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MARIA EUGÊNIA MONTENEGRO: UM RIO DE MEMÓRIA E PALAVRAS

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Academic year: 2021

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MARIA EUGÊNIA MONTENEGRO: UM RIO DE MEMÓRIA E PALAVRAS

Marize Lima de Castro (mestranda)

e Maria Arisnete Câmara de Morais (professora do Departamento de Educação) Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Origem da pesquisa

A idéia de realizar essa pesquisa nasceu após um projeto realizado e publicado todos os domingos, durante o ano de 2001 no Caderno Viver do jornal Tribuna do Norte, intitulado Além do Nome. Esse projeto consistiu em entrevistar os nomes mais expressivos da literatura do Rio Grande do Norte. Foram 33 entrevistados, 33 nomes, entre escritores e poetas, que sustentam a literatura potiguar.

Após o término do projeto, algumas questões ficaram martelando na nossa cabeça. O que fazer com material tão rico? Como não desperdiçar essas pérolas? São quase cem horas de gravação. São depoimentos singulares, as entrevistas foram realizadas sempre num lugar escolhido pelos entrevistados, o que os deixavam mais “aninhados”, daí as declarações serem sempre muito viscerais. Então, o que fazer com tantas memórias, lembranças, com tanta história? Certamente, algum dia reuniremos todos esses depoimentos em um só volume. Mas a nossa inquietação pedia outros rumos, outros caminhos. Novas trilhas se anunciavam. Sinais vinham de distintos lugares. E o lugar que mais nos fascinou e nos disse “é aqui, aportem!”, foi a Base de Pesquisa Gênero e Práticas Culturais: abordagens históricas, educativas e literárias, da Pós-graduação em Educação da UFRN.

Vimos, quando da nossa entrada – ainda como ouvinte – para essa base de pesquisa, a possibilidade de discutir e pesquisar com mais profundidade e clareza. O encontro com a professora e pesquisadora Maria Arisnete Câmara de Morais encaixou a peça final que faltava. Estávamos com entrevistas preciosas permeadas de literatura e história. Por que não, a partir desse material, estudar a História da Educação?

Sim. Faltava o recorte desse material tão vasto. Após apresentarmos o projeto Além do Nome na disciplina Gênero Educação e Literatura, o recorte foi dado: a partir da obra de Maria Eugênia Montenegro, umas das entrevistadas, pesquisaríamos a história da educação feminina nas décadas de 1930 e 1940 no Vale do Açu, no Rio Grande do Norte, lugar onde a escritora mora desde os 23 anos de idade.

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Território feminino

O território do feminino na história não é um lugar calmo, apaziguado, livre, onde a mulher se move sem riscos, e onde tempestades e neblinas não se inscrevem. Tudo (ou quase tudo) é névoa, nebulosidade, “neblinuvens”, como diria o Rosa da literatura brasileira.

Essa é uma situação que vem desde o primeiro olhar sobre as mulheres, dado por Michelet, em 1859, no livro La femme, no qual o historiador francês evidencia que a mulher só teria papel benéfico no movimento da história se estivesse dentro do casamento e cumprindo o papel de mãe, ou melhor, “silenciada”.

Após Michelet, som e fúria, grito e silêncio: na Segunda metade do Século XIX, a questão do matriarcado absorve o debate antropológico; Engels subordina a liberação da mulher a uma revolução da sociedade privada; o positivismo rechaça a história do cotidiano; os Annales, na década de 1930, de Marc Bloch e Lucien Febvre salientam o econômico e o social, através dos estudos de conjuntura e estrutura, porém a dimensão sexual é esquecida; da década de 1920 a 1940 a história da mulher é confundida com feminismo.

Mas na década de 1970 – nesse século que ainda é nosso, o Século XX –, com a História das Mentalidades, voltada para pesquisas sobre o popular, o cenário se mostra propício para se ouvir falar a mulher. Segundo a professora Mary Del Priore (1988, p.13), duas preocupações marcavam a produção que então se iniciava, “fazer emergir a mulher no cenário de uma história pouco preocupada com as diferenças sexuais; demonstrar a exploração, a opressão e a dominação que vitimavam as mulheres”.

