• Nenhum resultado encontrado

Deliberação ERC/2017/120 (CONTJOR)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "Deliberação ERC/2017/120 (CONTJOR)"

Copied!
14
0
0

Texto

(1)

Deliberação

ERC/2017/120 (CONTJOR)

Queixa de Rui Maria Pêgo contra as publicações periódicas I, Correio da Manhã e SÁBADO, e o serviço de programas CMTV, por alegadas

falta de rigor informativo e violação do direito ao bom nome

Lisboa

31 de maio de 2017

(2)

Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social

Deliberação ERC/2017/120 (CONTJOR)

Assunto: Queixa de Rui Maria Pêgo contra as publicações periódicas I, Correio da Manhã e SÁBADO, e o serviço de programas CMTV, por alegadas falta de rigor informativo e violação do direito ao bom nome

I – Queixa

1. Em 23 de junho de 2016, deu entrada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), uma queixa apresentada por Rui Maria Pêgo contra as publicações periódicas Correio da Manhã e Sábado e contra o serviço de programas televisivo Correio da Manhã TV, detidos por Cofina Media, S.A., e também contra o jornal I, propriedade de Newsplex, S.A..

2. Alega que no dia 15 de junho de 2016 foi exibido na emissão da manhã do programa «Flash!

Vidas», na CMTV, em oráculo permanente, o texto «filho de Júlia Pinheiro foi ainda acusado de pedofilia».

3. No mesmo dia, as publicações periódicas Correio da Manhã, Sábado e I publicaram, nas respetivas plataformas digitais, uma notícia intitulada «Rui Maria Pêgo acusado de pedofilia».

4. Argumenta que, não tendo sido alguma vez acusado da prática de qualquer crime, muito menos os previstos nos artigos 171.º e seguintes do Código Penal, os referidos títulos constituem um crime contra a honra, em particular difamação, na forma agravada por ter sido cometido por meio de um órgão de comunicação social.

5. Afirma o Queixoso que, sem prejuízo do recurso às instâncias judiciais, cumpre à ERC atuar, dado que lhe compete assegurar a proteção de direitos de personalidade, nos termos da al. f) do artigo 7.º dos seus Estatutos.

6. Conclui salientando que se trata de uma manifesta violação dos mais elementares princípios jornalísticos e deontológicos, sendo que a ERC deve assegurar que a informação fornecida se paute por critérios de exigência e rigor jornalístico, com rejeição do sensacionalismo, a audição de todas as partes e a abstenção de formular acusações sem provas.

(3)

II – Oposições

7. Notificados os Denunciados e as respetivas entidades proprietárias para, querendo, apresentar as suas oposições, todos os Denunciados decidiram fazê-lo.

• I

8. O jornal I alega que replicou as informações divulgadas pela CMTV e pelas versões digitais do Correio da Manhã e da Sábado. Esta prática é corrente na comunicação social e não põe em causa princípios jornalísticos ou deontológicos, porquanto os leitores são informados da origem da informação.

9. Acrescenta que o Queixoso remeteu ao jornal I um pedido de publicação de direito de resposta, o qual foi publicado, de acordo com documento que envia em anexo. Ademais, a informação publicada foi, por ordem da direção do jornal, retirada quer do sítio da internet do jornal, quer da sua página de Facebook.

• Correio da Manhã

10. Por seu turno, o Correio da Manhã argumenta que não publicou qualquer artigo com o título referido pelo Queixoso, ainda que tenha publicado dois artigos sobre os eventos em questão.

11. Observa que os artigos noticiavam uma publicação do Queixoso no Facebook, na qual assume a sua homossexualidade. A referida página de Facebook está acessível ao público em geral. A publicação foi objeto de alteração e onde atualmente se lê «Coincide gostar de homens» lia-se

«Coincide gostar de meninos». Esta redação inicial gerou imediata controvérsia nos meios de comunicação social e nas redes sociais, surgindo comentários com acusações por parte dos utilizadores da Internet de que o Queixoso se estaria a assumir como sendo pedófilo. A publicação tornou-se «viral».

