe que a proposição apenas incidirá em situações onde a infração penal é cometida sem violência ou grave ameaça à pessoa. Dutra Santos32 afirmou que o instituto abrange os crimes culposos. Caso haja a violência intencional dos crimes dolosos não será proposto o acordo, uma vez que o requisito é impeditivo, conforme explicou Junqueira et al33. Ainda, o Enunciado 23 emitido pelo Conselho Nacional de Procuradores Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União e pelo Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal, esclareceu que:

É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, uma vez que nos delitos desta natureza a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo por negligência, imperícia ou imprudência, cujo resultado é involuntário, não desejado e nem aceito pela agente, apesar de previsível.34

Com o quarto requisito objetivo tem-se a necessidade de que a pena mínima da infração penal seja menor que quatro anos. Observa-se nesse cálculo o primeiro parágrafo do art. 28-A: “para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto”35. A fim de encontrar a quantidade da pena mínima com a incidência de causas que modificam o limite legal da pena, Nucci afirmou que

“havendo causa de diminuição variável, deve-se diminuir o máximo; havendo causa

32 SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Comentários ao pacote anticrime. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 219.

33 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei anticrime comentada – artigo por artigo. 2. ed. São Paulo:

Saraiva Educação, 2021, p. 60.

34 GNCCRIM. GRUPO NACIONAL DE COORDENADORES DE CENTRO DE APOIO CRIMINAL (GNCCRIM). Comissão Especial: Enunciados Interpretativos Da Lei Anticrime (Lei nº 13.964/2019). CNPG, 2020. Disponível em: <https://criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/GNCCRIM_- _ANALISE_LEI_ANTICRIME_JANEIRO_2020.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2021.

35 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 25 mai.

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de aumento, em cima da pena mínima cominada em abstrato, lança-se o mínimo”36. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Procuradores Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal emitiram o Enunciado 2937.

O último requisito pressupõe que a proposição do acordo seja necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. O questionamento sobre a caracterização do Acordo de Não Persecução Penal como direito subjetivo do réu ou se constitui prerrogativa do Ministério Público é uma celeuma jurídica: parte da doutrina entende que se deve interpretar como um direito oponível contra o Estado;

Morais da Rosa38, por exemplo, argumenta pela interpretação por analogia na linha do Habeas Corpus nº 83.926-6/RJ, conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal com relação à suspensão condicional do processo. Lopes Júnior também interpreta que “preenchidos os requisitos legais – se trata de direito público subjetivo do imputado, um direito processual que não lhe pode ser negado”39.

No entanto, decisão proferida pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que teve como relator o Ministro Alexandre de Moraes, não seguiu essa visão:

[...] respeitados os requisitos legais o Ministério Público poderá optar pelo acordo de não persecução penal, dentro de uma legítima opção da própria Instituição. Ausentes os requisitos legais, não há opção ao Ministério Público, que deverá oferecer a denúncia em juízo. Entretanto, se estiverem presentes os requisitos descritos em lei, esse novo sistema acusatório de discricionariedade mitigada não obriga o Ministério Público ao oferecimento do acordo de não persecução penal, nem tampouco garante ao acusado verdadeiro direito subjetivo em realizá-lo. Simplesmente, permite ao Parquet a opção, devidamente fundamentada, entre denunciar ou realizar o acordo

36 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2021, p. 231.

37 “Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o artigo 28-A, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto, na linha do que já dispõe os enunciados sumulados nº 243 e nº 723, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.” (GNCCRIM. GRUPO NACIONAL DE COORDENADORES DE CENTRO DE APOIO CRIMINAL (GNCCRIM). Comissão Especial: Enunciados Interpretativos Da Lei Anticrime (Lei 13.964/2019). CNPG, 2020. Disponível em:

<https://criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/GNCCRIM_-

_ANALISE_LEI_ANTICRIME_JANEIRO_2020.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2021.)

38 LOPES JÚNIOR, Aury; PINHO, Ana Claudia Bastos de; ROSA, Alexandre Morais da. Pacote Anticrime: um ano depois. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 49.

39 LOPES JÚNIOR., Aury; JOSITA, Higyna. Questões polêmicas do acordo de não persecução penal.

Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mar-06/limite-penal-questoes- polemicas-acordo-nao-persecucao-penal>. Acesso em: 27 mai. 2021.

