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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Cuevas, Michelle

C972g

Guia de alimentação e cuidados de um buraco negro de estimação / Michelle Cuevas ; tradução Luisa Geisler. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Galera Junior, 2020.

Tradução de: The care and feeding of a pet black hole ISBN 978-85-01-11885-1

1. Ficção. 2. Literatura juvenil americana. I. Geisler, Luísa. II. Título.

Título original

The care and feeding of a pet black hole Copyright © 2017 by Michelle Cuevas

Esta tradução foi publicada mediante acordo com Folio Literary Management, LLC e Agência Literária Riff.

Todos os direitos reservados.

Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios.

Os direitos morais da autora foram assegurados.

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa somente para o Brasil adquiridos pela

EDITORA RECORD LTDA.

Rua Argentina, 171 - Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 - Tel.: (21) 2585-2000, que se reserva a propriedade literária desta tradução.

Produzido no Brasil ISBN 978-85-01-11885-1

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Atendimento e venda direta ao leitor:

sac@record.com.br

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Para Eddie, com amor

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SUMÁRIO

CAPÍTULO UM CAPÍTULO DOIS CAPÍTULO TRÊS CAPÍTULO QUATRO CAPÍTULO CINCO CAPÍTULO SEIS CAPÍTULO SETE CAPÍTULO OITO CAPÍTULO NOVE CAPÍTULO DEZ CAPÍTULO ONZE CAPÍTULO DOZE CAPÍTULO TREZE CAPÍTULO CATORZE CAPÍTULO QUINZE CAPÍTULO DEZESSEIS CAPÍTULO DEZESSETE CAPÍTULO DEZOITO CAPÍTULO DEZENOVE CAPÍTULO VINTE

CAPÍTULO VINTE E UM

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CAPÍTULO VINTE E DOIS CAPÍTULO VINTE E TRÊS CAPÍTULO VINTE E QUATRO CAPÍTULO VINTE E CINCO CAPÍTULO VINTE E SEIS CAPÍTULO VINTE E SETE CAPÍTULO VINTE E OITO CAPÍTULO VINTE E NOVE CAPÍTULO TRINTA

CAPÍTULO TRINTA E UM

CAPÍTULO TRINTA E DOIS

CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

CAPÍTULO TRINTA E QUATRO

CAPÍTULO TRINTA E CINCO

CAPÍTULO TRINTA E SEIS

CAPÍTULO TRINTA E SETE

CAPÍTULO TRINTA E OITO

CAPÍTULO TRINTA E NOVE

CAPÍTULO QUARENTA

AGRADECIMENTOS

APÊNDICE

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CAPÍTULO UM

O Troço misterioso que me seguiu até em casa

E sta história começou em uma tarde da cor dos cometas, com uma garota vestida de preto. Uma garota triste. Uma garota com um buraco no coração, e escuridão no horizonte.

Esta garota, obviamente, era eu.

— Meu nome é Stella Rodriguez — informei ao guarda nos portões da NASA. — Tenho onze anos. Vim aqui para falar com Carl Sagan.

Era tarde, quase noite, e eu estava sozinha. Você e Mamãe teriam se zangado.

O guarda ergueu os olhos como se tivesse ouvido um mosquitinho irritante, concluiu que tinha sido só sua imaginação e voltou a ler sua revista.

— Na verdade — tentei de novo —, sou a tata-tata-tata-tata-

tataraneta de Carl Sagan e vim à NASA para contar para ele que no

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futuro nós inventamos a viagem no tempo!

— Por favor, vá embora — ordena o guarda.

— Mas eu tenho hora marcada…

— Não — respondeu o guarda —, com certeza você não tem.

— Tá, tá bem, talvez eu não tenha mesmo! — rebati, um pouco escandalosa demais. — Mas se você levar em conta a teoria do caos ou o efeito borboleta, a própria noção de previsões de longo prazo, por exemplo, a tal hora marcada se torna uma impossibilidade absurda. O tempo...

Mas antes que eu pudesse continuar tentando manter minha pose intelectual, um alarme ensurdecedor começou a tocar. Luzes começaram a piscar, e aí eu ouvi gritos vindos de dentro do prédio.

— Tá bom — cedi, erguendo as mãos. — Vamos só ficar de boa, então. Vou embora sem fazer escândalo. Não precisa de alarmes.

Sou nerd demais para a cadeia!

Mas o guarda não estava prestando atenção em mim. Ele pegou seu telefone e começou a berrar alguma coisa sobre código vermelho e protocolo, e antes que eu conseguisse sacar o que estava acontecendo ele já havia corrido para dentro, largando o portão escancarado.

Eu bem que queria ser aquele tipo de pessoa que entraria escondido na NASA durante uma explosão-molecular-de-uma- invasão-de-foguetes-alienígenas-tripulados-por-robôs. Mas você sabe muito bem que eu não sou assim. Nem perto disso. Sou mais o tipo amarelona-e-medrosa-igual-a-um-filhotinho-de-gato.

Então fui embora. Fui embora sem ver Carl Sagan e sem entregar a ele o pacote importante que eu tinha levado. Questões temporais eram essenciais, já que a data de lançamento da sonda Voyager 2 — 20 de agosto de 1977 — ia ocorrer dali a poucos meses.

Afastando-me dos alarmes na NASA, fui para o ponto de ônibus

e fiquei esperando. O dia tinha só um restinho de claridade, e eu

estava sentindo uma coisa esquisita. Tipo quando você sente uma

brisa nos tornozelos estando num quarto sem janelas ou portas

abertas. Ou quando tem certeza de que está enxergando um rosto

na lua, e que ele está encarando você. Ou tipo quando você é o

pegador na brincadeira de esconde-esconde, e simplesmente sabe

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que está sendo observado através de um buraco na fechadura de armário. Disparei meu olhar de um lado a outro, vasculhando nas moitas e árvores. Não vi nada em lugar nenhum, nada além do crepúsculo.

E também fiquei compreensivelmente aliviada quando o ônibus virou a esquina. Quer dizer, isso até eu entrar no ônibus, e aí as coisas começarem a ficar mais esquisitas, se é que isso ainda era possível.

— Minha carteira! — gritou uma executiva. — Alguém roubou minha carteira!

Todo mundo esquadrinhou o ônibus à procura de uma pessoa suspeita.

— E cadê minha peruca? — perguntou um homem de mais idade.

Isso continuou por mais três paradas, gritos de Cadê meu almoço? e Quem pegou meu sapo de estimação? Para sair do ônibus, tive de saltar por cima de um monte de gente de gatinhas, todas procurando isso-ou-aquilo debaixo de seus bancos.

O ponto de ônibus ficava a apenas alguns minutos de distância da minha casa, mas pareceram quilômetros. Tipo, o que estava acontecendo?! O crepúsculo havia se tornado escuridão purinha, o que não era nada bom porque naquele momento eu estava sofrendo gravemente de apreensão, calafrios de febre e um toque de arrepios. Eu não tenho medo do escuro — você sabe disso por causa daquela época em que ficávamos admirando as estrelas —, mas, no minuto em que comecei a caminhar, meus pelinhos dos braços e pernas se arrepiaram, e a sensação foi até o pescoço. Eu estava tão sobressaltada que devia estar com cabelinhos arrepiados até nos olhos, os quais, por sinal, não estavam ajudando, porque, numa questão de minutos, o dia-que-estava-escurecendo virou um dia-escuro-feito-o-interior-de-um-bolso.

Olhei de um lado para o outro.

— Tem alguém aí? — perguntei. Ninguém respondeu. Será que alguém em algum filme de terror já respondeu a essa pergunta? Ah, que bom que perguntou, sou eu, o assassino da machadinha.

Droga! Na verdade, isso era para ser uma surpresa…

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Então fiz o que qualquer um faria no meu lugar. Comecei a correr. Rápido. Corri pela escuridão-tipo-a-sujeira-no-fundo-do- esgoto, disparei pela escuridão-tipo-dentro-de-uma-baleia. Não ouvi passos ou galhos quebrando atrás de mim, mas a sensação estava ficando mais forte. Alguém estava à espreita, só que fora do campo de visão. Eu estava sendo observada. Eu estava sendo seguida.

Mas por quem?

Ou, ainda pior… pelo quê?

