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Processo

20206/17.2T8LSB.L1.S1

Data do documento

6 de abril de 2021

Relator

Maria João Vaz Tomé

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Microempresa > Arrendamento para fins não

habitacionais > Prazo > Interpretação da lei > Princípio da interpretação conforme o direito europeu

SUMÁRIO

I. A Lei n.º 79/2014 retomou, não só a denominação da versão originária do NRAU – microempresa -, como também o conteúdo essencial então previsto quanto ao limite máximo do número de trabalhadores (10) e ao total do balanço (€ 2.000.000) e volume de negócios (€ 2.000.000) a ter em consideração para a qualificação de determinada empresa como microempresa.

II. Um dos principais objetivos da Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE consiste em assegurar que as medidas de apoio são canalizadas exclusivamente para as empresas que delas realmente necessitam.

III. Reveste-se, por conseguinte, de particular importância identificar as empresas que são verdadeiras micro, pois são estas que necessitam do auxílio, apoio ou assistência, por se confrontarem com problemas específicos.

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antes da sua posição situacional economicamente integrada em determinadas estruturas empresariais. A definição de microempresa tem, necessariamente, de ter em conta as possíveis relações da empresa qualificanda com outras empresas. Em certos casos, essas relações obstam à qualificação de uma empresa como microempresa.

V. O legislador, para efeitos de NRAU, não pretendeu consagrar um conceito de microempresa diferente daquele já previsto no ordenamento jurídico.

TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,

I - Relatório

1 . AA intentou a presente ação contra a Sapataria Pelicano, Lda., pedindo que seja declarada a inexistência do direito da Ré à renovação do contrato de arrendamento, por um período de três anos, prevista no art. 6.º, n.º 3, da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, relativo à loja e sobreloja sitas na Rua do Carmo, n.º 76/78, freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Lisboa, que aquela invocou em carta de 3 de fevereiro de 2015, por não se encontrarem preenchidos cumulativamente todos os requisitos legalmente previstos para esse efeito.

2. Alega, em síntese, que é usufrutuário daquele imóvel e a Ré arrendatária do mesmo desde 1936, destinando a referida loja e sobreloja a estabelecimento de

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venda e a oficina e manufatura de calçado; a 29 de janeiro de 2013, o Autor comunicou à Ré, ao abrigo do disposto nos arts. 50.º e ss da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32/2012, de 14 de agosto, a atualização da renda e a transição do contrato para o NRAU, passando a renda mensal a ter o valor de € 1.050,00 e o contrato a ser considerado celebrado pelo prazo certo de cinco anos, renovável por períodos de três anos; a Ré opôs-se ao tipo, duração do contrato e à aplicação do NRAU, defendeu que a renda se fixasse em € 685,00 e que o contrato se mantivesse para fins não habitacionais por tempo indeterminado, o que o Autor não aceitou, comunicando à Ré que, nos termos dos arts. 2.º, 33.º, n.os 1 e 5, al. b), conjugado com o art. 35.º, n.º 2, als. a) e b), do NRAU, o contrato para fins não habitacionais se considerava celebrado por um prazo certo de cinco anos e que a renda mensal se fixava em € 762,50, alterações que entraram em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte; a 3 de fevereiro de 2015, a Ré comunicou ao Autor que, ao abrigo do art. 6.º, n.º 3, da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, verificando-se todos os requisitos desta disposição, o Autor não poderia opor-se à renovação do contrato por um período de três anos, sem prejuízo da atualização da renda por aplicação dos coeficientes de atualização anual respetivos; porém, o Autor contesta que a Ré seja uma microempresa, concluindo que a mesma não tem direito à renovação prevista no art. 6.º, n.º 3, da Lei nº 79/2014, de 19 de dezembro; se é certo que, em matéria de arrendamento não habitacional, os limites no domínio dos efetivos e dos limiares financeiros a considerar para a caracterização de uma dada empresa como microempresa são aqueles mencionados no art. 51.º, n.º 5, da Lei nº 6/2006, também é certo que o regime do arrendamento urbano em vigor não estabelece as regras a observar quanto à forma como devem ser calculados, anualmente, o balanço, o volume de negócios líquido e o número médio de empregados durante o exercício; e, tal lacuna, deve ser suprida mediante o recurso, por analogia, às regras estabelecidas no DL n.º 372/2007, de 6 de

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novembro, e anexo que o integra, na medida em que as razões que justificam a regulamentação estabelecida neste diploma procedem no presente caso, uma vez que a Ré, ao invocar que é uma microempresa, pretende beneficiar de uma vantagem que a lei, no domínio do arrendamento urbano, reserva para as entidades com este estatuto; por aplicação das regras contidas no DL n.º 372/2007, as sociedades “Sapataria Jandaia, Lda.”, “Inter-modas Internacionais, Lda.”, e “Representações e Comércio Domingos Brandão, Lda.” são empresas associadas da Ré e, como tal, os elementos respeitantes a estas empresas também devem ser incluídos na caracterização da Ré como micro, pequena, média ou grande empresa, o que significa que o volume de negócios líquido da Ré é de € 2.750.769,58 e o seu número de efetivos de 28, não reunindo os requisitos para ser qualificada como micro empresa.

3. A Ré Sapataria Pelicano, Lda., contestou, sustentando a improcedência da ação. Em jeito de síntese: impugna alguns factos; discorda das conclusões do Autor, por entender que a Lei n.º 6/2006, no art. 51.º, define, expressamente, o que é uma microempresa para efeitos dessa Lei e que, com essa norma, o legislador pretendeu estabelecer especificamente um regime jurídico especial diferente daquele consagrado no DL n.º 372/2007; assim, a Ré reúne todos os requisitos da microempresa definidos no art. 51.º da Lei n.º 6/2006, beneficiando do direito à renovação do contrato nos termos previstos no art. 6.º, n.º 3, da Lei n.º 79/2014.

4. Foi realizada audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas de prova.

5 . Realizada a audiência final, foi proferida sentença, que julgou a acção totalmente improcedente.

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6. Inconformado com tal sentença, o Autor interpôs recurso de apelação.

7 . Por acórdão de 5 de novembro de 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a presente apelação improcedente, e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pelo apelante – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais”.

8. De novo não conformado, o Autor interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:

“1 - Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de cinco de Novembro de 2019, proferido no processo à margem identificado, que confirmou a decisão da 1.ª instância que julgou improcedente a apelação formulada e, em consequência, manteve a sentença recorrida, considerando que bem andou a sentença recorrida ao qualificar a apelada como microempresa;

II - Não obstante o ora Recorrente pugnar que o conceito de empresa densificado e constante do Dec.-Lei nº 372/2007, de 6 de Novembro, havendo relações de interdependência entre as sociedades, os dados (Balanço, volume de negócios e número de trabalhadores) dessas sociedades devem ser agregados e considerados globalmente para se aferir se uma entidade económica, no caso a arrendatária, Sapataria Pelicano, Lda., tem o estatuto de “microempresa”, nos termos e para os efeitos do artigo 51º, nºs. 4, alínea a) e 5

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e 54º, nº 1 do NRAU, foi entendimento quer do Tribunal da 1.ª Instância, quer deste acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que o conceito legal de microempresa consagrado no art, 51.º, n.º 5 do NRAU, com a redacção da Lei n.º 97/2014, se basta a si próprio, devendo ser aplicado com autonomia relativamente a outras definições de microempresa;

