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Movimentando corpo, mídia e performance. 1. Mídia: novos modos de se compreender o corpo

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Academic year: 2021

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Movimentando corpo, mídia e performance.

Eveline Dantas Nogueira1

“A arte seria capaz de estabelecer, portanto, uma ponte entre corpo vivo, as forças do universo e a criação do futuro” Christine Greiner

A palavra “mídia” durante muito tempo circulou em nosso imaginário apenas como referência aos meios de comunicação de massa, principalmente o rádio e a televisão. Mídia é tida, geralmente, como sinônimo de veiculação, preservação e ampliação de informações. A internet provocou curtos-circuitos na comunicação. As mídias surgem de acordo com o contexto histórico, tecnológico, social e político em questão (SPANGHERO, 2011, p. 71).

Inventar uma peça teatral ou uma dança pode ser visto como um tratamento do corpo na arte como mídia? O que pretendo aqui realizar é uma operação de deslocamento desse lugar, que mídia possa ganhar outros sentidos. Além disso, procurar ressonâncias e implicações no pensamento acerca do corpo e da arte contemporânea, em especial, a Performance.

1. Mídia: novos modos de se compreender o corpo

Para tratar do questionamento do corpo na arte, acredito ser imprescindível desde já esclarecer o meu modo de compreendê-lo. O corpo é aqui tratado como “um estado transitório das trocas que faz com os ambientes” (GREINER, 2010, p. 132). Corpo anatômico e corpo vivo atuante no mundo são inseparáveis e estão em permanente troca com o ambiente. Não é apenas o ambiente que constrói o corpo e nem vice-versa, ambos são ativos o tempo todo, de forma que o corpo muda de estado cada vez que percebe o mundo e não estará nunca formado, acabado.

Aproximo aqui os meus pensamentos à teoria do Corpomídia, elaborada pelas pesquisadoras Christine Greiner e Helena Katz, que considera o corpo como um processo co-evolutivo de relações entre corpo-ambiente e não somente como um

1 Integrante do Grupo La Calle e aluna do Curso “Teatro: Conexões Contemporâneas”, da Escola Pública

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veículo difusor de informações. A palavra mídia poderia dar a entender um corpo que apenas transmite informações, como a televisão. No entanto, trata-se de compreender o corpo que é mídia de si mesmo, daquilo que é no momento em que se comunica, num fluxo contínuo, produtor de signos culturais, resultado dos cruzamentos de informações de fluxos permanentes entre corpo e ambiente, em negociação com informações já existentes:

Capturadas pelo nosso processo perceptivo, que as reconstrói com as perdas habituais a qualquer processo de transmissão, tais informações passam a fazer parte do corpo de uma maneira bastante singular: são transformadas em corpo. Algumas informações do mundo são selecionadas para se organizar na forma de corpo – processo sempre condicionado pelo entendimento de que o corpo não é um recipiente, mas sim aquilo que se apronta nesse processo co-evolutivo de trocas com o ambiente (GREINER, 2005, p. 130).

Rádio e televisão fazem circular informações já dadas, e parecem retirar do receptor qualquer possibilidade de resposta. Já com a internet, malha de fluxos e de redes – atuais ou virtuais,

a potência das forças centrífugas que tinham sido aprisionadas e capturadas pela força de unificação e homogeneização das redes analógicas (televisão) é liberada, ativada, e inventa outras máquinas de expressão, outros regimes de signos” (LAZZARATO, 2006, p. 179).

Assim, o corpomídia de si mesmo, assemelha ao fluxo de percepções em rede da internet, um “corpo que sofre de suas afecções, de seus encontros, da alteridade que o atinge, da multidão de estímulos e excitações” (PELBART, 2003, p 45).

