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MORBILIDADE PSIQUIÁTRICA NOS DOENTES INTERNADOS NO HOSPITAL GERAL

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ACTA MËDICA PORTUGUESA 1992; 5: 575-579

PSIQUIATRIA

MORBILIDADE PSIQUIÁTRICA NOS DOENTES

INTERNADOS NO HOSPITAL GERAL

J. M. CALDAS DE ALMEIDA, MIGUEL XAVIER, FILOMENA NABAIS, FERNANDA SANTOS,

iosÉ

MORAIS

Clí nica deSaúde Mental ePsiquiatria daFaculdadede CiênciasMédicasde Lisboa. Centro de Saúde Mental deLisboa/Oeiras. RESUMO

Foi estudada a morbilidade psiquiátrica numa população de 73 indiví duos internados nos Serviços de Medicina, Cirurgia e Obstectrí cia do Hospital de S. Francisco Xavier. Num primeiro tempo, os doentes foram objecto de uma avaliação clí nica efectuada pelos seus médicos assistentes, para depois serem avaliados através da aplicação do General Health Questionnaire (GHQ 30), por psiquiatras. Tomando como base a avaliação clí nica, 4 1,1% dos doentes apresentavam uma perturbação psicológica significativa. Todavia, verificaram-se diferenças muito significativas entre doentes dos vários serviços (12% em Obstectrí ciea26% em Cirurgia e 84% em Medicina). Através da aplicação do GHQ 30 verificou-se que 50 doentes (68,5%) eram casos positivos, o que contrasta do ponto de vista estatí stico com os resultados da avaliação clí nica. No que se refere aos diagnósticos sindromáticos efectuados pelos médicos assistentes, verifica-se um claro predomí nio dos quadros de depressão e de ansiedade; as situações associadas a distúrbios mentais orgânicos surgem com um peso menor e quase limitadas ao Serviço da Medicina. Os resultados obtidos confirmam a existência de uma morbilidade psiquiátrica significa tiva no hospital geral, embora com diferenças apreciáveis entre os vários serviços. Pode-se concluir também que há um número grande de casos com compromisso psicológico que não são adequadamente diagnosticados (sobretudo nos Serviços em que há uma relação médico-doente menos prolongada), facto que vem dar mais força aos argumentos a favor do desenvolvimento de programas de psiquiatria de ligação.

SUMMARY

Psychlatrlc morbidity ln lhe general hospital Inpatlents

Psychiazric morbidity was studied in 73 patients ofthreeUnits(Medicine, Surgery and Obstetiics) ofa general hospital (S. Francisco Xavier Hospital, Lisbon). In lhe tiraI stage, the patients were clinically evaluated by their doctors. In the second stage, psychiatrists using lhe General Health Questionnaire (G.H.Q. 30) interviewed all the patientsaccordingtotbecinicalevaluation,41%ofthePatiefltshadasignifiCantpsychological disorder. However, very significant differences were found between lhe prevalence rales in lhe three units. As defined by lhe G.H.Q. 30,50 patients (68,5%) had psychiatric disorders, which is statistically different from lhe resulta obtained through cinical evaluation. The depression and anxiety syndromes weie lhe most frequenl disorders. Organic mental disorders were less frequent and almost limited to medical patients. The results ofthis study confirma high rale of psychiatiic morbidity in lhe general hospital, although considerable differences exist belween lhe three units included in lhe study. We can also conclude that many psychiatiic disorders are not correctly identified. This fact. more frequent in units where there is a more bsief doctor-patient relationship, supporls lhe necessity of implementing liaison psychiatry programs.

INTRODUÇÃO

A experiência clí nica sugere que a morbilidade psiquiátrica entre os doentes internados no hospital geral atinge valores muito significativos. Entendida no seu sentido mais amplo, a morbili dade psiquiátrica nesta população abarca um conjunto muito diversificado de situações clí nicas. Por um lado, as complicações psiquiátricas que podem ocorrer em inúmeras doenças somáticas;

poroutro lado, as doenças somáticas que se podem apresentar através de sintomatologia psiquiátrica (porex., algumas doenças

endocrinológicas); e, finalmente, as situaçõesde perturbação psicológica relacionadas com dificuldades de adaptaçãoàdoen ça e às vicissitudes dos tratamentos instituidos.

