• Nenhum resultado encontrado

Deliberação ERC/2021/36 (CONTJOR)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Deliberação ERC/2021/36 (CONTJOR)"

Copied!
16
0
0

Texto

(1)

Deliberação

ERC/2021/36

Queixa de Eduardo Pinheiro contra o CM e CMTV, por falta de rigor informativo e violação do direito ao bom nome e reputação nas notícias «Firma da família do governante fatura 2 milhões com o

Estado» e «Empresário do Porto denuncia governante»

Deliberação

ERC/2021/36 (CONTJOR)

Queixa de Eduardo Pinheiro contra o CM e CMTV, por falta de rigor informativo e violação do direito ao bom nome e reputação nas

família do governante fatura 2 milhões com o Estado» e «Empresário do Porto denuncia governante»

Lisboa

)

Queixa de Eduardo Pinheiro contra o CM e CMTV, por falta de rigor informativo e violação do direito ao bom nome e reputação nas

família do governante fatura 2 milhões com o

Estado» e «Empresário do Porto denuncia governante»

(2)

Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social

Deliberação ERC/2021/36 (CONTJOR)

Assunto: Queixa de Eduardo Pinheiro contra o jornal Correio da Manhã e CMTV, por falta de rigor informativo e violação do direito ao bom nome e reputação nas notícias com os títulos

«Firma da família do governante fatura 2 milhões com o Estado» e «Empresário do Porto denuncia governante», publicadas nos dias 13 e 14 de setembro de 2020 no jornal Correio da Manhã e no programa «Investigação CM» emitido pela CMTV no dia 21 de setembro de 2020

I. Enquadramento

1. Na sequência de uma queixa de Eduardo Pinheiro (doravante, Queixoso) contra o jornal Correio da Manhã e a CMTV, (doravante, Denunciado), por despacho do Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, de dia 13 de outubro de 2020, foi aberto o processo n.º 500.10.01/2020/275.

2. O Queixoso começa por referir que a queixa «tem por objeto duas notícias publicadas nas edições de 13 e 14 de setembro de 2020 do jornal Correio da Manhã e, bem assim, uma notícia emitida no programa «Investigação CM», exibido na CMTV a 21 de setembro de 2020, pelas 21h44.»

3. Considera o Queixoso que «misturando factos e mentiras, o Correio da Manhã veiculou uma série de notícias com insinuações, adjetivações e inverdades com a finalidade de lançar suspeitas sobre o Ministro do Ambiente e da Ação Climática e sobre [o próprio Queixoso], (...), tentando confundir os leitores com uma manchete sensacionalista – “Ambiente em negócio Milionário com o estado” –, e títulos falsos – “Empresa do número dois de Matos Fernandes celebra 39 contratos na área ambiental, 11 já como governante”.

4. O Queixoso destaca ainda outros exemplos do que considerou «falso e sensacionalista» nas notícias:

a) Na notícia publicada na edição de 13 de setembro de 2020 do jornal Correio da Manhã:

- Na primeira página, “Empresa do número 2 de Matos Fernandes celebra 39 contratos na área ambiental, 11 já como governante”;

- Ainda na primeira página, “Eduardo Pinheiro e Ministro são amigos”;

(3)

- “O ministro do ambiente e o seu secretário de Estado da Mobilidade são, segundo apurou o CM, amigos desde os tempos em que Pinheiro era autarca em Matosinhos”;

- “Firma de família de governante fatura 2 milhões com o Estado”;

- “Eduardo Pinheiro não declarou a participação da sogra na Território XXI no registo de interesses”;

- “No registo de interesses enviado ao Parlamento, o governante participou a quota da mulher nessa sociedade, como prevê a lei, mas não fez referência à participação da sogra”.

- “Quando a Território XXI fez os contratos com o ICNF e a APA, Pinheiro era autarca em Matosinhos e, em outubro de 2019, passou a ser secretário de Estado da Mobilidade na equipa do Ministério do Ambiente. Desde o seu ingresso no Governo, a empresa fez 11 contratos com autarquias no valor de 338 mil euros (...)”.

b) Na notícia publicada na edição de 14 de setembro de 2020 do jornal Correio da Manhã:

- “Acordo feito com Eduardo Pinheiro, quando este era autarca, para resolver um diferendo com a Câmara de Matosinhos, terá tido também por objetivo ocultar a empresa da mulher e da sogra”;