Então, o corpo como tecnologia de si, como mídia deve ser tomado a partir desse encontro com as forças do mundo, um corpo coletivo que se encontra vivo pelo estado de disponibilidade para acolher informações estrangeiras a ele. Isso tudo me remete ao universo da performatividade, dessa inquietude e interesse pela circulação de idéias, de percepções, de perturbações das formas definidas e reorganização de materiais já conhecidos, arranjando novos modos de se dizer e de se constituir. A performance surge para mim como a possibilidade de elevar a potência de novos engendramentos de percepções acerca de si, do outro, do ambiente, constituindo uma atitude política: “perceber já é um modo de pensar sobre o mundo [...] ter uma experiência é ser confrontado com um modo possível do mundo” (GREINER, 2010, p. 76).

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2. Performatividade: ativação de novos circuitos no corpomídia

O conceito de ato performativo é ligado diretamente ao ato da fala, desde a conceituação atribuída ao linguista John L. Austin (1962). Em sua teoria, o enunciado linguístico funciona como ato de fala, pois até então a Linguística pensava que uma fala servia apenas para descrever coisas: “para Austin, a tarefa da filosofia da linguagem consistia na elucidação das diferentes formas de uso da linguagem” (MARCONDES, 2006, p. 223).

Assim, a fala de um indivíduo também pode realizar ações, como a do juiz que anuncia “eu vos declaro marido e mulher”, ou ainda “declaro aberta a sessão”. Tal fala é muito menos uma frase do que a instituição de um ato que modificará a vida daqueles envolvidos. São falas que constituem realidades. Do mesmo modo, ações performativas provocam novas percepções de realidades, liberando os diagramas instituídos de poder. Assim como a linguagem não é vista como apenas reprodutiva e veículo de informações, o corpomídia é performativo se o entendermos como produtor de realidades, de uma constante relação entre o corpo e o mundo.

As experiências vivenciadas se transformam em corpo, e o corpo está em constante movimento. Então, o ato performativo aponta um modo de entender o teatro que não tem como objetivo expressar algo fora da ação, existente antes. Trata-se de observar o corpo no seu fazer: “o tempo de referência é o tempo presente, que aponta para o momento da feitura e não para referentes fora do fazer” (SETENTA, 2008, p. 24).

Numa breve pausa, acredito ser relevante citar aqui, neste momento, a descoberta científica da existência de neurônios-espelho. Quando realizamos alguma ação, determinados neurônios são ativados, e quando observamos outra pessoa realizando a mesma ação, esses mesmos neurônios são ativados em nosso córtex. Isso tudo diz respeito a uma nova forma de conceber a nossa comunicação, percepção e conhecimento daquilo que está ao nosso redor. A realidade simulada permite o reconhecimento da realidade daquilo que passa fora do corpo, à medida que regiões cerebrais como córtices pré-frontais e pré-motores enviam sinais diretos para as regiões somatossensitivas, configurando assim uma paisagem como se estivesse de fato no lugar do outro observado (GREINER, 2010).

A noção de neurônio espelho aponta para mim ainda maior relevância da arte, de toda a possibilidade de fruição da mesma, com a mesma intensidade daquele que a

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realiza. Assim, perceber ações performativas ativaria em nós as mesmas áreas corticais daquele que a realiza? Ativar novos circuitos perceptivos para além daqueles que rotineiramente utilizamos emerge como uma incrível potência de inventar novos modos de se estar e de se criar no/com o mundo.

Após esta breve pausa para esclarecimento do que seriam os neurônios-espelho, diante do corpomídia de si mesmo em uma ação performativa, abre-se a possibilidade de se ativar áreas de sensações adormecidas, engessadas na contemporaneidade: “os neurônios espelho possibilitam o surgimento de um espaço compartilhado que é, por sua vez, um espaço de ação” (GREINER, 2010, p. 83).