Este último grupo assume actualmente uma importância que deve ser sublinhada. Com efeito, os progressos terapêuticos registados, nos últimos anos, em diversos campos da medicina, permitem actualmente tratar com eficácia indiscutí vel um grande número de doençascontraas quais pouco ou nada havia afazer

num passadorecente.Ao mesmo tempo, contudo, estes progres sos obrigam frequentemente os doentes a submeterem-se a intervenções terapêuticas que implicam constrangimentos im portantes nas suas vidas, e que se revestem, por vezes, de caracterí stica~ traumáticas consideráveis.

Naturalmente, éa ní vel do hospital geral—onde, hoje em dia, se tratam a generalidade das doenças mais graves—que estes problemas se fazem sentir com maior intensidade. Não deve,

assim, constituir surpresa que, entre os doentes internados nestes hospitais, as situações de desajustamento e de sofrimento psi cológico relacionados com a doença se revistam de particular importância.

Um conhecimento mais profundo e rigoroso dos problemas psiquiátricos dos doentes internados nos hospitais gerais consti tui uma prioridade importante. Por um lado, poque torna possí vel um diagnóstico mais correcto e uma intervenção terapêutica mais eficaz nestas situações, que frequentemente exercem uma influência significativa na evolução clí nica dos doentes. Por outro lado, porque só através de estudos da prevalência dos problemas psicológicos nos diferentes serviços no hospital geral se poderá efectuar um planeamento dos cuidados que permitam assegurar uma resposta adequada a estes problemas’.

Por estas razões, no decurso dos últimos anos, tem-se regista do, em todo o mundo, um interesse crescente pela investigação nesta área e pelo desenvolvimento de novas formas de colabora ção, a ní vel assistencial, entre as equipas de psiquiatria dos hos1itais gerais e as equipas dos restantes serviços hospitala res

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MORBILIDADE PSIOIJIÂTRICA

minorar o sofrimento psicológico que tantas vezes acompanha esta situações.

Trabalhos efectuados com doentes enviados às unidades de psiquiatria de ligação permitem-nos ter uma ideia consideravel mente rigorosa dos diferentes tipos de problemas que exigem mais cuidados psiquiátricos no hospital geral. Os quadros de pressivos parecem ser os mais frequentes, seguindo-se os distúrbios mentais orgânicos e, a uma distância maior, as pertur bações de personalidade e as descompensações psicóticas48.

Elevadas taxas de morbilidade psiquiátricatêmsido compro vadas em doentes sofrendo de várias doenças especí ficas —

neoplasias, doenças cardí acas, insuficiência renal crónica, doen çasgastro-intestinais, doenças ginecológicas, doenças neumlógicas~

‘5

Alguns trabalhos, realizados no conjunto dos doentes interna dos no hospital geral, apontam para uma elevada taxa de morbi lidade psiquiátrica (30 a 80%) nesta população4.

Curiosamente, como referem Mayou e Hawton’,pouco se sabe sobre a realidade especí fica dos diferentesserviçoshospitalares, sendo previsí vel, no entanto, que a morbilidade psiquiátrica seja especialmente alta em unidades como as oncológicas ou as de cuidados intensivos.

Goldberg e Blackwell’6 demonstraram que, a ní vel da Clí nica Geral, os médicos não identificam um número apreciável de casos com compromisso psicológico e que este facto tinha

repercursões importantes na evolução clí nica dos casos não identificados.

Uma dificuldade semelhante tem sido demonstrada a ní vel do hospital geral, verificando-se que na presença de doenças fí sicas graves o diagnóstico deperturbaçõesemocionais émuitas vezes difí cil. Assim, estudos em que se comparam os resultados da avaliação efectuada pelos médicos com os resultados obtidos com o General Health Questionnaire” revelaram que entre 35% e 49% dos casos positivos, de acordo com este instrumento, não eram detectados pelos médicos assistentes’82°.