(12)

de não persecução penal, a partir da estratégia de política criminal adotada pela Instituição.40

Essa discricionariedade do Ministério Público exige a argumentação, uma vez que a decisão não fundamentada está sujeita à aplicação do art. 28-A, §14: “no caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código”41. O réu tem o direito de se insurgir contra a ausência de acordo, requerendo a reavaliação por órgão revisional do Ministério Público. No entanto, a aplicação do art. 28, referente ao juiz das garantias está suspensa, devendo a reavaliação ser feita pelo Procurador Geral de Justiça, explanou Pacelli42.

Ainda, conforme decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, com o Ministro-Relator Gilmar Mendes, o juiz não pode impor ao Ministério Público esta obrigação, em decisão que assemelha o Acordo de Não Persecução Penal a institutos análogos: “[...] a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não é dado ao Poder Judiciário impor ao Ministério Público a obrigação de ofertar acordo em âmbito penal”43.

O segundo parágrafo do art. 28-A elenca as hipóteses em que o acordo não deve ser aplicado.

A primeira regra de exclusão está no primeiro inciso do art. 28-A: não será aplicável o acordo “se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei”44. Seria o caso das infrações penais de menor potencial ofensivo, nas quais a incidência da transação penal é mais benéfica45, e que “igualmente enseja a substituição (exclusão) do processo”46, como expôs Junqueira et al..

40 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 191.124 AgR. Rel. Min. Alexandre de Moraes.

Primeira Turma. Julgado em 08.04.2021. DJe 069 de 13.04.2021. Disponível em:

<https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur444020/false>. Acesso em: 27 mai. 2021.

41 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 26 mai.

2021.

42 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 119.

43 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 194.677. Rel. Min. Gilmar Mendes. Segunda Turma. Julgado em 11.05.2021. DJe 161, de 13.08.2021. Disponível em:

<https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur450789/false>. Acesso em 25 ago. 2021.

44 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 26 mai.

2021.

45 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.86.

(13)

A segunda causa de inaplicabilidade ocorre “se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas”47. Junqueira et al. afirmou que a reincidência – bem como a conduta criminal habitual, reiterada ou profissional – deve ser comprovada através de investigação criminal48. Quanto à estimativa da insignificância da infração penal, nas palavras de Nucci, “o termo insignificante tem sido utilizado para caracterizar o crime de bagatela, que, por sinal, tende a ser fato atípico; nesta hipótese, seria mais uma condição de livre avaliação do órgão proponente do acordo”49.

O terceiro requisito negativo incide na hipótese de “ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo”50.

A quarta e última regra impõe que “nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor”51 não será proposto o acordo.

Aqui, a norma está de acordo com a Lei nº 11.340/2006, que impede benefícios ao agressor em crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher ao excluir a aplicação da Lei nº 9.099/95, e, portanto, a aplicação dos institutos da suspensão condicional do processo e da transação penal.

3.3 CUMPRIMENTO E VIOLAÇÃO DO ACORDO

A celebração do acordo, bem como o seu cumprimento, não gera antecedente criminal e nem constará de certidão, salvo em situações onde seja necessário verificar se o investigado já foi beneficiado anteriormente pelo Acordo de Não Persecução Penal no prazo de cinco anos – o instituto não tem o intuito de

46 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei anticrime comentada – artigo por artigo. 2. ed. São Paulo:

Saraiva Educação, 2021, p. 62.

47 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 26 mai.

2021.

48 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei anticrime comentada – artigo por artigo. 2. ed. São Paulo:

Saraiva Educação, 2021, p. 62.

49 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2021, p. 232.

50 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 26 mai.

2021.

51 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 26 mai.

2021.

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demonstrar a culpa do investigado, uma vez que apenas pelo processo e uma sentença penal condenatória transitada em julgado é que se constataria tal fato, como explicou Rangel52. Na ocasião em que o acordo for cumprido de maneira integral, será julgada extinta a punibilidade.

Caso ocorra o descumprimento das condições negociadas no acordo, a previsão legal requer que o Ministério Público comunicará ao juízo sobre a inadimplência, para que seja realizada a rescisão do acordo e o posterior oferecimento de denúncia. Diante disso, o Ministério Público poderá utilizar esse descumprimento para argumentar pelo eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.

Essa rescisão, de acordo com a jurisprudência da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, exige a intimação da defesa:

[...] muito embora seja possível a rescisão do acordo de não persecução penal, necessário, para preservação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, oportunizar à defesa a manifestação acerca do pedido formulado pelo Ministério Público.53

Assim, deverá ser designada audiência para oitiva do investigado de modo a justificar o descumprimento para fins de uma eventual rescisão, explicou Junqueira et al.54. Ademais, não correrá a prescrição enquanto não cumprido ou rescindido o acordo, como disposto no art. 116, inciso IV, do Código Penal.