12. Atentos tais eventos, o Correio da Manhã publicou, no dia 14 de junho, um artigo intitulado

«Filho de Júlia Pinheiro assume homossexualidade» e subintitulado «Rui Maria Pêgo escreveu sobre o massacre de Orlando no Facebook», e, no dia 15 de junho, um artigo com o título

«Confissão de Rui Maria Pêgo gera polémica» e com o subtítulo «Filho de Júlia Pinheiro assumiu homossexualidade». Ora, segundo o jornal, os títulos são absolutamente neutros, objetivos e fieis aos factos ocorridos, não correspondendo ao título que o Queixoso alegou ter sido utilizado.

13. Ademais, sustenta o Correio da Manhã que os artigos «descrevem sucintamente os termos em que a polémica foi gerada e deixam claro que as acusações feitas a Rui Pêgo pelos

(4)

comentadores na Internet mais não passaram que uma errada interpretação das suas palavras iniciais».

14. Por conseguinte, o Correio da Manhã argumenta que os jornalistas atuaram dentro dos limites da liberdade de expressão, tal como protegida pelo artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa.

15. Acrescenta que o Queixoso era uma figura pública à data dos eventos, para além de ser filho de uma das mais célebres figuras da comunicação social portuguesa, pelo que se justifica o interesse público no relato da notícia.

16. Refere, ainda, o jornal Correio da Manhã que o Queixoso, no seguimento das acusações que lhe fizeram, publicou uma declaração no Facebook que, em seu entender, evidencia a forma como o Queixoso desvalorizou as referidas acusações.

17. Conclui alegando que o jornal não preteriu de modo algum o seu dever de transparência ou de zelo pelo rigor informativo.

• Sábado

18. Quanto à revista Sábado, começa por circunstanciar os eventos que deram origem à publicação da notícia, designadamente a assunção da homossexualidade pelo Queixoso e a publicação do Facebook que originou as represálias («Coincide gostar de meninos») e acusações dos utilizadores daquela rede social.

19. Salienta que a revista Sábado que, tanto o título da notícia como o corpo da mesma, fazem um relato absolutamente neutro e descritivo, limitando-se a relatar a situação ocorrida.

20. Neste sentido, defende que a utilização da palavra «acusado» não reveste caráter calunioso ou difamador, nem pretende sugerir que tenha sido aberto um processo contra o Queixoso. A expressão, alega a revista, visa exprimir o facto, verdadeiro e comprovado, de que «diversas pessoas, tendo entendido as palavras iniciais de Rui Maria Pêgo na sua acepção mais extrema e descabida, o acusaram de ser pedófilo».

21. Neste contexto, alega que os temas abordados pela secção da revista têm um estilo generalista e que o largo espetro de público a que se dirige, permitem «a qualquer observador normal entender a palavra “acusado” no sentido coloquial que lhe foi efectivamente atribuído no título, ao invés do sentido técnico-jurídico que o queixoso lhe pretende imputar».

Concomitantemente, pelo amplo público-alvo, é também de esperar que a revista recorra aos vocábulos de forma a exprimir um conteúdo mais corrente e quotidiano.

(5)

22. Defende, assim, a revista Sábado que atuou dentro dos limites da liberdade de expressão, tal como garantida pelo artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa.

23. Observa que o Queixoso era uma figura pública, ao que acresce ser filho de uma figura célebre da comunicação social, e que, assim, se justifica o interesse público no relato da notícia (tal como outros órgãos fizeram).

24. Acrescenta, ainda, que, após as acusações de que foi alvo, o Queixoso publicou uma mensagem no Facebook que, no entender da revista, demonstra que aquele não terá dado relevo à situação, tendo optado por lidar com o caso através de um comentário humorístico.