Tambémos distúrbios mentais orgânicos nãosão por vezes devidamente diagnosticados: 20 a 63% dos casos’92’ quando se tomam como referência os resultados obtidos com o Mii Mental State22.

Todos estes estudos vieram reforçar os argumentos a favor do desenvolvimento de programas de psiquiatria de ligação nos hospitais gerais. Na verdade, estes programas podem prestar uma contribuição valiosa no sentido deasseguraruma maior capaci dade dos médicos dos diferentes serviços no diagnóstico e tratamento dos casos com compromisso psicológico, ao mesmo tempo que permitem prestar uma intervenção especializada nos casos que se revestem de maior gravidade. Aliás, aavaliaçãode programas de psiquiatria de ligação tem comprovado clarainete os benefí cios resultantes do desenvolvimento deste tipo de programas23~.

Estetrabalhoprocura atingir dois objectivos principais. Em primeiro lugar,avaliara morbilidade psiquiátrica encontrada em diferentes serviços do hospital e verificar se existem diferenças significativas entre estes. Em segundo lugar, avaliar as capacida des dos médicos de cada serviço no diagnóstico dos casos com compromisso psicológico e investigar eventuais diferenças entre as capacidades dos médicos dos diferentes serviços.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi estudada de forma transversal uma população de 73 indiví duos constituí da pelos doentes internados nos serviços de Medicina (25), Cirurgia (23) e Obstectrí cia(25)do Hospital de S. Francisco Xavier, durante operí odoque decorreu entre 12 e 16 de Fevereiro de 1990, e que se encontravam em condições de responder ao questionário aplicado.

O protocolo seguido compreendeu duas fases: num primeiro tempo, os médicos dos vários serviços respoderam individual mente a um questionário escrito sobre cada um dos seus doentes,

em queerafocada a existência de compromisso psicológico ou psicopatológico e, em caso afirmativo, o tipo de perturbação encontrada e as eventuais dificuldades da relação médico-doente daídecorrentes.Em relação ao primeiro aspecto, cada doente foi classificado numa escala com as seguintes classes: 1. Doença somática sem compromisso psicológico; 2. Doença somática com compromisso psicológico significativo. 3 Doença predomi nantemente psiquiátrica. No que diz respeito ao diagnóstico sindromático, foi pedido aos médicos que indicassem o(s) tipo(s) de perturbação psiquiátrica encontrada(s) nos seus doentes: 1. Ansiedade; 2, Insónia; 3. Depressão; 4. Neurose; 5. Alcoolismo; 6. Demência; 7. Outras. Na fase seguinte foi aplicada por um psiquiatra, a cada indiví dio internado, oGeneral Health Quer

tionnaire(GHQ3O), desenvolvido por Goldberg’7.

Dada a circunstância de as variáveis em estudo serem de tipo

discreto,optou-se, dentro dos testes não paramétricos, por uma

análisede independência inter-amostras, recorrendo-se para tal ao teste de contingência do X2; foi efectuada correcção de Yates para n<30.

RESULTADOS

Verifica-se que, na apreciação realizada pelos médicos assis tentes, 30 doentes apresentavam compromisso psicológico, sendo de assinalar a existência de diferenças significativas entre os

váriosserviços, nomeadamente entre Medicina, com 21 casos, e Obstectrí cia, comapenas3 (Quadro1).

QUADRO 1—Compromisso Psicológico porEspecialidades Serviço Doentes c/perturb. S/peiturb. Medicina 21(84%) 4(16%) Cirurgia 6(26,1%) 17(73,9%)

Obstectrí cia 3 (12%) 22 (88%)

Total 30(41,1%) 43(59,9%)

X—29,9 D.F.—2

p—O,0003

Relativamente ao tipo de perturbações em causa, e ainda segundo estaapreciaçãorealizada pelo staffmédico, verifica-se quepredominavam as situações de ansiedade e depressão (11 casos cada), seguidas dos problemas de insónia (5 casos) e de alcoolismo (4 casos) (Quadro 2).