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CAPÍTULO DOIS

Olá, escuridão

— P

OR ONDE VOCÊ ANDOU?! ERA PARA VOCÊ ESTAR TOMANDO CONTA DE MIM ATÉ A MAMÃE CHEGAR EM CASA. E SE EU TIVESSE COMIDO COLA OU ALGO ASSIM!?

Aquela voz estridente pertencia, é claro, a Cosmo. Um nome bem adequado, considerando que ele é um cadete espacial de mão- cheia na forma de um irmão de cinco anos.

— Xiu! — disse eu. — Me ajuda a tapar as escotilhas e a vigiar o perímetro.

Saí esbaforida trancando portas, fechando todas as cortinas e apagando as luzes. Espiei por uma fresta nas cortinas da frente.

Tinha começado a chover e era difícil ver sei-lá-qual-fosse o monstro que havia me seguido até em casa.

— Isso é divertido — sussurrou uma voz atrás de mim. — O que estamos fazendo?

Baixei o olhar para Cosmo. Ele apertava as mãozinhas de empolgação.

— Você comeu cola mesmo?

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— Não — respondeu ele, timidamente.

— Ótimo — comentei —, muito maduro. Vamos lá, vou fazer nosso jantar.

Depois de queijos quentes temperados a medo e sopa de tomate devorados sob a quase escuridão, eu disse a Cosmo que iria fazer meu dever de casa, mas na verdade eu só precisava de um tempinho sozinha para refletir. Coloquei meu robe azul de pelúcia com estrelinhas e encarei para além da janela do meu quarto no segundo andar, tentando ver o jardim da frente de um ângulo melhor. Tentei usar meu telescópio, mas o gesto só me fez ficar triste. Triste demais. Mais triste do que minha costumeira neblina persistente do dia a dia. Isso era uma nossa coisa de pai-e-filha, só eu e você, mas agora você se foi e tem monstros no jardim e tudo está errado.

Sentei toda desleixada apoiando o queixo no peitoril da janela.

Uma gota de chuva desceu pelo vidro como uma minúscula estrela cadente.

— Eu queria — comecei, fechando meus olhos — ser capaz de fazer todas as coisas horríveis simplesmente... desaparecerem.

Quando abri os olhos, captei um vislumbre de algo lá fora, só por um momento, antes de disparar para uma caixa de papelão perto das lixeiras na calçada.

— Hein? — perguntei. Usei a mão para limpar a névoa no vidro.

Sim, definitivamente tinha alguma coisa na caixa, alguma coisa pequena, e escura, e muito trêmula. Um gatinho, pensei, tentando me convencer de que tinha visto bigodes de relance, e o estalido de um rabo.

Equipada com botas de chuva e uma lanterna, segui para fora.

Por sorte, Cosmo tinha ido para o quarto dele e não estava por perto para perturbar.

— É só um gatinho, ou um cachorro de rua — falei sozinha

enquanto caminhava devagarzinho pelo jardim, sob a chuva.

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— Psssst, bichano, bichano — chamei enquanto me aproximava.

— Por favor, não seja um bichano gambá fedorento.

Eu me deslocava devagar e com cuidado, tentando ver o bichinho. Mas quando minha lanterna iluminou dentro da caixa, o que eu vi não foi um filhotinho de gato ou cachorro. Não era nem mesmo um gambá. Era só… escuridão.

Afastei-me da caixa aos trancos, tropecei no meio-fio e derrubei a lanterna. Quando enfim a recuperei, minhas mãos estavam tremendo quando mirei de volta para o que eu achava ter visto. A coisa ali dentro tinha ido embora! Girei o foco da lanterna loucamente e encontrei a criatura, espreitando cada vez mais perto em minha direção. Não parecia ter pernas ou braços. Era só um borrão de escuridão pouco maior que um coelho — mas não era escuridão normal, não. Aquilo ali era escuridão como a escuridão dentro de um livro velho fechado, só que com dois olhinhos. Olhos brilhantes, e que pareciam abrigar pequenas galáxias dentro deles.

— Argh! — gritei, apontando para a coisa. A coisa, em reação, olhou para trás para verificar o que haveria ali de tão assustador.

— Fica longe! — ordenei. Mas, cada vez que eu dava um passo

para trás, a criatura rastejava um pouco mais para perto de mim. Na

verdade, pelo seu jeito de se movimentar e pela expressão em seus

olhos, tive a impressão mais doida: acho que ela quer que eu faça

carinho.

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Mas eu não sou doida. Em vez disso, joguei minha lanterna na coisa, na esperança de afugentá-la. Porém, para o meu espanto, a lanterna não acertou a criatura; ela simplesmente desapareceu por completo dentro da coisa. Num momento a lanterna estava ali, e no outro tinha sumido, engolida sem deixar rastros.

— O que no mundo…? — perguntei.

E então, sob o brilho turvo do poste da rua, a criatura soltou um

iluminado e abrupto… arroto.

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CAPÍTULO TRÊS

Coisas que sei sobre a Coisa

V ocê provavelmente está se perguntando o que eu fiz depois que a criatura da caixa de papelão engoliu minha lanterna, não está? Se eu corri? Se chamei a Guarda Nacional? Desmaiei?

Bom, eu fiz o que achei que você faria. Eu a convidei para entrar, para escapar da chuva.

— Então, este é o meu quarto — expliquei. — É pequeno, mas é o meu lar.

Eu não tinha tocado na criatura ainda. Assim que comecei a andar de ré para voltar para casa, ela meio que simplesmente me seguiu. Não parecia perigosa, mas e daí, mais uma vez, como eu iria saber? Talvez ela estivesse me embalando numa ideia de segurança com aqueles grandes olhos carentes, e fosse me devorar a qualquer minuto.

A coisa havia começado a engolir bugigangas no meu quarto —

nada importante, só bolinhos de poeira e algumas das “obras de

arte” inidentificáveis que Cosmo tinha feito para mim. Esvaziei um

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jarro de moedas e as espalhei pelo quarto, esperando que aquilo mantivesse a coisa ocupada enquanto eu fazia uma lista.

Coisas que sei sobre a Coisa Muito, muito escura

Não tem mãos ou patas, é só um borrão Tem olhos, eu acho

Os olhos parecem pequenas galáxias

Engole Absorve Faz desaparecer qualquer coisa que quer

Gosta de comer lanternas, poeira, obras de arte malfeitas, moedas Dócil (até agora)

Parece querer ser tocada???

Meu primeiro pensamento foi ALIEN. É um ser extraterrestre que escapou da NASA e me seguiu até em casa. Mas, pelo que eu sabia sobre os aliens, eles costumavam ser verdes, tinham braços e pernas e não queriam ser acariciados como um filhotinho.

Apontei para um pôster da Via Láctea na minha parede.

— Ali é sua casa? — perguntei. — O espaço sideral?

A criatura não pareceu reconhecer a galáxia como seu lugar de residência ou, se reconheceu, estava mais interessada em consumir todos os pés esquerdos dos meus sapatos, um a um.

Folheei loucamente todos os meus livros de Ciências, tentando encontrar qualquer coisa que se assemelhasse àquela criaturinha.

E, então, num livro sobre astronomia teórica, encontrei isto:

Buracos negros são formados quando uma estrela muito grande morre e implode. Devido à relação entre massa e gravidade, isso significa que eles têm uma força gravitacional extremamente poderosa. Praticamente nada pode escapar deles. Até mesmo a luz é aprisionada em um buraco negro.

Um buraco negro é o centro escuro da gravidade que engole tudo em seu caminho.

Era essa a resposta?

Será, eu me perguntava, que agora sou a orgulhosa dona de um

buraco negro de estimação?

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CAPÍTULO QUATRO

O Voyager & a Vitoriana

N ão tive muito tempo para contemplar a ideia. Ouvi o barulhinho de chaves chacoalhando na porta lá embaixo, e a voz da minha mãe flutuando escadaria acima.

— Borboletinha? Desculpa pelo atraso. Onde você está?

Borboletinha. O apelido especial que ganhei da minha mãe desde que pedi um kit para colecionar insetos, quando eu mal tinha idade para falar. Não era meu apelido favorito, e tenho certeza de que você se lembra disso, mas agora não era a hora de discutir.

