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Arte e Cultura Brasileira Um enfoque nas vivências e experiências de Hélio Oiticica

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Academic year: 2021

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Arte e Cultura Brasileira

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Resumo

O artigo aborda a relação ente arte e ciência, e contextualiza a partir da importante produção artística de Hélio Oiticica e traça um paralelo dos estudos culturais desenvolvidos no campo da sociologia e filosofia pelos pensadores Pierre Bourdieu e Mikhail Bakhtin.

Palavras chaves: Arte. Cultura Brasileira. Hélio Oiticica.

Abstract

The article discusses the relationship between art and science and contextualizes it from the important artistic production of Hélio Oiticica and draws a parallel of the cultural studies developed in the field of sociology and philosophy by the thinkers Pierre Bourdieu and Mikhail Bakhtin.

Keywords:Art. Brazilian culture. Hélio Oiticica.

*Arlete Fonseca de Andrade 1

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Graduada em Ciências Políticas e Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, possui mestrado em Psicologia Social e doutorado em Ciências Sociais, com área de concentração em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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Atualmente o movimento de aproximação entre artistas, críticos, curadores, antropólogos, filósofos, sociólogos intensificam-se cada vez mais a fim de criar e compartilhar suas bases teóricas e mostrar que o diálogo e práticas são possíveis e só tendem a enriquecer nesta integração. Tal aproximação surge a partir do século XX, sinalizando o nascimento de um novo tempo não somente no cenário político e social mundial, mas também, na dimensão estética, pois até então, a arte estava centrada - no período moderno (1350 – 1850) - somente na pintura acadêmica e religiosa, com base no modelo historicista.

Na contemporaneidade esta conceituação é superada e os movimentos artísticos e culturais intensificam-se nas primeiras décadas de 1900 na busca de um novo estilo e experiência não mais com base no visível, mas nas sensações, emoções e funcionalidade. Novas linguagens, movimentos e técnicas são criados como instalações, performances, objetos, levando em consideração questões culturais, políticas e sociais principalmente após a 2ª Guerra Mundial, rompendo com o academicismo e ultrapassando os limites da moldura, dos costumes e hábitos. Nesse trilhar, após 1950, a arte contemporânea ganha espaço e legitimidade, supera conceitos tradicionais, abraça espaços alternativos e inclui em seus projetos a participação do público.

No Brasil, a reverberação nas artes e na cultura foi contextualizada por artistas e críticos paulistas e cariocas que iniciam suas produções tendo como referencial o concretismo. No Rio de Janeiro, Lygia Pape, Lygia Clark, Ferreira Gullar, Mário Pedrosa, Hélio Oiticica, entre outros, fundam o Grupo Frente e, em São Paulo, Augusto e Haroldo de Campos, Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, entre outros, o Grupo Ruptura. Ambos de grande relevância para a cultura brasileira não somente no campo estético, mas para um novo conceito de pensamento nas artes. Dentre estes artistas destaco Hélio Oiticica, reconhecido até os dias de hoje como um dos mais importantes no cenário artístico e cultural e de grande visibilidade nacional e internacional.

A aproximação de Hélio Oiticica com a arte ocorreu na infância quando morou nos EUA junto com sua família. Lá, teve contato com diversas galerias e museus de arte. Em 1950 retorna com a família para o Rio de Janeiro, e em 1952 começa a escrever e a traduzir peças de teatro que encenava em casa com seus irmãos. Logo após, inicia seus estudos de arte com Ivan Serpa, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro com

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ênfase na livre criação e experimentação e começa a desenvolver sua própria linguagem artística, buscando superar a noção clássica do objeto de arte como tradicionalmente definido e incluindo o espectador nesse processo numa posição de participante, conduzindo-o frente à obra de arte ao “exercício experimental da liberdade” como bem definiu Mário Pedrosa.

Oiticica aspira à superação da arte conformista, elitista, condicionante, limitada, e propõe uma arte que desloque o espectador do papel contemplativo para o de participante ativo através de experiências que promovam uma volta do sujeito para si mesmo, redescobrindo e libertando de condicionamentos éticos e estéticos. Em suas obras, percebe-se o diálogo com a cultura popular, a cultura das comunidades dos morros cariocas, ora nas ruas, ora nas exposições em museus e galerias, priorizando a mediação com as estâncias dos poderes simbólicos, políticos e culturais através do experimental e performático. Seus experimentos exploram a integração da arte com o público, acompanhados de elaborações teóricas, comumente com a presença de textos, comentários e poemas.

De acordo com Celso Favareto, crítico e pesquisador, a proposta do artista consiste em dois momentos: uma mais visual, que tem início em 1954 na arte concreta até a formulação dos Bólides em 1963 e, outra sensorial, que segue até 1980. A notar, a produção artística de Oiticica não possui somente o aspecto estético, e sim, se inspira no momento social e cultural e nas pessoas “comuns” principalmente o marginalizado, excluído da sociedade.

Para exemplificar essa experiência sensorial, no fim da década de 1960, frequenta a comunidade do Morro da Mangueira, e desta união cria o Parangolé, que na gíria do morro quer dizer conversa fiada.