QUADRO 2- Tipo dePerturbaçãopor Especialidades

Diag.Sindromático Medicina Cirurgia Obstectrí cia Ansiedade 6(24%) 3 (11,5%) 2 (8%) Insónia 3 (12%) 1(3,85%) 1 (4%)

Depressão 7 (28%) 3 (11,5%) 1 (4%) Neurose 1 (4%) - -Alcoolismo 4(16%) 1 (3,8%) —

Demência 1 (4%) 1(3,8%) —

Outros 2 (8%) 1 (3,8%) —

Semdiagnóstico 4(16%) 19(73,1%) 22(88%) X—31,78D.F.—l4 p—O,0043

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MORRILIDADE PSIOUIÁTRICA

Após aplicação do G.H.Q. verificou-se que 50 internados tinham umscoreigual ou superior a 5 (indicativo de perturbação psicológica)17, o que do ponto de vista estatí sticocontrastade forma altamente significativa (p-0,0009) com o número encon trado pelos médicos-assistentes, que foi deapenas30 indiví duos (Quadro 3).

QUADRO 3- Compromisso Psicológico e G.H.Q.

Compromisso

Psicológico G.H.Q+ G.H.Q. Sim 27 (90,0%) 3 (10,0%) NAo 23 (53,5%) 20 (46,5%)

Total 50(68,5%) 23(31,5%)

X2—10,92 p—O,0009

No que diz respeitoàvariabilidade doG.H.Q. com os diferen tes diagnósticos sindromáticos descritos pelostafféde referir a concordância entre presença de dados clí nicos concretos esco ring do G.H.Q., o que evidencia aboa sensibilidade do teste (Quadro 4).

QUADRO4-DiagnósticoSindromático e G.H.Q.

Diag. Sindromático G.H.Q.+ G.H.Q. Ansiedade 10 (13,7%) 1 (1,37%)

Insónia 4(5,48%) 1 (1,37%)

Depressão 10(13,7%) 1 (1,37%)

Neurose — 1 (1,37%)

Alcoolismo 5 (6,85%) —

Demência 2 (2,74%) —

Outros 4(5,48%) —

SemDiagnóstico 23 (31,5%) 20 (27,4%)

X2—17,678 D.F.—7 p—O,Ol35

Por último, comparou-se a avaliação médica com o resultado do teste de Goldbergporespecialidades, constatando-se que nos serviços de Cirurgia e de Obstectrí cia (e sobretudo neste último) há um número significativamente maior de casos (3HQ+ não identificados pelos médicos assistentes que no Serviço de Medi cina (Quadro 5). Verifica-se ainda (Quadro 6) que, enquanto em Cirurgia e Obstectrí cia todos os casos GHQ- são considerados com compromisso psicológico pelos seus médicos assistentes, em Medicina 3 casos GHQ-são considerados com compromisso

psicológico pelos seus médicos.

QUADRO 5—Casos G.H.Q. Positivos e Compromisso Psicológico por Especialidades

Comcompromisso Sem compromisso Serviço Psicológico psicológico

Medicina 18 4

Cirurgia 6 9

Obstectrí cia 3 11

X2 13.533 D.F.—2 p—0,00l

QUADRO 6-CasosG.H.Q. Negativos e CompromissoPsicológico por Especialidades

Com compromisso Sem compromisso Serviço Psicológico psicológico

Medicina 3

o

Cirurgia O 9

Obstectrí cia O 11

X2— 23,000 D.F. —2 p—0,00001

DISCUSSÃO

A existência de elevados valores demorbilidade psiquiátrica

na amostra estudada foi comprovada, quer através da avaliação clí nica efectuada pelos médicoshospitalares, queratravés dos

resultados obtidoscom aaplicação do G.H.Q.

Tomando como referência os dados proporcionados pela ava liação clí nica, verifica-se que quase metade (41,1%) dos doentes avaliados apresentava uma perturbação psicológica significati va. Os valores encontrados nos diferentes serviços apresentam, porém, diferenças muito marcadas entre si: desde 12% no serviço de Obstectrí cia a 84% no de Medicina, passandopor26% no de Cirurgia.

Querazõespoderãoestar nabasede diferenças tão acentuadas?