III – Tal recurso de revista excepcional, deverá ser admitido nos termos do n.º 1 do artigo 672º do CPC, por se encontrarem preenchidos os requisitos a que aludem as suas alíneas a) e b), ainda que estes não sejam cumulativos. Pelas seguintes ordens de razões:

a) estando em causa uma questão de direito cuja apreciação é absolutamente necessária, porque o entendimento sufragado no acórdão recorrido, bem como na sentença da 1.ª instância, não só põe em crise a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia como também se insere num reduzido número de acórdãos de tribunais superiores sobre esta matéria (que seja do nosso conhecimento, através da consulta do sítio www.dgsi.pt, ainda nenhum transitado em julgado), ao que acresce o facto de estes arestos, os já aludidos proferidos em 1.ª instância e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, representarem uma interpretação incongruente que colide com a unidade do sistema jurídico e, ainda, em manifesta contradição com outro aresto proferido por aquele mesmo Tribunal (cf. acórdão de 15/11/2018, TRL, proferido no processo n.º 10909/17.7T8LSB,L1-6 e cujo trânsito em julgado ainda não se verificou), fazendo perigar as regras da concorrência, necessárias ao funcionamento do mercado interno, aplicadas uniformemente em toda a União, que não se compadecem com as eventuais especificidades do direito nacional das sociedades dos Estados-Membros, impondo-se a intervenção deste venerando Tribunal enquanto guardião dessas mesmas regras,

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b) e, também, por esse motivo, deve ser reconhecida a sua relevância social, já que estão em causa princípios relativos a uma sã concorrência no mercado interno da União Europeia e, reflexamente, o regime de protecção das microempresas - cuja contribuição para o produto interno bruto (PIB), assumem especial relevância no tecido empresarial nacional - reservando as vantagens decorrentes de várias regulamentações ou medidas a favor das microempresa para aquelas empresas que efectivamente o sejam e delas necessitem realmente;

IV – Ademais, os motivos desta irresignação, do ora recorrente com o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de que ora se suscita a sua revista, assentam no conjunto de factos dados como provados e a errada aplicação e interpretação do direito na conformação legal daqueles;

V - Particularmente, aqueles factos que evidenciam que a R., em conjunto com mais três outras sociedades por quotas aí identificadas, deve ser considerada uma única empresa, já que são todas constituídas por quatro sócios sempre comuns e, ainda, com idênticas proporções no capital social dessas empresas, na ordem de 30% para cada um dos três sócios e de 10% para o sócio restante (cf. parágrafos 19 a 35 dos factos dados como provados” na sentença proferida em 1.ª instância);

VI – Sabendo-se que todas estas quatro sociedades têm como objecto social o comércio de calçado e de outros produtos similares, sob a denominação genérica de Sapataria Jandaia, sendo possível adquirir um bem num estabelecimento de uma dessas sociedades e trocá-lo por outro bem noutro estabelecimento com idêntica denominação pertencente a outra dessas quatro sociedades (cf. parágrafos 36 e 37 dos factos dados como provados na sentença proferida em 1.ª instância);

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VII - Ora, a Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, na parte em que introduziu alterações ao NRAU, afastou-se do conceito de microentidade, utilizado mormente nas normas contabilísticas (vg. o Decreto-Lei n.º 98/2015), conceito esse que se encontra associado a limiares financeiros mais reduzidos, e adoptou o conceito de microempresa, o qual, não obstante estar associado a limiares financeiros mais elevados, pressupõe um perímetro de abrangência mais consentâneo com a realidade económica da empresa, considerada independentemente da sua estrutura jurídica;

VIII - Ora, tal alteração não pode, salvo melhor opinião, deixar de estar associada a uma pretendida harmonização com a definição constante de outros diplomas legais que classificam empresas de acordo com uma determinada dimensão (v.g., art. 2.º, n.º 3, do Anexo do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro) e, bem assim, com o próprio conceito que emana de documentos comunitários como a Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE, de 6 de Maio de 2003, nomeadamente do artigo 2.º do Anexo à Recomendação;

IX – Compreende-se, por isso, que o legislador de 2014 tenha aumentado simultaneamente os limites, ou índices, que permitem classificar uma determinada empresa como microempresa, conciliando-os com aqueles referidos diplomas;

X - Aliás, a própria Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE, de 6 de Maio de 2003, assenta sobre a ideia de que a «existência de diferentes definições a nível comunitário e nacional poderia suscitar incoerências» (Cfr. Considerando 1), sendo o seu intuito manifesto «reservar as vantagens decorrentes de várias regulamentações ou medidas a favor das PME para empresas que delas necessitem realmente», sendo igualmente «desejável que

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se atenda, eventualmente, às

relações existentes entre as empresas por intermédio das pessoas singulares» (Cfr. Considerando 12).”

XI - Daí que o Anexo à Recomendação acima citada distinga empresas autónomas das empresas associadas, estabelecendo que são «empresas associadas» as empresas que mantêm entre si uma das seguintes relações: «a) Uma empresa detém a maioria dos direitos de voto dos accionistas ou sócios de outra empresa», ainda que «por intermédio de uma pessoa singular ou de um grupo de pessoas singulares que actuem concertadamente (…) desde que essas empresas exerçam as suas actividades, ou parte delas, no mesmo mercado ou em mercados contíguos» (cfr. art. 3.º. n.º 3, do Anexo)”.

XII – Por seu turno, o artigo 6.º do Anexo à Recomendação esclarece que «no caso de uma empresa autónoma, a determinação dos dados, incluindo os efectivos, efectua-se unicamente com base nas contas desta empresa». No entanto, «aos dados referidos no primeiro e segundo parágrafos devem juntar-se 100 % dos dados das eventuais empresas directa ou indirectamente associadas à empresa considerada, que não tenham sido retomados por consolidação nas contas» (sublinhado nosso);

XIII - Neste preciso contexto, entendemos que se impunha considerar, para a caracterização da Sapataria Pelicano, Lda., ora Recorrida, como microempresa, o conceito de empresa que decorre da jurisprudência, unânime e constante, do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que se encontra consagrado na ordem jurídica da União, com estatuto constitucional.

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elemento nuclear das regras da concorrência, necessárias ao funcionamento do mercado interno, o conceito de empresa tem de ser interpretado e aplicado uniformemente em toda a União e não pode depender das especificidades do direito nacional das sociedades dos Estados-Membros.

De outra forma não se poderia assegurar às empresas que operam no mercado interno um quadro jurídico uniforme («level playing field»)”;

XV - A importância de tal juízo, por abranger o conceito de empresa em termos gerais, obriga o intérprete, na descodificação do conceito de microempresa constante do n.º 5 do artigo 51.º do NRAU, a compatibilizá-lo, previamente, com o conceito de empresa tal como este vem sendo entendido pela jurisprudência comunitária - o conceito de empresa foi precisado pelo juiz da União e designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas (ver, neste sentido, os acórdãos do TJUE, Akzo Nobel/Comissão, n.º 55, e Elf Aquitaine/Comissão, n.° 53);

XVI – Ou seja: ainda antes da averiguação destinada a saber se a ora Recorrida não ultrapassava, à data do balanço, dois dos três limites impostos nas alíneas a), b) e c) do o n.º 5 do art. 51.º do NRAU, na redação da Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro, importava aquilatar se aquela poderia ser considerada, de per si, como uma empresa independente ou, ao contrário, como fazendo parte integrante e indissociável de uma unidade económica constituída pelo conjunto daquelas quatro sociedades por quotas;

XVII – Pois se é aceitável admitir que os limiares impostos pela norma jurídica controvertida, para qualificar uma empresa como microempresa, só valem no âmbito do regime de arrendamento urbano para fins não habitacionais, não o é