Examinei o quarto, desesperada. Havia papéis rasgados ao meio e sapatos sem seus pares no chão, um pedaço da minha colcha tinha sumido, e um buraco negro estava sugando minhas moedas uma por uma como um aspirador de pó do Tio Patinhas.

— Apenas… fique aqui! — falei para o buraco negro.

— NÃO SOBE PRO MEU QUARTO, ESTOU DESCENDO, NÃO

TEM MOTIVO, SÓ NÃO SOBE — gritei pela porta de uma forma

totalmente calma, fria e controlada (só que não). Eu tinha a

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sensação de que Mamãe não iria gostar nadinha se descobrisse que eu estava recepcionando um fenômeno espacial em meu quarto.

Bati a porta atrás de mim, olhei para os dois lados do corredor como uma criminosa e fui encontrar Mamãe na cozinha, onde ela esvaziava as sacolas de mercado.

— Ah, você está aí — comentou. — Tive a impressão de que você berrou algo.

— Isso — confirmei —, fui eu mesma. Posso ajudar com alguma coisa?

Argh! No minuto que as palavras saíram da minha boca, temi ser descoberta. Era totalmente fora do meu feitio oferecer ajuda com tarefas domésticas.

— Bem — disse minha mãe —, você pode cuidar do seu irmão na banheira. Seria de grande ajuda. Obrigada, querida.

Ela me deu um beijo na cabeça e saiu. Que beleza. Agora eu ia ter que ficar tomando conta do doido do Cosmo.

— O TEMPESTADE NETUNIANA VAI FICAR TÃO EMPOLGADO — disse Cosmo. Ele ficou fora de si quando contei que eu permaneceria ali durante seu “banho”, no lugar da Mamãe.

Eu digo “banho” entre aspas porque, é claro, ele usa uma sunga e fica na sua “nave” que ele chama de A Vitoriana com seu boneco idiota do Homem-Tempestade Netuniana, e a brincadeira dura horas.

— Quer entrar comigo e o Tempestade? — perguntou ele.

— Cosmo, nem em um trilhão de bilhões de gazilhões de anos eu vou entrar na banheira com você — falei. — Agora lave logo seu cabelo e saia daí.

Esperançosa de que ele ficaria caladinho, voltei a fazer minha lista.

Lugares possíveis para esconder um buraco negro 1. Dentro de outro buraco negro?

Mas o Tempestade Netuniana estava particularmente tagarela.

Cosmo seguia puxando a corda nas costas do boneco para fazê-lo

falar.

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Não fique ranzinza! — gritou Tempestade, e então: — Você poderia ser um pouco mais Pacífico?

O boneco tinha a voz de um meteorologista da televisão. Hoje a previsão é de uma frente de irmão caçula irritante com força de tempestade, seguido de uma dor de cabeça de alta pressão, pensei.

— Precisa mesmo fazer isso? — perguntei por cima do meu caderno.

Cosmo, é claro, ignorava meus pedidos de silêncio. Ele puxou a cordinha de Tempestade outra vez.

O que você está olhando, seu olho-d’água? — gritou o boneco.

— Preciso, sim, e como foi o seu dia? — perguntou Cosmo, inclinando-se naturalmente sobre a lateral da banheira vitoriana com pés em formato de garra.

— Fui à NASA — contei. Ótimo. Mais um erro amador do meu cérebro buraco negro.

— Aquele lugar onde você sempre falava pro papai que queria trabalhar? — perguntou ele.

Eu lancei O Olhar a ele. Aquele que dizia Nós não falamos do Papai, nunquinha, e você sabe disso.

— Por que você foi lá? — tentou ele em vez disso.

— Porque queria deixar uma gravação — respondi.

— Por quê? — perguntou Cosmo.

— Porque eu queria que Carl Sagan ouvisse.

— Por quê?

— Porque ele é um astrônomo incrível que está lançando uma sonda chamada Voyager, e tem uma gravação a bordo com todos os sons maravilhosos da Terra.

— Por quê?

— Porque ele quer que os alienígenas saibam que a Terra é

amistosa e acolhedora. Os Discos de Ouro da Voyager contêm

todos os nossos melhores sons: músicas e idiomas, humanos e

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animais, e eles vão ser lançados no espaço, como uma mensagem numa garrafa jogada no oceano cósmico! Eles botaram até mesmo a canção de baleia mais poética escolhida dentre todas as canções de baleia.

— Por quê?

— Porque canções das baleias são lindas.

— Por quê?

— Elas meio que são assombrosas e calmantes. Tem outros ótimos sons também. Tem pássaros, grilo, vento, chuva, gargalhadas, beijos, passos, ferramentas, um carro, um trator.

— Por quê?

— Acho que imaginaram que os alienígenas poderiam querer ouvir um trator.

— Por quê?

Encarei Cosmo. Ele tinha enfim conseguido me deixar sem resposta. Por que é que um alienígena iria querer ouvir um trator?

Cosmo parou sua interrogação de duas palavras por um momento e pareceu pensativo.

— Também tem sons tristes? — questionou ele.

— Como assim? — perguntei.

— Bom, você disse risos e beijos, e estes são sons felizes. Não tem nenhuma barriga roncando ou gritos? Nem choro?

— Acho que provavelmente não tem mesmo — falei, percebendo que ele estava certo.

— Por quê? — perguntou ele de novo.

Porque, minha vontade era dizer, os alienígenas iam dar meia-

volta em seus OVNIS se soubessem que era possível que os

humanos ficassem tão tristes quanto eu estou. Se eles soubessem o

quanto eu sinto sua falta, Papai, se soubessem o quanto o

sentimento me persegue por aí o tempo todo como um cachorro de

rua. Se soubessem como, na maior parte do tempo, minha voz

parece uma gravação falsa de uma pessoa feliz. Se soubessem

como eu não fui capaz de rir, nenhuma vez, desde que você morreu.

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Mas eu não falei nada do tipo. Em vez disso, eu simplesmente puxei a cordinha nas costas do Tempestade Netuniana.

— Você é uma pessoa mar-avilhosa!

Eu não me sentia mar-avilhosa. Eu me sentia triste, como

sempre. Eu me sentia preocupada. Sentia como se não tivesse ideia

do que ia fazer com o buraco negro escondido em nossa casa.

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CAPÍTULO CINCO

Um guia introdutório para cuidar e alimentar buracos negros

E u nunca tive um bicho de estimação. Bom, acho que isso não é totalmente verdade. Uma vez tive uma mosca de estimação. Uma dessas verdinhas metálicas que sempre parecem recém-nascidas de um letreiro em neon. Do tipo que entra na sua casa e passa a vida inteira de mosca rodando um prato sujo que você deixou na pia e batendo a cabeça contra a janela.

Mas essa mosca era diferente. Ela aterrissou na escrivaninha e ergueu os olhos para mim. Aquele tipo de encarada com multilentes poderia ser enervante para algumas pessoas, mas não para mim.

Eu tinha seis anos, Cosmo tinha acabado de nascer, e todo mundo estava nos ooohs e aaahs para ele. Acho que eu gostei da atenção da mosca.

Talvez fosse estranho ter uma mosca como bicho de estimação,

mas se você pensar bem no assunto, nós humanos escolhemos

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algumas coisas selvagens como bichinhos. Cavalos, guaxinins, gorilas, eu já vi de tudo. Nem me faça começar a falar de pedras de estimação.

Nosso relacionamento inteiro, o meu com a mosca, durou exatamente duas horas. Quando o quarto ficou abafado e eu abri a janela, minha mosca manobrou com tanta habilidade e agilidade janela afora que comecei a achar que toda aquela coisa de bater na janela e circular de forma tonta tinha sido um truque e um meio de fuga. Sem nenhum tipo de despedida, fiquei observando o átomo verde metálico zunir para longe sob uma poeirinha marcada pelo raio de sol, para nunca mais voltar.

— Preciso de todos os livros que você tiver sobre treinamento de cachorro — pedi.

Eu estava na biblioteca, me contorcendo de nervosismo. O que é que Larry estaria comendo no meu quarto agora mesmo?, era só o que eu conseguia pensar. Larry foi o nome que dei à criatura — um apelido para Singularidade, que, eu tinha lido, é um lugar de gravidade infinita no centro de um buraco negro. Tudo isto, é claro, um mero diminutivo para Coisa-Que-Vai-Devorar-Toda-Nossa-Casa- Se-Eu-Não-Fizer-Alguma-Coisa-E-Rápido.