Um factor que, certamente, poderá ter um peso importante éo

tipo de doenças dominante em cada um dos serviços considera dos. Na verdade, no Serviço de Medicina,porexemplo, encon tram-se doentes que, em regra, sofrem de doenças mais prolon gadas e com expectativas terapêuticas mais pessimistas que nos outros serviços.

Sendo assim, énatural que no Serviço de Medicina assumam um relevo particular as situações clí nicas acompanhadas de com plicações psicopatológicas,bemcomo os casos envolvendo pro blemas de adaptação à doença e às vicissitudes do tratamento.

A diferença nesteaspectoéespecialmente marcada quando o termo de comparação éo Serviço de Obstectrí cia, onde a maior

parte das pacientes se encontra internada por perí odos muito curtos e por motivos que não são propriamente de doença. De qualquer forma, conhecendo-se a importância das implicações psicológicas e psicopatológicas das situações departo”~,não pode deixar de causar alguma perplexidade o facto de neste Serviço surgirem tão poucos casoscomcompromissopsicológico, de acordo com a avaliação dos médicos assistentes.

No que se refere à posição intermédia dos valores encontrados no Serviço deCirurgia, ela não constitui motivo de surpresa. Com efeito, embora muitos dos doentes internados neste Servi ços possam sofrer de doenças graves, a verdade éque a perspec tiva cirúrgica éfrequentemente acompanhada de uma esperança nos resultados terapêuticos muito superior à que se encontra

associadaàs terapêuticas médicas.

Um outro factor com influência significativa nas diferenças encontradas entre os vários Serviços poderá ser o tempo médio de internamento. Por um lado, os internamentos longos (mais frequentes em Medicina) implicam um afastamento mais prolon gado do meiofamiliare um maior contacto com as limitações e os traumatismos resultantes dos programas terapêuticos(geral

mente incómodos e difí ceis desuportarno contexto dointerna

mento hospitalar). Por outro lado, os internamentos prolongados, ao proporcionarem um melhor conhecimento mútuo entre o

médico e o doente e ao facilitarem o estabelecimento de uma relação mais próxima e continuada entre ambos, podem permitir uma apreciação mais atenta e correcta,porparte do médico, do eventual sofrimento psicológico do doente.

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es-MORBILIDADE PSIQUIÁTRICA

pecí fica de cada um dos serviços,mastambémdascondições diversas deque dispõem os médicos dos diferentes serviços para procedera uma identificaçãocorrectados casos com compromis so psicológico.

No que se refere aos diagnósticos sindromáticos efectuados pelos médicos assistentes dos doentes incluí dos na amostra estudada (Quadro 2), verifica-se um claro predomí nio dos qua dros de depressão e de ansiedade. As situaçõesassociadas ao alcoolismotêmum peso menor e encontram-se quase só limita das ao Serviço de Medicina.

Estes resultadostraduzemuma apreciação clí nica desprovida do suporte de qualquer instrumento minimamente estruturado, pelo que obrigam a alguma cautela nas conclusões que a partir deles se pretendamretirar.Todavia, no essencial, eles compro vam as tendências quetêmsido evidenciadas noutros trabalhos efectuados neste domfnit’.

A elevada morbilidade psiquiátrica da amostra estudada, já evidenciada através da avaliação clí nica, surge ainda mais refor çada com os valores obtidos através da aplicação do G.H.Q. (Quadro 3). Estes valores, aliás, mostram uma diferença muito significativa relativamente aos valores encontrados com a ava liação clí nica, facto que merece alguma reflexão.

Uma certa proporção de falsos casos positivos, resultantes de certos í tems do G.H.Q. poderem ser respondidos positivamente por doentes com sintomas somáticos independentemente do seu estado psí quico, pode certamentetercontribuí do para a diferença atrás referida. Na verdade,emborao G.H.Q. seja o instrumento mais utilizado emestudosde identificação de casos psiquiátricos, e a versão G.H.Q. 30 seja justamente a menos dependente de sintomas somáticos, sabemos que nas populações de doentes com doenças somáticas muito graves a especificidade do G.H.Q. não atinge valores muito altos’.