- “O empresário diz que fez um acordo com Pinheiro em 2017, quando este era presidente da autarquia, através do qual recebeu 20 mil euros para resolver o diferendo relativo a um restaurante”;

- “Faturação milionária. De 2016 a julho de 2020, a Território XXI faturou quase dois milhões de euros em contratos como Estado. Deste valor, 995 mil euros pagos por entidades do Ministério do Ambiente”;

- “Amizade de Matosinhos. Pinheiro e Matos Fernandes são amigos desde os tempos em que o primeiro era autarca em Matosinhos. Ambos dizem que a Território XXI não foi favorecida”.

c) No programa «Investigação CM», exibido na CMTV a 21 de setembro de 2020, e no respetivo sítio de internet:

- “Investigação CM. Empresa da família de governante fatura milhões à custa do Estado”;

- “A Investigação CM descobriu uma empresa que, em poucos anos, faturou milhões à custa do Estado. São negócios polémicos que envolvem a mulher e a sogra do Secretário de Estado Eduardo Pinheiro”.

5. Considera o Queixoso que as notícias visadas «induzem o leitor e o espectador em erro, transmitindo informação que é falsa, insinuando ou mesmo acusando [o Queixoso] de

(4)

exer[ce] e que respeitam à [sua] seriedade, compromisso e correção para com a coisa pública, deste modo atentando seriamente e de forma infundada contra o [seu] bom nome e contra a [sua] reputação».

6. Referiu também ter exercido o direito de resposta relativamente às notícias visadas na presente queixa.

7. Relativamente aos factos que foram noticiados, esclarece o Queixoso que «ao contrário do que indica a notícia de 13 de setembro de 2020, (...) não é proprietário da empresa Território XXI e não teve nenhuma interação nem influência na empresa».

8. Mais disse que «todos os contratos celebrados por aquela empresa com entidades tuteladas pelo Ministério Público são anteriores a 26 de outubro de 2019, altura em que [o Queixoso]

tomou posse como Secretário de Estado da Mobilidade». Refere também que os contratos em causa «são públicos e consultáveis».

9. Diz ainda que «como se pode confirmar pelo site Base Gov, os dois contratos com o instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (...) foram feitos em consórcio e alvo de concurso público, tendo recebido o visto do Tribunal de Contas, pelo que foram escrutinados e estão conformes a lei em vigor, não havendo nenhuma incompatibilidade legal ou ética, nomeadamente em termos de concorrência».

10. Disse também que «o contrato com a Agência Portuguesa do Ambiente foi um ajuste direto celebrado de acordo com a lei (...) Este contrato foi feito em junho de 2017, data muito anterior à tomada de posse do [Queixoso] como Secretário de Estado da Mobilidade».

11. Aduz o Queixoso que «nunca tentou ocultar a existência da Território XXI. (...) a informação sobre a empresa é, e sempre foi, pública. É igualmente pública a estrutura acionista da sociedade, cuja última alteração societária ocorreu a 22 de março de 2018, ou seja, 19 meses antes da tomada de posse do [Queixoso], a 26 de outubro de 2019. No que respeita às afirmações relativas à sogra [do Queixoso], a sua participação societária não foi referida na “Declaração única de rendimentos, património e interesses, incompatibilidades e impedimentos” de titulares de cargos políticos porque a lei o não prevê». Ainda assim, refere que esta informação é pública.

12. Diz ainda o Queixoso que «a empresa Território XXI (que é detida por três sócios) não prestou serviços para qualquer entidade sob tutela do [Queixoso]. De qualquer modo, a empresa está impedida de participar em qualquer procedimento de contratação pública lançado por entidades adjudicantes tuteladas pelo [Queixoso], na medida em que a sua mulher exerce funções de gestão na empresa em causa (...)».

(5)

13. Esclarece também que «tomou posse na Câmara Municipal de Matosinhos a 11 de outubro de 2013, só tendo oportunidade de conhecer Matos Fernandes já como Ministro, após a sua tomada de posse em novembro de 2015».

14. Considera o Queixoso que nas notícias visadas na queixa existiu «uma mistura de factos com alegadas conclusões que correspondem, na verdade, a asserções e opiniões dos autores das notícias, claramente com um caráter e intuito sensacionalistas porque redundam em conclusões forçadas que não resultam dos factos que lhes teriam de servir como premissas».