25. A revista Sábado sustenta, em conformidade, que «nem os factos noticiados nem o título usado provocaram qualquer tipo de dano ao ora queixoso nem muito menos puseram em causa qualquer direito de personalidade do mesmo».

26. A respeito do título, cita a Deliberação 26/CONT-I/2012, de 11 de dezembro, que reconhece a função criativa do título e que a sua construção admite uma margem de simplificação e criatividade, para defender que se o título ora em causa foi construído de forma a ser mais cativante para o público, fá-lo sem distorcer os factos reais da própria notícia.

27. Conclui arguindo que a revista não prescindiu do seu dever de transparência ou de zelo pelo rigor informativo.

• CMTV

28. A CMTV, por seu turno, advoga que o subtítulo utilizado na notícia emitida não ofende os princípios jornalísticos e deontológicos, nem os factos relatados consubstanciam acusações falsas, maliciosas e muito menos sem provas.

29. Neste sentido, refere que o programa «Flash! Vidas», no qual foi emitido o subtítulo, tem por objeto a vida dos famosos (o chamado segmento cor-de-rosa) e que, entre outras, foi noticiada a publicação do Queixoso no Facebook em que este assumia a sua homossexualidade. Esta página é pública e tinha cerca de sessenta mil seguidores.

30. Observa que a publicação, que ainda se encontra disponível, foi entretanto objeto de alteração e onde agora consta «Coincide gostar de homens» lia-se «Coincide gostar de meninos». Foi o uso do vocábulo inicial que gerou imediatamente controvérsia nos meios de comunicação social e nas redes sociais, devido ao seu sentido porventura equívoco. Entre os vários comentários à publicação, houve diversas acusações por parte dos utilizadores de internet que o Queixoso se estaria a assumir como pedófilo. A publicação tornou-se, assim, «viral».

31. Segundo a CMTV, no programa foi feito um relato estritamente objetivo e verdadeiro dos factos.

(6)

32. O título «Rui Maria Pêgo assume a homossexualidade» é absolutamente neutro e descritivo dos factos, tal como o subtítulo «Filho de Júlia Pinheiro foi acusado de pedofilia», que se limita a relatar a situação ocorrida.

33. Por outro lado, defende a CMTV que a utilização da palavra «acusado» não reveste qualquer caráter calunioso ou difamador, nem pretende sugerir que tenha ocorrido qualquer procedimento criminal, pretendendo apenas exprimir o facto, verdadeiro e comprovado, de que diversas pessoas, tendo entendido as palavras iniciais do Queixoso de forma mais extrema, o acusaram de pedofilia.

34. A este propósito, salienta o caráter de informalidade e de descontração em que decorre o programa, o qual permite a qualquer observador normal entender a palavra «acusado» no sentido coloquial que lhe foi efetivamente atribuído e não em sentido técnico-jurídico.

35. Ademais, a CMTV refere que «a notícia foi abordada em direto por um painel de comentadores, os quais teceram diversos comentários sempre em abono, elogio e defesa de Rui Maria Pêgo, não só apoiando a sua conduta como ainda esclarecendo que todas as acusações por parte do público mais não haviam sido do que uma errada interpretação das palavras em questão».

36. Por conseguinte, entende que tanto a CMTV como os comentadores do programa agiram dentro dos limites da liberdade de expressão, protegida pelo artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa.

37. Adita, ainda, à semelhança do referido pela Sábado e pelo Correio da Manhã, que o comportamento do Queixoso na rede social demonstra que não terá dado relevo à situação, tendo optado por lidar com o caso através de um comentário humorístico.

38. Ademais, cita igualmente a Deliberação 26/CONT-I/2012, de 11 de dezembro, para defender que se o título ora em causa foi construído de forma a ser mais cativante para o público, fá-lo sem distorcer os factos reais da própria notícia.