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menos que o conceito de empresa aí plasmado terá de ser interpretado como identificando uma entidade que exerce uma actividade económica, isoladamente ou em grupo, independentemente da sua forma jurídica, conforme resulta da jurisprudência já aludida;

XVIII - Isto porque a norma em apreço não teve como escopo a definição do conceito de empresa, mas apenas, de entre o universo daquelas, se limitou a definir, por recurso a limiares financeiros e do número de trabalhadores ao seu serviço, as que deveriam ser consideradas como microempresas, para os efeitos definidos naquela Lei;

XIX – A relevância desta distinção assume particular importância, porque de outra forma o intérprete enredar-se-ia numa estéril e errática confabulação a propósito do conceito de microempresa, sem que antes estivesse consolidado, em face do direito positivo, o próprio conceito de empresa que, como nos parece óbvio, deverá anteceder qualquer juízo sobre a dimensão destas;

XX - Na verdade, o que o caso dos autos evidencia é que, não obstante existirem quatro estabelecimentos comerciais aparentemente autónomos, na realidade estamos perante uma única empresa, consubstanciada numa estrutura organizada de meios de produção, que possuem marca e demais elementos comuns, sob a mesma marca, imagem institucional, clientela e direcção, constituindo este conjunto de pessoas colectivas uma única unidade económica;

XXI – Embora por outra via, também se chegaria a semelhante conclusão pela interpretação sistemática do n.º 2 do artigo 3.º do Novo Regime Jurídico da Concorrência – constante da Lei n.º 19/2012, de 18 de Maio – que sob a epígrafe de noção de empresa, considera uma única empresa o conjunto de empresas

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que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantêm entre si laços de interdependência;

XXII - Daqui resulta, com meridiana clareza, que o legislador quis prevenir o artifício que consistiria na criação ou existência de diversas sociedades comerciais, que, embora juridicamente distintas, constituam uma unidade económica ou mantenham entre si laços de interdependência, para assim falsearem uma sã e leal concorrência, obtendo privilégios que de outra forma não lhes assistiriam.

XXIII - Neste sentido, o caso discutido nestes autos assume-se como um exemplo paradigmático daquilo que o legislador pretende proibir – estas quatro sociedades, constituindo uma unidade económica, pretendem criar a convicção de que, na situação que ora importa, a Sapataria Pelicano, Lda. é uma empresa autónoma e por isso, compulsados os elementos dessa, preenche os requisitos para ser considerada uma microempresa e gozar da prerrogativa conferida no artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 79/2014.

Nesta medida, a conduta da ora Recorrida, invocando a prorrogativa prevista nesse normativo, configura uma prática concertada entre essas quatro sociedades tendo como objectivo, ou como efeito, falsear a concorrência em detrimento das verdadeiras microempresas (cf. artigo 9.º. n.º 1 da Lei 19/2012);

XXIV - Em razão desta situação concreta: não se pode pretender é que, por meros artifícios legais – a constituição ou existência de quatro sociedades com idêntico objecto social e detidas pelos mesmos sócios, funcionando com estabelecimentos comerciais sobre a mesma denominação, se ignore de facto desta pluralidade de pessoas colectivas, constituindo uma única empresa (unidade económica) - se venha a obter um resultado que a lei previu e deseja

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evitar.

XXV - O que torna susceptível de considerarmos a conduta da ora Recorrida, ao invocar uma qualidade de empresa autónoma que não detém, como um mero artifício tendente a defraudar a lei, já que no caso em apreço é evidente o nexo entre a existência de várias sociedades, constituídas de forma lícita, para lograr obter um resultado que a lei proíbe – que venha a ser reconhecida como microempresa aquela que, sem esse expediente, não poderia ser caracterizada

como tal, por ultrapassar os limites impostos na lei.

XXVI - O douto Acórdão recorrido, ao ter qualificado a ora Recorrida como microempresa, fez uma errada aplicação e interpretação do direito, das normas constantes das disposições conjugadas do n.º 4 e do n.º 5, do artigo 51.º do NRAU, ignorando as regras de hermenêutica jurídica a que está adstrito.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento à revista, com a consequente revogação do acórdão aqui impugnado, assim se fazendo

JUSTIÇA!”

9. Não foram apresentadas contra-alegações.

10. Tratando-se de um recurso de revista excecional, interposto à luz do art. 672.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC, a Relatora remeteu os autos à Formação do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 3, em ordem à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do mesmo preceito.

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11. Por acórdão de 27 de outubro de 2020, a Formação do Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC.

II – Questões a decidir

Atendendo ao Acórdão da Formação do Supremo Tribunal de Justiça e às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, está em causa a interpretação do conceito de “microempresa” estabelecido no art. 51.º, n.º 5, do NRAU, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro.

III – Fundamentação

A) De Facto

Foram considerados como provados os seguintes factos:

“1. O autor é usufrutuário do prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ……, nºs … a …, freguesia ……, Concelho …., inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de … com o nº …, freguesia de Conceição.

2. A ré é arrendatária da Loja com entrada pelo nº 78 e Sobreloja, com entrada pela Loja com o nº 78 e pelo nº 76, do referido prédio, desde 1936.

3. Por escritura celebrada em 24 de Julho de 1936 perante o Notário Bacharel BB, com Cartório na Rua …, nº …, em …, foi dada nova redação ao contrato de

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arrendamento no qual a posição de arrendatária foi adquirida pela R. por trespasse, em 23 de Julho de 1936.

4. A Loja e Sobreloja arrendadas destinam-se, respetivamente, a estabelecimento de venda e a oficina e manufatura de calçado.

5. Em 29 de Janeiro de 2013, o autor comunicou à ré a alteração do direito de propriedade sobre o prédio arrendado, e a atualização da renda e a transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), nos termos e para os efeitos dos artigos 50º e seguintes da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redação dada pela Lei 32/012, de 14 de Agosto.

6. Nessa missiva, o autor comunicou à ré que a renda mensal do locado passaria a ser de 1.050,00 €, e que o contrato passava a considerar-se celebrado com prazo certo por um período de cinco anos, renovável por períodos de três anos.

7. A ré respondeu ao autor em 1 de Março de 2013, comunicando-lhe que, ao abrigo do artigo 51º, nº 3 do NRAU, se opunha ao valor da renda apresentada pelo autor, ao tipo e duração do contrato de arrendamento e à aplicação do NRAU.

8. Contrapropondo que o valor da renda mensal se fixasse em 685,00€, e que, quanto ao tipo de duração do contrato, ele se mantivesse para fins não habitacionais, por tempo indeterminado.

9. Não concordando com a proposta da ré, o autor por carta datada de 6 de Março de 2013, comunicou-lhe, nos termos e para os efeitos dos artigos 2º, 33º, nº 1 e nº 5, b), conjugado com o artigo 35º, nº 2, a) e b), todos do NRAU, que o

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contrato, para fins não habitacionais, se considerava celebrado por um prazo certo de cinco anos e que a renda mensal se fixava nos 762,50€.

10. Tais alterações entraram em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte, ou seja, em 1 de Maio de 2013.

11. Fruto das atualizações legais entretanto ocorridas, a ré paga atualmente ao autor pelo arrendamento do locado, a renda mensal de €767,84.

12. Em 3 de Fevereiro de 2015, por carta registada que se encontra junta aos autos como doc. 8 junto com a petição inicial e se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, a ré comunicou ao autor que, ao abrigo do artigo 6º, nº 3 da Lei de 79/2014, de 19 de Dezembro, se mostravam reunidos os requisitos constantes da referida disposição, do que resultava que o autor não poderia opor-se à renovação do contrato de arrendamento atual por um período de três anos, sem prejuízo da atualização da renda por aplicação dos coeficientes de atualização anual respetivos.