Eu nem sequer queria dar um nome a ele. Se você dá nome a uma coisa, aí você se apega. Mas ele se recusava a responder a

“Ei, você”, então fui obrigada.

Eu tinha tentado outros nomes, mais legais.

— E que tal Nox, ou Poe, ou Zorro, ou Tinta? — sugeri.

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Ele ignorou todos.

— E quem sabe… Larry? — perguntei.

O buraco negro se aprumou na hora.

— Ótimo — respondi, revirando os olhos. — Talvez na próxima semana a gente consiga encontrar um unicórnio e batizar de Steve.

A bibliotecária atrás do balcão estava sorrindo para mim.

— Você quer alguns livros sobre cachorros? — perguntou ela. — Que fofo. Que tipo de cachorro você tem?

— Um muito esfomeado.

A bibliotecária me entregou três livros. A Universidade para bons cachorros, A arte de criar um cachorro feliz e meu favorito, Cachorrinho perfeito em sete dias. Eu imaginava que o mundo inteiro desapareceria em uma semana caso eu não fosse bem- sucedida.

O problema em treinar um buraco negro, caso você esteja se perguntando, é que ninguém realmente sabe nada a respeito deles.

É tudo um isso-teórico e aquilo-possivelmente-talvez-hipotético.

Ao folhear os livros para treinar cachorros, eu sempre me deparava com a mesma coisa: use reforço positivo. Tipo: quando o cachorro faz algo certo, você dá a ele um petisco, como um ossinho.

Mas o que seria um petisco para um buraco negro? Acontece que

eu estava prestes a descobrir a resposta.

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— Bota para fora! — berrei para Larry.

Eu tinha acabado de chegar da biblioteca e encontrado um buraco negro com expressão muito contente e uma gaiola de hamster muito vazia.

— Como você pôde comer ele? — perguntei. — Quero dizer, ele fedia… tanto.

Nossa turma tinha tentado de tudo para des-feder nosso bichinho de estimação da classe, Stu Fedorento.

Limpávamos sua gaiola

religiosamente, dávamos banho nele, nós o arrumávamos, até botamos gotinhas de óleos naturais e perfumes nele, como um minúsculo rei peludo.

Nada funcionava. Ele ainda tinha cheiro de amostra grátis de arrotos de

hipopótamos. Como um lixão preenchido com outro lixão. Como um buquê romântico de ovos podres. E agora isto: eu fui incumbida da tarefa desgraçada de cuidar do roedor rançoso durante as férias escolares inteirinhas, e já tinha conseguido a façanha de deixá-lo ser devorado por um buraco negro. Como é que eu explicaria isso para a minha turma?

A rodinha de Stu Fedorento rangeu de forma assombrada na gaiola, mas não havia mais ninguém para correr ali. Então, antes que eu pudesse começar o treino de Larry, tive que voltar rápido até a cidade, à loja de animais, e comprar um hamster substituto.

Depois que voltei para casa, Cosmo me flagrou na cozinha esfregando no Novo Stu um queijo nojento que eu tinha encontrado no fundo da geladeira.

— O que você está fazendo? — perguntou Cosmo.

— O que parece que estou fazendo? Estou tentando feder este hamster! — respondi. Meus nervos estavam, obviamente, um pouco à flor da pele naquele momento.

— Ah — respondeu Cosmo, dando de ombros. Ele pegou uma

maçã e saiu. Você sempre reconhece um esquisitão pelo modo

como eles não consideram atitudes esquisitas nem um pouco

esquisitas.

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Já no andar de cima, coloquei o Novo Stu na gaiola vazia do Stu Fedorento e desabei na cama em uma poça de exaustão.

— Não me entenda mal — falei para o buraco negro —, mas você dá muito mais trabalho do que uma pedra de estimação.

Larry já havia rastejado até a gaiola do Novo Stu e estava encarando o bichinho. Seus olhos eram exatamente como os de uma criança quando vê algo que quer. Na verdade, eles eram muito semelhantes ao olhar que Cosmo exibia quando era pequeno e via algo macio e fofinho que queria abraçar. Isso me deu uma ideia para um treinamento. Peguei Novo Stu de seu ninho de serragem e o segurei a uma curta distância de Larry.

— Olha como ele é macio — provoquei. — Oooh. Ahhh. Você não fica com muita vontade de abraçar ele?

Fiz carinho no Novo Stu como uma apresentadora de TV que exibe um prêmio. Se você tiver sorte, você pode levar para casa este. Modelo. Novinho. De. Hamsterrrrrrr! Bom, Larry parecia prestes a desmaiar de tanta vontade de devorar o hamster. Ele parecia tão arrasado, que, na verdade, comecei a me sentir mal.

— Desculpa, você não pode comer o hamster — corrigi. — Mas

você consegue… sentar? — Larry parecia estar processando a

informação, e, então, para minha surpresa, ele de fato sentou. Bom,

ele deu uma baqueada no chão e ficou parado, pelo menos. Por um

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momento, eu me esqueci com o que estava lidando e alcancei para dar um carinho de parabéns em Larry. Ele fechou seus olhos e se inclinou como um gatinho ronronante. Mas quando eu o toquei, minha mão sumiu por um momento.

— Argh! — gritei, recuando num salto, encarando minha mão.

Larry ficou mais triste do que nunca, e foi então que entendi. Ele não queria comer Novo Stu. Ele queria abraçá-lo. Larry nunca tinha sido tocado, nenhuma vezinha, nunca fora afagado ou aninhado.

Como poderia, sendo um buraco negro e coisa e tal? Era por isso,

percebi, que ele amava tanto coisas macias. Ele não estava com

fome. Ele não era malvado. Ele só queria alguma coisa para amar.

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CAPÍTULO SEIS

O viajante no tempo

N ão tenho muitos amigos. Verdade seja dita, você pode tirar esse muitos porque eu não tenho nenhum amigo, na real. Cosmo tem, porque ele tem cinco anos e as crianças nessa idade só ficam girando juntas no parquinho como galáxias caóticas. E Mamãe tem porque ela é membro de um monte de clubes: de tricô, de receitas, de falcoaria, de pesca esportiva. Então a única conclusão é essa: eu herdei minhas tendências de lobo solitário de você. Tal pai, tal filha, imagino.

Mas Larry era diferente. Não fazia muita diferença sobre qual

assunto eu falava com ele. Ele jamais respondia. E gostava de mim,

simples assim, sem que eu precisasse impressioná-lo ou tivesse

que fingir me importar com brinquedinhos oráculos ou com a nova

dança da moda. Ele gostava tanto de mim, que, todas as noites,

enquanto eu dormia, ele se aninhava e dormia aos pés da minha

cama. E todas as manhãs, ele estava lá, só me encarando, como se

eu fosse a coisa mais legal e mais interessante de todo o universo.

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Era uma sensação bem boa. Para ser sincera, eu senti um tiquinho como se você estivesse aqui de novo.

Eu até mostrei a Larry nossas constelações.

Eu menti para Mamãe quando ela me perguntou das constelações poucas semanas depois da nossa despedida final de você. Todos os dias eram parecidos com as fases aquáticas dos videogames. Falei para ela que tinha tirado todas as constelações do meu teto e jogado fora.

Mas eu ia fazer o quê?

— Ei, Borboletinha — dissera ela —, eu estava pensando em fazermos alguma coisa juntas hoje.

— Tipo o quê? — fora minha reação.

— Bom, eu estava pensando — continuou ela — em inventarmos umas constelações.

As constelações. Suas e minhas. Na primeira semana em que nos mudamos para esta casa, você trouxe pacotes daquelas estrelinhas que brilham no escuro. Nós dois passamos horas decidindo como organizá-las no teto. Será que a gente deveria fazer a Via Láctea? Os signos astrológicos? O céu invernal? Outonal?

Primaveril?