39. Conclui arguindo que não prescindiu do seu dever de transparência ou de zelo pelo rigor informativo.

III – Descrição das peças

40. Naquilo a que se reporta o Correio da Manhã, a ERC não localizou na internet qualquer artigo sob o título identificado pelo Queixoso (“Rui Maria Pêgo acusado de pedofilia”), nem páginas que indiquem que este conteúdo foi retirado. No caso do Jornal i é localizável, em listagem de

(7)

resultados de pesquisas, a existência de um artigo sob o título referido (“Rui Maria Pêgo acusado de pedofilia”) como conteúdo retirado da internet. A revista Sábado publicou, a 15 de junho de 2016, um artigo de três parágrafos com o título “Rui Maria Pêgo acusado de pedofilia”

e com o subtítulo “Depois de assumir a sua homossexualidade na página de Facebook, o apresentador foi acusado de pedofilia por ter escrito “gosto de meninos”. A fotografia é composta por um grande plano de Rui Maria Pêgo que a revista indica em legenda ter sido retirada de “Facebook/RuiMariaPêgo”. Do texto consta que “Apesar dos vários comentários de apoio, houve também quem acusasse o apresentador de pedofilia por ter dito “gosto de meninos”. Para mais, foram estes comentários “insinuosos” que levaram o visado a alterar o texto para “gosto de homens”. É citado Rui Maria Pêgo, utilizando-se aquilo que o mesmo escreveu “na sua página pessoal da rede social”.

41. No que respeita ao conteúdo dos três parágrafos de texto da peça, verifica-se que a fonte Rui Maria Pêgo é identificada. Porém, a fonte em que se baseia a acusação de pedofilia destacada no texto, não é identificada. A utilização de relatos/comentários de utilizadores do Facebook difere da utilização de fontes contactadas em locais públicos, denominados “cidadãos” em vários pontos, nomeadamente quanto à possibilidade de acesso à identidade real daquele que dá a informação (conjuntamente com outros dados como a ocupação, o seu contexto em relação ao facto relatado, etc.), sendo esse dado devido, do ponto de vista do rigor de identificação das fontes. Num caso em que se discute o impacto para o bom nome e reputação, surge uma situação de desequilíbrio entre a origem da informação e factos, ou informação.

Neste caso, não só é dada voz a esses utilizadores do Facebook (cidadãos anónimos) sem qualquer identificação, bem como é neste “facto” que reside todo o artigo – “houve também quem acusasse”.

42. No programa «Flash!Vidas» da CMTV, emitido no dia 15 de junho de 2016, pelas 12h, é comentado pelos vários convidados em estúdio o facto de Rui Maria Pêgo ter sido “ainda acusado de pedofilia” (visível em oráculo). Os comentários são, contudo, de descredibilização daqueles que fizeram esse comentário no Facebook acerca de Rui Maria Pêgo. É salientada a sua intenção de solidariedade e de promoção da tolerância face a casos como o massacre de Orlando, visando clarificar as intenções do Queixoso.

IV – Audiência de conciliação

(8)

43. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 57.º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de novembro, foi convocada a audiência de conciliação. Tendo as partes comparecido à audiência, não foi contudo possível lograr acordo de conciliação.

V – Pressupostos processuais

44. A ERC é competente para apreciar a queixa sub judice, nos termos das alíneas d) e f) do artigo 7.º, al. d) e f) do artigo 8.º e al. a) do n.º 3 do artigo 24.º dos Estatutos da ERC.

45. A queixa foi apresentada atempadamente (artigo 55.º dos Estatutos da ERC) e as partes são legítimas.

V – Análise e fundamentação

46. A presente queixa tem por objeto o título de notícias publicadas e emitidas em quatro órgãos de comunicação social, em 15 de junho de 2016, cujo teor é considerado pelo Queixoso como contrário aos deveres profissionais e deontológicos dos jornalistas e lesivo do seu direito ao bom nome.

47. Para proceder ao enquadramento das questões a dilucidar, afigura-se pertinente principiar por referir que a liberdade de imprensa é uma liberdade fundamental, protegida enquanto tal pelos artigos 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa.