13. Invocando e apresentando comprovativos, para o efeito, da existência no locado de um estabelecimento comercial, alegadamente uma microempresa, aberto ao público.

14. Juntando para comprovar tal circunstância cópia da sua Informação Empresarial Simplificada (IES) relativa ao ano de 2013, certamente a última disponível já que, à data, corria ainda o prazo legal para a aprovação das contas relativas ao exercício de 2014.

15. E apresentou comprovativos da realização de investimentos no locado e em equipamentos especificamente vocacionados para o mesmo, efetuados

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anteriormente à data da entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14 de Agosto.

16. Por comunicação datada de 13 de Abril de 2015, o ora autor contestou a suficiência da prova produzida no que concerne aos investimentos alegadamente realizados, não aceitando consequentemente a pretendida renovação do contrato por três anos.

17. Nessa mesma comunicação, o ora autor, tendo conhecimento que no espaço locado se encontrava instalada a Sapataria Jandaia, LDA., entidade com personalidade jurídica distinta da Sapataria Pelicano, Lda., sociedade arrendatária, solicitou esclarecimentos acerca do título que legitimava aquela primeira sociedade a ocupar o espaço arrendado.

18. A ré não prestou ao ora autor os esclarecimentos solicitados.

19. A sociedade SAPATARIA PELICANO, LDA., ora ré, é uma sociedade por quotas com sede na Rua do Carmo, nºs. 76/78, freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Lisboa, com o número de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e de pessoa coletiva 500407789.

20. Esta sociedade tem como objeto o comércio de sapatos, a que corresponde o CAE principal 47721-R3.

21. E, desde 2013, tem um capital social de 15.000,00€, distribuído por quatro sócios da seguinte forma: Senhor CC, titular de uma quota de 4.500,00€, Senhora D. DD, titular de uma quota de 1.500,00€, Senhor EE, titular de uma quota de 4.500,00€, e Senhora D. FF, titular de uma quota de 4.500,00€.

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os Senhores CC, titular do NIF …., EE, titular do NIF …, e D. FF, titular do NIF ….

23. Existe outra sociedade por quotas, com a firma SAPATARIA JANDAIA, LDA., com sede na Avenida ...., nº 24-A, freguesia de ...., concelho de ...., com o número de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e de pessoa coletiva 50....293.

24. Esta sociedade tem como objeto o comércio de calçado e pronto-a-vestir, a que corresponde o CAE principal ….

25. E, desde 2013, tem um capital social de 10.000,00€, distribuído por quatro sócios da seguinte forma: Senhor CC, titular de uma quota de 3.000,00€, Senhora D. DD, titular de uma quota de 1.000,00€, Senhor EE, titular de uma quota de 3.000,00€, e Senhora D. FF, titular de uma quota de 3.000,00€.

26. A gerência desta sociedade é assegurada por três gerentes, concretamente os Senhores CC, titular do NIF …, EE, titular do NIF …, e D. FF, titular do NIF ….

27. Existe também outra sociedade por quotas, denominada INTER-MODAS INTERNACIONAIS, LDA., com sede na Rua ..., nº 101 – 1º Esquerdo, freguesia de ..., concelho de Lisboa, com o número de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e de pessoa coletiva 50...38.

28. Esta sociedade tem como objeto o comércio de modas e confeções, pronto-a-vestir, papelaria, malas, calçado, peleiro e artigos de couro, a que corresponde o CAE principal ….

29. E, desde 2013, tem um capital social de 15.000,00€, distribuído por quatro sócios da seguinte forma: Senhor CC, titular de uma quota de 4.500,00€,

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Senhora D. DD, titular de uma quota de 1.500,00€, Senhor EE, titular de uma quota de 4.500,00€, e Senhora D. FF, titular de uma quota de 4.500,00€.

30. A gerência desta sociedade é assegurada por quatro gerentes, concretamente os Senhores CC, titular do NIF …, DD, titular do NIF …, EE, titular do NIF …, e D. FF, titular do NIF ….

31. Existe ainda outra sociedade por quotas, com a firma REPRESENTAÇÕES E COMÉRCIO DOMINGOS BRANDÃO, LDA., com sede na Rua ..., nº 19-D, r/chão Direito, freguesia de ..., concelho de Lisboa, com o número de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e de pessoa coletiva 50...71.

32. Esta sociedade tem como objeto representações e comércio por grosso e a retalho de calçado, peles e couro, marroquinaria, artigos em pele e vestuário em geral, bem como arrendamento e gestão de imóveis próprios, a que corresponde o CAE principal ….

33. E, desde 2013, tem um capital social de 25.000,00€, distribuído por quatro sócios da seguinte forma: Senhor CC, titular de uma quota de 7.500,00€, Senhora D. DD, titular de uma quota de 2.500,00€, Senhor EE, titular de uma quota de 7.500,00€, e Senhora D. FF, titular de uma quota de 7.500,00€.

34. A gerência desta sociedade é assegurada por três gerentes, concretamente os Senhores CC, titular do NIF …, D. FF, titular do NIF …, e D. DD, titular do NIF ….

35. As quatro sociedades por quotas mencionadas, SAPATARIA PELICANO, LDA.

SAPATARIA JANDAIA, LDA., INTER-MODAS INTERNACIONAIS, LDA. e

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têm, pelo menos desde 2013, os mesmos quatro sócios, os Senhores CC, EE, D. FF e D. DD.

36. As quatro sociedades dedicam-se, entre outros, ao comércio de calçado e a outros produtos similares.

37. É possível adquirir um bem num estabelecimento de uma dessas sociedades e trocá-lo por outro bem noutro estabelecimento com idêntica denominação pertencente a outra dessas quatro sociedades.

38. No ano de 2012, a ré teve um volume de negócios líquido €320.173,07 e empregou durante o exercício 4 pessoas.

39. No ano de 2015, a ré teve um volume de negócios líquido de €341.889,84 e empregou 4 pessoas.

40. No que respeita à sociedade Sapataria Jandaia., no mesmo ano, registou um volume de negócios líquido de 1.385.150,84€, e empregou 16 pessoas.

41. No mesmo ano, a sociedade Inter-Modas Internacionais, Lda. teve um volume de negócios líquido de 402.775,94€ e empregou 6 pessoas.

42. E, também no mesmo ano de 2015, a sociedade Representações e Comércio Domingos Brandão, Lda. registou um volume de negócios líquido de 620.952,96€, e empregou 2 pessoas”.

B) De Direito

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habitacionais, celebrado antes da entrada em vigor do RAU de 1990 (DL n.º 321/90, de 15 de outubro) e do DL n.º 257/95, de 30 de setembro (aplicável aos contratos não habitacionais), nos termos do qual a Ré é, desde 1936, arrendatária do imóvel constituído por Loja, com entrada pelo n.º 78, e Sobreloja, com entrada pela Loja com o n.º 78 e pelo n.º 76, do prédio urbano sito na Rua ……., nos … a …, freguesia ….., assumindo atualmente o Autor a posição de senhorio naquele contrato, por ser usufrutuário do imóvel, e destinando-se a referida Loja e Sobreloja, respetivamente, a estabelecimento de venda e a oficina e manufatura de calçado.