No final, é claro, resolvemos simplesmente inventar nossas

constelações. Coisas como Conius de Sorvetium, a Toca-Aqui

Maior, a Dá-Cá-Mais-Cinco Menor, a Figurium de Palitineum, a

Brontossaurus Borealis, e outras que não chegamos a batizar:

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aquela que parecia um pote de vaga- lumes, e aquela que parecia um cervo que tentou empinar pipa mas que acabou com o barbante preso nos chifres. Tudo tão majestoso, na verdade.

Elas eram nossas, nossas pequenas piadas internas, nossas lembranças minúsculas, do tipo que cabiam tão perfeitamente no bolso — do tipo que você encontraria depois, tipo dinheiro esquecido num casaco que estava no armário desde a última primavera.

Então quando Mamãe me convidou para inventarmos constelações, eu menti. Falei para ela que as tinha arrancado todas, jogado no lixo. Falei para ela que estou velha demais para ficar inventando constelações.

Mas elas ainda estavam lá. Invisíveis, misturadas à tinta do teto durante o dia, só se revelando à noite quando eu estava na cama, sozinha. Mas agora eu tinha Larry, então eu mostrei a ele nossas melhores constelações.

— Essa daqui — eu disse a Larry — é minha favorita. Ela se chama Viajante no Tempo. Permita que eu explique. Veja só, parte da luz no céu noturno demorou anos para nos alcançar desde a estrela que ela deixou.

Larry parecia um pouco confuso, eu admito.

— Certo — tentei de novo. — Então, a luz viaja a 300 mil

quilômetros por segundo, o que, já que você não sabe dirigir, vou só

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contar que é super-rápido. As estrelas estão tão longe que mesmo a luz da estrela mais próxima, chamada de Proxima Centauri, fica a 4,24 anos-luz de distância de nós. Entende o que isso quer dizer?

Quer dizer que demora 4,24 anos para a luz sair de Proxima e chegar aos nossos olhos. Algumas estão ainda mais longe. Uma das estrelas mais distantes que conseguimos ver sem um telescópio é Deneb, na constelação Cygnus, que fica a quase 3 mil anos-luz de distância. A luz que vemos de Deneb começou sua jornada quando a Roma Antiga era apenas umas poucas casas com telhados de palha.

Os olhos de Larry pareceram se arregalar com admiração.

— Pense só — continuei. — No momento em que vemos uma estrela, nos anos que a luz demorou até nos atingir, aquela estrela pode estar morta, pode ter explodido por completo. O que estou dizendo é que o mundo está cheio de gente besta que fica fazendo pedidos para estrelas que podem nem existir mais!

Eu quase conseguia enxergar o riso nos olhos de Larry.

— Então, meu pai e eu resolvemos fazer uma constelação de estrelas de várias distâncias diferentes. Algumas ainda podem estar por aí. Outras podem ter se extinguido. O céu noturno não é um momento único no universo; é uma colcha de retalhos do tempo. É isso que meu pai costumava dizer. E foi assim que inventamos o nome: a Viajante no Tempo. Eu sempre achei que parecia um pouco comigo.

Larry contemplou acima, em transe.

Eu quis abraçá-lo naquele momento, aninhá-lo como um bichinho de verdade. Mas eu não podia. Eu sabia o que aconteceria: minha mão, minha cabeça e meu eu inteiro desapareceriam dentro dele.

Então, em vez disso, eu me perguntei o que eu faria se pudesse

viajar no tempo. Aonde eu iria. Acho que a resposta é

provavelmente bastante óbvia, mas o que eu diria para você caso

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ganhasse outra chance? Eu não tinha certeza. Eu acho, pensei

enquanto flutuava sono adentro, que iria começar com uma piada

realmente fenomenal…

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CAPÍTULO SETE

Pense como um próton

L arry e eu ficamos muito próximos. Eu até mesmo contei a ele o que havia na gravação, aquela que eu estava tentando entregar para a NASA no dia que ele me seguiu até em casa.

Contei a ele sobre Carl Sagan, o astrônomo, e a NASA, e em como eles estavam construindo uma sonda chamada Voyager.

Contei a ele o que eu tinha dito a Cosmo, sobre os Discos de Ouro na Voyager, e sobre como os discos conteriam tudo da Terra.

— Você fica se perguntando — comentei com o Larry — como é que crianças na escola conseguem ficar tão focadas no próprio umbigo e nas fofocas de gente famosa quando coisas assim estão acontecendo no mundo.

Mostrei a Larry minha lista. Durante as aulas, na escola, eu escrevi e reescrevi tudo que estaria nos Discos de Ouro. Já estava praticamente memorizado. Minha favorita era a de sons.

1. A harmonia das esferas

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2. Vulcões, terremotos, trovão 3. Vento, chuva, rebentação 4. Grilos, sapos

5. Pássaros, hienas, elefantes 6. Chimpanzé

7. Cão selvagem africano 8. Fogo, fala

9. Trator 10. Cavalo 11. Trem

12. Carro, ônibus 13. Beijo, mãe e filho 14. Passos

15. Batidas do coração 16. Risadas

Eu me perguntava como eles tinham chegado à decisão sobre quem seria o autor dos sons — quem daria os passos, quem daria os beijos, de quem seriam as batidas cardíacas, e a risada, e qual cão latiria, quem seriam os responsáveis por saudar a vida alienígena? Era algo a se pensar.

— Decidi gravar a risada do meu pai — contei a Larry. — E, então, eu planejei ir à NASA e convencer Carl Sagan de colocar nos Discos de Ouro da Voyager.

Perguntei a Larry se ele queria ouvir a gravação, e ele assentiu com sua cabeça de borrão. Era uma boa gravação. Uma boa lembrança. Mas, todas as vezes que eu a escutava, era como se alguma coisa gigante e invisível tivesse vindo e deixado pegadas na neve, e dentro do meu peito.

Ainda assim, baixei os olhos para o gravador e apertei o play.

Nós estávamos sentados à mesa da cozinha, eu e você, com o gravador ligado.

— Agora, aqui vai uma boa — você disse. — O que o astronauta distraído falou quando chamaram a atenção dele?

— Não sei — respondi. — O quê?

— “Desculpe, eu estava no mundo da Lua…” — você respondeu dando um sorrisinho.

— Mundo da Lua. Essa é boa — comentei. — Tenho uma também. Como o elétron atende o telefone?

— Como? — você perguntou.

— “Próton?”— falei.

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— Ha! Eu gosto dessa — você disse. — Ei, aliás, por que as estrelas não fazem miau?

— Por quê? — perguntei.

— Porque astronomia. — você respondeu.

E nós rimos.

— Como se faz para se encarar a vida como um próton? — perguntei.

— Como?

— Você fica positivo. — Dei uma risadinha.

Essa daí você achou especialmente boa. Uma gargalhada para os prótons.

— Por que químicos são ótimos para resolver problemas? — perguntei.

— Não sei. Por quê?

— Porque eles têm todas as soluções!

Você riu, e então indagou:

— O que um cromossomo disse para o outro?

— O quê? — perguntei.

— Cromossomos felizes! — você respondeu.

Nós rimos ainda mais alto.

— Então — você acrescentou —, acho que sua gravação está pronta. Fico contente.

— É definitivamente uma grande responsabilidade.

— Ah, eu concordo — assentiu você. — Quero dizer, você escolhe alguém com uma dessas risadas estridentes que são quase um grito, e isso pode assustar os alienígenas e fazê-los ir embora.

Se eles colocam uma dessas risadas com roncos de porquinho no disco da Voyager, a gente pode esquecer os carros voadores e o queijo mágico do espaço. Até mais, segredos da galáxia!

Apertei o botão de pausar a gravação. Larry pareceu meio triste,

mas era só isso. Era a única gravação que eu tinha da sua voz. Eu

me perguntava se daria para reorganizar as palavras na fita, cada

substantivo e verbo e adjetivo, para criar uma conversa nova. Mas

não. Nós nunca mais voltaríamos a conversar, e essa verdade era

uma das muitas coisas que eu queria poder jogar fora para sempre

dentro do meu buraco negro de estimação.

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CAPÍTULO OITO

Meu buraco negro comportado, meu buraco negro travesso

E é por isso que, depois de finalmente formarmos nossos laços, eu fiquei muito triste quando gritei com Larry, e ele fugiu e começou a comer o mundo inteiro. Mas estou me adiantando.