Todavia, a professora e pesquisadora continua

Trabalhos fortemente marcados por estas características acabaram levando a história da mulher a um isolamento intelectual, e a estudos circulares sem maior influência na disciplina histórica [...] A dialética, sempre utilizada, da dominação masculina versus opressão feminina, deve ser evitada por sua circularidade, e substituída pela análise das mediações, no tempo e no espaço, através das quais qualquer dominação se exerce. Deve-se fugir da história que faz da mulher uma vítima, ou o seu inverso. As zonas de análise mais produtivas para a história da mulher são as nebulosas, onde encontramos as mulheres anônimas, ou como diria Duby, “os murmúrios que se perdem num coro tonitruante de homens que o sufocam” (p.13).

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São a esses “murmúrios femininos, no interior do Rio Grande do Norte, no Vale do Açu, que estamos atentas. E utilizando a literatura como principal fonte!

Literatura como principal fonte

A principal fonte de pesquisa que utilizo – articulada a outros documentos, tais como jornais da época, depoimentos de mulheres contemporâneas de Maria Eugênia, cartas ... – são os livros da escritora mineira. Esses livros estão me dando a possibilidade de compreender como se inscreveram as marcas daquelas mulheres “no tecido da história”, e como ficção e realidade se entrelaçam e se separam.

A respeito da importância da literatura como fonte, a professora Marta Lopes Teixeira (1995, p.69) afirma:

Como fonte, o uso da literatura não é simples. Exige mais do que sensibilidade (elemento indispensável e preliminar), que se conheça, ao menos razoavelmente a História da Literatura e as discussões sobre os limites da ficção e da realidade. Nem toda literatura é história (no sentido de romance histórico) e sabemos que, mesmo quando o é, não engloba toda a história. Por um lado, as obras literárias não são meros sintomas, espelhos possíveis da realidade do seu tempo, mas têm uma vida estética. Por outro, são filhas do seu tempo, têm uma existência concreta, historicamente situada e determinada.

A partir dessa afirmação da professora Marta Lopes Teixeira, o nosso estado de vigília se aguçou ao nos debruçarmos na literatura, ou seja, na obra de Maria Eugênia Montenegro, como fonte histórica: consideramos, integralmente, a sua vida estética e a sua filiação com o seu tempo.

Escola e cotidiano: uma história da educação a partir da obra de José Lins do Regp

(1890-1920), de autoria da professora e pesquisadora Ana Maria de Oliveira Galvão (1996, p.99), é uma outra importante pesquisa que discute as vinculações que se estabelecem entre ficção e história; os seus resultados “demonstraram a potencialidade de fontes não convencionais, como a literatura, nos estudos da história da educação, revelando aspectos em geral negligenciados e pouco perceptíveis em pesquisas baseadas unicamente em documentos oficiais”.

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Nessa pesquisa, seguimos a orientação teórico-metodológica da História Cultural por

seu foco estar dirigido aos que foram silenciados, sem direito a voz. É o historiador Roger Chartier que nos diz:

A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa desse tipo supõe vários caminhos. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e delimitações que organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de percepção e de apreciação do real (1990, p.17).

Quem é Maria Eugênia Montenegro

A escritora, memorialista, nascida em Lavras, Minas Gerais, no ano de 1915, veio na década de 1930, aos 23 anos de idade, para o Rio Grande do Norte, onde ainda permanece participando ativamente da vida cultural do Vale do Açu. Assumiu em 1972 a Cadeira n.16 da Academia Norte-rio-grandense de Letras, cadeira que tem como patrono Segundo Wanderley, e como primeiro ocupante Francisco Palma. O segundo ocupante foi o escritor assuense Rômulo Chaves Wanderley, antecessor, portanto, da escritora. Antes de Maria Eugênia, mulheres imortais da ANL apenas Carolina Wanderley, primeira ocupante da Cadeira n. 6 , e Palmyra Wanderley, da Cadeira n. 20 – que tem a poeta Auta de Sousa como patrona. Depois de Maria Eugênia, nenhuma mulher – ainda – na Academia Norte-rio-grandense de Letras.