2. Afigura-se indiscutível a transição deste contrato para o NRAU (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto), operada no início de 2013, por iniciativa do senhorio, nos termos legais então aplicáveis, com a atualização da renda a partir de 1 de maio de 2013, passando tal contrato a ter um prazo de cinco anos - cf. arts. 2.º, 31.º, n.º 7, 33.º, n.os 1 e 5, al. b), 35.º, n.º 2, als. a) e b) e 50.º e ss do NRAU.

3 . A questão em apreço nos autos consiste em saber se a Recorrida é qualificável como microempresa para efeitos da disposição transitória do art. 6.º, n.º 3, da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, de forma a beneficiar de um acréscimo de três anos de prazo de duração do referido contrato de arrendamento. Está, por isso, em causa o conceito de “microempresa” que a Lei n.º 79/2014 estabeleceu no art. 51.º, n.º 5, do NRAU.

4 . O Tribunal de 1.ª Instância considerou que a Recorrida reunia os requisitos para ser qualificada como “microempresa”, para os referidos efeitos, com a consequente improcedência da ação. Para o efeito, apresenta a seguinte fundamentação:

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“Com efeito, entendemos que com o citado artigo 51.º, n.º 5 da Lei 6/2006, na redação introduzida pela Lei 79/2014 de 6 de novembro, o legislador pretendeu estabelecer, especificamente, para a circunstância ali em causa e para o fim ali visado, um conceito de microempresa próprio daquele regime, distinto daquele que emerge do Decreto-Lei n.º 372/2007, o que resulta notório, desde logo, perante o elemento literal – sublinhe-se, mais uma vez, a expressão utilizada pelo legislador, “Para efeitos da presente lei”, que não foi decerto escolhida ao acaso. Se aquele conceito de microempresa foi consagrado especificamente para aquela lei, tal implica que só aquele releva naquele âmbito. Socorrendo-nos das regras de interpretação ínsitas no artigo 9.º do Código Civil, é manifesto que temos, aqui, no caso em apreço, o elemento literal da norma que afasta outros conceitos de microempresa que não aquele que ali se encontra expresso, definindo exatamente os critérios pelos quais se alcança aquele conceito. Se a intenção do legislador fosse a de aplicar o conceito de microempresa definido no Decreto-Lei n.º 372/2007 de 6 de novembro, com todas as especificidades e regras aí definidas, teria remetido diretamente para esse diploma, sem estabelecer qualquer definição paralela daquele conceito, como o fez noutros diplomas, tal como salientado pela ré, nomeadamente, no Código de IRS, no n.º 4 do artigo 43.º onde expressamente se diz: “4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro”. Contudo, não o fez neste caso, optando, de forma clara, por elencar expressamente os requisitos necessários à qualificação de uma organização comercial como microempresa, com relevância apenas para efeitos do regime de arrendamento não habitacional. E há que realçar que se não remeteu para aquele diploma, foi porque entendeu que não se justificava aplicar ao regime de arrendamento não habitacional as especificidades ali consagradas, designadamente, as que respeitam às empresas associadas e à agregação dos dados destas para efeitos

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de cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros. O que se compreende bem e tem a sua razão de ser no facto das matérias, fins, propósitos e campos de aplicação serem manifestamente distintos em cada um desses regimes e se coaduna com a expressa revogação da declaração do IAPMEI do elenco dos meios de prova exemplificativos previstos no artigo 4.º, n.º 2 da Portaria 226/2013 – artigo 1.º da Portaria 115/2014 de 29 de maio, que alterou aquela Portaria 226/2013. Na verdade, independentemente dos motivos que a possam ter determinado, o que é certo é que o IAPMEI é a entidade a quem incumbe a certificação regulamentada no Decreto-Lei 372/2007 e a revogação expressa daquele meio de prova do elenco exemplificativo indicia, pelo menos, uma despreocupação do legislador na intervenção desta entidade para atestar os requisitos do conceito de microempresa para os efeitos do regime do arrendamento não habitacional. Ademais, como também realçou a ré, idêntica opção tomou o legislador no Código de Trabalho, onde definiu critérios diferentes para a integração o conceito de microempresa, distintos quer dos critérios definidos no Decreto-Lei 372/2007, quer dos definidos no regime de arrendamento não habitacional. Na verdade, dispõe o artigo 100.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho, “Considera-se: a) Microempresa a que emprega menos de 10 trabalhadores; (…)”, ou seja, neste diploma, o conceito de microempresa é definido apenas por referência ao número de trabalhadores. Assim, ressalta à saciedade do exposto, que o legislador adota, nos diferentes diplomas, conceitos distintos para “microempresa”, consoante as matérias em causa e os fins em vista, impondo-se-nos, enquanto intérpretes, presumir que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3 do CC). De facto, não podemos ignorar que uma empresa pode ter uma qualificação para determinados fins e ter qualificação distinta noutro contexto, ou seja, nada impede que uma empresa seja qualificada como microempresa para efeitos de arrendamento não habitacional e como pequena ou média, ainda que por associação a outras, para

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efeitos da obtenção de apoios comunitários. O Decreto-Lei 372/2007 de 6 de novembro, regulamenta a certificação eletrónica, das micro, pequenas e médias empresas, visando a desburocratização e desmaterialização no relacionamento das empresas com os serviços públicos responsáveis pela aplicação das políticas destinadas às PME, sendo patente que aquela certificação apenas é obrigatória nos casos e para os efeitos ali expressamente previstos, isto é, para a obtenção de apoios, nacionais ou comunitários, tudo no âmbito de relações administrativas, ou seja, aquelas que são reguladas pelo direito público, administrativo. Assim, em todas as demais circunstâncias, para além daquelas ali plasmadas, a utilização da certificação por parte das empresas é voluntária, podendo ser utilizada ou não. Flui do exposto, em suma, que os princípios orientadores, os objetivos visados e respetivo campo de aplicação desta regulamentação são totalmente díspares daqueles que são prosseguidos e que norteiam o regime jurídico do arrendamento não habitacional especialmente previsto para as microempresas. Razão pela qual, não colhe o argumento do autor no sentido de que as razões que justificam o regime do Decreto-Lei 372/2007 de 6 de novembro, procedem no caso em apreço, inexistindo qualquer lacuna no regime de arrendamento não habitacional. Em face dos argumentos que se deixaram expostos, acolhemos inteiramente o entendimento de que o conceito de microempresa a ter em conta para efeitos de arrendamento e, concretamente, das normas de transição dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais celebrados anteriormente ao Decreto-Lei n.º 257/95 é, única e exclusivamente, o conceito definido no artigo 51.º, n.º 5 da Lei 6/2006, com as alterações introduzidas pela Lei 79/2014 de 19 de dezembro, já em vigor à data da comunicação emitida pela ré, com data de 3 de Fevereiro de 2015, não se aplicando nenhuma das disposições do Decreto-Lei 372/2007 de 6 de novembro. Na verdade, cremos que esta é a única interpretação que a própria letra da lei admite, a única que salvaguarda e garante o princípio da estabilidade e segurança no direito e aquela que melhor

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se harmoniza com o espírito do legislador espelhado ao longo de todo o nosso sistema jurídico”.