Primeiro, teve o treinamento.

Depois que descobri que Larry amava coisas fofas e peludas, e comecei a usar Novo Stu como uma forma de recompensa, o treinamento seguiu tranquilo, sem muitos percalços. Ou, melhor dizendo, com tanta suavidade quanto possível, com um buraco negro imprevisível como aprendiz.

— Vamos começar a praticar o “senta” — expliquei. — Você já fez isso uma vez, então deve ser simples.

Exceto pelo fato de que, na verdade, não era tão simples assim, porque Larry preferia me seguir por aí como uma segunda sombra.

Então prosseguimos para outras ordens, que saíram um pouco

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melhor. Ele gostava de “vem”, é claro, e “levanta”. “Deita” demorou bastante tempo — comigo estendida no chão como um bicho atropelado e Larry ao meu lado — e “rola” nos fez rir (ao menos eu gosto de pensar que Larry riu… por dentro). “Dá a pata” nunca ia acontecer, por conta da falta de braços e pernas de Larry, então seguimos para o que eu sabia que seria a ordem mais difícil de todas: o temido “fica”.

Esta, aparentemente, foi a ruína de Larry. Sua destruição e sua derrota. Ele ficava com essa expressão muito séria nos olhos, tipo uma testa franzida caso ele tivesse uma, e ele tentava ficar. Mas era como se o mundo inteiro estivesse contra ele. Como se o universo estivesse gritando Você é tempo e espaço infinitos! Você nasceu da morte de uma estrela imensa! Não dê ouvidos aos comandos desta terráquea minúscula!

E Larry ficava assim por uns dez segundos, e, então, as forças planetárias se alinhavam e o obrigavam a atravessar o quarto para comer um deque de cartas ou uma borracha em formato de hambúrguer, ou simplesmente ficar parado ao meu lado de um jeito muito enervante e por nenhum motivo em especial.

O que era frustrante, porque “fica” era a única ordem que eu verdadeiramente precisava que Larry aprendesse. “Fica” era, por exemplo, o que eu precisava dizer quando Larry comeu a foto favorita que eu tinha de você.

Mas eu não pedi que ele ficasse.

Em vez disso, eu gritei. Muito alto.

— Como você pôde? — reprimi. — Essa era uma foto do meu pai. Não posso substituir. Ele não está mais aqui, e agora nem a foto, e é tudo culpa sua!

Larry se encolheu contra a parede e tentou ficar muito, muito pequeno.

— Você é o pior! — berrei. — Eu queria que você fosse embora.

Eu queria que você simplesmente desaparecesse!

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Minha raiva fez estremecer o quarto, e praticamente a casa inteira. Larry não conseguiu aguentar, e antes que eu me desse conta, ele tinha escapulido e saído pela porta.

— Ótimo! Vai! — gritei. Aí me sentei na cama com a cabeça apoiada nas mãos. A foto! Aquela foto sua segurando o telescópio que eu tinha escolhido para o seu aniversário. Passei meses angustiada tentando escolher. Folheei montes de revista centenas de vezes, e voltei à loja de novo e de novo. Tirei a foto no momento em que você terminou de desembrulhar e viu a surpresa dentro.

— Espera — falei, então, de súbito, me dando conta do que tinha feito. — Ah, não, ah, não, ah, não…

Saí correndo do quarto, desci as escadas e cruzei a cozinha e a despensa.

— Larry! — berrei. Disparei passando pelo banheiro, o quarto e o porão. Conferi cada armário e debaixo de cada mobília. Eu até mesmo olhei na máquina de lavar e na privada.

Mas uma vez que vi a janela da sala aberta, eu soube:

Havia um buraco negro semitreinado à solta na minha

vizinhança.

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CAPÍTULO NOVE

O buraco negro que fugiu de casa

M as como encontrar um buraco negro assustado desaparecido?

Coloquei meu chapéu de feltro, aquele que você comprou na minha fase Sherlock Holmes, e tentei pensar.

— Se eu fosse um buraco negro, para onde eu iria? — perguntei- me.

— Se eu fosse um buraco negro, eu iria para uma cachoeira e sentaria atrás da queda-d’água e beberia toda a água até me transformar numa piscina portátil. Então, eu iria para o zoológico e salvaria todas as baleias e pinguins e golfinhos.

— Faz favor? — disse para Cosmo, que estava se demorando na porta. — Esta é uma conversa particular entre mim e eu mesma.

— Mas eu não salvaria os leões-marinhos — acrescentou ele. —

Acho que eles julgam muito os outros.

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Cosmo então entrou no recinto sem ser convidado e me entregou um cachimbo. Era no estilo que o Sherlock Holmes usaria, só que era roxo e, se soprado, soltava bolhinhas.

— Ele me ajuda a pensar — explicou Cosmo. — Vá em frente.

Dei de ombros, ergui o cachimbo e suspirei minha frustração dentro dele. Diversas bolhas flutuaram, atravessando a sala e saindo pela janela.

Enquanto elas voavam, uma sirene começou a retumbar à distância.

— Detector de fumaça — disse Cosmo, apontando para o cachimbo.

— Não — contestei, levantando e correndo para a porta da frente. — É uma sirene de polícia. E tenho certeza de que sei o motivo.

Fui acompanhando o barulho pela rua, com Cosmo atrás de mim mesmo depois de eu tê-lo mandado cair fora. Nós nos escondemos nas moitas para entreouvir um policial. Ele estava parado em frente à casa da Sra. Nimbus. Ela estava usando robe, seus bobes saltando da cabeça como pequenos pensamentos cor-de-rosa tentando desesperadamente fugir.

— Meus gnomos! — berrava ela. — Alguém roubou meus gnomos de jardim!

— E quantos desses gnomos foram roubados? — perguntou o policial.

— Cento e quarenta e sete — respondeu a Sra. Nimbus.

O policial anotou a informação.

— E qual a função e o valor desses gnomos?

— Espiritual! — gritou a Sra. Nimbus. — Metafísica! Inestimável!

— Está bem, certo, vou registrar a queixa, e vamos começar a interrogar os vizinhos…

O policial se virou para ir embora, mas a Sra. Nimbus agarrou seu braço.

— Espere! — advertiu ela. — Eu não disse a você os nomes de todos eles.

— Dos vizinhos? — perguntou o policial.

— Não — disse a Sra. Nimbus. — Dos cento e quarenta e sete

gnomos. Tem o Bimphy — começou ela. — E Dafoodle. Fudgewick.

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Loopglynn. Zoomwinkle. Nickelbells. Pimpert…

Nós fomos embora muito antes de ela terminar. A Sra. Nimbus era viúva, mas ela e seu marido tinham comprado todos os gnomos na época em que costumavam viajar juntos. Ela contava a respeito deles para toda a vizinhança, bastava ser incauto o suficiente para se aproximar. Ninguém queria ficar preso falando com a Sra.

Nimbus.

Cosmo e eu descemos a rua.

Tudo isso me fez pensar no meu recém-descoberto superpoder.

Acho que esqueci de mencioná-lo. Começou quando você ficou doente. E, então, depois que você foi embora, lá estava o poder em toda a sua intensidade. Era como se eu tivesse ganhado óculos de visão noturna com infravermelho. Acontece que existe todo um universo paralelo bem neste daqui. E eu não conseguia enxergá-lo antes, mas agora era possível. O que quero dizer é que eu conseguia ver que a Sra. Nimbus não estava apenas maluca, mas triste, também. Ela contava suas histórias dos gnomos porque sentia falta do marido. Eu já tinha ouvido as histórias dela um milhão de vezes, e eu costumava odiar aquelas histórias chatas. Mas agora… não consigo explicar. Agora elas lembravam a mim, e de como eu me sentia sobre nossas lembranças. Antes, eu não conseguia enxergar a Sra. Nimbus. Mas agora eu conseguia.

Sacou o que eu quero dizer?

Superpoder total.

— Fique de olhos abertos — falei para Cosmo enquanto caminhávamos pela vizinhança. — Para qualquer coisa incomum. Qualquer coisa fora do normal. Qualquer coisa que faria você dizer...

— Nossa senhorinha do céu, olha aquilo! — gritou Cosmo.

— Exatamente — concordei.

Ele puxou meu braço e apontou.