Autora de nove livros: Saudade, teu nome é menina: memórias de uma menina feia (1962); Azul solitário (1967); Alfar, a que está só (1967); Lavras, terras de lembranças:

memórias de mocidade (1968); Andorinha sagrada de Vila Flor (s./d.); Lembranças e tradições do Açu (1978); Porque Américo ficou lelé da cuca (s./d.); Lourenço, o sertanejo

(1996) e Todas as Marias (1996), Maria Eugênia, com a sua obra, principalmente com o primeiro livro, filia-se ao gênero de memórias femininas, que tem como referência maior na literatura brasileira Minha vida de menina, de Helena Morley, editado pela primeira vez na década de 1940, traduzido para o inglês pela poeta norte-americana Elizabeth Bishop.

Entrevistei Maria Eugênia Montenegro em agosto de 2001, não em Açu, como era o meu desejo, mas em Natal, no bairro de Petrópolis, onde ela se restabelecia de um problema de saúde. Escutei durante mais de duas horas esta mulher falar da sua vida, das suas epifanias,

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maior descoberta: a literatura. Segundo depoimento da escritora, foi no RN que ela começou a escrever, foi aqui que as suas memórias começaram a “transbordar”, resultando num verdadeiro dossiê sobre a educação feminina nas décadas de 1930 e 1940

Casada com o engenheiro Nelson Montenegro, um político de tradição no Vale do Açu, Maria Eugênia também enveredou pela política – esse caminho tantas vezes pérfido, mas que também pode abrigar instantes de honestidade e verdade. A escritora se tornou, na década de 1970, prefeita de Ipanguassu, lançando o seu olhar e o seu zelo sobre a arte e sobre a educação: “Construímos escolas, fizemos um teatro naquele fim de mundo. O teatro se tornou

o cartão portal da cidade, os grupos teatrais de Natal se apresentavam lá. Foi fantástico”.

Recordou com saudade.

Desse nosso encontro resultou, além da publicação do Além do nome, em 19 de agosto de 2001, o início do meu interesse pela obra de Maria Eugênia Montenegro. Quais as verdades que o rio das suas memórias e das suas palavras traria à tona, recuperando do silêncio a educação da mulher, a sua história – e toda conquista e toda lágrima originadas dessa história. Tudo isso instigou-me e me fez apresentar um projeto ao programa de Pós-graduação em Educação da UFRN, projeto que resultou nessa pesquisa.

O porquê da pesquisa?

Porque acreditamos na riqueza que é a obra e a vida de Maria Eugênia Montenegro, e que ambas nos permitirão vislumbrar, com poesia e ciência, a história da educação feminina nas décadas de 1930 e 1940. Décadas escolhidas por serem o início da vida de Maria Eugênia em pleno sertão norte-rio-grandense. Aqui, o território feminino mostra-se em carne viva, à flor da pele, seres silenciados, encouraçados, aprisionados, livres, educados para a família, para a mitificação da maternidade – “esse mito da feminilidade”, como diria Simone de Beauvoir. É nesse território que nos encontramos, dor e delícia não se separam. Não desistimos. Não desistiremos.

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Bibliografia

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.

GALVÃO, Ana Maria de Oliveiraa. Problematizando fontes em história da educação. In:

Educação e realidade. Porto Alegre, v.21, julh/dez. 1996. P.99-118.

LOPES, Eliane Marta Teixeira. Perspectivas Históricas da Educação. São Paulo: Editora Ática, 1995.

MONTENEGRO, Maria Eugênia. Saudade, teu nome é menina: memórias de uma menina feia. Natal: Imprensa Universitária e Gráfica do Serviço de Assistência Rural, 1962.

______. Azul solitário. Natal: Fundação José Augusto, 1967.

______. Alfar, a que está só. Natal: Imprensa Universitária, 1967.

______. Lavras, terra de lembranças: memórias de mocidade. Lavras: Universidade Federal de Lavras, 1968.

______. Andorinha sagrada de Vila Flor. Natal: Cern, [s/d.].

______. Lembranças e tradições do Açu. Natal: Fundação José Augusto, 1978.

______. Porque Américo ficou lelé da cuca. Natal: Edição do autor, [s/d.].

______. Lourenço, o sertanejo. Açu: Edição do autor, 1996.

_______ Todas as Marias. Natal: Fundação José Augusto, 1996.

Referências

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