5. O Tribunal da Relação de Lisboa aderiu a essa fundamentação.

6. Defende o Autor/Recorrente que a alteração ao conceito de “microempresa” introduzida pela Lei n.º 79/2014 não pode deixar de se harmonizar com a definição constante de outros diplomas legais que classificam empresas de acordo com uma determinada dimensão (v.g., art. 2.º, n.º 3 do Anexo 1 do DL nº 372/2007, de 6 de novembro) e, também, com o conceito adotado por diplomas comunitários, como a Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas, de 6 de maio de 2003, nomeadamente no art. 2.º do respetivo Anexo; por isso, o conceito de microempresa vertido no NRAU tem de ser interpretado - de acordo com as regras hermenêuticas plasmadas no art. 9.º do CC - tendo em consideração o regime previsto no DL n.º 372/2007, na Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE e na Lei n.º 19/2012, de 18 de maio, que estabelece o Novo Regime Jurídico da Concorrência. Realizada, naqueles moldes, a interpretação da disposição legal em causa - art. 51.º, n.º 4, al. a), e n.º 5, do NRAU, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014 –, afigura-se forçoso concluir que a Recorrida e as outras três empresas mencionadas nos autos têm de ser consideradas, não como estruturas ou entidades individuais, mas sim como uma única empresa. Por conseguinte, atendendo ao número global dos trabalhadores e ao total anual dos balanços e dos volumes de negócios líquidos das quatro empresas, não é possível a qualificação da Ré/Recorrida como microempresa para efeitos de aplicação do art. 51.º, n.º 4, al. a), e n.º 5, do NRAU, na redação dada pela Lei nº 79/2014.

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NRAU, e consagrou um processo de transição da disciplina legal aplicável aos contratos de arrendamento anteriormente celebrados para o NRAU, designadamente, no que respeita aos prazos de duração dos contratos e à atualização das rendas.

8. Conforme o art. 53.º (“Actualização faseada do valor da renda”) do NRAU, “1 - A actualização do valor da renda é feita de forma faseada, podendo decorrer durante 5 ou 10 anos, nos termos dos artigos 40.º e 41.º 2 - A actualização é feita em 10 anos quando: a) Existindo no locado um estabelecimento comercial aberto ao público, o arrendatário seja uma microempresa ou uma pessoa singular; (…); 3 - Microempresa é a que tem menos de 10 trabalhadores e cujos volume de negócios e balanço total não ultrapassam (euro) 2000000 cada.”

9. Verificou-se, assim, logo em 2006, com a aprovação do NRAU, a existência de um conjunto de arrendatários merecedor de especial proteção. Isso mesmo sucedia quando, operando no locado um estabelecimento comercial aberto ao público, o arrendatário fosse uma pessoa singular ou uma microempresa, entendendo a lei como microempresa aquela “que tem menos de 10 trabalhadores e cujos volume de negócios e balanço total não ultrapassam (euro) 2 000 000 cada.”

10. Ulteriormente, a Lei n.º 31/2012 (que entrou em vigor a 12 de dezembro de 2012, nos termos do art. 15.º), no art. 4.º, modificou a Lei n.º 6/2006, introduzindo um regime transitório caracterizado por mecanismos de proteção para certas categorias de arrendatários, permitindo a determinadas empresas a invocação da qualidade de “microentidade”.

11. Na verdade, segundo o art. 51.º, n.° 4, al. a), do NRAU, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, o arrendatário, querendo opor-se à pretensão do

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senhorio de transição para o NRAU e de atualização da renda, podia invocar "que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microentidade”. De acordo com o n.º 5 do mesmo preceito, “Para efeitos da presente lei, «microentidade» é a empresa que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapasse, à data do balanço, dois dos três limites seguintes: a) Total do balanço: (euro) 500 000; b) Volume de negócios líquido: (euro) 500 000; c) Número médio de empregados durante o exercício: cinco.”

12. Este conceito de “microentidade” era substancialmente mais restrito do que aquele consagrado na versão originária do NRAU de “microempresa”, uma vez que passaram a ser consideradas microentidades apenas as que tivessem menos de 5 empregados (anteriormente eram 10) e que faturassem somente até € 500.000 anuais ou que tivessem um valor de balanço equivalente (anteriormente era de € 2.000.000).

13. Mais tarde, a Lei n.º 79/2014, que entrou em vigor a 18 de janeiro de 2015, no art. 3.º, alterou o NRAU, dilatando o universo dos arrendatários comerciais sujeitos a um regime especial de proteção e prorrogando o período transitório nesses arrendamentos, dispondo, desde logo, no art. 6.º, a título de disposição transitória formal e material, que: “1 - As alterações introduzidas à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pela presente lei aplicam-se aos procedimentos de transição para o NRAU, previstos nos artigos 30.º e seguintes e 50.º e seguintes, que se encontrem pendentes na data da sua entrada em vigor, sem prejuízo dos direitos e obrigações decorrentes dos atos já praticados nesses procedimentos e do disposto nos números seguintes. (…) 3 - Nos contratos de arrendamento não habitacional cuja renda já tenha sido atualizada nos termos da alínea b) do n.º 5 do artigo 33.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, aplicável por força do disposto no artigo 52.º do mesmo diploma, o arrendatário pode invocar as circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51.º, no prazo de 30

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dias a contar da entrada em vigor da presente lei, desde que comprove a realização de investimentos no locado ou em equipamentos para ele especificamente vocacionados, efetuados nos três anos anteriores à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, não podendo o senhorio opor-se, nestas situações, a uma renovação do contrato por um período de três anos, sem prejuízo da atualização da renda por aplicação dos coeficientes de atualização anual respetivos, definidos nos termos do artigo 24.º. (…)”.

14. Na Lei n.º 79/2014, o legislador modificou a redação do art. 51.º, n.º 4, al. a), e n.º 5 do NRAU, que passou a estabelecer que “4 - Se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 54.º, invocar uma das seguintes circunstâncias: a) Que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microempresa; (…) 5 - Para efeitos da presente lei, «microempresa» é a empresa que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapasse, à data do balanço, dois dos três limites seguintes: a) Total do balanço: (euro) 2 000 000; b) Volume de negócios líquido: (euro) 2 000 000; c) Número médio de empregados durante o exercício: 10”.

15. Assim, o conceito de “microentidade” foi substituído, pela Lei n.º 79/2014, por aquele de “microempresa”, com o aumento significativo do valor dos limites anteriormente estabelecidos na Lei n.º 31/2012. Na verdade, considera-se, agora, microempresa aquela que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapasse, à data do balanço, dois dos três limites seguintes: total do balanço: € 2.000.000 (anteriormente € 500.000); volume de negócios líquido: € 2.000.000 (anteriormente € 500.000); e número médio de empregados durante o exercício: 10 (anteriormente 5).

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versão originária do NRAU – microempresa -, como também o conteúdo essencial então previsto quanto ao limite máximo do número de trabalhadores (10) e ao total do balanço (€ 2.000.000) e volume de negócios (€ 2.000.000) a ter em consideração para aquela qualificação (art. 53.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da versão originária do NRAU). Todavia, enquanto na versão originária do NRAU era necessário, para a qualificação como microempresa, que nenhum daqueles três limites fosse ultrapassado, na versão do NRAU dada pela Lei n.º 79/2014 basta, para aquela qualificação, que dois daqueles limites não sejam superados: i.e., um daqueles limites pode, agora, ser excedido, não impedindo a qualificação da empresa como microempresa.

17. Foi ao abrigo do art. 51.º, n.º 4, al. a), e n.º 5, do NRAU, na redação dada pela Lei n.º 79/2014, que a Ré/Recorrida invocou perante o Autor/Recorrente ser uma “microempresa” que havia efetuado investimentos nos três anos anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, para os efeitos do art. 54.º do mesmo diploma legal; defendendo a Recorrente, todavia, entendimento diverso.

1 8 . Está, pois, em causa a interpretação do conceito de microempresa estabelecido no art. 51.º, n.º 5, do NRAU, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 79/2014.