15. Conclui dizendo que «os factos relatados não foram interpretados com honestidade pelos jornalistas autores das notícias em questão, nem tão-pouco se verifica ter existido um

“combate” ao “sensacionalismo” (...). Entende o Queixoso que se pretendeu apresentar factos e

“contar uma história” de modo a insinuar um pretenso incumprimento da lei e um favorecimento ou potencial favorecimento de uma determinada entidade (a empresa Território XXI) que, de facto, não existiram de todo».

16. Notificado para se pronunciar sobre a queixa em apreço, o Denunciado começa por dizer que

«as notícias divulgadas surgem de uma investigação (...) na sequência de uma denúncia apresentada por um empresário identificado na edição de 14 de setembro (...)» do jornal.

17. Considera que «a notícia está redigida de forma factual, imparcial, limitando-se a reproduzir (...) os factos noticiados».

18. Refere também que as peças jornalísticas visadas «(...) fazem referência a diversos contratos celebrados entre a empresa “Território XXI” e o Estado Português, entre 2016 e julho de 2020».

19. Entende o Denunciado que as referências contidas nas notícias «são apresentadas de forma absolutamente factual, sem qualquer comentário ou juízo de valor de qualquer espécie sendo somente elencados alguns desses contratos que, aliás, são reconhecidos pelo próprio queixoso».

20. Em relação à notícia que descreve a relação entre o Queixoso e o Ministro do Ambiente e Ação Climática, defende o Denunciado que «(...) ambos eram anteriormente conhecidos (...) sendo que os factos noticiados se limitam a descrever que, atualmente, fruto do natural relacionamento entre ambos, existirá uma relação de amizade entre si».

21. Afirma o Denunciado que na notícia se refere, no entanto, «(...) que ambos se pronunciaram no sentido de a empresa nunca ter obtido qualquer vantagem em relação a demais candidatas à contratação: “Ambos dizem que a Território XXI não foi favorecida».

(6)

22. Quanto à alegada falta de seriedade e compromisso que o Queixoso afirma terem sido postos em causa «(...) ao serem revelados os valores dos contratos celebrados entre a empresa

“Território XXI” e o Estado Português», alega o Denunciado que os valores são apresentados de forma precisa e com absoluta veracidade (...)».

23. Por outro lado, afirma o Denunciado que «os artigos postos em crise, bem como na reportagem reclamada, limitam-se a afirmar que a esposa do queixoso pertence à estrutura acionista da empresa, bem como a sua sogra, aliás, esta última com particular preponderância, com 55% do capital social da empresa».

24. Defende o Denunciado que, «em momento algum é feito qualquer juízo relativamente à estrutura acionista da empresa, muito menos se dá a entender que o queixoso procurou esconder a existência da empresa, sendo apenas reveladas as percentagens de participação dos familiares do queixoso (...)».

25. Considera o Denunciado que «este facto é de manifesto interesse público, uma vez que, ainda que a lei, por opção do legislador em definir um limite das relações de parentesco a serem obrigatoriamente reveladas no segmento de impedimentos e incompatibilidades, não deixa de ser relevante que outro familiar do queixoso tenha participação na empresa em causa».

26. Aduz o Denunciado que em momento algum se afirmou que o Queixoso tivesse incumprido com qualquer obrigação legal e que «(...)as peças se limitaram a reproduzir factualmente informação disponível a qualquer pessoa».

27. Sustenta ainda o Denunciado que foi assegurado «(...) o contraditório ao Queixoso, através do Direito de Resposta (...) publicado quer no jornal Correio da Manhã quer emitido pela CMTV.»

28. Entende que nada do que foi «(...) aduzido, retificado ou esclarecido, altera (...) [a]

imparcialidade e isenção na descrição dos factos respeitantes ao tema em apreço».

29. Defende também que «atendendo ao cargo político de elevado relevo ocupado pelo queixoso, não há dúvidas que a informação em causa seja de elevado interesse público».

30. Mais diz que «o conteúdo das peças jornalísticas é, todo ele, absolutamente rigoroso e decorrente de uma cuidada investigação, sendo que é o próprio queixoso quem o reconhece como verdadeiro, limitando-se a extrair destas ilações de cunho pessoal e que em nada correspondem ao que é veiculado pelas mesmas».

31. Em relação à alegada violação do direito ao bom nome e reputação, alega o Denunciado que «a liberdade de imprensa (...) deve ser exercida dentro dos limites legais/constitucionais».

(7)

32. Para o Denunciado «não se vislumbra de que forma o conteúdo em crise poderá contender com o bom nome do queixoso, uma vez que nem sequer lhe são imputadas quaisquer atitudes que possam colocar esse bom nome em causa».