4 A EXIGÊNCIA DA CONFISSÃO

4.1 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS E CONSTITUCIONAIS

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LIV, definiu que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”55, definindo assim a obrigatoriedade de respeito às formalidades previstas em lei para que a liberdade do indivíduo não seja cerceada, conforme elucidou Rangel56. Esse

52 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 202.

53 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC 615.384/SP. Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma. Julgado em 09.02.2021. DJe de 11.02.2021. Disponível em:

<https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202002504695&dt_publicacao

=11/02/2021>. Acesso em 15 jun. 2021.

54 JUNQUEIRA, Gustavo et al. Lei anticrime comentada – artigo por artigo. 2. ed. São Paulo:

Saraiva Educação, 2021, p. 67.

55 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 18 jun. 2021.

56 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 03.

(15)

princípio está atrelado à dignidade da pessoa humana – o indivíduo possui um valor intrínseco, devendo este ser respeitado em face de um processo, o qual possui a característica de instrumento garantidor da aplicação imparcial e justa das leis, como explicou Mendes57.

O trâmite processual tem o intuito de apurar a verdade substancial, termo empregado pelo art. 566 do Código de Processo Penal58. Essa busca não pode violar os direitos e garantias do acusado, sendo, portanto, vedada a prova ilícita nos termos do art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, uma vez que esta prova impede a construção da verdade no processo ao contrariar as garantias fundamentais – o juiz se baseará apenas nas provas produzidas em contraditório judicial para a formação de sua convicção (art. 155, caput, do Código de Processo Penal), salvo em situações específicas em lei.

Ainda no âmbito do devido processo legal, há o princípio do juiz natural, o qual possui respaldo constitucional no art. 5º, inciso LIII ao impor que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”59, bem como que a proibição dos tribunais ou juízos de exceção, como dispõe o inciso XXXVII do mesmo artigo. Essa garantia está também no art. 564, inciso I, do Código de Processo Penal, sendo nulo o ato realizado por juiz incompetente.

Sobre o princípio, Coutinho afirmou:

Desta forma, pode-se definir o princípio do juiz natural como expressão do princípio da isonomia e também um pressuposto de imparcialidade. [...]

Destarte, todos passam a ser julgados pelo “seu” juiz, o qual se encontra com sua competência previamente estabelecida pela lei, ou seja, em uma lei vigente antes da prática do crime.60

Além de ser competente, o juiz deve ser imparcial – não podendo exercer jurisdição em casos onde tenha alguma ligação prévia com a questão ou as partes, como dispõem o art. 252 ao art. 256 do Código de Processo Penal. Assim,

57 MENDES, Gilmar Ferreira. Comentários ao art. 5º, LIV. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; ______;

SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. 2.

ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 460.

58“Art. 566. Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.” (BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 18 jun. 2021.)

59 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 18 jun. 2021.

60 COUTINHO, Jacinto. Comentários ao art. 5º, LIII. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 456.

(16)

diferencia-se o processo acusatório do inquisitório; o papel do juiz no sistema processual brasileiro deve ser analisado em face da Constituição Federal, possuindo uma função instrumental-garantidora. Nesse sentido, Lopes Júnior argumentou:

A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório, de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir, além da separação inicial das funções de acusar e julgar, um afastamento do juiz da atividade investigatória/instrutória.61

No inciso LV do art. 5º é disposto que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”62.

Segundo Nucci63, o contraditório exprime-se no direito conferido a ambas as partes de responder a quaisquer alegações ou atividades na constância do processo que lhe sejam contrárias. Com relação a este princípio, observa-se nos arts. 409 e 479 do Código de Processo Penal sua incidência ao ser exigida a ciência da outra parte após a apresentação da defesa e da apresentação de provas, respectivamente.

Quanto à ampla defesa, Nucci explicou que “a ampla possibilidade de se defender deve simbolizar a mais copiosa e rica oportunidade de preservar o estado de inocência, outro atributo natural do ser humano”64. Com esta garantia, assegura- se um processo judicial em que o acusado tem o direito de discutir o fato que lhe foi imputado, bem como a assistência do governo aos que não tiverem recursos de acordo com o art. 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal.