19. O art. 9.º do CC consagra os fatores hermenêuticos de que o intérprete lança mão para desvendar o sentido e alcance dos textos legais. Assim, conforme o n.º 1, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. Sendo o ponto de partida da interpretação, compete ao texto a função de eliminar

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aqueles sentidos que não tenham qualquer ressonância nas palavras da lei, porquanto, segundo o n.º 2 do mesmo preceito, não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (teoria da alusão). Além disso, de acordo com o n.º 3, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

20. Não pode, pois, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso[1].

21. O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, i.e., que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como, a ponderação de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende, ainda, o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico[2]. Ou seja, a interpretação deve ter em conta “a unidade do sistema jurídico” (art. 9.º, n.º 1 do CC).

22. O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios[3].

23. O elemento racional ou teleológico consiste no espírito ou razão de ser da norma, na sua justificação social (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao criar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar. O art. 9.º, n.º 2, do CC refere-se, a este respeito, a “pensamento legislativo”, dando,

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pois, preferência ao espírito sobre a letra, mas sempre com a limitação de que esse espírito ainda encontre na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”[4].

24. O conhecimento do fim visado pelo legislador (ratio legis) acompanhado daquele das circunstâncias em que a norma foi elaborada (occasio legis) reveste-se de particular importância para determinar o sentido da norma.

25. Assim, desde logo, a letra do art. 51.º, n.º 5, do NRAU, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014: “Para efeitos da presente lei, “microempresa” é a empresa que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapasse, à data do balanço, dois dos três limites seguintes: a) Total do balanço: 2 000 000; b) Volume de negócios líquido: 2 000 000; c) Número médio de empregados durante o exercício: 10”.

26. Deste preceito resulta que o legislador não definiu a “microempresa” por remissão para qualquer outra definição já plasmada noutro diploma legal. Dir-se-ia que o legislador consagrou um conceito próprio, operativo, autónomo e completo de microempresa, específico para o NRAU (“Para efeitos da presente lei, …”). O legislador, diferentemente do que fez noutros diplomas (v.g., respetivamente, art. 3.º do Anexo da Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE, relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas, de 6 de maio de 2003 e art. 3º do Anexo 1 do DL n.º 372/2007, de 6 de novembro – de igual teor; art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 19/2012, de 18 de maio), também não estabeleceu qualquer ressalva no que respeita à relação entre empresas (autónomas, parceiras ou associadas) ou a conjuntos de empresas que constituam uma unidade económica ou mantenham entre si laços de interdependência.

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27. Assim, à primeira vista, a definição de microempresa constante do NRAU é auto-suficiente, devendo ser aplicada com autonomia relativamente a outras definições de microempresa constantes de outros diplomas normativos.

28. Importa, nesta sede, levar em devida linha de conta que as microempresas, apesar de serem “os verdadeiros gigantes da economia europeia” – e também da portuguesa -, se confrontam, inter alia, com dificuldades no acesso ao financiamento. Daí a necessidade de as contemplar, em diversas sedes, com alguma proteção especial. Uma microempresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede o montante de € 2.000.000.

29. Um dos principais objetivos da Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE consiste em assegurar que as medidas de apoio são canalizadas exclusivamente para as empresas que delas realmente necessitam.

30. A definição de micro, pequenas e médias empresas deve aplicar-se, por conseguinte, a todos os programas, políticas e medidas que a Comissão Europeia formula e implementa a favor dessas empresas, assim como aos tipos de auxílio estatal em relação aos quais não existem orientações específicas. No entanto, a qualificação de uma entidade como micro, pequena ou média empresa não é tão simples como se poderia pensar.

31. Em ordem a essa qualificação, a dimensão da empresa (trabalhadores, volume de negócios e balanço total) não é o único fator objeto de ponderação. Com efeito, uma empresa pode ser muito pequena de acordo com estes critérios, mas se tiver acesso a recursos adicionais significativos (propriedade, parcerias, associações – v.g., por ser detida por uma empresa de maiores dimensões, ou por ser associada ou parceira de uma empresa maior) poderá

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não ser elegível para o estatuto de micro, pequena ou média empresa. Não pode descurar-se que apenas devem ser qualificadas como micro, pequenas ou médias empresas aquelas empresas que se enquadrem no “espírito” da Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE.

32. Num mercado único sem fronteiras internas e num ambiente empresarial cada vez mais globalizado, é essencial que as medidas de apoio às micro, pequenas e médias empresas assentem numa definição comum. É que a falta desta afigura-se suscetível de conduzir à aplicação desigual das políticas de apoio ou assistência e, por conseguinte, de falsear a concorrência nos Estados-Membros. Uma empresa de um Estado-Membro pode, por exemplo, ser elegível para beneficiar de determinado auxílio, enquanto uma empresa de outro Estado-Membro, exatamente da mesma dimensão e com a mesma estrutura, poderá não o ser. Uma definição comum contribui para a coerência e a eficácia das diversas políticas adotadas em prol das micro, pequenas e médias empresas em toda a UE.

3 3 . Reveste-se, por conseguinte, de particular importância identificar as empresas que são verdadeiras micro, pequenas e médias empresas, pois são estas que necessitam do auxílio, apoio ou assistência – por se confrontarem com problemas específicos - de que outras, verdadeiramente, não precisam.

34. Importa, por isso mesmo, ter em conta uma perspetiva, não da empresa isolada, mas antes da sua posição situacional economicamente integrada em determinadas estruturas empresariais. A definição de microempresa tem, necessariamente, de ter em conta as possíveis relações da empresa qualificanda com outras empresas. Em certos casos, essas relações, em especial as que criam importantes laços proprietários ou permitem o acesso a recursos financeiros adicionais - ou até a outros tipos de recursos -, obstam à

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qualificação de uma empresa como microempresa.

3 5 . Se existir uma relação dessa natureza por intermédio de uma ou mais pessoas singulares (que atuem concertadamente), as empresas em apreço são consideradas associadas no caso de exercerem as suas atividades no mesmo mercado ou em mercados contíguos (art. 3.º, n.º 3, da Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE).

36. Impõe-se, deste modo, atender ao art. 6.º, n.os 2, 3 e 4 da Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE. No que se refere às empresas associadas, devem juntar‑se aos elementos da empresa sob avaliação aqueles da(s) empresa(s) associada(s), em ordem a determinar se cumpre os limites estabelecidos na respetiva definição.

37. Isto mesmo corresponde, no art. 51.º, n.os 4, al. a), e 5, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 79/2014, ao espírito do legislador (à ratio legis) tanto no momento da previsão legislativa de proteção especial para certa categoria de empresas em sede de contratos de arrendamento urbano (“circunstâncias em que a lei foi elaborada” – art. 9.º, n.º 1, do CC) como no momento da sua aplicação (“condições específicas do tempo em que é aplicada” – art. 9.º, n.º 1, do CC). Atende ainda à unidade do sistema jurídico - art. 9.º, n.º 1, do CC.

38. Com efeito, na Lei n.º 79/2014, ao substituir a expressão “microentidade” (adotada pela Lei n.º 31/2012) pela de microempresa, o legislador não pretendeu consagrar, no NRAU, um conceito novo e diferente de microempresa no âmbito do regime do arrendamento urbano. Na verdade, aquela lei apenas recuperou a denominação prevista na versão originária do NRAU (“microempresa”) e como que “repristinou” os limites máximos do número de trabalhadores (10) e o total do balanço (€ 2.000.000) e volume de negócios (€

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2.000.000) a ter em consideração para aquela qualificação, anteriormente constantes daquela versão do NRAU que vigorou na nossa ordem jurídica entre 2006 e 2012 (art. 53.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, na versão originária do NRAU).