Eleonora Fabião2 nos fornece inúmeros exemplos de atos performativos que eu considero serem potentes nesse atravessamento do corpomídia, seja do atuante ou o espectador – que em seus neurônios espelho vivencia uma abertura de percepção de si e do mundo tão potente quanto no artista que executa a ação. Para ficar mais claro, citarei alguns exemplos enunciados pela pesquisadora:

a história do homem que empurrou um bloco de gelo pelas ruas da Cidade do México até seu derretimento completo. [...] Ou daquele que construiu uma cela de prisão em seu apartamento/studio, trancou-se nela por um ano (365 dias e noites) e não leu, não falou, não escutou música, não comunicou-se com ninguém. Contratou alguém para levar-lhe comida bem como um advogado para testemunhar o feito e guardar a chave. Permitiu visitação pública de três em três semanas, num total de 18 vezes ao longo do ano. [...] O homem que armou sua festa de aniversário na rua, partilhou seu bolo, trocou abraços e recebeu votos de felicidade de desconhecidos. [...]O homem negro que sentou-se numa calçada cinza, exibiu três vidros de maionese branca, e tentou vendê-los por 100 dólares cada [...]A mulher que, no Centro do Rio de Janeiro, colocou frente à frente duas cadeiras de sua

cozinha, descalçou os sapatos, sentou-se, escreveu num cartaz a frase “converso sobre qualquer assunto” (ou “converso sobre saudade”, “converso sobre política”, “converso sobre amor”), exibiu-o. E, por sucessivas manhãs, conversou com diversas pessoas sobre assuntos diversos.

Foram ações desenvolvidas por artistas que mostram interesse em relacionar corpo, estética e política, ampliando, com certeza, a percepção do que é ou não arte, da relação entre arte e vida, da evidência da possibilidade de outras maneiras de se estar no mundo, é como Eleonora Fabião afirma: "performers são, antes de tudo, complicadores culturais. Educadores da percepção, ativam e evidenciam a latência paradoxal do vivo" (Id. ibid, p. 4).

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Em: “Performance e Teatro:poéticas e políticas da cena contemporânea”, Disponível em:

<http://impromptucoletivo.files.wordpress.com/2009/09/performance_e_teatro_fabiao1.pdf>. Acesso em 12 mar. 2012

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A ação performativa torna-se, assim, uma referência interessante para um teatro interessado em provocar discussões políticas acerca de processos de produção e recepção de arte, da potência do corpo, de modos de percepção, da crítica ao teatro elaborado somente a partir do texto narrativo ficcional. A ação performativa não busca provocar experiências em que se deseja comunicar um determinado conteúdo ao espectador. Ao contrário, é ele que elabora sua percepção e significação quando são afetados pelo ato.

Qual a potência de um corpomídia? Com tantas e infinitas possibilidades nossa relação corporal esteja disponível para inventar. A cada dia, a cada ação performativa, criar novos corpos, das mais inimagináveis formas concebidas. É isto o que eu desejo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUSTIN, J. L. How to do things with words. Oxford: Oxford University Press, 1962. FABIÃO, E. Performance e Teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Disponível em:

<http://impromptucoletivo.files.wordpress.com/2009/09/performance_e_teatro_fabiao1. pdf>. Acesso em 12 mar. 2012

GREINER, C. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.

______ O corpo em crise: novas pistas e curto-circuito das representações. São Paulo: Annablume, 2010.

LAZZARATO, M. As revoluções do capitalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

MARCONDES, D. A teoria dos atos de fala como concepção praática da linguagem.

Rev. Filosofia Unisinos. São Leopoldo, 2006, p. 217-230. Disponível em:

<http://www.pessoal.utfpr.edu.br/paulo/atos%20de%20fala.pdf>. Acesso em 10 jun. 2012.

PELBART, P. P. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003. SPANGHERO, M. Tecnologia para entender dança: as notações coreográficas.

Moringa- artes do espetáculo. João Pessoa, Vol. 2, n. 1, 71-80, jan./jun. de 2011.

Disponível em

<http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/moringa/article/viewFile/9987/5467>. Acesso em 18 mar. 2012.

SETENTA, J. S. O fazer-dizer do corpo: dança e performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008

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