33. Refere ainda que nas notícias divulgadas terá havido o cuidado de preservar o bom nome do Queixoso citando, a título de exemplo, as seguintes passagens: «No registo de interesses enviado ao Parlamento, o governante participou a quota da mulher nessa sociedade, como prevê a lei ...»; «Ambos dizem que a Território XXI não foi favorecida»; «Pinheiro garantiu que nunca pediu nada ao ministro nem a autarcas de outros municípios».

34. Conclui requerendo que o processo seja arquivado por falta de fundamento.

35. No dia 15 de dezembro realizou-se a audiência de conciliação, nos termos do artigo 57.º dos Estatutos da ERC, não tendo sido possível chegar a um entendimento entre as partes.

II. Descrição das peças jornalísticas

36. Estão em causa peças publicadas em duas edições impressas do CM, nos dias 13 e 14 de setembro, e o tratamento jornalístico posterior da matéria no espaço de informação

«Investigação CM» do serviço de programas CMTV, no dia 21 de setembro de 2020.

37. A 13 de setembro, a matéria surge destacada em manchete, com o título: “Ambiente em negócio milionário com o Estado”, editada como um trabalho de investigação do CM. No corpo do jornal, adquire a titulação: “Firma da família de governante fatura 2 milhões com o Estado", com um conjunto de peças contíguas relacionadas (págs. 4 e 5).

38. O CM volta a mencionar o secretário de Estado e a empresa Território XXI na página 19 da edição de 14 de setembro de 2020, na peça: “Empresário do Porto denuncia governante”. Algumas das questões abordadas na véspera voltam a ser destacadas em peças breves de enquadramento.

39. A 21 de setembro de 2020, a CMTV aborda o tema no espaço «Investigação CM», retomando os dados e as declarações que o jornal apresentara na semana anterior.

40. São apresentadas cinco peças jornalísticas com a titulação genérica “Ambiente milionário”, com uma duração global de aproximadamente 16 minutos.

41. Uma descrição mais pormenorizada de cada uma das peças pode ser lida no Relatório de visionamento, em anexo.

(8)

III. Análise e fundamentação

42. A presente queixa contra o Correio da Manhã e a CMTV convoca a apreciação do dever de rigor e isenção informativos e da rejeição do sensacionalismo nas peças jornalísticas de 13 e 14 de setembro do jornal e de 21 de setembro do espaço informativo televisivo «Investigação CM».

43. O rigor e a isenção informativos, a par da recusa do sensacionalismo, são princípios basilares da atividade jornalística e aplicam-se não apenas ao texto que compõe o corpo das peças jornalísticas mas a todos os elementos informativos que as constituem, sejam títulos internos ou de primeira página, fotografias, infografias, respetivas legendas, etc. Esses elementos constituem partes de um todo cuja compreensão está intimamente dependente da coerência que se estabelece entre as mesmas. Quanto maior a articulação mais a informação jornalística se ajustará à realidade tratada.

44. Desvios ou imprecisões na construção jornalística, seja por falta de rigor e isenção ou por sensacionalismo, entre outros, desvirtuam o sentido da informação e resultam num ato comunicativo desajustado da realidade, com diminuição da qualidade e da credibilidade informativas.

45. Pelas razões atrás invocadas, o artigo 3.º da Lei de Imprensa estabelece que «[a] liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objetividade da informação».

46. Apreciado o trabalho jornalístico objeto de queixa, identifica-se, desde logo, que a titulação de primeira página da edição de 13 de setembro de 2020 destaca informação que não é factual. A informação em causa constitui um dos subtítulos da manchete: «Empresa do número dois de Matos Fernandes celebra 39 contratos na área do ambiente, 11 já como governante».

47. Ora, a empresa Território XXI, que o jornal associa, logo na primeira página, a uma «polémica» e

«negócio milionário», não pertence ao «número dois» do ministro do Ambiente, isto é, ao Queixoso, mas à sua mulher, à sua sogra e a um terceiro sócio.

48. A informação em destaque não é rigorosa, nem encontra respaldo no desenvolvimento que o CM faz da matéria no interior do jornal, onde indica adequadamente a propriedade da empresa logo no título da peça: «Firma da família de governante fatura 2 milhões com o Estado».

49. Outro dos pontos que sobressai da peça jornalística do CM tem que ver com as obrigações declarativas do Queixoso, no âmbito do registo de interesses que é exigido para o exercício de funções políticas governativas.