3 9 . O que significa que, com a Lei n.º 79/2014, o legislador visou também alcançar uma harmonização com a definição de microempresa constante de outros diplomas legais – que qualificam as empresas de acordo com determinada dimensão (como o DL n.º 372/2007 e a Lei n.º 19/2012) - ou com o conceito de microempresa que emana da Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE. Não pode dizer-se que teve em vista lançar mão de um conceito próprio, específico, de microempresa para os concretos – e únicos - objetivos de proteção especial de certas categorias de entidades nos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais.

40. Pode recorrer-se, ainda, nesta sede, ao elemento histórico de interpretação, i.e., à Exposição de Motivos constante da proposta de Lei n.º 250/XII, que esteve na génese da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, da qual decorre que, depois da avaliação do regime estabelecido na Lei n.º 32/2012, “No tocante aos contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, que transitam para o novo regime, foi reconhecida a necessidade de assegurar maior estabilidade ao arrendatário, para proteção da atividade económica que é desenvolvida no locado e do emprego que lhe está associado.”. O legislador intencionou, pois, conceder alguma proteção arrendatícia especial àquelas empresas que fossem qualificadas como microempresas de acordo com os critérios para o efeito adotados pelo ordenamento jurídico. Não pretendeu adotar um conceito próprio e autónomo de microempresa, diferente daquele plasmado na Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE, no DL n.º 372/2007 e na Lei n.º 19/2012.

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41. Na verdade, desde 28 de junho de 2006 (início de vigência da Lei n.º 6/2006 – NRAU) até 12 de dezembro de 2012 (início de vigência da Lei 31/2012), o conceito de microempresa coincidia com aquele atualmente em vigor desde 18 de junho de 2015 (início de vigência da Lei n.º 79/2014), assim como com aquele estabelecido na Recomendação da Comissão Europeia 2003/361/CE e no DL n.º 372/2007. Isto demonstra que o legislador, para efeitos do NRAU, não pretendeu consagrar um conceito de microempresa diferente daquele já previsto no ordenamento jurídico.

42. O legislador, em 2014, teve em vista a (re)harmonização do conceito de microempresa adotado no NRAU com o conceito de microempresa constante de outros diplomas legais. O legislador reiterou a definição constante desses diplomas em lugar de para eles estabelecer uma remissão para efeitos de definir a hipótese legal (para as disposições que definem a microempresa), nomeadamente, para o DL n.º 372/2007, como fez no art. 43.º, n.º 4, do Código do IRS.

43. Acresce que o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados nos vários diplomas legais (art. 9.º, n.º 3, in fine, do CC). No caso de a interpretação mais natural e condizente com a fórmula verbal não corresponder à solução mais acertada, verifica-se um conflito entre as duas presunções consagradas no art. 9.º, n.º 3, do CC. Contudo, o impasse gerado por esse conflito não subsiste no caso dos autos, uma vez os elementos da interpretação mencionados no art. 9.º do CC apontam claramente no sentido da harmonização do conceito de microempresa constante do art. 51.º, n.º 5, do NRAU, com o conceito de microempresa adotado noutras sedes do ordenamento jurídico. Tendo em conta o princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica, o elemento sistemático da interpretação da lei (“a

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unidade do sistema jurídico”) afigura-se decisivo – falando-se até de “referência do sentido de cada norma ao ordenamento jurídico global”[5].

44. Era, certamente, intenção do legislador, com a alteração introduzida pela Lei n.º 79/2014, aplicar ao NRAU o conceito de microempresa previsto quer na Recomendação 2003/361/CE quer no DL n.º 372/2007, porquanto os critérios para a qualificação de uma empresa como microempresa previstos na primeira coincidem, fundamental e essencialmente[6], com aqueles previstos nos últimos.

4 5 . Aliás, o fim de proteção das microempresas subjaz às diversas normas, dispersas no ordenamento jurídico, que as contemplam.

46. Conclui-se, assim, que o conceito legal de microempresa consagrado no art. 51.º, n.º 5, do NRAU, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, não se basta a si próprio e não deve ser aplicado com autonomia relativamente a outras definições de microempresa. Não existe, pois, qualquer razão ou fundamento para afirmar uma definição de microempresa no âmbito do NRAU diferente daquela que vale noutras sedes do ordenamento jurídico.

47. No caso dos autos, não pode, por conseguinte, ter-se apenas em conta, isoladamente, a Ré/Recorrida, considerando somente que tanto no ano de 2012 como no de 2015 teve 4 empregados (portanto, menos de 10) e obteve um total anual de volume de negócios líquido de € 320.173,07 e de € 341.889,84 (cf. factos provados sob os n.os 38 e 39, respetivamente) – inferior, portanto, a € 2.000,000 - e que, por isso, não ultrapassou dois dos três limites previstos no art. 51.º, n.º 5, do NRAU, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014.

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relação de associação com a Sapataria Jandaia, Lda., com a Inter-Modas Internacionais, Lda.. As quatro sociedades têm, pelo menos desde 2013, os mesmos quatro sócios e, fundamentalmente, a mesma gerência; dedicam-se, inter alia, ao comércio de calçado e a outros produtos similares; é possível adquirir um bem num estabelecimento de uma dessas sociedades e trocá-lo por outro bem noutro estabelecimento com idêntica denominação pertencente a outra dessas quatro sociedades; no ano de 2015, a Ré/Recorrida teve um volume de negócios líquido de €341.889,84 e empregou 4 pessoas; a Sapataria Jandaia, LDA., no mesmo ano, registou um volume de negócios líquido de €1.385.150,84, e empregou 16 pessoas; no mesmo ano, a Inter-Modas Internacionais, Lda., teve um volume de negócios líquido de €402.775,94 e empregou 6 pessoas; e, também no mesmo ano de 2015, a Representações e Comércio Domingos Brandão, Lda., registou um volume de negócios líquido de €620.952,96, e empregou 2 pessoas (cf. factos provados sob os n.os 34-42).

49. Por conseguinte, não pode qualificar-se a Ré/Recorrida como microempresa, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 51.º, n.os 4, al. a), e 5, do NRAU, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, uma vez que todos os limiares se encontram excedidos.

IV. Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso de revista interposto por AA, revogando-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrida.

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Sumário: 1. A Lei n.º 79/2014 retomou, não só a denominação da versão originária do NRAU – microempresa -, como também o conteúdo essencial então previsto quanto ao limite máximo do número de trabalhadores (10) e ao total do balanço (€ 2.000.000) e volume de negócios (€ 2.000.000) a ter em consideração para a qualificação de determinada empresa como microempresa.

2. Um dos principais objetivos da Recomendação da Comissão Europeia

2003/361/CE consiste em assegurar que as medidas de apoio são canalizadas exclusivamente para as empresas que delas realmente necessitam. 3. Reveste-se, por conseguinte, de particular importância identificar as empresas que são verdadeiras micro, pois são estas que necessitam do auxílio, apoio ou assistência, por se confrontarem com problemas específicos. 4. Importa, por isso, ter em conta uma perspetiva não da empresa isolada, mas antes da sua posição situacional economicamente integrada em determinadas estruturas empresariais. A definição de microempresa tem, necessariamente, de ter em conta as possíveis relações da empresa qualificanda com outras empresas. Em certos casos, essas relações obstam à qualificação de uma empresa como microempresa. 5. O legislador, para efeitos de NRAU, não pretendeu consagrar um conceito de microempresa diferente daquele já previsto no ordenamento jurídico.

Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).

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