48. Enquanto liberdade fundamental, a liberdade de imprensa compreende, entre outras, os direitos editoriais de definir os temas e factos a noticiar, bem como a forma como tais temas e factos são publicados ou emitidos, e só pode ser comprimida nas estritas circunstâncias em que tal possibilidade se encontre prevista em norma constitucional ou legal.

49. Ora, o dever de rigor informativo e o direito ao bom nome são, por seu turno, dois dos casos que constam do estrito rol de situações que podem originar restrições à liberdade de imprensa. No que respeita às publicações periódicas, o artigo 3.º da Lei de Imprensa1 estabelece o rigor e a objetividade da informação e o direito ao bom nome dos cidadãos como limites à liberdade de imprensa.

1 Aprovada pela Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro, com a última redação dada pela Lei n.º 78/2015, de 29 de julho.

(9)

50. No quadro da atividade televisiva, o n.º 1 do artigo 27.º da Lei da Televisão2 prevê como limite à liberdade de programação os direitos fundamentais, nos quais se inclui o direito ao bom nome (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), enquanto a al. b) do n.º 2 do artigo 34.º do mesmo diploma prevê o respeito pelo rigor informativo como obrigação geral dos operadores.

51. O rigor informativo é parte integrante do direito dos cidadãos a ser informados (constando, de forma expressa, na al. e) do n.º 2 do artigo 2.º da Lei de Imprensa) e integra o leque de deveres fundamentais dos jornalistas, tal como previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista3, onde se lê que os jornalistas devem «[i]nformar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos das opiniões». De um modo geral, o rigor informativo consiste numa descrição corresponde à realidade, isto é, que não é falseada, nem distorcida, nem vaga.

52. O direito ao bom nome, por seu turno, é um direito de personalidade cuja proteção se encontra previsto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, e que tem concretização no artigo 70.º do Código Civil. Pode ser entendido como dando corpo a uma síntese «do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais [por aquele]

adquiridos»4.

53. Posto isto, as notícias cujo título se examina tiveram origem numa publicação de Facebook do Queixoso, motivada pelos crimes cometidos em Orlando, nos E.U.A, contra homossexuais, e nos comentários feitos àquela publicação do Queixoso. A página de Facebook do Queixoso é pública e, por isso, a referida publicação era de acesso geral aos utilizadores da rede social.

54. Daquela publicação do Queixoso resultaram duas notícias nos órgãos de comunicação social Denunciados, com conteúdo distinto, a saber: a primeira, sobre a assunção da sua orientação sexual; a segunda, sobre alguns comentários que foram feitos à forma como se expressou naquela revelação. Foi, pois, a partir do teor de comentários a uma publicação de Facebook do Queixoso que surgiram as notícias intituladas «Rui Maria Pêgo acusado de pedofilia».

55. Correio da Manhã, Sábado e CMTV defendem a opção editorial da publicação da notícia com o facto de o Queixoso ser uma «figura pública» para justificar o interesse da publicação.

Conforme a ERC já teve oportunidade de referir, as notícias sobre figuras públicas, ou até a chamada «imprensa cor-de-rosa», não estão excluídas da proteção conferida pela liberdade de imprensa, pelo que a escolha editorial de noticiar episódios relacionados com figuras públicas,

2 Aprovada pela Lei n.º 27/2007, de 30 de julho, com a última redação dada pela Lei n.º 78/2015, de 29 de julho.

3 Aprovada pela Lei n.º 1/99, de 13 de janeiro, alterada pela Lei n.º 64/2007, de 6 de novembro.

4 In De Sousa, Rabindranath Capelo (1995), O Direito Geral de Personalidade, p. 304.

(10)

incluindo o impacto destas personalidades junto dos utilizadores das redes sociais, está ainda a coberto daquela liberdade.