“Trata-se de tendas, estandartes, bandeiras e capas de vestir que fundem elementos como cor, danças, poesia e música e pressupõem uma manifestação cultural coletiva.” Posteriormente a noção de Parangolé é ampliada: “chamarei então Parangolé, de agora em diante, a todos os princípios formulados aqui... Parangolé é a antiarte por excelência; inclusive pretendo estender o sentido de 'apropriação' às coisas do mundo com que deparo nas ruas, terrenos baldios, campos, o mundo ambiente enfim (...)” (Oiticica, 1986)

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Em 1964, começa a fazer as chamadas Manifestações Ambientais e protesta na abertura da mostra Opinião 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, por causa do impedimento dos integrantes da escola de samba da Mangueira de entrar no Museu. Oiticica acaba sendo expulso e realiza, então, uma manifestação coletiva em frente ao MAM, e os Parangolés são vestidos por seus amigos sambistas exibindo-os performaticamente.

As questões levantadas com o Parangolé (1967) desembocam a seguir nas Manifestações Ambientais com destaque para as obras Tropicália, 1967, Apocalipopótese, 1968, e Éden 1969. Tropicália foi apresentada na exposição Nova Objetividade Brasileira no MAM/RJ, e considerada o apogeu de seu programa ambiental. A obra é “uma espécie de labirinto sem teto que remete à arquitetura das favelas e em seu interior apresenta um aparelho de TV sempre ligado”.

Outro projeto de grande repercussão foi Éden, apresentado em Londres em 1969. Éden é considerado sua maior exposição em vida. Composto de Tendas, Bólides e Parangolés para vivências individuais e coletivas do público visitante.

2 Hélio Oiticica Parangolé P 08 Capa 05 – Mangueira, 1965; P 05 Capa 02, 1965; P 25 Capa 21- Nininha Xoxoba, 1968; P 04 Capa 01, 1964. Image from Ivan Cardoso’s film H.O, 1979. Credits: Catalogue Hélio Oiticica. The Body of Color, 2007, p. 317

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Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural

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Oiticica, Hélio. Tropicália, 1967. Plantas, areia, pedras, araras, aparelho de televisão, tecido e madeira Projeto Helio Oiticica (Rio de Janeiro, RJ) Reprodução fotográfica César Oiticica Filho.

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Com essa proposta utópica de vida em comunidade, surge a proposição Crelazer, ligada à percepção criativa do lazer não repressivo e à valorização do ócio.

“A proposição do Crelazer absorve idéias do Suprassensorial e do Projeto, incorporando-as numa concepção de vida-arte: atividade não-repressiva em que arte e mesmo antiarte nada significam (“são como sarampo ou catapora; tem-se uma vez só e se esquece, pois é preciso viver”). Importa viver o crelazer”.(FAVARETO, 1992).

A idéia de Crelazer começa a tomar corpo em 1967 com a “Cama-Bólide”, uma cabine onde as pessoas deitam, experimentam sensações e recobram modos de viver, de “estar” no mundo que se estende no Éden - projeto montado na Whitechapel Gallery, Londres (fevereiro-abril 1969), que reúne todas as experiências desde o neoconcretismo - e propõe o Barracão, ambiente comunitário que Oiticica denominou de Éden como “(...) um campus experimental, uma espécie de taba, onde todas as experiências humanas são permitidas – humano enquanto possibilidade da espécie humana. É uma espécie de lugar mítico para as sensações para as ações, para a feitura de coisas e construção do cosmo interior de cada um – por isso, proposições “são dadas e até mesmo materiais brutos e crus para “fazer coisas” que o participador será capaz de realizar” (FAVARETO, 1992).

Apesar de Oiticica não ser um artista que se debruçou na arte de protesto político, seu engajamento torna-se algo muito mais amplo. Sua veia anarquista, herança de seu avô, José Oiticica, tornam seus ideais um estado lírico e utópico. Vai além dos padrões, do determinismo de uma cultura estéril sob a dominação das elites, do Estado, e que nos faz acreditar em seus valores daquilo que é bom e ruim, feio e belo. Sua vida, idéias, obras, projetos se misturam, estão em simbiose, para além da arte. Supera o modelo tradicional da estética que emoldura a arte e a vida e a liberta através do diálogo com o mundo sensorial dos indivíduos, rompendo barreiras sociais. O Parangolé e os Penetráveis têm como proposta exatamente essa dimensão, abandonar a distância que até então existia entre a arte e público.

Como se pode notar, os projetos de Hélio Oiticica levam a reflexão sobre nossa formação histórica e cultural, a tensão entre classes e o não acesso às instâncias artísticas e culturais em nossa sociedade. Nesse contexto - paralelo ao enfoque sobre arte e cultura dado por Hélio Oiticica - incluo na discussão dois pensadores para

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explanar o acesso ao campo da arte e da cultura por diferentes classes sociais. São eles: Pierre Bourdieu e Mikhail Bakhtin.