Pacelli expôs que “enquanto o contraditório exige a garantia de participação, o princípio da ampla defesa vai além, impondo a realização efetiva dessa participação, sob pena de nulidade, se e quando prejudicial ao acusado”65. Nesse quesito, observa-se o enunciado da Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal66.

61 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.25.

62 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 18 jun. 2021.

63 NUCCI, Guilherme de Souza. Comentários ao art. 5º, LV. In: MORAES, Alexandre de et al.

Constituição Federal Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 240.

64 NUCCI, Guilherme de Souza. Comentários ao art. 5º, LV. In: MORAES, Alexandre de et al.

Constituição Federal Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 239.

65 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 51.

66 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula Vinculante 14. É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito

(17)

É relevante também o direito a não autoincriminação, nos termos do art. 5º, inciso LXIII da Constituição Federal: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”67.

Quanto à confissão, Giacomolli afirmou:

O direito ao silêncio atinge, portanto, especificamente, o direito de ficar calado, de não se pronunciar, de responder somente aos questionamentos que não produzam incriminação, bem como o de responder total ou parcialmente às perguntas formuladas. Trata-se da denominada autodefesa negativa. Portanto, em um processo penal democrático, é inadmissível a confissão forçada, total ou parcial do imputado (nemo tenetur edere contra se).68

O direito ao silencio importa na proibição de coação do acusado quanto ao fornecimento de provas contra si, sendo um direito público subjetivo. O juiz também não deve interpretar o silencio de modo a prejudicar o acusado em quaisquer das fases do processo penal, conforme explicou Carvalho69, bem como é obrigado a informar o acusado dessa escolha, nos termos do art. 186 do Código de Processo Penal – o silêncio não prejudicará o acusado, mas também não lhe trará benefício algum.

Ferrajoli, sobre o princípio da presunção de inocência, postulou:

Se a jurisdição é a atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um crime, desde que tal prova não tenha sido encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem submetido a pena. [...] A culpa, e não a inocência, deve ser demonstrada, e é a prova da culpa - ao invés da de inocência, presumida desde o início - que forma o objeto do juízo.70

Dispõe a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”71. ao exercício do direito de defesa. DJe 26 de 09.02.2009, DOU de 09.02.2009. Disponível em:

<https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-sumula762/false>. Acesso em: 26 jul. 2021.

67 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 18 jun. 2021.

68 GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 230.

69 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Comentários ao art. 5º, LXIII. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coords.).

Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 489-490.

70 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer et al. São Paulo: RT, 2002, p. 441.

71 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 18 jun. 2021.

(18)

Esse princípio consta na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no artigo 8.2: “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”72.

Giacomolli então afirmou:

Ao magistrado, especificamente, é vedado aderir antecipadamente à opinio delicti, não podendo proferir juízo condenatório antes do prévio exaurimento probatório da acusação, mediante o devido processo legal e constitucional, inclusive no seu aspecto formal, com uma necessária e acentuada nota ao pleno contraditório e à prova produzida pela acusação.73

Desse modo, há uma presunção de não culpabilidade – a qual, como expôs Nucci, “tem por objetivo garantir que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa”74, uma vez que as pessoas partem de um estado de inocência. Desse princípio decorre outro: o princípio do in dubio pro reo. Apenas a certeza implicará na condenação: “privilegia-se a garantia da liberdade em detrimento da pretensão punitiva do Estado”75, como explicou Avena.

Pertinente ao tema é o princípio da proporcionalidade, o qual é composto pelo princípio da adequação, pelo princípio da necessidade e pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Usualmente, este princípio no direito penal esteve ligado à individualização das penas em relação ao delito praticado, mas permeia todos os atos do processo.

Reale Júnior76 descreveu o princípio, em conjunto com os princípios da razoabilidade e da ofensividade, como “verdadeiras pautas de conduta” e que

“atuam como mandados de proibição de excessos vinculativos ao legislador e ao intérprete/aplicador da lei”.

4.2 O PAPEL DA CONFISSÃO NO PROCESSO PENAL

A confissão é um meio de prova, ou seja, um dos instrumentos de convencimento do juiz. Ela é a declaração pelo acusado de reconhecimento dos

72 BRASIL. Decreto no 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em: 19 jun. 2021.

73 GIACOMOLLI, Nereu José. Comentários ao art. 5º, LVII. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 477.

74 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2021, p. 66.

75 AVENA, Norberto. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Método, 2021, p. 35.

76 REALE JÚNIOR, Miguel. Fundamentos de direito penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.

21.