56. Caso diferente respeita, contudo, quer à sindicabilidade do modo como uma notícia é publicada ou emitida, quer ao grau de proteção jurídica de que beneficia, quando ponderada em conjunto com outros bens constitucionalmente protegidos e potencialmente lesados pela atividade de imprensa.

57. No que respeita ao rigor informativo, são apresentadas diferentes posições acerca do sentido conferido à expressão «acusado», que o Queixoso entende ter uma conotação técnico-jurídica, e que os Denunciados Correio da Manhã, Sábado e CMTV defendem ter um sentido coloquial, até pela natureza generalista das seções ou programas em que foi utilizada.

58. A expressão «acusado» pode ser entendida como tendo qualquer um dos sentidos advogados e a polissemia das palavras constitui, em si, um elemento a ponderar na construção do texto noticioso no sentido da promoção do rigor jornalístico, informando-se de forma clara e objetiva, e evitando-se a construção da dúvida, que se associa a polémica, e consequentemente sensacionalismo, se não fundamentada em fontes de informação devidamente identificadas.

59. Porém, quanto à expressão «pedofilia», não há dúvidas de que o entendimento sobre o seu significado é homogéneo e que se trata de uma conduta profundamente reprovável, que, por isso, comporta uma carga negativa muito intensa, constituindo um anátema para quem dela seja acusado, em sentido técnico-jurídico ou outro. É, pois, um predicado com um significativo potencial lesivo do bom nome – um facto que os órgãos de comunicação social Denunciados, por certo, não desconhecem.

60. Ademais, o potencial impacto junto do público de uma referência a acusações de pedofilia inserida no seu título é imenso e é a primeira ideia a ficar retida na memória do leitor. Ainda que o texto da notícia enquadre o caso e informe o público de que as acusações emanaram, não de um qualquer processo criminal, mas sim de meros comentários de redes sociais, um título como o que está sob análise tem um impacto muito considerável.

61. Note-se que o elemento “figura pública” referido pelos denunciados para justificar o interesse público desta informação é, inclusivamente, destacado por Rui Maria Pêgo na sua mensagem onde diz «sou uma figura pública»; «meu trabalho é público», entre outros. É precisamente por ter este estatuto que considera que a sua mensagem de solidariedade poderá ter um impacto social. Ora, é também por este motivo que o facto de “ser acusado de pedofilia” tem um inegável

(11)

peso de surpresa ao ser noticiado e alimenta um valor-notícia baseado na negatividade e na polémica, quando, para mais se baseia em comentários no Facebook.

62. A este respeito, relembre-se que o Conselho Regulador tem assinalado de forma reiterada que,

«[h]avendo colisão da liberdade de imprensa com algum outro valor constitucionalmente resguardado, a prevalência de um sobre o outro resultará de uma avaliação concreta das circunstâncias de cada situação, tendo em conta que entre bens jurídicos da mesma dignidade rege o princípio do equilíbrio. O interesse público dos factos noticiados é o ponto de referência na operação de compatibilização entre a liberdade de imprensa e outros valores constitucionalmente consagrados e que com aquela possam conflituar» (vide Deliberação n.º 27/CONT-I/2012 de 15 de novembro de 2012).

63. Assim, tendo os órgãos de comunicação social liberdade editorial para decidir quais os eventos a noticiar, tal não se reflete na atribuição ou reconhecimento automático de interesse público a todos os eventos noticiáveis. Este é um ponto fundamental, porquanto na compatibilização prática da liberdade de imprensa com o direito ao bom nome, que são bens jurídicos de valor constitucional equivalente, sai fragilizada a tutela conferida à liberdade de imprensa quando os factos noticiados não revistam interesse público. Esta é, na verdade, uma decorrência da aplicação do princípio da proporcionalidade.

64. Ora, como mencionado, uma notícia que incide sobre comentários feitos no Facebook que levantam suspeitas não sustentadas, mesmo levianas, sobre uma eventual prática de pedofilia carecia, na sua titulação, de um tratamento jornalístico que atendesse ao teor negativo associado a tal comportamento e ao impacto no bom nome do Queixoso, com a rejeição do sensacionalismo (al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista).