(9)

50. Na edição de 13 de setembro, em subtítulo, o CM escreve o seguinte: «Dado: Eduardo Pinheiro não declarou a participação da sogra na Território XXI no registo de interesses». No corpo do texto acrescenta: «No registo de interesse enviado ao Parlamento, o governante participou a quota da mulher nessa sociedade, com prevê a lei, mas não fez referência à participação da sogra.»

51. A informação é correta (o próprio Queixoso o refere na queixa que dirige à ERC). Ou seja, o Queixoso não declarou a quota de Lucília Silva, a sua sogra, na empresa Território XXI. Porém, essa conduta não viola as normas em vigor.

52. Dito de outro modo, é um «dado» que o Queixoso não declarou a participação da sogra na empresa mas não tinha qualquer obrigação legal de o fazer.

53. O CM assinala essa informação numa das peças breves que edita no topo da página 5 (o texto principal consta da página 4), da edição de 13 de setembro, nos seguintes moldes:

«Legislação. Omissão para quotas

O novo regime do exercício de funções políticas e altos cargos públicos não prevê que estes responsáveis declarem no seu rendimento de interesses, que é divulgado no site do Parlamento, as participações detidas por familiares (como a sogra) em empresas nas quais o seu cônjuge tenha uma quota ou ações.»

54. Não obstante a nota, em todo o texto principal não há qualquer referência a esse facto. A forma incompleta como a informação é veiculada e a redação adversativa usado no corpo do texto –

«participou a quota da mulher nessa sociedade, como prevê a lei, mas não fez referência à participação da sogra» –, fomentam a ideia de que o Queixoso transgrediu, alimentando suposições e conclusões especulativas que não correspondem à verdade e redundam em sensacionalismo.

55. Convoca-se para este ponto da análise a peça televisiva de 21 de setembro, da CMTV, na qual se reporta que o Queixoso se «esqueceu» de comunicar a situação da sogra ao Parlamento

«aquando da sua nomeação». Ora, não existindo o dever de o comunicar, falta de rigor à peça informativa.

56. Sobre o tratamento televisivo da matéria há ainda a registar desvios de rigor e sensacionalismo quando a CMTV aborda os montantes dos concursos públicos celebrados entre a empresa Território XXI e duas entidades públicas, em 2017 e em 2019.

57. A CMTV começa por informar, e bem, que, em 2017, a Território XXI «ganhou, logo aí, 50 mil euros» num ajuste direto, para depois destacar dois concursos públicos que a empresa da

(10)

mulher do Queixoso teria ganho. Mas, contrariamente ao que acontece na edição de 13 de setembro do jornal, na peça televisiva nunca se refere que nestes dois concursos a Território XXI não esteve sozinha como entidade adjudicatária dos contratos, concorrendo em parceria com outra empresa. Assim, quando valoriza que o concurso de 2017 rendeu «mais de meio milhão de euros» e que, em 2019, «a Território XXI celebra mais um contrato com o ICNF, no valor de 369 756 euros», a CMTV acaba por empolar e dar uma visão errónea dos factos.

58. Assinala-se que na edição impressa de 14 de setembro o mesmo valor global de ganhos (de

«faturação milionária») é atribuído exclusivamente à empresa da mulher do Queixoso, na caixa de texto intitulada “Pormenores”. Afirma-se que dos quase dois milhões de euros faturados entre 2016 e julho de 2020 pela Território XXI, «995 mil euros [foram] pagos por entidades do Ministério do Ambiente.» Todavia, como se assinalou, parte deste somatório foi repartido com outra empresa.

59. A matéria em causa, tal como sustenta o Denunciado, tem interesse público e deve ser sujeita a escrutínio, na medida em que remete quer para a utilização de dinheiros públicos, quer para os limites impostos aos detentores de cargos políticos. Tal matéria não é, sequer, posta em causa pelo Queixoso. O que não se pode deixar de assinalar negativamente sobre o caso concreto é a forma pouco rigorosa como alguns factos foram tratados e dados a conhecer, nem sempre encontrando respaldo no desenvolvimento dado nas notícias. Quando isto acontece, acaba por se perder o propósito de escrutínio e de denúncia que subjaz a um trabalho jornalístico de investigação como aquele que o CM se propôs fazer.