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fatos imputados a si, podendo ser simples – total ou parcial, em que o acusado não alega um fato que possa beneficiá-lo – ou qualificada, onde há a alegação de circunstâncias que podem excluir a responsabilidade pelos atos cometidos ou atenuar a pena na hipótese de uma condenação, elucidou Nucci77.

A confissão tem como requisito a voluntariedade do indivíduo acima de tudo;

de acordo com Lopes Júnior78, ela só valerá quando feita em plena liberdade e autonomia, contendo a compreensão e discernimento do indivíduo sobre o ato e não podendo este ser coagido a produzir tal prova, nem que haja quaisquer outros vícios. Ainda, deve ser expressa e pessoal, contendo um alto nível de verossimilhança com os fatos aduzidos.

Sozinha, a confissão não incute na condenação – sua valoração para o processo depende do conjunto probatório –, mas caso esteja em harmonia com as provas nos autos, pode ser valorada para a definição da sentença, explicou Lopes Júnior79. Sobre a confissão, dispõe o art. 197 do Código de Processo Penal que “[...]

para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”80. O juiz decidirá a partir das provas que constam nos autos, partindo da visão que “se [as provas] não estão nos autos, não existem no mundo”81, como expôs Rangel.

De acordo com o art. 198 do Código de Processo Penal, “o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz”82. Como mencionado no tópico acima, o direito ao silêncio não pode prejudicar o acusado em quaisquer das fases do processo. Há, no entanto, situações em que há um incentivo pelo Estado para que ocorra essa “quebra”, como ocorre na Justiça Negocial e nos termos da explicação de Giacomolli:

São situações admitidas pelo legislador e pelos Tribunais, mas que não deixam de representar a publicização da própria traição do sujeito. Entretanto,

77 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2021, p. 497.

78 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.

202.

79 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.

202.

80 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 04 ago.

2021.

81 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 469.

82 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 04 ago.

2021.

(20)

se faz mister analisar a forma como são prestadas as declarações, a voluntariedade, a ausência de indução à declaração, bem como a existência de prévia comunicação ao sujeito do direito de não produzir qualquer prova incriminatória, que não está obrigado a declarar e a aceitar as alternativas legais (para muitos “vantagens legais”). Portanto, o nemo tenetur integra o devido processo, informando da impossibilidade de utilização do silêncio ou da não contribuição como elemento de convicção judicial, direta ou indiretamente (utilização como argumento de prova).83

Quer seja aquela considerada para o acordo concedido pelo Estado ou aquela feita em interrogatório, a confissão que não contém as garantias constitucionais será considerada ilícita e deverá ser desentranhada do processo e retirada da composição do convencimento do juiz.

O art. 199 esclarece a hipótese de confissão feita fora da audiência de instrução e julgamento: “a confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por termo nos autos, observado o disposto no art. 195”84. Aqui, faz-se menção ao fato de que a confissão pode ocorrer em outro momento processual, a fase do inquérito policial. No entanto, como expôs Freire, esta fase investigativa é um procedimento no qual não é completamente assegurado o contraditório em razão do próprio procedimento, tendo consequências sobre o valor da prova:

A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela Polícia Judiciária na fase preliminar da persecução penal (informatio delicti) e o caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial não autorizam, sob pena de grave ofensa à garantia constitucional do contraditório e da plenitude de defesa, a formulação de decisão condenatória cujo único suporte seja a prova, não reproduzi da em juízo, consubstanciada nas peças do inquérito.85

A confissão extrajudicial, de acordo com Nucci, “é apenas um meio de prova indireto, isto é, um indício”86, devendo esta ser analisada com outras provas para que seja admitida no processo; por outro lado, a confissão admitida durante o interrogatório do réu, onde está garantido o contraditório e a ampla defesa, possui maior força probante, apesar de ainda necessitar de outras provas para a eventual decisão do juiz.

83 GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 232.

84 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 04 ago.

2021.

85 FREIRE, Ranulfo de Mello. Valor Probatório do Inquérito Policial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 0, p. 133-138, 1992.

86 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 18. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2021, p. 500.

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Desse modo, ante a análise realizada, não se pode dizer que o acordo de não persecução penal, como ferramenta da justiça criminal negocial, ofende o princípio

O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento

Por fim, será investigado o valor probatório da confissão expressada no âmbito do acordo, questão que ganha relevância no caso de sua rescisão, considerando-se,

Entretanto, se o juiz competente reputar que as condições estipuladas no acordo de não persecução penal foram inadequadas ou insuficientes para o fato investigado