65. A defesa dos denunciados de que esta informação foi amplamente divulgada em vários meios de comunicação não sustenta necessariamente o seu interesse público. Ressalve-se inclusivamente a precaução com que os jornalistas devem utilizar como fontes de informação blogs (pessoais) em que se desconhece a sua credibilidade e autoria. Anexo à resposta do denunciado constam elementos de prova desse mediatismo, publicados no «blog dioguinho»

sob a designação «bronca».

66. Quanto ao Correio da Manhã, alega não ter publicado qualquer notícia com o título invocado pelo queixoso. De acordo com as provas apresentadas, não se constata a existência de notícia com o título em causa. A referência à aparente polémica gerada encontra-se no corpo de um

(12)

artigo com o título «Confissão de Rui Pêgo provoca polémica». Por conseguinte, não se pode ter a queixa por procedente quanto ao Correio da Manhã.

67. No que respeita à revista Sábado, de acordo com as cópias remetidas junto com a oposição, constata-se que foi publicado um artigo com o título «Rui Maria Pêgo acusado de pedofilia». O título não refere quem acusa. O subtítulo não clarifica que foram outros utilizadores da mesma rede social que o fizeram, repetindo-se o termo «foi acusado» sem atribuição de sujeito. É um caso de sensacionalismo, no sentido de fomentar polémica.

68. Presentemente, o artigo já não se encontra disponível na plataforma online da É, sem dúvida, uma decisão acertada, que implicitamente reconhece a desadequação da publicação e que, de certa forma, atenua os seus efeitos.

69. Na construção da notícia e, sobretudo, para o que aqui importa, na conceção do título, deveria ter sido adequadamente ponderado o seu efeito sensacionalista e o potencial impacto no bom nome do Queixoso, em clara inobservância do al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista. Ao fazê-lo, não cuidando de tratar com o nível de exigência necessário um tópico como a pedofilia, a revista Sábado recorreu ao sensacionalismo e violou o bom nome do Queixoso e, assim, os limites à liberdade de imprensa previstos no artigo 3.º da Lei de Imprensa.

70. Relativamente ao jornal I, afirma que se limitou a reproduzir as notícias publicadas por outros órgãos de comunicação social e que eliminou a publicação da sua edição online e da respetiva página de Facebook logo após receber o pedido de publicação de um direito de resposta do Queixoso. Com efeito, de acordo com a pesquisa realizada pela ERC, já não existe qualquer hiperligação para um tal conteúdo.

71. O comportamento do jornal I, ao eliminar a notícia da página online, revela bom senso por parte da direção e, de certa forma, atenua os efeitos da publicação da notícia. Contudo, ao publicar uma notícia dada por um outro órgão de comunicação social, não estava o jornal I isento da responsabilidade de certificar-se de que aquela peça foi produzida de acordo com os ditames profissionais, designadamente do rigor jornalístico e da rejeição do sensacionalismo (al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista).

72. No que se refere ao serviço de programas televisivo CMTV, tem pertinência o facto de a notícia ter sido discutida pelo painel de comentadores do programa e de ter resultado da discussão que as imputações feitas ao Queixoso tinham origem em comentários feitos numa rede social.

73. Os comentadores sustentam o ponto de vista do Queixoso defendendo-o das acusações alegadamente veiculadas nas redes sociais. Porém, a permanência em oráculo da frase “Foi

(13)

também acusado de pedofilia” não deixa de ter um impacto gráfico de destaque ao qual os telespetadores poderão predominantemente atribuir mais atenção. Neste contexto, deveria o serviço de programas de televisão ter tido mais cuidado no tratamento da informação, tendo em atenção o já referido equilíbrio entre o interesse público da notícia e o direito ao bom nome do visado.