As caixas de correio de todas as casas haviam sido roubadas de

seus postes. Também estavam faltando brinquedos de jardim, jogos

e churrasqueiras portáteis. Nossos vizinhos estavam parados em

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seus gramados em estado de choque, e ninguém parecia ter visto qualquer coisa.

— Os aliens chegaram! — disse um homem alarmado para seu vizinho. — E eles querem nossas grelhas!

— Olha — alertei, apontando para o chão onde a grelha havia desaparecido. Havia uma trilha distinta de patas felinas levando a um caminho dentro dos arbustos.

— Exatamente como eu desconfiava — disse Cosmo. — O ladrão é um gato.

Cogitei explicar meu raciocínio a Cosmo: que o ladrão na verdade estava seguindo um gato porque ele gostava de comer animais fofos, mas resolvi repensar.

— Cosmo, você pode me fazer um favor? Você poderia ir para casa e...

— Pegar um pouco de leite? — interrompeu Cosmo.

— Leite? — questionei, preocupada com a resposta.

— Para atrair o gato ladrão — respondeu Cosmo.

— É claro — disse eu. — Hum, ótima ideia.

— Já estou indo! — avisou Cosmo. Ele disparou rumo a nossa casa com um sorriso imenso, cantarolando algo sobre capturar um gato. Que esquisitão. Mas quem sou eu para falar? Eu estava seguindo uma trilha de gato para encontrar um buraco negro.

Ouvi mais sirenes à distância. Pessoas gritando. Bebês chorando.

O mundo, aparentemente, estava chegando ao fim. E era tudo

minha culpa.

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CAPÍTULO DEZ

O buraco negro que devorou o mundo

A s pessoas estão sempre dizendo “Ah, não é o fim do mundo”.

Elas falam isso quando chove em um casamento, ou se alguém se senta numa poça de água, ou como naquela vez no quarto ano, quando usei a mesma camiseta que a professora no dia de tirar fotos da turma.

No entanto, se alguém dissesse “Meu buraco negro de estimação está à solta e comendo o planeta”, outra pessoa provavelmente diria

“Bom, sim, isso de fato soa como o verdadeiro fim do mundo.”

Mas como aconteceria esse apocalipse de buraco negro?

Enquanto eu descia pela minha rua procurando por Larry,

comecei a pensar que qualquer buraco negro começaria nesta

vizinhança. Todas as casas coloridas e cercas cor de algodão-doce

e balanços coloridos e dias entediantes intermináveis.

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Ao passar por um gramado, eu me perguntei: e se o buraco negro comer cada cigarra e grilo zunindo e sapo coaxando até eles todos se extinguirem, até o último da espécie?

E, então, eu diria para Cosmo:

— Você se lembra de como era ficar em pé no meio de um campo ao pôr do sol e ouvir as cigarras?

E Cosmo diria:

— O que diabos é uma cigarra?

Ele nunca saberia. E eu não teria como explicar a ele, porque, naquele momento, eu também não me lembraria. Era uma planta?

Um animal? Uma celebridade adolescente? Uma lei, um veículo, um ciclo das estações?

Outras coisas iriam embora também. Um dia alguém na escola poderia tentar dizer algum tipo de clichê, alguma coisa do tipo “O cachorro comeu meu dever de casa”. Só que o buraco negro teria engolido todos os cachorros, então ele só poderia falar: “O _________ comeu meu dever de casa”.

— O quê? — perguntaria a professora.

— O _________! O _________! — gritaria o aluno, mas nada sairia de sua boca, porque aquela palavra também teria desaparecido. Maldição. Puf. E nossa professora iria pensar que um narval havia devorado a tarefa de matemática de alguém.

Logo as manchetes de jornal anunciariam:

EXTRA! EXTRA! O NOVO MUSEU DE _____________ ABRE HOJE!

ou

CUIDADO! BANDOS DE _____________ SELVAGENS ESCAPARAM DO ZOOLÓGICO!

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Imaginei Mamãe, só sentada ali durante o café da manhã, coçando a cabeça para o jornal, perguntando-se se a intenção deles seria dizer um Museu de Massas (empolgante!) ou um Museu de Chicletes Usados (não tão empolgante assim). Talvez o zoológico tivesse perdido um bando de leões famintos (credo!) ou um bando de adoráveis patinhos bebês (sim, por favor!). Ela jamais saberia!

E o que seria das pessoas? Se um buraco negro engolisse alguém, seria como se ela tivesse morrido? Ou elas seriam totalmente varridas, todas as lembranças, como se nunca tivessem sequer existido?

Parecia triste, até eu me dar conta de que eu vinha vivendo a alternativa para isso. A alternativa é que alguém que eu amo partiu, mas eu ainda me lembro de todas as coisinhas, e de todas as coisonas, e essas lembranças tomam todo o espaço disponível.

Eu me lembro de como você se inclinava casualmente e

amarrava meus cadarços, e de como você dançava terrivelmente

quando colocávamos alguma música, e o jeito como você queimava

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o jantar toda vez que cozinhava. Eu me lembro de determinados sorrisos e cheiros, e do som suave e estático do rádio quando ouvíamos uma partida de beisebol na garagem. Se o buraco negro pudesse devorar essas lembranças, talvez eu começasse a me sentir melhor.

Eu sempre achei que o momento em que eu sentia sua falta era quando algo triste acontecia e você não estava por perto para me consolar. Mas acontece que é bem o oposto. O momento em que sinto mais saudade de você é quando algo de bom acontece, e aí não posso correr para casa e contar a você, nem ver o quanto a notícia deixaria você feliz. Alguma coisa grandiosa, como uma descoberta científica que li numa revista, ou pequenina, como uma piada que ouvi no refeitório da escola. Quando pensei numa constelação nova esses dias, fiquei feliz por um momento, e então a felicidade simplesmente desapareceu. Papai teria amado isso, pensei, e BAM, a felicidade desapareceu naquele buraco negro devorando o mundo.

Então talvez não fosse uma tragédia tão grande assim.

Talvez sentir nada seria melhor do que tudo isto.

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CAPÍTULO ONZE

O capítulo onze foi devorado por um buraco negro.

Por favor, prossiga para o Capítulo Doze.

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CAPÍTULO DOZE

O buraco negro que voltou para casa

M as o mundo não acabou.

Eu estava caminhando para casa, de cabeça baixa, ainda imaginando Larry tomando cidades e metrópoles, tipo um Godzilla triturador de lixo, quando eu vi… bom, acho que poderia ser descrito como uma pequena gangue de colibris. O que era estranho, porque colibris nunca foram aves de bando, não são como abelhas ou gansos. Na verdade, eu só vi colibris sozinhos até hoje, e mesmo nesses casos eles não pareciam gostar da ideia de serem vistos.

Então era estranho constatar mais ou menos duas dezenas deles voando ao redor da cabine de fotos instantâneas em frente ao fliperama.

Espreitei mais perto, atraída pelos passarinhos verdes brilhantes.

Eu estava completamente fascinada, até que ouvi o zunido metálico

da máquina. A cortina foi fechada, e fiquei me perguntando quem

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estaria ali dentro. Olhei para baixo, para a abertura, quando a tirinha com as fotos reveladas saiu.

— Larry! — gritei, empurrando a cortina para abrir. — É você!

Larry se virou. Aí olhou ao redor da cabine de fotos, como se quisesse encontrar uma saída de emergência e correr.

— Está tudo bem — falei. — Não estou furiosa mais. Só estou contente que você está bem. Senti sua falta, senti mesmo — elogiei.

— Você é um buraco negro muito bonzinho, o melhor que já conheci, na verdade. Vamos lá, vamos para casa, que tal?

E, assim, Larry começou a me seguir. Notei que ele tinha ficado maior, quase do tamanho de um cachorro dinamarquês. Ele sacolejava e se desvencilhava, para escapar dos colibris agitados.

Totalmente irritado, tentou aumentar a velocidade para fugir deles.

Nada. Ele era como um personagem de desenho animado que tinha batido a cabeça e agora ostentava uma auréola permanente de pássaros piando.

— Larry — comecei. — Você, por algum acaso, comeu o alimentador de beija-flor do nosso vizinho?