60. Assim, a falta de rigor nas matérias assinaladas, designadamente na escolha de um título que não é confirmado pelos factos que são noticiados, bem como na ideia de que o Queixoso teria transgredido na declaração de interesses e ainda na forma como abordou os montantes dos contratos públicos celebrados pela empresa Território XXI, pôs em causa o direito ao bom nome e reputação do Queixoso, em especial, porque afetou a perceção social sobre a idoneidade do Queixoso enquanto titular de um cargo público.

61. Como se referiu, o artigo 3.º da Lei de Imprensa estabelece que «a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei (...)». O artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, determina que «[a] todos são reconhecidos os direitos (...) ao bom nome e reputação».

62. Assim, no caso em análise temos, por um lado, o direito ao bom nome e reputação do Queixoso e, por outro, o direito de informação e da livre expressão de pensamento, consagrados nos

(11)

artigos 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa e também nos artigos 1.º e 2.º da Lei de Imprensa.

63. Em caso de conflito, o conteúdo de determinado direito pode ser restringido na medida necessária para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

64. Pelo exposto, considera-se que o direito à informação e o interesse noticioso da matéria que foi divulgada não exoneram o Denunciado do cumprimento das regras de rigor informativo nem legitima que, por falta de rigor na forma como alguns factos foram noticiados, se ponha em causa o bom nome do visado nas notícias.

IV. Deliberação

Tendo analisado uma queixa de Eduardo Pinheiro contra a publicação periódica Correio da Manhã e o serviço de programas televisivos Correio da Manhã TV, ambos propriedade da Cofina Media, S.A., a propósito das peças jornalísticas das edições de 13 e 14 de setembro de 2020 do jornal e das peças de 21 de setembro do espaço de informação televisivo «Investigação CM», o Conselho Regulador da ERC, no exercício das suas competências e atribuições previstas nos artigos 7.º, alínea d), 8.º, alínea d) e 24.º, n.º 3, alínea a), dos Estatutos da ERC, delibera:

1. Considerar que o tratamento jornalístico não cumpre as exigências do rigor informativo e revela traços de sensacionalismo, seja pela falha detetada na primeira página da edição de 13 de setembro de 2020 do jornal relativamente à propriedade da empresa, seja pela informação errónea ou pouco clara sobre a declaração de interesses do governante ou os ganhos da empresa da sua mulher, constatando-se, em consequência, a violação do artigo 3.º da Lei de Imprensa;

2. Alertar o Correio da Manhã e o Correio da Manhã TV para o dever de respeitar os direitos fundamentais dos visados nas notícias que divulga.

Lisboa, 3 de fevereiro de 2021

O Conselho Regulador,

Sebastião Póvoas Mário Mesquita Francisco Azevedo e Silva

(12)

ANEXO

RELATÓRIO DE VISIONAMENTO DAS PEÇAS JORNALÍSTICAS DE 13 E 14 DO CM E DE 21 DE SETEMBRO DE 2020 DA CMTV

a) Peça do CM de 13/09/2020

1. “Ambiente em negócio milionário com o Estado” é a manchete da edição de 13 de setembro de 2020 do Correio da Manhã (CM), cuja matéria é apresentada como uma “CM investigação”, remetendo para as páginas 4 e 5.

2. O título destacado na primeira página é apoiado por informação variada: «Adjudicações públicas»; «Polémica envolve membros do Governo»; «Empresa do número dois de Matos Fernandes celebra 39 contratos na área ambiental, 11 já como governante»; «Eduardo Pinheiro e ministro são amigos. “Nunca lhe pedi nada”, garante o primeiro. “Nunca influenciei”, diz o titular da pasta.»

3. A manchete é ilustrada com uma fotografia de rosto de pequenas dimensões de cada um dos membros do executivo.

4. No interior do jornal, a peça é editada na secção “Atualidade I” com o título: “Firma da família de governante fatura 2 milhões com o Estado".

5. Em pós-título, o CM destaca: «Posição: Mulher e sogra do secretário de Estado da Mobilidade têm quotas de 10% e 55%, respetivamente, numa empresa que fez 39 contratos com entidades públicas, entre 2016 e julho de 2020. Dado: Eduardo Pinheiro não declarou a participação da sogra na Território XXI no registo de interesses».

6. Depois de repetir a faturação da empresa no período supramencionado e a quota de cada uma, a peça indica que: «No registo de interesse enviado ao Parlamento, o governante participou a quota da mulher nessa sociedade, como prevê a lei, mas não fez referência à participação da sogra.»