V – Deliberação

Tendo apreciado uma participação apresentada por Rui Maria Pêgo contra o jornal I, propriedade de Newsplex, S.A., contra o jornal Correio da Manhã, a revista Sábado e o serviço de programas televisivo CMTV, os três propriedade da Cofina Media, S.A. ., por notícias intituladas «Rui Maria Pêgo acusado de pedofilia», publicadas nas edições e emissão de 15 de junho de 2016, com fundamento em alegada falta de rigor informativo e em violação do direito ao bom nome;

Considerando que a liberdade de imprensa compreende o direito editorial de definir os temas e factos a noticiar, bem como a forma como tais temas e factos são publicados ou emitidos, e que aquela só pode ser comprimida nas estritas circunstâncias em que tal possibilidade se encontre prevista em norma constitucional ou legal;

Salientando que o interesse público dos factos noticiados é o ponto de referência na operação de compatibilização entre a liberdade de imprensa e outros valores constitucionalmente consagrados e que com aquela possam conflituar;

Notando que um título noticioso relativo a uma eventual prática de pedofilia carece de um tratamento jornalístico que pondere adequadamente a credibilidade das fontes e da informação, a rejeição do sensacionalismo e o impacto no bom nome no visado pela notícia;

O Conselho Regulador, no exercício das atribuições e competências de regulação constantes das alíneas d) e f) do artigo 7.º, das alíneas d) e f) do artigo 8.º e na al. a) do n.º 3 do artigo 24.º do Estatutos da ERC, delibera:

1) A respeito do jornal Correio da Manhã, considerar não se ter verificado a existência de qualquer artigo com o título denunciado pelo Queixoso;

(14)

2) Quanto ao jornal I, considerar positiva a célere eliminação da notícia, notando que o jornal deverá cuidar de acautelar, na reprodução de notícias elaboradas por outros órgãos de comunicação social, a observância dos padrões jornalísticos exigíveis;

3) Quanto à revista Sábado, constatar que foram violados os limites à liberdade de imprensa, previstos no artigo 3.º da Lei de Imprensa, e sensibilizar o jornal para a necessidade de rejeitar o sensacionalismo e de ponderar devidamente os direitos de personalidade dos visados pelas peças noticiosas;

4) Relativamente ao serviço de programas de televisão CMTV, sensibilizar o órgão para a necessidade de observar uma ética de antena que pondere os direitos de personalidade dos visados.

Lisboa, 31 de maio de 2017

O Conselho Regulador,

Carlos Magno

Alberto Arons de Carvalho

Luísa Roseira

Referências

Documentos relacionados

- “No registo de interesses enviado ao Parlamento, o governante participou a quota da mulher nessa sociedade, como prevê a lei, mas não fez referência à participação

Para Fábio Tfouni (2003), o novo é o acontecimento – no sentido de Pêcheux (1997) – um nódulo do real que surge na realidade e clama por sentido, por interpretação. No

Para Varoufakis refere-se «acusado de se expressar de forma tão assertiva que chega a ser arrogante», sendo uma característica de personalidade, considerada pelo

«Está Visto, Está Dito!», porque tal tipo de texto é avaliado com base em parâmetros distintos dos textos de cariz informativo, foi solicitado ao diretor do jornal, por ofício

O valor da licitación pública de todas as ad- ministracións en Galicia no ano 2014, tras o forte descenso rexistrado no ano anterior, presenta no último ano unha medra do

Primeiro porque, de acordo com o raciocínio que adoto ao analisar o Portugal baixo-medieval, toda e qualquer forma de produção (exploração e apropriação) pressupõe uma

Artigo 18.-Espacio privado de interese natural. As institucións e os propietarios particulares dos terreos nos que existan formacións naturais, especies ou hábitats de flora e

Mesmo após sete anos de vigência da LNSB, a quantidade de planos de saneamento encontrados nos 100 maiores municípios brasileiros foi 66, inferior ao esperado,