O sociólogo Pierre Bourdieu (França, 1/08/1930 - 23/01/2002) dirá que o modelo tradicional, hierarquizante que a sociedade ocidental foi calcada, distancia as pessoas e as condicionam em classes de forma desigual entre grupos ou indivíduos a partir das relações de bens materiais e/ou econômicos, e de bens simbólicos, status e/ou culturais. A distribuição desigual de recursos e poderes e consequentemente privilégios são para aqueles que pertencem a específicos grupos dentro da estrutura social hegemônica, conforme enfatiza Bourdieu. Assim, a posição de privilégios ou ausência deles dá-se a partir do volume de capitais que possui - nas dimensões material, simbólica e cultural - que adquiriu e incorporou ao longo de sua trajetória histórica e social. Além disso, Bourdieu aponta a desigualdade social que existe no sistema de escolarização, cobrando de todos os indivíduos conhecimento e acesso a uma cultura mais sofisticada obtida somente no núcleo familiar das classes privilegiadas antes da escolarização, desconsiderando aqueles que pertencem ao segmento popular. Ao invés da escolarização promover o acesso ao ensino democraticamente, acaba reforçando as diferenças e distinções existentes entre aqueles que possuem capital cultural daqueles que não o tem.

No Brasil esta questão é muito comum e presente até hoje. Pode-se evidenciar a desigualdade de classes através do acesso à educação. Enquanto na rede pública de ensino faltam recursos e investimentos do Estado, a rede privada prima pela formação e inserção dos alunos no mercado de trabalho repercutindo numa competição e cobrança desigual entre estes dois grupos. A essa cobrança social Pierre Bourdieu denominou de violência simbólica, pois impõe a todos uma única forma de cultura, um gosto legitimado, menosprezando outras formas, segmentos e classes. A violência simbólica tem suas ramificações no gosto cultural, que resulta da diferença entre os indivíduos classificando o que é de bom ou mau gosto, hierarquizando assim o campo da cultura.

Os estudos culturais de Pierre Bourdieu são importantes para compreender as contradições e tensões existentes entre cultura popular e cultura erudita e a relação de dominação e de subordinação entre elas.

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Já o filósofo Mikhail Bakhtin (Rússia, 17/11/1895 – 06/03/1975) os estudos culturais estão relacionados à cultura popular que para ele é uma concepção de mundo baseada na vida cotidiana e, só adquire sentido nas manifestações e tradições populares e não no conceito de civilização e da arte cristalizada. Dessa forma, a cultura não é homogênea, assim como os povos também não o são, é mais do que isso. É um modo de vida, porém não idêntico a ela. São atitudes, valores e formas simbólicas compartilhadas.

Bakhtin aborda o caráter polifônico em que o diálogo nunca se conclui, porque há diversas linguagens interagindo e absorvendo diversas características de cada povo, sua cultura, signos e significados que para alguns pensadores é denominado de hibridismo cultural ou multiculturalismo. A origem e o sentido da realidade como cultura para Bakhtin estão nas relações dos homens com a natureza que se dá pelo desejo, pelo trabalho e pela linguagem. Assim, constrói sua teoria de cultura a partir da teoria literária, em que ressalta as mais diversas manifestações sociais, das tradições eruditas a festas populares que aconteciam nas ruas e praças públicas desde o período da Idade Média e no Renascimento na Europa.

Este campo dos estudos para Bakhtin como para Bourdieu pode-se visualizar nos elementos que Hélio Oiticica demonstrou em seus projetos artísticos. O fato de ele reconhecer que muitos espaços culturais são voltados para uma elite, abolir a arte figurativa, contemplativa e criar uma arte que interaja com todos, como foi o projeto Éden, entre outros, propondo a quebra das instâncias simbólicas de violência, estabelecendo um diálogo polifônico, enfatizando o modo de ser e viver de grupos e indivíduos e não suas diferenças trazem a tona uma reflexão sobre os caminhos e descaminhos de nossa sociedade. Uma arte, uma possibilidade de transformação a partir das experiências artísticas, vivenciais, centradas no corpo e na "(...) ação comportamental como uma força criativa” (OITICICA, 1969)

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Referências Bibliográficas

ANDRADE, A. F. de. As Estrambóticas Aventuras de Cornélio Pires e a Cultura Caipira no Cenário Hegemônico da Cultura Brasileira, Tese (Doutorado em Ciências Sociais/Antropologia) – Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, PUC-SP, São Paulo, 2012

Bakhtin, Mikhail: Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, ed. Hucitec. 1999.

Bourdieu, Pierre: O Amor Pela Arte, ed. Edusp. 2003.

: O Poder Simbólico, ed. Perspectiva. 1989.

Braga, Paula: Fios Soltos: a arte de Hélio Oiticica, ed. Perspectiva. 2011. Favareto, Celso: A invenção de Hélio Oiticica, ed. Edusp. 1992.

Jacques, B. Paola: Estética da Ginga, ed. Casa da Palavra. 2011. Oiticica, Hélio: Aspiro ao grande labirinto, ed. Rocco. 1986.

Oiticica, H. The Senses Pointing Towards a New Transformation. (22/12/1969). Programa HO. #tombo 0486/69.

Setton, M. G. Jacintho: A Produção da Crença, ed. Zouk. 2002.

Referências

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