7. Escreve o CM que, «questionado se, por transparência, não deveria ter declarado no seu registo de interesses, como governante, que a empresa fez contratos com entidades do Ministério do Ambiente, Pinheiro afirmou: “Não. Não deveria porque os contratos são todos públicos. Declarei, como manda a lei, as participações em sociedades. No caso em apreço, não tendo eu nenhuma participação em qualquer empresa, declarei, como previsto, a participação do cônjuge com quem sou casado no regime de comunhão de adquiridos.”»

(13)

8. Diz-se que a Território XXI foi constituída em 2015, uma semana depois da nomeação de João Pedro Matos Fernandes como ministro do Ambiente e que Eduardo Pinheiro passou a ser seu secretário de Estado em 2019. Acrescenta-se que, «segundo apurou o CM», o ministro e o secretário de Estado são «amigos desde os tempos em que Pinheiro era autarca em Matosinhos.»

9. O CM auscultou o secretário de Estado e Vilma Silva, a sua mulher, assim como procedeu à consulta do portal dos contratos públicos.

10. O jornal destaca os três contratos que a Território XXI celebrou com entidades do Ministério do Ambiente em 2017 e 2019, informando que dois foram em parceria. Aquando dos contratos de 2017, Eduardo Pinheiro era autarca. Em outubro de 2019 passou a exercer funções governativas. Acrescenta que desde o início de funções, a Território XXI fez 11 contratos com autarquias.

11. Vilma Silva declara ao CM que a empresa só não pode participar em procedimentos que envolvam entidades tuteladas pela Secretaria de Estado da Mobilidade, dirigida pelo seu marido.

12. Em complemento à peça principal, na página 5, o CM sintetiza cronologicamente os acontecimentos. As contas da Território XXI, de 2015 a 2019, são apresentadas em gráfico.

13. É nessa segunda página que é dado conhecimento das respostas de João Pedro Matos Fernandes ao CM. No texto diz-se que «o CM questionou o ministro e o casal Pinheiro se terá havido eventuais pedidos de ajuda ou eventuais atribuições de vantagens, como contrapartida desses contratos», com todos os intervenientes a garantirem que nunca receberam benefícios ou vantagens, nem pedidos de facilitação ou influência.

14. João Paulo Batalha também foi auscultado pelo CM. O presidente da associação cívica anticorrupção Transparência e Integridade argumenta que as alterações da empresa revelam

«uma preocupação em manobrar a composição societária da empresa para permitir-lhe continuar a fazer negócios com o Estado». Para este interlocutor, «há um conflito de interesses gritante», pois Eduardo Pinheiro tem um cargo político dentro do Ministério do Ambiente e a Território XXI atua nessa área.

15. Quatro textos breves encimam as duas páginas. No primeiro, o CM nota que quase 70% dos contratos da Território XXI com o Estado, de 2016 a meados de 2020, foram ajustes diretos, os restantes por consulta prévia ou concurso público. Depois informa que o novo regime do exercício de funções políticas e altos cargos públicos não prevê que a declaração de interesses

(14)

inclua «as participações detidas por familiares (como a sogra) em empresas nas quais o seu cônjuge tenha uma quota ou ações.» Diz ainda que, depois de discutida no Parlamento durante três anos, a lei das incompatibilidades e impedimentos dos políticos foi decidida no final da última legislatura. O CM faz um breve relato do caso do secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media que vendeu a sua produtora a um sobrinho e a uma amiga antes de entrar no Governo.

b) Peça do CM de 14/09/2020

16. Intitulada “Empresário do Porto denuncia governante”, a peça de 14 de setembro de 2020 debruça-se sobre um caso ocorrido em 2017, era Eduardo Pinheiro autarca em Matosinhos (pág. 19).

17. Relacionado com o pagamento de rendas, o caso opõe judicialmente Fernando Esteves, um empresário local da restauração, à Câmara Municipal.

18. O CM indica que, para o empresário, «o acordo feito com Eduardo Pinheiro em 2017, quando este era presidente dessa autarquia, estará relacionado com o receio de Pinheiro de que se descobrisse a existência da Território XXI».

19. Ouvido pelo jornal, o secretário de Estado defendeu que a informação da empresa é pública não havendo nada a esconder.

20. O CM assinala que questionou o Ministério Público sobre a denúncia do empresário, não tendo obtido resposta.

21. Numa pequena peça associada, detalha-se que a mulher de Eduardo Pinheiro é da comissão política da Federação Distrital do Partido Socialista do Porto, desde 2018, e que foi candidata à Assembleia Municipal de Matosinhos.