No entanto, a diferença encontrada parece dever-se também a outros factores, nomeadamente a dificuldades experimentadas no diagnóstico das situações com compromisso psicológico,por partedos médicos assistentes. Estas dificuldades, já evidencia das a ní vel de clí nica geral’6’2”’ e do hospitalgeral”21,poderão estar relacionadas com a reduzida importância que geralmente tem sido atribuí da à abordagem bio-psicossocial da saúde e da doença pela educação médica2.

A comparação da avaliação médica com os resultados do G.H.Q.,porespecialidades,apresentadano QuadroS, revela que os casos G.H.Q positivos não identificados pelos médicos assis tentes se encontram sobretudo nos serviços de Obstectrí cia (11 casos) e Cirurgia (8 casos), emcontrastecom o de Medicina (ondeapenassurgem 4 casos).

Esta diferença, altamente significativa, entre os Serviços de Obstectí cia e de Cirurgia, por um lado, e o Serviço deMedicina,

por outro, sugele aexistência de maiores dificuldades de diagnóstico

das situações com compromisso psicológico entre os médicos dos dois primeiros Serviços que entre os médicos do Serviço de Medicina. Sendo assim,parece haver alguma confirmação da

hipótese atrás refenda, segundo a qual as dificuldades de diagnóstico

das perturbações psicológicas se encontrarão associadas ao tipo de relação médico-doente que se tende a estabelecer em cada

Serviço. Com efeito, o facto de as dificuldades diagnósticas serem menosfrequentes noServiço de Medicina poderá resultar de neste Serviço seestabelecerem,em regra, relações mais con tinuadas entre doentes e médicos, ficando estes com mais possi bilidades deavaliar adequadamenteasperturbaçõespsicológicas que eventualmenteocorram.

De qualquer modo, parece legí timo pensar-se que a não

identificaçãode casos com compromisso psicológico possa ser

especialmente frequente nas especialidades em que predomina

uma abordagem focalizada no tempo e mais centrada numa

intervençãotécnica, como éo casoda Cirurgia eObstectrí cia.

As consequências resultantes do insufiçiente diagnósticodas

perturbações psicológicas queocorremnos doentes internados no hospital geral não são conhecidos com rigor. No entanto, tal

como ésugerido pela experiência clí nica, e encontra alguma

comprovação em estudos de avaliação de programas de psiquia tria de 1igação23~, aquelas consequências são significativas, quer no que se refere ao sofrimento vivido pelos doentes, quer no que diz respeito à evolução dos seus quadros clí nicos e aos meios terapêuticos que eles exigem.

CONCLUSÃO

A elevada prevalência de situaçõescom compromisso psi cológico significativo entre os doentes internados no hospital tem sido demonstrada em vários estudos. Este trabalho confirma esta constatação e revela a existência de diferenças significativas entre as prevalências encontradas nos vários serviços incluí dos na amostra estudada (Medicina, Cirurgia e Obtectrí cia), facto quepodeser importante para o planeamento de programas de

psiquiatria de ligação.

Demonstra-se também que um número muito significativo de casos com compromisso psicológico não édevidamente identi ficado e que isso parece verificar-se sobretudo em especialidades

em que a intervenção médicaémais pontual e concentrada em procedimentos técnicos especí ficos (como éo caso da Cirurgia e da Obstectrí cia). Parece, assim, justificada a necessidade de se assegurar um apoio de psiquiatria de ligação a todos os serviços do hospital geral, embora com prioridades especí ficas de acordo com as necessidades de cada especialidade.

Muitos problemas continuam, porém, por investigar neste domí nio. Embora algo se saiba já sobre os diagnósticos psi quiátricos mais correntes nestas populações, éindispensável conhecer melhor as caracterí sticas clí nicas destes casos, bem

como a sua evolução e as suas consequências. Importa ainda

investigar mais profundamente as dificuldades verificadas no

diagnóstico destas situações, as razões que estão na sua origem e os modos de as superar. Finalmente, urge desenvolvertrabalhos

quepermitam avaliar os programas de psiquiatria de ligação, pondo em confronto os seus custos e os benefí cios que deles

podem resultar.

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