Quando chegamos em casa, consegui distrair os pássaros com

um pouco de água açucarada e escapulir com Larry de volta para

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meu quarto. Fechei a porta, me apoiei nela e soltei um suspiro. Ouvi passos no corredor, e então uma batida suave à porta.

— Borboletinha, meu amor, sou eu — disse Mamãe. — Pensei mesmo ter ouvido você chegar. Não quero incomodar, mas sua Tia Celeste vem jantar e acho que ela gostaria muito se você vestisse aquele suéter que ela tricotou no seu aniversário. Tudo bem?

Preciso correr para o mercado. Seu irmão roubou todo o leite da geladeira por algum motivo.

Argh! Uma visão de Tia Celeste. E ainda pior, uma vestindo um de seus odiáveis suéteres.

É difícil até mesmo descrever um suéter da Tia Celeste. Imagine, por obséquio, como seria vestir uma casa mal-assombrada. Sempre havia bolsos estranhos costurados por dentro da gola, ou um buraco para alguma parte extra do corpo, ou um zíper esquisito na axila. A textura era como se ela fosse Cinderela e passarinhos a tivessem ajudado a fazer a roupa, só que não eram passarinhos de desenho, eram pássaros de fato, e faziam suéteres como ninhos, com galhos e ramos e lama. E de algum modo, quando vestia um, você danava a suar, mas, de vez em quando, sentia uma brisa de ar gelado, como se estivesse aprisionado em um quarto num verão de quarenta graus com um pequeno ventilador defeituoso. Mas tenho certeza de que você se lembra. Ela costumava tricotar suéteres para você também.

Fui até meu armário e desenterrei minha coleção de suéteres da Tia Celeste, largando-os numa pilha no chão. Larry se aproximou para investigar a situação comigo.

— Este daqui — expliquei, erguendo um suéter que parecia uma ovelha numa discoteca — é do Natal de três anos atrás. Ele na verdade me causou aqueles cortezinhos de papel. Como isso é possível vindo de um suéter?

Larry, como já era de se esperar, estava encantado com as monstruosidades fofas e peludas.

— Aqui — falei, estendendo-o para ele. — Quer?

Ele pausou com deleite, e sabe o que fez em seguida? Se você

chutou “comeu o blusão monstruoso”, você estaria certo. Se você

chutasse “comeu todos os blusões, os quais fui dando um por um”,

você estaria mais certo ainda. E se você chutou que caí num sono

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feliz naquela noite, pensando Talvez eu estivesse enganada e Larry

não seja um problema; talvez eu tenha ganhado na loteria dos

bichinhos de estimação, você seria a pessoa mais certa de todas.

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CAPÍTULO TREZE

O buraco negro que fez meus problemas desaparecerem

— O que você quer dizer com TODOS OS SEUS BLUSÕES SUMIRAM?

Mamãe obviamente ficou alarmada com essa revelação dos suéteres.

— Sei lá — disse, erguendo as mãos como se eu fosse a vítima.

— Fui no armário e eles simplesmente tinham… sumido. Puf. É muito esquisito.

— Cosmo, você sabe alguma coisa sobre isso? — perguntou Mamãe.

Cosmo sacou seu cachimbo de bolhas e um de seus caderninhos.

— Provavelmente o mesmo gato que roubou todos os gnomos de

jardim e grelhas portáteis.

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Minha mãe me lançou um daqueles seus olhares desesperados de Você pode traduzir isso da Língua Cosmo para a Língua Humana?. Dei de ombros. Era bom que alguma coisa estivesse ocupando a cabeça deles, longe de suéteres e buracos negros.

Então, naquela noite, aquela noite gloriosa quando Tia Celeste chegou, eu estava usando uma camiseta normal e macia, feita de algodão, com apenas dois buracos normais para braços.

— É a coisa mais estranha… — disse Mamãe. Ela levou sua irmã para a cozinha para um chá e a história dos suéteres desaparecidos.

— Ei, gente, meu suéter acabou de fazer um barulho estranho — disse Cosmo, embora ninguém parecesse ter lhe dado ouvidos. — Tipo o som de uma porta rangendo… e acho que ouvi o som de uma criança rindo… Gente?

Isso era incrível! Se Larry tivesse mãos para dar um toca-aqui, eu teria feito isso. Era uma revolução. Um motim. Uma metamorfose.

Eu tinha me livrado dos blusões sem precisar aprontar nenhuma travessura. Um fenômeno natural interestelar havia devorado todos eles. Era a melhor brecha nas regras de nossos tempos, e era toda minha.

Resolvi fazer um experimento. Primeiro foram as couves-de- bruxelas. Eu ainda não entendo sequer o que elas são — repolhos produzidos numa fazenda de formigas? Meleca de troll com tamanho perfeito para comer? Cabeças marcianas encolhidas?

Quem sabe, mas eu não queria comer nenhuma delas. Mamãe

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sabia disso, e notaria se encontrasse minha porção no lixo. Mas naquela noite, as couves não estavam no lixo ou no meu estômago.

Elas eram (eba!) meteoros chovendo pela escuridão sem fim de um buraco negro.

Fiz a mesma coisa mais tarde, à noitinha, quando Mamãe me disse que era minha vez de botar o lixo para fora. Depois que escurecia, o gramado entre nossa casa e a calçada era um campo minado de caracóis e lesmas. Então simplesmente bote os sapatos, você provavelmente está pensando. Qual é o problema? E aí eu digo: pise na concha de um caracol ou encontre uma lesma presa na sua sola, então venha me contar. Tenho certeza de que você também escolheria dar as sacolas de lixo, uma por uma, ao seu novo amigo da compostagem chamado Larry. Eu também dei a ele as aterrorizantes tarefas que os professores passaram para serem feitas nas férias e meu diário vergonhoso.

Em seguida, parti para o quarto de Cosmo. Comecei com o Tempestade Netuniana. Meu irmão tinha um milhão de brinquedos, e, se eu me livrasse daquele boneco falante ridículo, talvez eu nunca mais precisasse ouvir aquela voz horrenda de novo. Para dentro do buraco negro, ele foi.

— Adeus, Tempestade Netuniana

— despedi-me.

— Vocês estão de nadadeira comigoooooo — disse ele em resposta, sua voz robotizada desaparecendo na escuridão.

E, enfim, lidei com uma das maiores irritações contínuas da minha vida: o pavoroso gosto musical de Cosmo. Não vou tentar descrever. Vou apenas dizer que os únicos discos da coleção dele eram de um grupo infantil chamado The Fuzzles. Seus “hits de sucesso” incluíam

“Olha a mamadeira do Zezé”, sobre leite esquecido no fogão, “Me

dá um bueiro aí”, sobre uma barata que não consegue voltar para

casa, e “Mamãe, eu quero peidar”, o que, acredito eu, não requer

nenhuma explicação.

(55)

Cosmo ouvia os discos dia e noite, o volume sempre no máximo, então tive que esperar até ele estar tomando banho para escapulir e roubá-los.

Eu sei, eu sei, o pobre garoto. Como fui capaz de jogar frisbees

com Larry usando os amados discos do meu irmão querido? Em

minha defesa, digo a você, ouça a “Cachaça não é tábua” (sobre um

bêbado tentando vedar uma janela com bebida) umas mil vezes, e

então venha me dizer o que faria no meu lugar, está bem?

(56)

CAPÍTULO CATORZE

O buraco negro que consumiu meu coração partido

N aquela noite, deitada na cama e olhando para cima, para as constelações no meu teto, voltei a pensar em como o mundo quase tinha praticamente sido engolido por um buraco negro. Por um momento, a ideia parecia quase maravilhosa. Claro, algumas coisas boas desapareceriam, mas também as ruins. Naquele instante, eu queria não apenas me livrar das estrelas brilhantes no meu teto, mas também de toda a lembrança ligada a elas, de toda a recordação de que elas haviam existido um dia.

Quero dizer, claro, um buraco negro de estimação é bom para

sumir com vegetais estranhos e suéteres mal-assombrados, mas e

as outras coisas? As coisas que estão grudadas na sua vida, como

as estrelas no teto? Não tem jeito, por exemplo, de se livrar da

lembrança de você e eu criando constelações no teto. E essa

lembrança me deixa triste. E eu não queria mais ficar triste.

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