22. Noutra peça contígua, o jornal relata que Fernando Esteves disse ter enviado um email ao primeiro-ministro em que deu conta das ligações de Eduardo Pinheiro com a Território XXI e os contratos públicos da empresa. O jornal refere ter tentado obter reação do gabinete de António Costa, ficando sem resposta até ao fecho da edição.

23. Numa caixa de texto contígua, organizada em textos breves, o CM dá “Pormenores” da peça do dia anterior. Refere a “Faturação milionária” da Território XXI em contratos com o Estado, alguns com entidades do Ministério do Ambiente; à “Constituição em 2015” da empresa, uma semana após a tomada de posse de João Pedro Matos Fernandes; e à “Amizade de Matosinhos” entre

(15)

Eduardo Pinheiro, quando era autarca local, e o ministro do Ambiente, referindo que ambos negaram qualquer favorecimento da Território XXI.

c) Peças da CMTV de 21/09/2020

24. A 21 de setembro de 2020, no espaço «Investigação CM» são apresentadas cinco peças jornalísticas com a titulação genérica “Ambiente milionário”, com cerca de 16 minutos de duração total.

25. Na primeira peça descreve-se genericamente a situação que o jornal publicara anteriormente, aludindo-se à possibilidade de uma «teia de ligações proibidas».

26. Refere-se que o secretário de Estado declarou a posição societária da mulher na Território XXI, como determina a lei, mas não a da sogra.

27. Na segunda peça, a CMTV olha mais detalhadamente para os contratos da Território XXI com as entidades públicas, falando de «negócios milionários e polémicos» com o Ministério do Ambiente.

28. São destacados dois contratos de 2017 – um com a APA - Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., por ajuste direto, «no qual ganhou, logo aí, 50 mil euros», o outro com o ICNF - Instituto de Conservação da Natureza e da Florestas, I.P., por concurso público, «contrato no valor de 576 mil euros, mais de meio milhão de euros». Em 2019, «a Território XXI celebra mais um contrato com o ICNF, no valor de 369 756 euros», reporta a CMTV.

29. A terceira peça versa sobre a posição do presidente da Transparência e Integridade, rede portuguesa anticorrupção, que declara à CMTV que «há promiscuidade nos contratos» e que as alterações societárias tiveram como objetivo manter a possibilidade de contratação pública, alegando haver conflito de interesses. João Paulo Batalha é da opinião que a legislação foi alterada para permitir este tipo de situações, argumentando que a redação anterior da lei era menos permissiva.

30. As respostas obtidas junto de Eduardo Pinheiro, Vilma Silva e João Pedro Matos Fernandes dão origem a uma quarta peça. Insiste-se que o «Ministro do Ambiente e [o] secretário de Estado são amigos» e que a empresa foi fundada uma semana depois da tomada de posse do ministro.

31. A quinta peça centra-se na Território XXI. Referindo-se à estrutura societária, a jornalista afirma que atualmente a empresa é detida em 10% pela mulher do secretário de Estado e que 55% são

(16)

detidos pela sogra, «facto que este se esqueceu de enviar ao Parlamento aquando da sua nomeação.»

Referências

Documentos relacionados

Neste artigo, portanto, buscamos pensar a produção das masculinidades e feminilidades na educação infantil, com base em Louro (2012, 2001, 2008) e outros estudiosos da temática que

resultante da fusão do Palais de la Découverte e da Cité des Sciences et de l'Industrie (equivalente a Ciência Viva), cargo que ocupou até 2015, quando regressou à Agência

O valor da licitación pública de todas as ad- ministracións en Galicia no ano 2014, tras o forte descenso rexistrado no ano anterior, presenta no último ano unha medra do

Primeiro porque, de acordo com o raciocínio que adoto ao analisar o Portugal baixo-medieval, toda e qualquer forma de produção (exploração e apropriação) pressupõe uma

Artigo 18.-Espacio privado de interese natural. As institucións e os propietarios particulares dos terreos nos que existan formacións naturais, especies ou hábitats de flora e

Mesmo após sete anos de vigência da LNSB, a quantidade de planos de saneamento encontrados nos 100 maiores municípios brasileiros foi 66, inferior ao esperado,

Discorrendo sobre a obra do pintor de maneira particular, em 1882, quando a tela Fuga para o Egito, 1881, foi apresentada na primeira mostra indivi- dual de Almeida Júnior na

Capítulo 2 O processo de socialização Nossa individualidade  se constrói no  contexto das relações  com os diferentes  grupos e instituições